Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00765/09.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Vital Lopes
Descritores:IVA
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. Não tendo a AT recolhido, no exercício da sua actividade inspectiva, indícios sérios, credíveis e consistentes de que as facturas contabilizadas de determinados emitentes não representam reais e efectivas operações económicas, não cumpriu o ónus de prova sobre os pressupostos legitimadores das correcções assentes na desconsideração, para efeitos de dedutibilidade, do IVA mencionado nessas facturas, nos termos do n.º3 do art.º19.º do CIVA;
2. Em tal situação, a questão termina logo aí, nenhum ónus se impondo ao impugnante e Recorrente de fazer a prova de que adquiriu os bens descritos nas referidas facturas e que os mesmos lhe foram fornecidos pelos respectivos emitentes.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho da Mma. juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel de 10/04/2013, que constitui fls.141/145 dos autos que indeferiu as diligências de prova por si requeridas a fls.110.

No requerimento de recurso apresentou alegações e concluiu nos seguintes termos:

«CONCLUSÕES:
A. O douto despacho sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, por infracção ao disposto nos art.ºs 13º e 114º, ambos do CPPT e no art.º 99º da LGT.
B. A Fazenda Pública requereu ao douto tribunal que fossem promovidas outras diligências, em requerimento junto a fls 110 dos autos, porquanto foram verificados no decurso do procedimento inspectivo evidências de realização de serviços de construção civil,
C. facto que a impugnante salienta na sua contestação de modo a asseverar que os serviços descritos nas facturas em causa nos autos foram realizados pelo emitente daquelas facturas, “P…, Unipessoal, Lda”,
D. pelo que tornava importante clarificar se a impugnante não teria recorrido a quaisquer outros prestadores de serviços de construção civil, nos anos que se seguiram a 2005 e até ao ano da realização do procedimento de inspecção, 2009, assegurando-se deste modo o douto tribunal que os serviços apercebidos pelo inspector que realizou o procedimento inspectivo e que compreendiam os descritos nas facturas em causa nos autos [não] poderiam ter sido realizados pelo seu emitente, “P…, Unipessoal, Lda”.
E. O tribunal a quo não fundamentou [devidamente] o motivo porque não reconheceu pertinência na realização de qualquer outra diligência complementar de prova requerida e identificada pela Fazenda Pública, não tendo esclarecido o indeferimento do requerido de modo a evidenciar com segurança que as diligências pedidas são inúteis.
F. O douto tribunal a quo, no despacho aqui recorrido, além de apenas mencionar que o processo reúne os elementos de prova documental necessários para a descoberta da verdade, acrescentou que a fundamentação da liquidação deve ser contemporânea ao acto, e que nos termos da al. i) do n.º 3 do art.º 62 do RCPIT o relatório de inspecção deve ser acompanhado dos documentos de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas.
G. Todavia, os elementos complementares de prova requeridos pela Fazenda Pública, por entender serem pertinentes para a boa decisão da causa, não tinham de integrar a fundamentação dos actos de liquidação nestes autos pleiteados pela impugnante, pois são elementes referentes a anos vindouros ao do procedimento de inspecção donde surgiram aquelas liquidações adicionais,
H. anos que não integravam a ordem de serviço emitida para aquele procedimento de inspecção,
I. e que se mostravam necessários para contrariar afirmações da impugnante na Petição Inicial.
J. Assim, o douto despacho que não ordenou as diligências de prova requeridas pela Fazenda Pública deve ser revogado, devendo, pois, o requerido ser admitido e deferido.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências».

O recurso foi admitido por despacho de fls.157, com subida diferida.

Não foram apresentadas contra alegações.

No seguimento dos autos e após cumprimento de demais formalidades, foi elaborada sentença, que constitui fls. 171 a 201 dos autos, julgando procedente a impugnação deduzida por “M…, Lda.”, da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativas ao período 0512T, no valor total de 9.767,82Euros.

Da sentença foi interposto recurso para este TCAN, também pela Fazenda Pública.

Este recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.210).

