Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00043/14.7BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA DEDUTÍVEL, OBRAS EM CASA PERTENCENTE AO SÓCIO GERENTE.
Sumário:I – Apesar de serem levadas a cabo numa casa de habitação pertencente aos sócios da sociedade impugnante e de terem sido municipalmente licenciadas como “anexos para quarto de roupas e cozinha de forno”, é totalmente dedutível, nos termos do artigo 19º 1 a) do CIVA o IVA suportado nas facturas relativas aos preço dos serviços de projecção, de licenciamento e de execução de obras de remodelação dessa casa que já servia exclusivamente para o exercício da actividade objecto social da Impugnante, com o fim exclusivo de melhorar as condições do exercício dessa mesma actividade pela mesma impugnante.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:I., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

I., Lda., pessoa colectiva nº (…), sociedade em regime de transparência fiscal nos termos do artigo 5º (actual 6º) do CIRC e do artigo 19º (actual 20ª) do CIRS, com sede no lugar de (…), apresentou o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 24/3/2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação da liquidação adicional de IVA relativa ao ano de 1992 e dos respectivos juros compensatórios, no valor total de 7 823,32 € (1 568 434$00).

Da sua alegação, transcreve-se as:
CONCLUSÕES
A. A douta sentença errou no julgamento da matéria de facto e subsidiariamente na aplicação do direito
B. Na fundamentação apresentada pela AT dos actos tributários impugnados, nem tão pouco é invocada a norma legal ao abrigo da qual a AT considerou indevidamente deduzido o IVA constante daquelas facturas, - ou seja, não é invocada a motivação de direito.
C. Uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa"
D. A mui douta sentença centrou unicamente a sua decisão na análise da fundamentação do acto tributário na sua vertente formal, porém,
E. A recorrente, na sua p.i, também alegou e invocou a (in)validade substancial do acto, porém sobre esta questão, de conhecer se os motivos invocados na fundamentação são suficientes para legitimar a concreta actuação da AT, a mui douta sentença não se pronunciou, incorrendo assim o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, ou caso assim não seja mui doutamente entendido, pelo menos, em erro de julgamento.
F. Os motivos que levaram a AT à prática dos actos impugnados são "Iva deduções indevidas - Iva constante de documentos de aquisição de material e de serviços utilizados na obra de um dos sócios, embora facturados à firma, (ponto 2) e, Constatou-se que deduziu indevidamente IVA no montante indicado no quadro 01 campo 03, porquanto os bens e serviços que deram origem à liquidação foram utilizados na obra do sócio J.".
G. Destes segmentos de texto, que são centrais e não são complementados com outros motivos, com o devido respeito por melhor opinião, não resulta que possamos ficar a compreender com exactidão a razão das correcções efectuadas, na verdade, os motivos indicados, ao contrário do entendimento vertido na mui douta sentença, não levam às conclusões tiradas, tratando-se antes de meras convicções.
H. No que diz respeito aos montantes pagos pelas obras, sendo certo que a sede da empresa não é propriedade da impugnante (o que aliás é comum) o dado titularidade da licença de obras não é definitivo para demonstrar a coincidência do beneficiário, nem tal indica necessariamente que o custo destas por este corre, principalmente quando as obras em causa se destinam ou podem destinar à utilização exclusiva da fonte produtora dos rendimentos, que é diferente.
I. A AT não diz, que a obra não era, ou é, para ser utilizada na actividade da impugnante, nem tal, com todo o respeito, se pode inferir do discurso fundamentador adiantado pela AT.
J. Não podemos concordar com a mui douta sentença quando refere que "infere-se da fundamentação aduzida pela AT, que esta põe em causa a possibilidade de dedução do IVA com base na insusceptibilidade de os bens e serviços em causa serem utilizados na actividade da contribuinte".
K. Pois, se essa era a motivação das correcções, tal deveria ter sido explicitamente invocado na fundamentação, e não o foi, nem tão pouco por apelo a qualquer norma legal.
L. Os actos impugnados padecem de insuficiência de fundamentação, por não estarem demonstradas as circunstâncias de facto e de direito implicadas nas correcções.
M. A prova carreada para os autos, foi mal valorada e, consequentemente, deverá a mesma ser reapreciada, o que ora se solicita, pois, analisada a matéria de facto dada como provada na mui douta sentença, nenhuma é sustentada no depoimento das testemunhas.
N. Ocorre ainda erro de julgamento por falta de pronúncia sobre questões de facto alegadas pela recorrente e que o Mº Juiz deveria ter apreciado, por não se deverem considerar irrelevantes, atento às (SIC) várias soluções plausíveis da questão de direito.
O. A questão de direito em causa nos autos, prende-se em saber se há ou não o direito à dedução do IVA constante das facturas de aquisição dos serviços e materiais relacionados com a construção do edifício, efectuado em prédio que não é propriedade da impugnante, mas que tal construção que foi contabilizada na empresa é por ela utilizada exclusivamente, é onde esta tem a sua sede, e aí exerce a sua actividade.
P. Foi alegada e demonstrada matéria de facto, apta para daí se poder dar por verificada a condição para a dedutibilidade do imposto, que foi alegada e que é a utilização e afectação do imóvel objecto da obra ao exercício da actividade da impugnante (ou seja a utilização dos bens na realização das suas operações tributáveis).
Q. Tendo-se demonstrado, através da prova testemunhal, factos com relevo para decisão, que deverão ser aditados à matéria de facto provada, designadamente:
a. Até serem efectuadas obras de recuperação nos anexos, existentes no prédio dos sócios da impugnante, esta exercia a sua actividade, em salas bastante pequenas (3x3), as quais já não comportavam a existência de pastas de documentos, equipamentos e secretárias, nem permitiam a prestação dos serviços, adequadamente. (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
b. Em 1991 e 1992 foram efectuadas obras de recuperação de uns anexos existentes no prédio, de forma a adequá-lo a gabinete de contabilidade, (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
c. Em resultado das referidas obras de recuperação, a impugnante passou a dispor de um espaço amplo de cave e r/c com cerca de 100 m2 cada piso. (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
d. A cave foi adequada a arquivo e o r/c a atendimento, (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
e. Cujas divisões ficaram afectas à sede da impugnante e é onde exerce a sua actividade (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
f. A construção não tem condições de habitabilidade (cfr. depoimento da testemunha M. e G.),
g. A construção foi feita para escritório, foi feita de raiz para aquilo (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
h. A licença foi pedida em nome do sócio, porque era o proprietário do prédio, cuja construção indicada no pedido de licenciamento foi para quarto para tratamento de roupa e casa de forno com 85 m2, por em termos camarários e burocráticos ser o enquadramento possível, sendo esta uma prática comum à data. (cfr. depoimento da testemunha G.)
i. As instalações da empresa sofreram obras de melhoramento que se traduziram na adaptação a salas de trabalho de dois anexos ao prédio e de uma cave, divisões que ficaram afectas à sede da impugnante e são, por esta, utilizadas no desenvolvimento da sua actividade. (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
R. A mui douta sentença padece de erro de julgamento sobre a (ir)relevância desses factos para a decisão
S. A mui douta sentença, ao dar relevância apenas ao pedido formal de licenciamento, sem aferir a realidade lá existente, violou o princípio da prevalência da substância sob a forma, corolário do princípio da justiça
T. O objecto e o fim da construção, com o devido respeito, demonstram-se pela realidade lá existente, e que foi demonstrada, e não pelo mencionado no pedido de licenciamento.
U. À Impugnante está conferido o direito à dedução do imposto suportado pois concorrendo esses bens, inequivocamente, para o desenvolvimento da sua actividade comercial, atendendo que as obras em apreço integram os bens da empresa, não obstante ocorreram em edifício alheio (objecto de contrato de comodato) onde toda a estrutura empresarial da impugnante está sediada, não se vislumbra que a dedução do IVA possa ser refutada
V. A 6ª Directiva e, nomeadamente, o CIVA, permitem a dedução em obras realizadas em edifício alheio.
W. Neste sentido veja-se o mui douto AC. do TCAN de 15/10/2000, proferido no processo n.º 13/2000, que sumariamente refere "A dedução do IVA depende de os bens e serviços adquiridos estarem directamente relacionados com o exercício da actividade mas não de esta se ter iniciado."
A sentença violou, entre outras, as disposições legais contidas nos art. 6159 n.9 1, al. c) e d) do NCPC e art. 81 e 82 do CPT, 74 da LGT, art. 19 e 21 do CIVA, e os princípios da legalidade da capacidade contributiva, da prevalência da substância sob a forma, da proporcionalidade e da justiça».