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A. A Fazenda Pública não pode conformar-se com o doutamente decidido, porquanto entende, que houve erro de julgamento, quanto à matéria de facto e quanto ao direito, tendo o tribunal a quo errado na correlação entre a selecção e valoração da prova e a respectiva interpretação.
B. Assim, entende a Fazenda Pública que o tribunal recorrido levou factos ao probatório que conduziriam a que a decisão a proferir seria no sentido da improcedência do pedido e não, como foi, da sua procedência.
C. Acresce que, a Fazenda Pública considerando essencial para a descoberta da verdade material, solicitou ao tribunal a quo que se dignasse notificar a Impugnante a fim de trazer elementos aos autos elementos que permitissem averiguar se a impugnante posteriormente a 2005 teria recorrido ou não a quaisquer outros prestadores de serviços de construção civil [nos anos que se seguiram a 2005 e até ao ano da realização do procedimento de inspecção, 2009] para a realização desses serviços constatados pelos serviços de inspecção.
D. O tribunal a quo indeferiu tal pretensão, pelo que não se tendo conformado com tal decisão, a Fazenda Pública em devido tempo interpôs recurso do referido despacho interlocutório conforme previsto no art. 285.º do CPPT.
E. A Administração Tributária concluiu, pela enunciação de indícios sólidos, objetivos e consistentes, de que as faturas em causa não correspondiam a serviços efetivamente prestados, i.e., logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiu concluir que as operações a que se referem as faturas são simuladas.
F. O douto tribunal recorrido errou no seu julgamento pois não aferiu corretamente da credibilidade da prova testemunhal produzida pela impugnante, pois desta prova não resultaram depoimentos sérios e credíveis,
G. depoimentos que, conjuntamente analisados e apreciados, não serviram para demonstrar a materialidade dos serviços descritos nas faturas em crise nos autos.
H. Veja-se que da prova testemunhal não se logrou obter o simples (re)conhecimento dos trabalhadores que pretensamente realizaram as obras à impugnante.
I. Donde, estando em causa a correcção de liquidação de IVA por desconsideração do IVA deduzido pela impugnante nas facturas reputadas de falsas cabia à Administração Tributária o ónus de fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimaram a sua actuação, o que ocorreu na situação em análise,
J. demonstração que não foi abalada pela prova trazida pela impugnante/recorrida.
K. A Administração Tributária demonstrou os factos constitutivos do seu direito à liquidação impugnada, pautando a sua actuação pela conformidade à lei, razão pela qual serão de manter as correcções efectuadas, por se encontrar demonstrada a sua validade e justeza,
L. incorrendo a douta sentença em erro de julgamento, violando as seguintes normas legais: do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, n.º 1 do artigo 74.°, e n.º 1 do artigo 76.° da Lei Geral Tributária; n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, ex vi alínea e) do artigo 2. ° do CPPT.

Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida».

A Recorrida apresentou contra-alegações que remata com as seguintes «Conclusões:

A) - A Administração Tributária considera as facturas aqui em causa como simuladas, pois não titulariam operações reais.
B) - Posição inconsequente por parte da A.T., pois considera as facturas simuladas, mas não põe em causa os trabalhos que estão por detrás da emissão de tais facturas.
C) - As dúvidas da AF expostas no RIT constituem meras suspeitas sem o mínimo de comprovação.
D) - A douta sentença recorrida, limitou-se a comprovar tais factos, ou seja, nunca a AT teve qualquer motivo devidamente comprovado para emitir as liquidações impugnadas.
E) - A Recorrida sempre cumpriu e cumpre as suas obrigações fiscais.
F) - A Recorrida fez obras de expansão de aumento das suas instalações comerciais.
G) - Obras, devidamente licenciadas pelo Município, conforme documento junto aos autos.
H) - O preço pago pela empreitada e titulado pelas facturas, é compatível com a dimensão e custos das mesmas.
I) - A Recorrida, por via da sua actividade de Medicina do Trabalho, conhecia a empresa emitente das facturas.
J) - A Recorrida, exibiu à AT os meios de pagamento das facturas em causa, tendo a AT constatado esse pagamento, o depósito dos cheques de pagamento na conta bancária da empresa que realizou as obras.
K) - Os pagamentos foram sempre efectuados, conforme autos de medição, também junto aos autos.
L - AS facturas em causa, respeitam a despesas que foram necessárias suportar pela Recorrida, para o desenvolvimento da actividade da Recorrida com os inerentes proveitos, com o consequente pagamento de impostos.
M) - A Fazenda Pública, no seu direito de recorrer, tenta colocar em causa tais factos dado como provados e a respectiva conclusão descrita na Douta Sentença recorrida, só que, á semelhança do conteúdo do RIT limita-se a levantar dúvidas sem qualquer substância, sem qualquer comprovação.
N) - Perante a análise da prova documental e do depoimento das testemunhas, o Tribunal não poderia decidir diferentemente do que decidiu.
O) - É convicção da Recorrida de que a AT nunca teve fundamento quer de facto, quer de direito para fazer as correcções que deram origem às liquidações impugnadas, e por via da Douta Sentença recorrida legalmente anuladas.
P) - A Douta Sentença salientou tal facto, e bem, dela retirando as devidas consequências, que não podiam ser outras.
Q) - Não merecendo, a Douta Sentença Recorrida, qualquer censura no que respeita á decisão dela resultante, pelo que deve ser mantida.
NESTES TERMOS,
deve o presente Recurso ser julgado improcedente, por não provado, com a confirmação integral da sentença recorrida e todos os demais efeitos legais».

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer em que conclui padecerem as decisões em crise dos vícios invocados pelo Recorrente, pelo que, para reposição da legalidade, devem as mesmas ser anuladas, julgando-se procedentes os recursos interpostos pela Fazenda Pública.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC), a questão a decidir no recurso do despacho de fls.141/145 consiste em saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao indeferir a produção da prova requerida pela Fazenda Pública. As questões a decidir no recurso da decisão final reconduzem-se a indagar se a prova produzida permite concluir pela materialidade das operações tituladas pelas facturas encontradas na contabilidade da impugnante e não aceites pela AT para efeitos de dedutibilidade do IVA nelas mencionado.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se consignado na sentença em sede factual:

III- DOS FACTOS.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:

1.º - A ora impugnante foi sujeita a acção inspectiva, efectuada em cumprimento à credencial OI.2006.04373 - cf. teor de fls.28 do Processo Administrativo (PA), correspondente ao Relatório de Inspecção Tributária (RIT) apenso a este processo.

2.° - A acção inspectiva decorreu entre 05.02.09 e 13.05,09 - cf. teor de fls.28 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
3.º - o procedimento inspectivo ocorreu “no seguimento de proposta efectuada tendo em consideração o facto do sujeito passivo ter contabilizado facturas emitidas por “P… Unipessoal, Lda. contribuinte 5…, no exercício de 2005, e relativamente ao qual, em resultado da recusa de exibição de escrita, não foi possível controlar os valores declarados, quer ao nível de operações activas, quer ao nível de operações passivas.” - cf. teor de fls.28 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
4.º - o procedimento inspectivo teve como extensão o exercício de 2005, com um âmbito em IRC e IVA - cf. teor de fls.28 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
5.º - A ora impugnante exerce a actividade de Actividades Práticas de Medicina Clínica”, CAE: 86220 – cf. teor de fls 29 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo e depoimento das testemunhas S..., A... e R....
6.º - A impugnante no âmbito da sua actividade possui instalações arrendadas, no Marco de Canaveses, nas quais presta os seguintes serviços:
“» Consultas de saúde ocupacional, dirigirias à realização de exames médicos aos funcionários das empresas (clientes). Neste âmbito possuem quer nos seus quadros, quer como prestadores de serviços externos, profissionais habilitados na área da saúde, médicos, enfermeiros.
» Serviços de segurança e higiene no trabalho, os quais asseguram com visitas periódicas e regulares às instalações dos seus clientes, e que correspondem quer à elaboração de planos de segurança e higiene para as instalações dos clientes, bem como à realização de acções de formação junto dos funcionários dos seus clientes.” - cf. teor de fls.29 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
7.° - A ora impugnante é uma sociedade por quotas, com contabilidade organizada, que tem como sócios “Á…”, contribuinte fiscal n.°1…, que assume as funções de gerência e é titular de uma quota de 22.500,00€ e “Ma..”, contribuinte fiscal n°1…e é titular de uma quota de 2.500,00€ - cf. teor de fls.29 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
8.º - Em sede de IRC entrega com regularidade as respectivas declarações de rendimentos, modelo 22, e declaração anual de informação contabilística e fiscal e é tributado pelo Serviço de Finanças do Marco de Canaveses – cf. teor de fls .29 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
9.º - Em sede de IVA tem cumprido com as obrigações de entrega das respectivas declarações periódicas de IVA, bem como de entrega nos cofres do Estado dos valores de imposto apurados - cf. teor de fls.29 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
10.º - Tem igualmente cumprido com a obrigação de entrega nos cofres do Estado dos valores de imposto retido sobre os rendimentos pagos -. cf. teor de fls.29 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
11.º - Em consequência do procedimento inspectivo externo desenvolvido junto da empresa “P…, Lda.”, os serviços de inspecção tributária, averiguaram e concluíram que o reduzido número de funcionários que esta tinha ao seu serviço, nos exercícios de 2003 e 2004, não lhe permitia ter capacidade própria para prestar os serviços que facturou, nos exercícios de 2003 a 2005 - cf. teor de fls.30 e 50 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12.° - No exercício de 2005 a ora impugnante integrou na sua contabilidade as seguintes facturas emitidas, em seu nome, por P…, Lda.”:
Data
Valor
IVA
Total
Conta
1319
31.10.05
11.490,48
2.413,00
13.903,48
6223229
1389
30.11.05
8.050,40
3.381,17
19.481,97
6223229
1393
30.12.05
13.520,18
2.839,24
16.359,42
2725
- cf. teor de fls. 51 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
13.° - Os serviços de inspecção tributária, relativamente às facturas emitidas e em conjunto com os autos de medição exibidos, constataram que as mesmas não cumprem os requisitos do nº5 do art.36° do CIVA, o que originou a não aceitação fiscal da dedução do IVA mencionado naqueles documentos, nos termos da alínea a) do n.°2 do art.19° do CIVA - cf. teor de fls. 51 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
14.° - No exercício de 2005, foram prestados serviços à ora impugnante, por “P…, Lda.”, no valor global de € 49.744,87 (IVA incluído), entre Outubro e Dezembro - cf. teor de fls. 52 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
15.° - Sem que nesse exercício tenha sido efectuado qualquer pagamento associado, embora as facturas emitidas indiquem um prazo de pagamento de trinta dias - cf. teor de fls. 52 do PA, correspondente ao R]T apenso a este processo.
16.° - No exercício de 2006, em Janeiro, a ora impugnante procedeu ao registo contabilístico do pagamento global dos serviços facturados, mediante a emissão de três cheques:
» Cheque n°7100019012 de 10.01.06, no valor de 13.903,48€ (factura n°1319).
» Cheque n°8700019021 de 16.01.06, no valor de 19.841,97€ (factura n°1389).
» Cheque n°7400626555 de 20.01.06, no valor de 16.359,42€ (factura n°1393) - cf. teor de fls. 52 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
17.° - Os serviços de inspecção tributária confirmaram através da análise à conta bancária do BES, titulada por P…, Lda, que estes cheques foram depositados naquela conta - cf. teor de fls. 52 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
18.° - Em momento imediatamente posterior ao depósito de cheques emitidos em nome de P…, Lda.”, o seu sócio gerente procedeu ao levantamento em numerário de valores aproximados aos depositados - cf. teor de fls. 52 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
19.° - As facturas emitidas com o n°1319 e o n°1393, foram contabilizadas como encargos directos do exercício de 2005, relevadas na conta de custos associada a conservação e reparação (6223229) - cf. teor de fls. 52 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