Notificada, a Fazenda Pública não respondeu à alegação de recurso.

A Digna Magistrada do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível à seguinte citação:

«Verifica-se no caso dos autos que a administração tributária procedeu a correcções técnico-aritméticas por se recusar a admitir, como refere a sentença, “a dedução do imposto suportado pela impugnante na aquisição de material e serviços que embora facturados à sociedade, foram utilizados na construção de obra num imóvel pertencente ao património pessoal do sócio J., cujo fim declarado para licença de construção foi, construção de quarto de vestir e cozinha com forno”.
Como refere o douto Ac. do STA proferido no Processo:0798/07, em 13- 02-2008, cujo sumário transcrevemos:
I - Para os custos poderem ser considerados, para além de se comprovar a sua efectiva existência, impõe-se igualmente comprovar a sua indispensabilidade e o nexo causal com os ganhos sujeitos a imposto...
Neste caso, os custos não eram correlacionados com a actividade da sociedade e não se enquadravam em nenhuma das previsões dos art°s 19° a 26° do CIVA
A recorrente não apresentou fatos ou elementos capazes de contrariar a factualidade apurada.
Tendo em conta as disposições legais, aplicáveis em matéria fiscal, sobre rendimentos das sociedades de que fazem parte, nomeadamente o RCPIT, CIRC, LGT, e Cl RS, as correcções efectuadas por métodos meramente aritméticos, não enferma, de qualquer ilegalidade, pelo que bem andou a douta sentença assim decidindo.
(…)
A sentença a nosso ver ponderou devidamente as questões que lhe foram submetidas, a prova apresentada e da mesma consta devidamente os meios de prova a que o Tribunal recorreu para dar como provada a matéria factual, especificando os meios de prova atendidos e o direito aplicável.
Pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso com manutenção da sentença recorrida.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

III - Questões a decidir

Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim, as questões que, em princípio, cumpre resolver, são as seguintes:

1ª Questão
Enferma, a sentença recorrida, de nulidade por omissão de pronúncia, ou, ao menos, de erro de julgamento, por não se ter pronunciado sobre o mérito da fundamentação material do acto impugnado, mas apenas sobre a suficiências da sua fundamentação formal?

2ª Questão
De todo o modo, errou, a sentença recorrida, no julgamento de direito, violando, desta feita, os artigos 81º e 82º do Código de Processo Tributário (CPT), quando julgou improcedente a alegação de insuficiência de fundamentação do acto impugnado, apesar de este não invocar qualquer norma jurídica e os motivos invocados pela AT para a desconsideração do IVA a deduzir não deixarem perceber se e por que se entendeu que o objecto da obra facturada não era destinado a ser utilizado na actividade da impugnante?