20.° - A factura n.°1 389 foi contabilizada, em 50% do seu valor na conta de conservação e reparação (6223229) e 50% do seu valor na conta de custos diferidos (2725), tendo-se reflectido no resultado liquido dos exercícios de 2005 e 2006, na mesma proporção (50%) - cf. teor de fls. 53 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
21.° - A qual não foi aceite como custo fiscal dos valores contabilizados na conta de fornecimentos e serviços externos - cf. teor de fls. 53 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
22.° - Os serviços de inspecção tributária, confirmam a realização nas instalações da impugnante dos serviços que as facturas emitidas por “P…, Lda., indicam - cf. teor de fls. 53 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
23.° - Apesar das facturas emitidas, apenas descreverem serviços de mão-de-obra, os serviços de inspecção tributária não identificaram na contabilidade da impugnante, os lançamentos identificativos da aquisição dos materiais (pladur, lã-de-rocha, tinta, pavimento grés, soleiras e peitoris, aros e portas de madeira, ferragens, painéis de madeira) necessários para a realização das obras descritas - cf. teor de fls. 53 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
24.° - Durante a inspecção a impugnante forneceu aos serviços uma listagem de exames médicos realizados, entre Janeiro de 2005 e Dezembro de 2009, a funcionários de “P…, Lda.” - cf. teor de fls. 54 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
25.° - A apólice n°0212785267, de acordo com a informação prestada pela “Fidelidade-Mundial”, foi subscrita em nome de “Pav…, Lda.” - cf. teor de fls. 54 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
26.º - No que respeita à declaração de titularidade de certificado de classificação de construção civil n°31976, de acordo com a informação recolhida no sitio do Instituto da Construção e do Imobiliário (INCI), o mesmo pertence a “J…”, contribuinte n°1…, com domicilio fiscal em Urbanização… - Lagoa - cf. teor de fls. 54 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
27.° - O alvará de “P…, Lda.” é o n°48005, e encontra-se cancelado desde 31.01.2006 - cf. teor de fls. 54 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
28.° - Os serviços de inspecção tributária concluíram que:
“Em consequência do conjunto de factos apurados e descritos, quer em sede da entidade emitente (“P…, Lda.”), quer em sede da entidade utilizadora (“M…, Lda.”), consideram-se existirem indícios seguros de que foram contabilizados por este último, documentos emitidos em seu nome, que não correspondem a operações reais, realizadas entre as entidades mencionadas nas facturas emitidas associadas.
Esta conduta permitiu a obtenção de vantagens patrimoniais, quer em sede de IRC, com a contabilização de encargos que efectivamente não foram suportados, mas que influenciaram negativamente o lucro tributável declarado e consequentemente o valor de imposto a entregar, quer em sede de IVA, com a dedução de imposto, que se considera indevidamente deduzido e como tal permitiu o apuramento e consequente entrega nos cofres do estado de imposto inferior ao devido.” - cf. teor de fls. 54 a 55 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
29.° - Os serviços de inspecção tributária consideraram que o imposto (IVA) liquidado nas facturas emitidas em nome da impugnante, foi indevidamente deduzido por este, nos termos do n°3 do art.19° do CIVA, em consequência da sua inclusão na declaração remetida aos serviços do IVA, relativa a 0512T, com a consequente entrega nos cofres do Estado de um valor de imposto inferior ao devido, no valor de € 8,633,41 - cf. teor de fls.55 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
30.° - Em sede de IRC a não aceitação como custo do exercício, dos encargos não indispensáveis á formação dos proveitos (33 061,06€), nos termos do n°1 do art.23° do CIRC, implica a correcção ao lucro tributável declarado (10.498,47€) e consequente determinação do lucro tributável corrigido (43.559,53€), relativo ao exercido de 2005 - cf, teor de fls.55 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
31.º - A ora impugnante foi notificada através do oficio n°35747/0505 de 15.05.09, para o exercício do seu direito de audição - cf. teor de fls. 54 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
32.º - O qual não foi exercido
33.° - As obras realizadas nas instalações da impugnante no ano de 2005, resultaram do crescimento económico da mesma e da necessidade da sua ampliação cf. depoimento das testemunhas S... e A....
34.° - As obras consistiram na ampliação das instalações com uma loja contígua - cf. depoimento das testemunhas S… e A…,
35.º - Nas referidas obras foi demolida a parede que ligava as lojas, colocados tetos falsos, feitas aberturas para fios eléctricos, demolida uma casa de banho e edificada outra, portas e até algumas janelas entre outros trabalhos - cf. depoimento das testemunhas S... e A....
36.° - Os trabalhos foram executados com rapidez, tendo em conta a actividade desenvolvida pela impugnante - cf, depoimento das testemunhas S....
37.º - Antes dos pagamentos serem efectuados pela impugnante a P…, foram realizados autos de medição - cf. depoimento das testemunhas S... e A....
38.° - As ordens aos trabalhadores ria elaboração das obras eram dadas pelo Sr. P…, directamente aos seus trabalhadores - depoimento das testemunhas S... e A....
39.° - A obra em causa nos autos decorreu de Outubro a Dezembro do ano de 2005 - cf, depoimento de A....
40.° - Era prática da empresa escolher os empreiteiros entre os seus clientes de forma rotativa - cf. depoimento das testemunhas S... e A....
41.º - Os trabalhos (oram realizados essencialmente ao fim do dia e também ao fim de semana, tendo em conta a actividade da impugnante, por forma a causar o menor transtorno – cf. depoimento da testemunha A....
42.º - Os materiais usados na elaboração das obras foram fornecidos pelo P… - cf. depoimento das testemunhas S... e A....
*
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal não julgou provado qualquer outro facto.

Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.° da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76°, n.° 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), identificados em cada um dos factos.
Para a convicção deste Tribunal foi ainda determinante a prova testemunhal que, ponderada e avaliada, se revelou suficientemente consistente para abalar a tese da administração tributária (AT).
Sendo os factos alegados pela impugnante recaía sobre ela o respectivo ónus da prova, cf. art. 74°, n°1, da LGT.
Para prova dos factos por si alegados a impugnante arrolou testemunhas.
O depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, S..., funcionário administrativo da empresa à cerca de 12 anos e A..., técnico superior de higiene e segurança no trabalho na empresa desde o ano de 2005 e responsável pela sua direcção à sensivelmente dois anos, revelaram-se sérios e credíveis.
As testemunhas apresentaram um conhecimento directo dos factos e depuseram de forma isenta e credível.
Não restam dúvidas a este Tribunal, que a empresa ora impugnante, por motivos relativos ao seu crescimento económico, se viu obrigada a ampliar as suas instalações, nomeadamente no ano de 2005.
Conforme resultou do depoimento das referidas testemunhas, as obras decorreram de forma célere, sobretudo nos finais de dia e até ao fim de semana, por forma a perturbar o menos possível a actividade desenvolvida pela impugnante, que, recorde-se, se prende com o exercício de actos médicos, sobretudo no âmbito da medicina do trabalho.
Resultou ainda dos depoimentos, conforme factos provados, que era prática da impugnante, sempre que tinha algum trabalho para realizar, escolher entre os seus clientes a entidade a realizá-lo, de modo rotativo.
As testemunhas foram peremptórias a afirmar que os trabalhos efectuados, que consistiram em obras de ampliação, traduzidas em paredes deitadas a baixo, aplicação de tetos falsos, aberturas para fios eléctricos, colocação de portas e até janelas, remoção de entulhos, etc, foram efectuadas pelo empreiteiro P…, que chegou a ter em obra quatro a cinco homens.
As testemunhas da impugnante não souberam indicar os nomes dos trabalhadores do P… que estiveram na obra, mas, decorridos que vão 8 anos, não parece relevante a este Tribunal tal desconhecimento.
O Tribunal ficou convencido que embora a “P…, Lda.”, esteja conotada como sendo emitente de facturas falsas, alguns trabalhadores tinha e alguns serviços efectuou, mesmo que de forma legal irregular.
Resulta dos depoimentos das referidas testemunhas e da conjugação destes com a prova documental existente nos autos que, as obras foram feitas e os pagamentos efectuados através de cheques pela impugnante à P…, Lda., depois de efectuados os autos de medição.
Na verdade, as facturas não descriminam o fornecimento dos materiais na elaboração das obras em causa, mas as testemunhas confirmaram que as obras foram efectuadas pelo P…a e, que foi este que forneceu os materiais e retirou o entulho das instalações da empresa.
Os serviços de inspecção tributária não questionaram a realização das obras em causa.
Não foram encontrados pela Ai quaisquer documentos na contabilidade da impugnante reveladores da aquisição dos materiais para a elaboração das obras efectuadas nas instalações da impugnante de Outubro a Dezembro do ano de 2005, o que reforça a tese da impugnante de ter sido o empreiteiro a fornecer os materiais.
O facto de a P…, Lda., ter um reduzido número de trabalhadores no seu quadro, poderia indiciar que os serviços em causa neste processo pudessem não ter sido por si realizados, tanto mais que, como resulta fundamentadamente do RIT, terá realizado serviços em avultado número para diversas outras empresas, mas a impugnante provou, através do depoimento das testemunhas por si arroladas e dos documentos existentes nos autos que, foi efectivamente o P…, o empreiteiro das obras realizadas nas instalações da clínica M…, Lda., no ano de 2005, mesmo que esses trabalhadores não se encontrassem inscritos na Segurança Social, o que, no ano de 2005, como todos sabemos era infelizmente prática corrente.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A primeira questão que importa apreciar e decidir é a que emerge do recurso interposto do despacho interlocutório que indeferiu as diligências de prova documental já que a eventual declaração de ilegalidade do mesmo e a consequente admissão das diligências probatórias requeridas pela Fazenda Pública poderá conduzir a um outro desfecho dos autos, nomeadamente, pondo em crise a credibilidade da prova produzida pela impugnante e que serviu de base à formação da convicção do tribunal a quo quanto à realidade das operações tituladas pelas facturas desconsideradas pela AT para efeitos de dedutibilidade do IVA.