3ª questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro de julgamento por omitir a discriminação, como provados, de factos alegados e relevantes para a decisão da causa segundo uma plausível solução de direito, designadamente, os mencionados sob as alíneas a) a i) da conclusão Q do recurso, os quais redundavam na afectação exclusiva, à actividade da Impugnante, do imóvel objecto das obras?

4ª Questão
Errou, a sentença recorrida, no julgamento de direito, violando, desta feita, o princípio jus-tributário da prevalência da substância sobre a forma, o artigo 74º da LGT e os artigos 19º e 21º do CIVA, ao considerar bastante, para a não dedutibilidade do IVA em causa, o objecto (doméstico) e o sujeito (pessoa individual de um sócio) do licenciamento municipal das obras, quando a AT não provou que as mesmas não se destinavam ao exercício da actividade da Impugnante e, aliás, a Impugnante fez, em juízo, prova dos sobreditos factos, que implicavam dedutibilidade do IVA?

II – Apreciação do Recurso
A – Da Sentença Recorrida

A sentença recorrida ostenta a seguinte Fundamentação em matéria de facto:

III. 1. DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provado:
1 - A impugnante é uma sociedade por quotas, tributada em regime de transparência fiscal, que tem como única actividade a execução de escritas, informática e assistência administrativa e contabilística em empresas, constituída por dois sócios, irmãos, com quotas iguais, e sujeito passivo de IVA no regime normal e periodicidade mensal [facto não controvertido];
2 - Pela Ordem de Serviço n.º 10405, datada de 01/07/93, a impugnante foi submetida a exame à sua escrita pela Direcção de Finanças de Aveiro aos exercícios de 1991 e 1992, em resultado do qual foi elaborado em 09/09/1993, o relatório de exame à escrita, de que se junta cópia de fls. 1 a 7 e 17 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e donde, além do mais consta o seguinte:
-CUSTOS-
No exame aos documentos de suporte dos registos da contabilidade, verificaram-se algumas anomalias com reflexos nos resultados do IRC apurado e na liquidação de IVA.
ASSIM
Em 1991
a) Foi levado à conta 62232.1 (Despesas de Conservação a Reparação) o valor de 891 119$00, respeitante a aquisição de material e de serviços, que, embora facturados à sociedade, foram utilizados na construção da obra constante de requerimento e licença anexos, pertencente ao sócio J..
(…)
Em 1992
a) Levou à conta 272.1.3 (Custes Diferidos) a importância de 8 527 038$20, de material e serviços facturados à firma, mas utilizados na obra do sócio a que se fez referência na alínea a) do ano anterior.
Desta importância, no fim do exercício, transferiu para a conta 6223.2.1 (Conservação e Reparação) 1 705 407$80, e, consequentemente, considerou este valor custo do exercício.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

3. Sobre o relatório a que alude o n.º anterior incidiu o seguinte despacho, datado de 04/10/1993: «Concordo» [cfr. fls 1 do PA apenso];
4. A impugnante foi notificada das conclusões do Relatório referido em 3., através do ofício n.º 021762, de 20/10/93, [cfr. fls. 18/20 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, e donde consta designadamente o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Em 29/12/1997, a Impugnante foi notificada para pagar a quantia de 1.364.465$00, referente a IVA de 1992 e juros compensatório no valor de 203.969$00 [cfr. fls. 8, do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido].
8. Em 10/05/1991, foi lavrada Informação relativamente ao pedido referido em 7., cfr. fls. 16 verso do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, donde consta designadamente o seguinte:
«Não se vê inconveniente no pretendido pois será construído os anexos à habitação nas traseiras desta como indica a planta anexa.»
9. Em 15/05/1991, pela Câmara Municipal de Águeda, foi emitido Alvará de Licença n.º 1558/1991, cfr. fls. 15 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e donde consta designadamente o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. Com data de 03/10/1991, foi emitida pela Câmara Municipal de Águeda, Guia de Receita, em nome de J., cfr. fls. 15 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e donde consta designadamente o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

11. Dão-se por reproduzidos os documentos de fls. 22/23 dos autos, Doc. 5 e 6, juntos com a PI;
12. A presente impugnação foi intentada em 04/05/1998 [cfr. fls.2 dos autos]

III. 2 FACTOS NÃO PROVADOS

Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
*
III. 3 MOTIVAÇÃO
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados - art.º 74° da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art. 76° n° 1 da LGT e arts. 362° e ss do Código Civil (CC) - identificados em cada um dos factos provados. E, ainda no depoimento das testemunhas apresentadas pela Impugnante, conjugados com as regras da experiência comum.
A Impugnante apresentou prova testemunhal, A. (funcionária da Impugnante desde 1987), M. (cliente da Impugnante), G. (Arquitecto, que detém relações comerciais com a Impugnante), que pese embora tenham prestado depoimentos claros, serenos e descomprometidos, merecendo a credibilidade do Tribunal, no entanto, os seus depoimentos não foram valorados para efeito da matéria de facto provada, não contribuindo, também, para a demonstração dos factos cuja prova a Impugnante se propôs fazer, na medida em que de relevo, somente ressaltou, que o imóvel no qual foram construídos os anexos é de propriedade pessoal dos sócios, tendo porém, os custos de construção dos mesmos sido suportados pela Impugnante. Aliás, a testemunha G., afirmou expressamente ao Tribunal que elaborou o pedido de licença de construção apresentado junto da Câmara Municipal de Águeda, em nome do proprietário do imóvel, apresentando como fim da construção «quarto de roupas e cozinha de forno».
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.»