Tendo o recurso do despacho interlocutório sido dirigido ao STA e o da decisão final dirigido ao TCAN, como constitui jurisprudência firme daquele alto tribunal continua a entender-se que se devolve a este TCA a competência para de ambos conhecer – vd. Acs. do STA publicados no Apêndice ao Diário da República de 7.12.2005 e de 16.12.2005, págs. 522 e segs. e 952 e segs.

No mesmo sentido se pronuncia, Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado”, 2.ª Edição, pág. 1184, nota 12, ao escrever:
«Quando o recurso da decisão final for da competência do TCA e o recurso do despacho interlocutório for da competência do STA, não haverá processamento em separado, sendo ambos os recursos apreciados pelo TCA, por ser o competente para o conhecimento daquele primeiro recurso».

Assente a competência deste tribunal para conhecer do recurso do despacho interlocutório, é este, no essencial, o teor do despacho recorrido:

«Veio a Fazenda Pública a fls. 110 dos autos, por apelo ao disposto no art. 13º do CPPT, requerer que a Impugnante seja notificada para trazer aos presentes autos:
- Extrato de conta 6223229 (conservação e reparações) dos anos de 2006 a 2009, bem como cópia dos documentos que suportam os respectivos registos contabilísticos.
- Extrato de conta 422 (edifícios e outras construções), 423 (equipamento básico) e 426 (equipamentos administrativos) dos anos de 2006 a 2009, bem como cópia dos documentos de suporte dos respectivos registos contabilísticos e mapas das amortizações dos anos de 2006 a 2009.
Considera a Fazenda Pública que os referidos documentos afiguram-se relevantes para a descoberta da verdade material, na medida em que o inspector tributário que realizou o procedimento inspectivo afirma no relatório de inspecção que existem evidências de realização nas instalações afetas à actividade exercida pela Impugnante de serviços de construção civil.
Assim, no seu entender, toma-se indispensável averiguar se a Impugnante (não) terá recorrido a quaisquer outros prestadores de serviços de construção civil (nos anos que se seguiram a 2005 e até ao ano da realização de procedimento de inspecção) para a realização desses serviços constatados pelos serviços de inspecção.
- Na sequência de notificação efectuada deste requerimento à Impugnante a mesma veio a fls. 117 a 119 dos presentes autos dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, a Impugnante ficou na dúvida se a notificação feita pelo Tribunal, se traduziu na notificação a esta do conteúdo de tal requerimento da Fazenda Pública para se pronunciar, ou sem mais se ordena a junção de tais documentos, o que desde já, a Impugnante requer que seja esclarecido, pelo Tribunal, pois a Impugnante tem direito a pronunciar-se sobre a oportunidade de junção de tais documentos.
Desde já, a Impugnante refere, que não concorda nem aceita o conteúdo do requerimento da Fazenda Pública, opondo-se à junção ao processo de tais documentos, pelas seguintes razões:
Desde logo, é desadequado, que a Fazenda Pública venha com um requerimento a pedir a junção ao processo de documentos na posse da Impugnante, que nunca pediu em anteriores datas para inquirição de testemunhas não realizadas, por motivos estranhos à Impugnante.
A Fazenda Pública, no seu pedido, omite que a Impugnante foi sujeita a novo procedimento inspectivo em 2010, relativamente aos anos que refere no seu requerimento.
Nesta inspecção, os senhores inspectores tiveram acesso a todos os documentos contabilísticos da Impugnante, concluíndo que a contabilidade da mesma oferecia credibilidade, decidindo não fazer quaisquer correcções.
Assim, a Impugnante manifesta a dúvida, se os documentos ora pedidos, surgem na sequência da inspecção de 2010, que não está aqui em Causa.
Acresce que, no procedimento inspectivo que deu origem ao presente processo, a inspecção não se queixou de falta de colaboração da Impugnante e de falta de acesso a quaisquer documentos.
Logo, se na altura da primeira inspecção (aqui em causa), e na de 2010, não se quis recolher esses documentos, não é lícito, que posteriormente o venha a pedir, nos termos em que o fez no seu requerimento.
Nos termos do art. 62°, n° 3, alínea i) do RCPIT, o relatório de inspecção deve ser acompanhado dos documentos de prova e fundamentação legal do suporte das correcções efectuadas.
A fundamentação da liquidação deve ser a fundamentação contemporânea ao acto e não a fundamentação que surgir “à posteriori”.
O Juiz vai aferir da legalidade do acto com a fundamentação que foi usada no momento em que o mesmo foi praticado, e não com a fundamentação que se pretende fazer surgir posteriormente.
O pedido da Fazenda Pública, não deve nem pode ser aceite, porque caso contrário, constituirá fundamentação “à posteriori” sendo esta ilegalidade inadmissível.
Também a fundamentação legal do pedido da Fazenda Pública, art. 13° do CPPT, não deve ser aceite, pois este artigo não suporta legalmente o pedido da Fazenda Pública.
De notar, que o que está em causa não é o pedido de junção ao processo de documentos que estejam na posse da Fazenda Pública que esta no momento próprio não juntou, quer ao relatório de inspecção, quer ao processo administrativo, tendo feito referência aos mesmos, quer no relatório, quer na contestação à impugnação. O princípio do inquisitório, não pode nem deve ser entendido como uma ferramenta a usar para suprir eventuais deficiências de fundamentação da Administração Fiscal.
Deste modo, não deve o pedido da Fazenda Pública ser aceite por este Tribunal. Requer para prova do requerido no ponto 2 deste requerimento, que a Fazenda Pública, dê informação sobre o referido procedimento inspectivo de 2010 à Impugnante, se tiveram acesso à contabilidade da Impugnante sem quaisquer restrições e qual a conclusão da mesma.
Notificada deste requerimento de resposta da Impugnante, a Fazenda Pública, veio a fls. 123 reiterar o seu pedido, por considerar que o mesmo é pertinente para a descoberta da verdade material.
Neste requerimento a Fazenda Pública responde ao solicitado pela Impugnante no requerimento de fls. 117 a 119.
Fica então por apreciar o requerido pela Fazenda Pública.
A dúvida suscita pela Impugnante no seu requerimento encontra-se ultrapassada.
A liquidação impugnada, objecto dos presentes autos foi emitida na sequência de acção inspectiva efectuada à Impugnante, para o exercício de 2005, ao abrigo da ordem de serviço nº OI 200604 373, que incidiu sobre IVA e IRC, procedimento que decorreu entre 05-02-2009 e 13-05-2009. Em causa está, o facto de a Impugnante ter contabilizado, no exercício de 2005, facturas emitidas por “C…, Lda», NIF: 5…, facturas que de acordo com a Administração tributária evidenciam fortes indícios de que as operações nelas descritas não correspondem a serviços efectivamente prestados, com base nos elementos recolhidos em sede de procedimento inspectivo.
O que está em causa é a comprovação de efectividade dos serviços representados nas facturas aqui postas em causa e não as obras a que se referem as facturas desconsideradas.
Deste modo, entende este Tribunal, que o processo reúne os elementos de prova documental suficientes para a descoberta da verdade, não se mostrando necessários os documentos supra referidos que a Fazenda Pública requereu fossem solicitados à ora Impugnante.
Acresce que, tal como defende a Impugnante, a fundamentação da liquidação deve ser contemporânea ao acto.
Nos termos do referido artigo 62.°, nº3, alínea i) do RCPIT, o relatório de inspecção deve ser acompanhado dos documentos de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas.
Pelo que, indefere-se o requerido».

No essencial, a decisão da Mma. juiz fundou-se no princípio da fundamentação contextual do acto tributário, lembrando-se que é contextual a fundamentação que se integra no próprio acto e é dele contemporânea.

E como refere a Mma. juiz, assentando a liquidação impugnada em correcções efectuadas em acção inspectiva, o relatório que culmina esse procedimento deve conter, obrigatoriamente, a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas – cf. art.º62, n.º1 alínea i) do RCPIT.

Ora, a ser assim, mostra-se inútil, impertinente e dilatório, e por conseguinte proibido por lei, a realização de diligências visando a obtenção de meios de prova dos quais se não poderiam extrair quaisquer consequências ao nível da fundamentação material do acto impugnado.

É que, contrariamente ao que sustenta o Recorrente, não se trata de carrear para os autos elementos documentais visando descredibilizar ou fragilizar a prova apresentada pela impugnante para demonstrar a realidade das operações facturadas e questionadas pela AT, em que tais diligencias eventualmente poderiam assumir pertinência, o que a Mma. juiz sempre teria de ajuizar (artigos 113.º, n.º1 e 114.º do CPPT).

Ao invés, o que o Recorrente pretende é mesmo a obtenção de provas de suporte às correcções na base do acto impugnado em termos que desvirtuam a fundamentação contextual. Senão, atente-se:

Na douta p.i., diz a impugnante: «Certo é que as prestações de serviços tituladas pelas facturas indicadas no relatório de fiscalização foram efectivamente realizadas; aliás, facto que foi “in loco” verificado pela inspecção (cf. relatório, pág.26 – 3.º parágrafo».

No RIT, segmento indicado, verteu-se o seguinte: «A observação directa às instalações afectas à actividade exercida por “M…, Lda” permite conformar a realização dos serviços que as facturas emitidas por “P…, Lda.” indicam, pelo que se poderá concluir pela sua existência.
É evidente que o simples fornecimento de mão-de-obra, associado aos mesmos, conforme descrito nos documentos emitidos por “P…, Lda.”, representará um valor bastante inferior aos montantes indicados».

Por outro lado, pretenderia o Recorrente, com os elementos requeridos ao tribunal [Extrato de conta 6223229 (conservação e reparações) dos anos de 2006 a 2009, bem como cópia dos documentos que suportam os respectivos registos contabilísticos; Extrato de conta 422 (edifícios e outras construções), 423 (equipamento básico) e 426 (equipamentos administrativos) dos anos de 2006 a 2009, bem como cópia dos documentos de suporte dos respectivos registos contabilísticos e mapas das amortizações dos anos de 2006 a 2009], demonstrar que as obras de construção civil constatadas “in loco” pela inspecção e que as questionadas facturas supostamente reflectem teriam, afinal, sido realizadas por outras empresas que não a emitente, posteriormente ao ano inspeccionado de 2005.