Convém acrescentar, para mais fácil leitura desta peça, que os documentos de fs. 22 e 23 dos autos, juntos com a P.I., dados como reproduzidos no facto provado 11, consistem em fotocópias de outras tantas declarações dactilografadas e subscritas, respectivamente, por cada um dos sócios da impugnante, M. e J., com carimbo de entrada da Repartição de Finanças do Concelho de Águeda, dirigidas ao Senhor Chefe da dita Repartição e datadas de 5 de Dezembro de 1987, na qual cada um declara que “vem comunicar a Vª Exª que cede a título gratuito, a partir de 5 de Novembro de 1987, a I. Lda, contribuinte nº (…), a fracção que possui na casa sita no lugar de (…), inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Águeda sob o número (…)”.

B – Do Recurso:
Seleccionada a matéria de facto circundam quam das questões acima elencadas, abordemo-las:
1ª questão:
Enferma, a sentença recorrida, de nulidade por omissão de pronúncia, ou, ao menos, de erro de julgamento, por não se ter pronunciado sobre o mérito da fundamentação material do acto impugnado, mas apenas sobre a suficiências da sua fundamentação formal?

A quarta questão acima enunciada e abaixo apreciada é demonstração acabada de que esta alegação improcede manifestamente.
Com efeito, se o próprio recorrente alega o erro de julgamento e é possível discutir, como faremos, o mérito da decisão recorrida por ter considerado bastante, para a não dedutibilidade do IVA em causa, o objecto (doméstico) do licenciamento municipal das obras na casa do sócio, licenciadas em seu nome, apesar de a AT não ter provado que as mesmas não se destinavam ao exercício da actividade da Impugnante, então a sentença em crise apreciou efectivamente, bem ou mal, a fundamentação material do acto tributário e, aliás, achou-o conforme o Direito.
Como assim, improcede a alegação desta primeira questão.

2ª questão:
De todo o modo, errou, a sentença recorrida, no julgamento de direito, violando, desta feita, os artigos 81º e 82º do CPT, quando julgou improcedente a alegação de insuficiência de fundamentação do acto impugnado, apesar de este não invocar qualquer norma jurídica e os motivos invocados pela AT para a desconsideração do IVA a deduzir não deixarem perceber se e por que se entendeu que o objecto da obra facturada não era destinado a ser utilizado na actividade da impugnante?

A sentença recorrida, no que respeita à alegação de falta der fundamentação do acto impugnado, é redutível aos seguintes excertos:
B) DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Invoca a Impugnante, que atendendo que, as presunções feitas pela AT não são correctas, a fundamentação do acto administrativo e tributário, também é errada, o que constitui vício de forma que o inquina de ilegalidade e o torna nulo (cfr. alegação dos arts. 30.° e 31.° da PI).
Vejamos:
(…)
O dever de fundamentação procedimental tributário consta, ao nível da lei ordinária, essencialmente nos artigos 77° e n° 3 do 84° da LGT, 63° RCPIT e nos artigos 124° e 125° do CPA.
(…)
Todo o trabalho de fundamentação visa, em suma, permitir a um sujeito de normal capacidade e sagacidade, colocado na circunstância concreta do destinatário do acto, acompanhar o itinerário cognoscitivo seguido pelo decidente que o conduziu à conclusão a que chegou.
O desígnio considera-se atingido sempre que da concreta acção ou defesa do destinatário resulte inequivocamente que acompanhou o referido iter cognitivo, ainda que discorde dele. Caso contrário, a falta de alguma das características acima resumidas inquina o acto do vício de forma por falta da fundamentação, equivalendo a esta a sua deficiência.
(…)
Revertendo estes considerandos para o caso sub judice, verificamos que o Relatório de Exame à Escrita que sustenta a liquidação em “crise” contém os elementos essenciais, de molde a proporcionar à Impugnante a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
Resulta dos elementos de prova carreada para os autos que a fundamentação do acto em “crise” é a constante do próprio Relatório de Exame à Escrita e respectivos anexos, maxime Requerimento e Licença de Construção [cfr. ponto 3., 7. e 9. do probatório], ora do mesmo resulta que a AT recusou o direito à dedução de IVA com o fundamento de que, em 1991 foi levado à conta 62232.1 (Despesas de Conservação e Reparação) o valor de 891.119$00, respeitante à aquisição de material e serviços, que embora facturados à sociedade, foram utilizados na construção de obra constante de requerimento e licença anexos, pertencentes ao sócio J.. E, de que, em 1992, a Impugnante levou à conta 272.1.3 (Custos Diferidos) a importância de 8.527.038$00, de material e serviços facturados à firma, mas utilizados na obra do sócio supra aludido.
Ora, a falta de fundamentação não se confunde com a discordância com a fundamentação vertida.
É manifesto que no caso dos autos a Impugnante percebeu integralmente o sentido da fundamentação do acto.
Na verdade, toda a argumentação da Impugnante gira em torno da discussão dos argumentos invocados pela AT na fundamentação do acto, ou seja, cinge-se à fundamentação substancial do acto.
Ou seja, não estamos perante a invocação de um verdadeiro vício relativo à fundamentação formal do acto administrativo, verificando antes mera discordância relativamente à verificação dos pressupostos de facto e direito em que assentou a qualificação efectuada pela AT.
Acresce que, pelo teor da argumentação aduzida na presente impugnação, resulta que a Impugnante apreendeu em toda a extensão o conteúdo do Relatório de Exame à Escrita, concretamente os factos em causa e os seus fundamentos.
Assim, sem necessidade de mais considerações, conclui-se que, do ponto de vista formal, o Relatório de Exame à Escrita que sustenta as liquidações impugnadas encontra-se fundamentado.

Vistos os artigos 2º e 3º da descrição dos factos provados, conclui-se que a sentença recorrida fez umas correctas abordagem e apreciação da alegação de falta de fundamentação.
Com efeito, a Impugnante, quer na primeira instância, quer nesta sede de recurso, tergiversa, designando como falta de fundamentação o que não é mais do que uma fundamentação que ela não aceita mas compreende integralmente, opondo aos facto e conclusão fundamentos da decisão, da AT, de não aceitar a dedução do IVA – os serviços e as aquisições de bens consistiram e destinaram-se, respectivamente, a obras em habitação propriedade de um sócio, pelo que não se destinam ao exercício da actividade da Impugnante – esse outro facto impeditivo daquela conclusão, de que aquela parte da habitação se destinava exclusivamente ao desenvolvimento da actividade da Impugnante de prestação de serviços de contabilidade e informática, apesar de formalmente as obras terem sido licenciadas como tendo fins de habitação.
O argumento de que não é referida, na fundamentação do acto impugnado, qualquer norma aplicável improcede, pois, tal omissão não compromete a percepção integral, pelo destinatário normal – sujeito passivo de IVA – dos motivos de facto e de valor, designadamente de direito, da decisão de não aceitação da dedução.
Como assim, improcede a alegação de erro de julgamento da sentença recorrida por ter julgado improcedente a alegação de insuficiência de fundamentação da liquidação impugnada.

3ª Questão.
Incorreu, a sentença recorrida, em erro de julgamento por, julgando-os irrelevantes, omitir a discriminação, como provados, de factos alegados e relevantes para a decisão da causa segundo uma plausível solução de direito, designadamente, os mencionados sob as alíneas a) a i) da conclusão Q do recurso, os quais, redundavam na afectação exclusiva à actividade da Impugnante, do imóvel objecto das obras?


Se bem se entende a alegação e as conclusões, constituiria erro de julgamento a falta parcial de discriminação de factos relevantes para a decisão, ao menos numa das soluções jurídicas plausíveis do litígio.
Objecto do erro de julgamento seria a omissão, na discriminação dos factos provados e não provados, da prova dos factos agora enunciados nas alªs a) a i) da conclusão Q do recurso, a saber:
a. Até serem efectuadas obras de recuperação nos anexos, existentes no prédio dos sócios da impugnante, esta exercia a sua actividade, em salas bastante pequenas (3x3), as quais já não comportavam a existência de pastas de documentos, equipamentos e secretárias, nem permitiam a prestação dos serviços, adequadamente. (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
b. Em 1991 e 1992 foram efectuadas obras de recuperação de uns anexos existentes no prédio, de forma a adequá-lo a gabinete de contabilidade, (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
c. Em resultado das referidas obras de recuperação, a impugnante passou a dispor de um espaço amplo de cave e r/c com cerca de 100 m2 cada piso. (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
d. A cave foi adequada a arquivo e o r/c a atendimento, (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
e. Cujas divisões ficaram afectas à sede da impugnante e é onde exerce a sua actividade (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
f. A construção não tem condições de habitabilidade (cfr. depoimento da testemunha M. e G.),
g. A construção foi feita para escritório, foi feita de raiz para aquilo (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas)
h. A licença foi pedida em nome do sócio, porque era o proprietário do prédio, cuja construção indicada no pedido de licenciamento foi para quarto para tratamento de roupa e casa de forno com 85 m2, por em termos camarários e burocráticos ser o enquadramento possível, sendo esta uma prática comum à data. (cfr. depoimento da testemunha G.)
i. As instalações da empresa sofreram obras de melhoramento que se traduziram na adaptação a salas de trabalho de dois anexos ao prédio e de uma cave, divisões que ficaram afectas à sede da impugnante e são, por esta, utilizadas no desenvolvimento da sua actividade. (cfr. se extrai do depoimento das 3 testemunhas).

A recorrente qualifica esta alegada falta da menção de factos relevantes como erro de julgamento, no que, aliás, secunda abundante jurisprudência.
O alegado erro consiste na falta de menção, aliás, como provados, de factos tidos por alegados e relevantes para a solução jurídica do objecto da acção, defendida pela Impugnante.
Não vemos como qualificar como erro de julgamento o que não é mais do que silêncio, antes propendemos para qualificar este vício da sentença como nulidade da mesma, conforme artigos 125º nº 1 do CPPT, se bem que parcial e suprível.
Vejamos:
Nos termos do artigo 123º nºs 1 e 2 do CPPT:
1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (itálico nosso).
As causas de nulidades da sentença em processo tributário estão taxativamente previstas no artigo 125º nº 1 do CPPT:
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Esta norma é auto-suficiente no seu dispositivo, pelo que a norma do CPC que enuncia as causas de nulidade da sentença em processo civil não é aqui subsidiariamente aplicável.
Como assim, o critério da nulidade ou não da sentença tributária por, alegadamente, não especificar os fundamentos de facto que fundamentam a decisão reside exclusivamente no artigo 125º do CPPT citado, e não no artigo 615º do CPC.
O mesmo já não sucede com a norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença (123º). Com efeito, este dispositivo, ao omitir qualquer referência à estrutura da sentença e uma delimitação exaustiva do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para o artigo 608º nº 2 do CPC, ex vi artigo 2º do CPPT.
No presente caso o intérprete não é reenviado para o CPC, pois o elemento da estrutura da sentença cuja falta é alegada está directamente previsto no nº 2 do artigo 123º acima transcrito.
É de notar, a propósito da interpretação desta norma, que em processo tributário não existe a cisão entre decisão de facto e decisão de direito que existia no código de processo civil que vigorou até 2013, nem, consequentemente, a prévia fixação dos factos assentes, de modo que não pode haver reclamação das partes na selecção da matéria de facto pertinente para discussão e a decisão da causa. Esta peculiaridade do processo tributário face ao civil, que, entretanto, com a aprovação do novo CPC, deixou de acontecer, requer do julgador o maior cuidado em trazer para a discriminação de factos provados e não provados todos os factos alegados e relevantes para a decisão da causa – não apenas os que interessam às suas abordagem e resolução do litígio.
Como vimos, dispõe o artigo 123º nº 2 do CPPT que na sentença tributária o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.
Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes.
Não se diga que basta a menção dos provados se estes são suficientes para a solução preconizada pelo tribunal e, quando muito, os não provados cuja não prova releva para a mesma solução.
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se sobre a prova ou não prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só para a solução do litígio preconizada por uma parte, de modo a que as partes possam exercer o contraditório e a apelação também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.
Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
Se assim é, isto é, se está em causa a garantia do contraditório e do processo equitativo, então, em princípio, padece de nulidade a sentença que deixe de discriminar, como provados ou não provados, quaisquer factos que integravam a causa de pedir e que eram relevantes para a tese sustentada por uma parte, designadamente a demandante.
Nesta matéria, que é de facto, a nulidade existirá mesmo que a falta de indicação dos factos provados e não provados seja meramente parcial. Neste sentido se pronuncia o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 125º do CPPT, no seu CPPT anotado, 6ª edição, II volume, pág. 360:
8 - Omissão ou deficiência parcial na indicação da matéria de facto
Como se deduz do que ficou referido, quanto à falta de indicação da matéria de facto provada ou deficiência, obscuridade ou contradição, a nulidade existirá mesmo que se trate de uma omissão ou deficiência parcial.”
Bem se compreende que assim seja, pois sem uma decisão sobre determinado ou determinados factos que alegou e que são relevantes para a solução de direito, plausível, que sustentou a sua petição ou oposição, não pode a parte pugnar por elas, designadamente mediante recurso, ou até conformar-se racionalmente com veredicto do tribunal.
Sem embargo de tudo o que vai dito – last but not least – atentos os poderes conferidos ao tribunal de apelação pelo, hoje, artigo 662º do CPC, essas omissões ou deficiências quanto à matéria de facto provada e não provada não serão causa de anulação da sentença sempre que forem supríveis nos termos ali dispostos (cf. infra).

Vejamos o caso concreto:
Deve-se começar por notar que a sentença se contradiz quando menciona que “da que era relevante para a discussão, não há matéria de facto que importe registar como não provada”, mas logo a seguir, na motivação da decisão em matéria de facto acaba por dizer que a prova testemunhal apresentada pela Impugnante não contribuiu “para a demonstração dos factos cuja prova a Impugnante se propôs fazer” – de onde se conclui que factos alegados pela Impugnante e relevantes há que ficaram por provar.
Assim, é a própria sentença que denuncia a falta de menção de factos relevantes, pelo menos como não provados.
Vejamos, se estão em falta, designadamente, esses factos que a recorrente enuncia como omissos.
Para estar em falta a apreciação discriminada da sua prova é necessário, antes de mais, que, mesmo que não literalmente alegados, tais factos sejam redutíveis à alegação de constitutiva da causa de pedir, plasmada na Petição inicial.
Passada tal peça em revista, verifica-se que esses factos, quanto à prova dos quais a Recorrente acusa a sentença recorrida de indevido silêncio, correspondem aos artigos 17º a 21º. Também é evidente que a sua alegação se ordenava à procedência da impugnação por se entender, em matéria de direito, que, sendo o imóvel, ou a parte do imóvel objecto das obras facturadas à Impugnante, embora pertença do sócio, utilizado apenas para a actividade daquela, o IVA suportado nas facturas respectivas haveria de ser dedutível pela Impugnante, por isso resultar do artigo 19º do CIVA.
Assim, impõe-se-nos concluir que, efectivamente, a sentença recorrida padece da nulidade (no caso, parcial) prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT, por falta de descriminação de factos provados e não provados relevantes.
Nos termos do artigo 662º nº 1 do CPC o Tribunal de Apelação deve alterar a decisão recorrida sobre a matéria de facto se se impuser decisão diversa.
Por sua vez, o nº 2 alª c) do mesmo artigo dispõe que a Relação deve “c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;”
Da conjugação destas normas resulta que a nulidade, parcial, da falta de indicação discriminada de factos provados e ou não provados necessários para o julgamento da causa só tem como efeito a anulação da decisão da primeira instância se não for possível à 2ª instância, atenta a prova produzida, suprir essa invalidade mediante a alteração da decisão em matéria de facto nos termos da primeira delas.
Ora:
Ouvida a prova testemunhal produzida, e pressuposto que os factos que a Impugnante pretendia provar eram pelo menos também esses acima discriminados, temos de dizer que dificilmente se compreende que ante ela a Mª Juiz a qua tenha formulado o juízo de que a Impugnante não logrou provar o que pretendia.
Na verdade, tal como alega a Recorrente, os três depoimentos, ditos isentos e claros, concorrem directamente sem qualquer fragilidade lógica para a prova daqueles precisos factos, sendo certo que estamos a falar de uma escriturária da Impugnante, a exercer funções na local em causa desde praticamente o inicio da actividade (1987), e dois clientes e fornecedores de materiais para as obras em causa, emissores das facturas, um deles arquitecto e responsável pelo licenciamento das mesmas em nome do sócio da Impugnante.
Acresce que estes são factos sobre que nada obsta se produza prova meramente verbal.
Aditamento à matéria de facto provada
Como assim, impõe-se alterar a decisão da matéria de facto provada, acrescentando-lhe os sobreditos factos, nos seguintes termos:
13. Até serem efectuadas obras de recuperação nos anexos, existentes no prédio dos sócios da impugnante, esta exercia a sua actividade neste, em salas bastante pequenas (3x3), as quais já não comportavam a existência de pastas de documentos, equipamentos e secretárias, nem permitiam a prestação dos serviços, adequadamente. (cfr. se extrai dos depoimentos das 3 testemunhas).
14. Em 1991 e 1992 foram efectuadas obras de recuperação de uns anexos existentes no prédio, de forma a adequá-lo a gabinete de contabilidade, (cfr. se extrai dos depoimentos das 3 testemunhas).
15. Em resultado das referidas obras de recuperação, a impugnante passou a dispor de um espaço amplo de cave e r/c com cerca de 100 m2 cada piso. (cf. se extrai dos depoimentos das 3 testemunhas).
16. A cave foi adequada a arquivo e o r/c a atendimento, (cf. se extrai do depoimento das 3 testemunhas);
17. Cujas divisões ficaram afectas à sede da Impugnante e são onde ela exerce a sua actividade.
18. A construção não tem condições de habitabilidade.
19. A construção foi feita para escritório, foi feita de raiz para aquilo.
20. A licença foi pedida em nome do sócio, porque era o proprietário do prédio, cuja construção indicada no pedido de licenciamento foi para quarto para tratamento de roupa e casa de forno com 85 m2, por em termos camarários e burocráticos ser o enquadramento possível, sendo esta uma prática comum à data.
21. As instalações da empresa sofreram obras de melhoramento que se traduziram na adaptação a salas de trabalho de dois anexos ao prédio e de uma cave, divisões que ficaram afectas à sede da impugnante e são, por esta, utilizadas no desenvolvimento da sua actividade.
Julgada a procedência, ainda que com diversa qualificação jurídica, da alegação de falta, na discriminação dos provados e não provados, de factos relevantes para a decisão; e alterada a decisão da matéria de facto no sentido de se lhe acrescentar a discriminação, como provados, dos sobreditos factos, estamos em condições de apreciar a última questão acima enunciada.

4ª Questão
Errou, a sentença recorrida, no julgamento de direito, violando, desta feita, o princípio jus-tributário da prevalência da substância sobre a forma, o artigo 74º da LGT e os artigos 19º e 21º do CIVA, ao considerar bastante, para a não dedutibilidade do IVA em causa, o objecto (doméstico) do licenciamento municipal das obras, quando a AT não provou que as mesmas não se destinavam ao exercício da actividade da Impugnante e, aliás, a Impugnante fez, em juízo, prova dos sobreditos factos, que implicavam a dedutibilidade do IVA?

Efectivamente, os factos provados 13 a 21 implicam a conclusão de que as obras em causa e o seu objecto, apesar de licenciados como tendo um objecto doméstico e habitacional, foram gizadas para e exclusivamente destinadas ao exercício da actividade objecto social da Impugnante.
Quer dizer, aos factos singelos, que moveram a AT, de o sujeito do licenciamento das obras e proprietário do imóvel ser um sócio da Impugnante e do objecto do licenciamento serem obras de fim doméstico numa casa de habitação, acrescem aqueles outros que a AT não teve em conta e que se sintetizam na destinação exclusiva das obras e do imóvel à prossecução do fim social da Impugnante.
Assim, susceptível de discussão, agora, é só a questão de saber se prevalece o pedido do licenciamento ou, antes, a realidade da afectação do imóvel, em ordem à dedutibilidade do IVA suportado pela Impugnante no pagamento das obras, nos termos da conjugação dos artigos 19º nº 1 alª a) Art. 19.º - 1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;, 20 nº 1 alª a)
Art. 20.º - 1 - Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; do CIVA nas numeração e redacção coevas dos factos tributários.
Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto plurifásico, de matriz comunitária, que atinge tendencialmente todo (mas apenas) o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo). Actualmente a directiva comunitária que é quadro de referência hermenêutico de toda a legislação nacional em matéria de IVA é a Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, publicada no Diário Oficial da União Europeia nº L 347 de11/12/2006. Ao tempo das deduções não aceites pelo acto impugnado vigorava ainda Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, objecto de múltiplas alterações que com aquela se pretendeu sistematizar numa nova directiva (cf. os respectivos considerandos).
O princípio ou o objectivo europeu da neutralidade fiscal do IVA realiza-se, entre o mais, mediante um regime do direito à dedução de imposto que, tendencialmente, não comporta excepções nem espaço para dúvidas ou indeterminação e tem como efeito a repercussão do imposto exclusivamente no consumidor (cf. artigos 167º e sgs da Directiva IVA). O que se pretende é libertar as empresas inteiramente do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas e garantir a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam, desde que sujeitas ao IVA.
Assim, salvo fraude imputável ao próprio sujeito passivo que pretende deduzir, o direito a dedução do IVA pago a montante, previsto nos artigos 167.° e seguintes da Directiva 2006/112, não pode, em princípio, ser limitado.
Neste sentido pode ver-se os acórdãos C 354/03 C 355/03 e C 484/03 - Optigen, de 12.01.2006, C-285/11 C-285/11, Bonik, de 6.12.2012, C-18/13, Maks Pen EOOD, de 13.02.2014.
No nosso caso, negar à Impugnante a dedução do IVA iria contra estes princípio da neutralidade do IVA e esta jurisprudência, pois aquele foi suportado segundo facturas regulares, no pagamento de serviços cujo objecto imediato consistiu numa remodelação, que se mostrava necessária, das instalações que serviam exclusivamente ao exercício da actividade da impugnante, de maneira que esta se veria onerada e em desvantagem no mercado, relativamente à suas concorrentes, por ter de suportar o IVA, como se de um consumidor final se tratasse, das obras realizadas com o fim de possibilitar ou facilitar o exercício sua actividade económica.
Ocorre ainda referir que a própria AT terá emitido, procedendo despacho de 30/6/2015 no procedimento nº 8250, informação vinculativa consentânea, por maioria de razão, com a posição que aqui fazemos prevalecer. Passamos a citar a sua transcrição no blog: https://fiscalidade.blogs.sapo.pt:
«Tendo por referência o pedido de informação vinculativa solicitada, ao abrigo do art° 68° da Lei Geral Tributária (LGT), presta-se a seguinte informação.
I- EXPOSIÇÃO DO SUJEITO PASSIVO E ENQUADRAMENTO LEGAL
(…)
II- O CASO CONCRETO E CONCLUSÃO
9. Desconhecendo-se o conteúdo desta cedência do imóvel a título gratuito, ou admitindo-se mesmo que ela possa ter sido celebrada de forma verbal, da consulta ao sistema cadastral constata-se que o imóvel onde funciona a sede social da empresa é um imóvel para habitação, onde a gerente, xxxxxxx, tem o seu domicílio fiscal.
10. Importa, por isso, analisar o conceito de domicílio fiscal, que vem previsto no artigo 19.º da LGT. Dita este artigo que "O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) para as pessoas singulares, o local da residência habitual; b) para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal". Pelo exposto, se retira que, no imóvel onde habita a sócia gerente (o qual é propriedade do agregado familiar desta) funciona a sede efectiva da empresa, aqui requerente, sendo que nos termos legais nada o impede, atendendo ao objecto social da mesma.
11. Conforme estabelece o n.º 7 do artigo 19.º do CIVA (aditado pelo artº 2º do Decreto-Lei nº 134/2010, de 27 de Dezembro) que "Não pode deduzir-se imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma", ou seja, o imposto não é dedutível na parte em que o imóvel está afecto ao uso particular, podendo ser dedutível na proporção correspondente à área afecta à actividade da requerente.
12. Sobre a proporção correspondente à área afecta à actividade, releva fazer a seguinte distinção: i) se a área ocupada para a sede da empresa se circunscrever a um espaço claramente delimitado do resto do imóvel para habitação e as facturas identificarem expressamente que os custos/despesas se referem a esse espaço delimitado, o IVA das despesas inerentes às obras de alteração no imóvel é dedutível. ii) ao invés, se a área ocupada para a sede da empresa não se conseguir autonomizar das restantes partes do imóvel afectas à habitação da sócia gerente, torna-se necessário definir um critério destinado a repartir o imposto suportado nos custos das obras de alteração imóvel por cada uma das partes afectas à actividade da requerente e à habitação.
13. Nestes termos, o imposto suportado é dedutível apenas na percentagem correspondente à área do imóvel que é destinada à actividade da requerente, com inclusão das partes comuns, se for caso disso.
14. Essa percentagem de dedução pode ser determinada através de uma fracção que comporte, no numerador a área afecta à actividade da empresa requerente, com inclusão das áreas comuns e, no denominador, a área total do imóvel.3
15. Quanto à imputação das partes comuns a cada uma das partes afectas à actividade do requerente (uma actividade económica, sujeita a IVA e não isenta) e afectas a habitação deverá ser também efectuada em proporção ao espaço ocupado por cada uma das partes.
16. Concluindo, consoante a área ocupada para a sede da empresa se circunscreva a um espaço claramente delimitado do resto do imóvel para habitação ou, pelo contrário, não se consiga autonomizar das restantes partes do imóvel afectas à habitação, no primeiro caso o IVA suportado nas despesas inerentes às obras de alteração no imóvel é dedutível, sendo que no segundo caso, há que definir um critério de imputação do imposto incidente sobre os custos das obras referentes à parte do imóvel afecta à actividade da requerente e, consequentemente, determinar o montante de imposto a deduzir.»

Pelo exposto, é por força da própria estrutura do IVA e dos artigos 19º e 20º, acima citados, do CIVA, interpretados à luz daqueles princípio e jurisprudência, sem necessidade de intervenção de quaisquer princípio jus-tributários gerais, que deve prevalecer a realidade da destinação exclusiva dos serviços à prossecução da actividade da Impugnante, donde decorre ser dedutível, nos termos do artigo 19º nº 1 alª a) do CIVA coevo, o IVA que o acto impugnado reputou não dedutível, o qual acto, assim, tem de ser anulado.

Pelo exposto, o recurso procede inteiramente.

III – Custas
A presente impugnação (cf. facto provado 12) foi instaurada em 1998, quando a AT era, ainda, isenta de custas. Como assim, nenhuma das partes será responsabilizada pelas custas, apesar de a AT ter decaído totalmente na acção.


IV- Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar procedente o recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente, anulando a liquidação impugnada.
Sem custas.

Porto, 8/07/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda, relator, consigno e atesto, nos termos do artigo 15-A do DL nº 10-A/2020 de 13/3, que este acórdão tem voto de conformidade dos restantes membros do colectivo, Desembargadoras:

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
____________________________________________
i) Art. 19.º - 1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

ii) Art. 20.º - 1 - Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;