Ora, essa hipótese – da realização das obras por terceiros que não o emitente – nem sequer foi considerada pela inspecção, que apenas questiona a realidade dos valores facturados, que entende superior aos reais (sobrefacturação). E como está bem de ver, uma coisa é questionar a realidade do preço ou valor constante da factura aferido à operação nele descrita; outra, bem diferente, questionar a realidade da operação descrita na factura como praticada pelo emitente.

Assim, tendo em conta que os elementos probatórios pretendidos pelo Recorrente sempre visavam suportar uma diferente leitura das correcções não consentida pela fundamentação contextual do acto, bem andou a Mma. juiz ao indeferir, por inútil e impertinente e contrário ao regular e célere andamento do processo, pois que, em abstracto, nunca poderiam resultar da produção da prova requerida factos com interesse para a decisão da causa, as diligências de prova requeridas pela Fazenda Pública, decisão que não merece qualquer censura, assim se negando provimento ao recurso do despacho interlocutório.

Improcede a alegada nulidade da sentença e nulidade processual bem como a alegada preterição do direito à prova no quadro do princípio do inquisitório e da verdade material.

Passando ao conhecimento do recurso da decisão final, tal reconduz-se a saber se a AT fez a prova que lhe competia na demonstração da falsidade das facturas desconsideradas para efeitos de dedutibilidade do IVA nelas mencionado. Vejamos.

Dispõe o n.º3 do art.º19.º do CIVA, em que se apoiam de direito as correcções em causa (cf. RIT, fls.55 do apenso instrutor), que «não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente»

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a Administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).
Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art.º75º da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.

Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão deste TCA Norte de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.

Vertendo aos autos os considerandos doutrinais e jurisprudenciais expostos, decorre dos autos e do probatório que foram desconsideradas, em sede inspectiva, facturas emitidas à impugnante por “P…, Lda.” por alegadamente não representarem operações reais.

Para formar o seu juízo quanto à falsidade das facturas, baseou-se a AT nos seguintes indicadores, vertidos no RIT: as facturas não cumprem os requisitos do n.º5 do art.º36.º do CIVA; os pagamentos dos valores facturados foram efectuados através de cheques depositados na conta bancária do emitente, sendo depois imediatamente levantados pelo seu sócio-gerente em numerário; errónea contabilização pela impugnante das operações facturadas; constatação “in loco” nas instalações da impugnante da realização dos serviços que as facturas indicam, embora os valores indicados sejam excessivos para as operações descritas de fornecimento de mão-de-obra, não havendo na contabilidade da impugnante custos contabilizados com a aquisição dos materiais; apólice de seguros subscrito por terceiro que não o emitente e declaração de titularidade de certificado de classificação de construção civil também pertencente a um terceiro, sendo que o alvará de “P…, Lda.” se mostra cancelado desde 31/01/2006.

O quadro factual descrito, a nosso ver, não suporta objectivamente a conclusão de que as facturas emitidas por “P…, Lda.” à impugnante não titulam reais e efectivas operações económicas.

Na verdade, não há qualquer facto reportado à entidade emitente ou ao utilizador que represente um indicador sério e credível do carácter fictício da operação facturada, menos ainda no que respeita a factos reportados às concretas operações facturadas ao utilizador, pois os valores facturados foram pagos através de cheques depositados em conta bancária do emitente e é a própria AT a afirmar no RIT «a realização dos serviços que as facturas emitidas por “P…, Lda.” indicam, pelo que se poderá concluir pela sua existência», para logo de seguida concluir: «É evidente que o simples fornecimento de mão-de-obra, associado aos mesmos, conforme descritos nos documentos emitidos por “P…, Lda.”, representará um valor bastante inferior aos montantes indicados». No entanto, como também se diz no RIT, não foram contabilizados pela impugnante custos com a aquisição dos materiais envolvidos na obra observada.

No que em particular respeita à falta de requisitos formais das facturas emitidas, a verdade é que per se não representa qualquer indicador da falsidade da factura, cumprindo lembrar que a correcção se fez nos termos do disposto no n.º3 do art.º19.º do CIVA (cf. fls.55 do apenso).

Assim, não tendo a AT cumprido, nos termos já assinalados, o ónus de prova que, neste ponto, lhe competia, a questão termina logo aí, nenhum ónus se impondo à impugnante, aqui Recorrida, de fazer a prova de que adquiriu os serviços descritos nas referidas facturas e que os mesmos lhe foram prestados pelo respectivo emitente.

A sentença recorrida, que não validou as correcções da AT, não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.

Refere o Exmo. Senhor PGA no seu douto parecer que a impugnação sempre teria de improceder visto as facturas emitidas não cumprirem os requisitos do n.º5 do art.º36.º do CIVA – vd. art.º19.º, n.º2, do mesmo Código.

Mas salvo o devido respeito não concordamos.

Essa questão – da relatada falta de requisitos formais da factura necessários à dedutibilidade do IVA ex vi do art.º19.º, n.º2 do CIVA – tinha sido invocada na contestação da Fazenda Pública, mas o certo é que a sentença dela não conheceu e no recurso interposto da sentença a Recorrente não invoca omissão de pronúncia sobre tal questão, nem ela é de conhecimento oficioso deste tribunal, pelo que, não cumpre dela conhecer.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento a ambos os recursos.
Custas a cargo do Recorrente.
Porto, 26 de Outubro de 2017.
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro.