Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00123/98 - BRAGA |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 11/19/2009 |
Relator: | Francisco Rothes |
Descritores: | QUALIFICAÇÃO DOS RENDIMENTOS RESULTANTES DA VENDA DOS LOTES - IRS - FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS - FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI |
Sumário: | I - No âmbito do procedimento e nos termos do art. 90.º do CPT, era à decisão da reclamação em que é pedida a revisão da matéria tributável, e não à sua notificação, que a lei atribuía relevância para pôr cobro à suspensão do prazo para a liquidação. II - A falta de notificação da decisão da comissão de revisão, quando esta seja no sentido da manutenção da matéria tributável inicialmente fixada pela AT, não constitui restrição alguma à possibilidade de impugnar a liquidação com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável. III - Para efeitos de tributação em IRS (versão inicial do respectivo Código), na categoria C (rendimentos comerciais e industriais) cabem os lucros resultantes de toda a actividade, habitual ou esporádica, que visa a obtenção do lucro mediante a revenda ou transformação de bens, enquanto na categoria G (mais-valias) cabem apenas os ganhos inesperados ou fortuitos, ou seja, os resultantes das valorizações produzidas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, os ganhos trazidos pelo vento (windfalls), na expressão consagrada na doutrina. IV - Assim, e face ao disposto no art. 4.º, n.º 1, alínea e), do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto, que é a aplicável ao caso, os ganhos resultantes da venda de lotes de terreno na sequência do loteamento efectuado pelo vendedor, devem ser considerados como rendimentos da categoria C, ou seja, como rendimentos de actividade industrial, e não como rendimentos da categoria G, mais-valias. V - Na verdade, nesse caso o dono do terreno não vende o terreno que adquiriu, caso em que eventuais ganhos haveriam de ser considerados como inesperados ou fortuitos (windfalls), antes vende os lotes resultantes da operação de loteamento do terreno, operação para a qual desenvolveu comportamentos e diligências (pelo menos, desencadeou o competente processo junto da autarquia local com vista à obtenção das necessárias licenças) com fins lucrativos, motivo por que é de considerar que desenvolveu uma actividade de natureza comercial (sendo que o conceito de comércio implícito no art. 4.º do CIRS não é o jurídico, mas o económico). VI - O art. 22.º do CPT concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que lhe não seja comunicada a fundamentação do acto notificado, visando, exclusivamente, obter a sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação; não lhe impõe uma condição com vista a aceder aos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, nem visa permitir à AT fundamentar a posteriori um acto que não esteja fundamentado. VII - A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, pelo menos, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem. VIII - Ainda que em informação prestada no âmbito da impugnação judicial a AT tenha vindo esclarecer detalhadamente o modo por que procedeu ao cálculo dos juros compensatórios, tal esclarecimento não releva para efeitos de se considerar fundamentado o acto de correcção da matéria tributável, pois não é admissível a fundamentação a posteriori. IX - Na falta de indicação dos elementos ditos em VII, e se eles não forem evidentes, o acto de liquidação de juros compensatórios enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 A Administração tributária (AT), tendo verificado que MANUEL CLASEN (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) não declarou para efeitos de tributação em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1992 os ganhos resultantes da venda de lotes de terreno, procedeu à fixação do rendimento tributável, que foi mantido após reclamação, e consequente liquidação do imposto e respectivos juros compensatórios, de que resultou um montante a pagar de Esc. 1.186.216$00. 1.2 O Contribuinte impugnou judicialmente essa liquidação, pedindo ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Braga a anulação desse acto tributário com diversos fundamentos, dos quais ora só nos interessa considerar os seguintes (() Apesar de o Impugnante ter invocado outros fundamentos, há alguns de que ora não cumpre conhecer: a invocada preterição de formalidade legal por não ter sido notificado para substituir a declaração já foi decidida por acórdão do Tribunal Central Administrativo com trânsito em julgado (cf. o acórdão do Tribunal Central Administrativo de fls. 78 a 83); as questões da falta de notificação do cônjuge e da caducidade do direito à liquidação, bem como da relevância da informação que lhe teria sido prestada pela AT, no sentido de que os rendimentos em causa não estariam sujeitos a tributação, o Impugnante deixou-as cair em sede de recurso, pelo que a sentença nessa parte transitou em julgado.): 1.3 Foi proferida sentença que julgou a oposição improcedente. 1.4 O Impugnante recorreu dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 1.5 O Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: B – Não tendo sido notificado da decisão que mereceu o seu recurso interposto para a comissão de revisão a Administração fiscal estava impedida legalmente de proceder à liquidação do imposto enquanto tal decisão não fosse notificada ao recorrente. C – Para além de ilegal por contrariar a suspensão prevista no disposto no artº 90 do C.P.T., o direito à liquidação mostra-se agora prescrito uma vez que o impugnante nunca foi notificado da decisão que mereceu a sua reclamação para a comissão de revisão. D – O recurso para a comissão de revisão era condição indispensável para que se pudesse deduzir a impugnação judicial com base em errónea quantificação da matéria tributável por métodos indiciários (artºs 70 do CIRS e 136 e 84, n.º 1 e 3 do CPT) E – A não notificação ao recorrente da decisão da comissão de revisão, que deve ser fundamentada, impossibilita-o de exercer os seus direitos, designadamente de impugnar judicialmente a fixação do rendimento com fundamento na sua errónea quantificação, situação que acarreta a nulidade da liquidação do IRS, atenta a ilegalidade cometida e a violação de formalidades essenciais (art.º 120º, al. c) e d) do CPT). F – A sentença em crise fez uma errada qualificação jurídica dos factos à luz do disposto na al. e) do n.º 1 do artº 4º do IRS. G – Por força do disposto no artº 4º, nº 2 al. c) da Lei 106/88 de 17/12 o disposto na al. e) do artº 4º do CIRS só é de aplicar às pessoas que façam da exploração de loteamentos a sua actividade, ou também se dediquem ao exercício daquela actividade. H – A liquidação efectuada relativamente aos juros compensatórios é anulável por vício de violação da lei e falta de fundamentação, não resultando dos autos, o que é um ónus da AF, que o atraso do imposto é imputável ao contribuinte (cfr. Artº 83, n.º 1 do CPT). I – É convicção plena do recorrente que relativamente aos factos dos autos se verifica uma situação de exclusão tributária, nos termos do art.º 5º do D.L. 442-A/88, o que afasta todo e qualquer tipo de culpa e mesmo negligência por parte do recorrente, sendo certo que, a liquidação em mérito, viola o art.º 83, n.º 1 do Cód. Proc. Tributário e os art.º 570 e 572 do Cód. Civil. J – Relativamente à fundamentação, não é referido em qualquer parte da liquidação, nem em qualquer outra notificação anterior, qual a taxa de juros compensatórios aplicada ao caso em apreço, nem a partir de que data a mesma foi aplicada, sendo certo que só na pendência da presente impugnação o recorrente foi deles notificado e pelo Tribunal recorrido, o que determina a nulidade da liquidação dos juros efectuada. L – A sentença em crise não fez uma correcta aplicação do direito ao considerar o rendimento obtido como fazendo parte da categoria C, sendo certo que, de qualquer modo, os mesmos se mostram isentos de tributação. M – Os rendimentos em causa nos presentes autos não estão sujeitos a IRS, uma vez que se verifica a situação de exclusão prevista no artº 5º do Dec. Lei 442-A/88 de 30 de Novembro. N – O legislador, por ter alargado o âmbito da tributação das mais-valias, pretendeu salvaguardar as situações que anteriormente não estavam sujeitas a tal imposto por forma a que, tratando-se de ganhos que não eram tributados à luz do anterior Código continuassem a não o ser, com excepção de bens adquiridos após a entrada em vigor do CIRS. O – A não sujeição a tributação na situação em apreço em face da lei anterior (CIMV) não decorria de uma razão objectiva ou do âmbito da incidência do imposto, que, ao invés, abrangia uma tal situação, mas por uma razão de âmbito da aplicação da lei no tempo. À semelhança daquele artº 5º do Dec. Lei 442-A/88 também o Dec. Lei 46 373 que aprovou o código do Imposto de Mais Valias, estabeleceu no seu artº 2º § 1º que “os ganhos a que respeita o n.º 1 do Código só ficam sujeitos a imposto quando o terreno tiver sido adquirido após a data deste diploma”. P – Uma vez que o terreno foi adquirido em 1949 e o CIMV data de 1965 por força da norma supra referida os ganhos em causa não estavam sujeitos a mais-valias, pelo que, os ganhos obtidos pelo recorrente não estão sujeitos a tributação em sede de IRS. Q – Mesmo considerando a operação de loteamento efectuada e a tributação dos rendimentos em sede da categoria C, os rendimentos em causa continuam isentos de tributação. R – Antes da entrada em vigor do CIRS, a tributação deste tipo de ganhos estava prevista no Código de Imposto de Mais Valias, sendo certo que este não estabelecia distinção do tipo da que agora o CIRS faz, ou seja, os ganhos decorrentes da venda de terrenos, enquanto actividade isolada do vendedor ou estavam sujeitos a tributação em sede de mais-valias, ou então não estavam sujeitos a qualquer tributação. S – O que a lei pretendeu evitar através da norma do artº 5º do Dec.Lei 442-A/88 foi que ganhos que não estavam sujeitos a mais-valias e derivados da alienação de bens adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS passassem a estar sujeitos a IRS (não distinguindo a lei quanto à categoria de rendimentos em que tal tributação se processa) por força dessa entrada em vigor. T – A lei formulou no artº 5º do Dec. Lei 442_A/88, um princípio, ou seja, o que antes estava vocacionado para ser tributado como mais-valia e não o era, independentemente da razão por não o era, só passaria a estar sujeito ao IRS se a aquisição dos bens originadores dos ganhos se fizesse depois da entrada em vigor do CIRS. U – Do ponto de vista deste princípio é irrelevante que a sujeição a IRS se faça através da categoria G ou C, pois em ambos os casos é tributação por via da aplicação de IRS e esta a lei afastou-a de modo expresso. V – Ao não acolher o raciocínio expendido supra da não tributação do rendimentos em mérito, a sentença recorrida fez uma interpretação da lei em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa. X – Se na vigência do C.I.M.V., a operação de loteamento efectuada pelo recorrente não era tributada como mais valias, porque a aquisição do terreno ocorreu antes da sua entrada em vigor, actualmente, por força do art.º 5º do D.L. 442-A/88de 30/11, esta mesma operação não pode ser tributada em sede de IRS. Z – A tributação dos rendimentos em apreço em sede de IRS é manifestamente inconstitucional, quer por aplicação retroactiva das leis fiscais, quer por violação dos direitos adquiridos pelos impugnantes, nos termos dos artºs 18, n.º 3 e 103, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. TERMOS EM QUE, Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado nos termos das conclusões referidas supra com o que se fará JUSTIÇA». 1.6 A Fazenda Pública não contra alegou. 1.7 O Tribunal Central Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia e indicou como competente o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por sua vez, também declarou a sua incompetência em ordem da hierarquia e indicou como competente este Tribunal Central Administrativo Norte. 1.8 Recebidos neste Tribunal Central Administrativo Norte, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto remeteu para o parecer proferido pelo Representante do Ministério Público no Tribunal Tributário de 1.ª instância de Braga, nos termos do qual, porque o prédio de onde foram destacados os lotes foi adquirido pelo Impugnante em 1949, ou seja, antes da entrada em vigor do Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46.373, de 9 de Junho de 1965, os ganhos resultantes da venda daqueles lotes estão isentos de tributação em IRS, de acordo com o disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o Código do IRS. 1.9 Colhidos os vistos dos Juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 1.10 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença fez correcto julgamento quando decidiu que: * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: «Factos provados e respectiva fundamentação: * Factos não provados e respectiva fundamentação: 1º - Que, ao impugnante, tenha sido dito, numa repartição de finanças, que os rendimentos estavam isentos de tributação em IRS – nenhuma prova se fez deste facto, 2º - Que o impugnante tenha sido notificado do acordo obtido na reunião da comissão de revisão – os documentos constantes do processo não demonstram esta notificação». 2.1.2 Porque nada temos a censurar ao julgamento da matéria de facto efectuado pela 1.ª instância, damos por assente a factualidade elencada no ponto 2.1.1. Limitar-nos-emos a aditar-lhe, ao abrigo dos poderes que nos são concedidos pelo art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), com base nos elementos probatórios documentais expressamente referidos entre parêntesis a seguir a cada uma das alíneas, que não foram postos em causa, os seguintes factos: a) Na fixação de rendimentos, a AT indicou que os mesmos se integravam na categoria C (cf. despacho de fixação dos rendimentos no processo administrativo em apenso, com cópia a fls. 27); b) Os rendimentos fixados referem-se às vendas, efectuadas em 1992, de lotes de terreno (cf. despacho de fixação dos rendimentos no processo administrativo em apenso, com cópia a fls. 27 v.º, e cópia das escrituras de compra e venda, de fls. 94 a 104); c) No despacho de fixação de rendimentos, proferido em 28 de Outubro de 1997, sob a epígrafe «fundamentação», ficou escrito: «Não obstante ter alienado dois lotes de terreno para construção, conforme se verifica pela cópia da matriz predial, não declarou esses rendimentos. Para efeitos de apuramento da matéria colectável, consideram-se 30% de custos» (cf. despacho de fixação dos rendimentos no processo administrativo em apenso, com cópia a fls. 27 v.º); d) O acordo dos vogais obtido, em 19 de Dezembro de 1997, na reunião da comissão de Revisão foi homologado pelo Presidente da Comissão (cf. acta da reunião no processo administrativo em apenso); e) Por despacho dessa mesma data, o Chefe da 1.ª Repartição de Finanças do concelho de Braga confirmou a legalidade da decisão do Presidente da Comissão de Revisão (cf. o despacho no processo administrativo em apenso); f) A liquidação dita em 4. foi efectuada na sequência da fixação dos rendimentos e dela resultou o montante a pagar de Esc. 1.186.216$00, sendo 631.896$00 de imposto e 554.320$00 de juros compensatórios (cf. a «nota demonstrativa da liquidação do imposto» ínsita no documento de cobrança com cópia a fls. 32). * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A AT, tendo verificado que Manuel Clasen vendeu em 1992 dois lotes de terreno para construção que adquirira por sucessão e que não declarou para efeitos de tributação em IRS os ganhos resultantes dessas vendas, procedeu à fixação do rendimento líquido, tendo computado os custos da operação de loteamento em 30%. O Contribuinte reclamou dessa fixação para a Comissão de Revisão, sustentando que os custos superam os 60% e propondo-se fazer a demonstração dos mesmos em sede da reunião daquela Comissão. Reunida a Comissão de Revisão, os vogais da Fazenda Pública e do Contribuinte chegaram a acordo, que foi homologado pelo Presidente da comissão e cuja legalidade foi confirmada pelo Chefe da Repartição de Finanças. Nos termos desse acordo, foi mantida a fixação inicial do rendimento líquido. Consequentemente, a AT procedeu à liquidação do imposto e respectivos juros compensatórios, de que resultou um montante a pagar de Esc. 1.186.216$00. O Contribuinte impugnou judicialmente essa liquidação, cuja ilegalidade pretendeu demonstrar com diversos fundamentos, dos quais ora nos interessa considerar apenas os seguintes: – não foi notificado da decisão da Comissão de Revisão; – o rendimento em causa não estava sujeito a tributação, atento o disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro; – a liquidação de juros compensatórios não está fundamentada. A sentença não atendeu nenhum dos fundamentos invocados, sendo que relativamente aos que vimos de referir, o Impugnante não se conformou com o decidido, recorrendo para este Tribunal Central Administrativo Norte. Daí termos enunciado as questões a apreciar e decidir nos termos em que o fizemos em 1.10.2.2.2 DA FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DA COMISSÃO DE REVISÃO Não ficou provado que a AT tenha notificado o Contribuinte da decisão da Comissão de Revisão. Assim, porque recai sobre a AT o ónus da prova de tal facto, o mesmo deve ser valorado contra ela, o que significa que devemos ter por não efectuada tal notificação. Na sentença, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou “ser discutível” a necessidade da notificação dessa decisão, porque estaria devidamente representado na reunião pelo seu vogal, ao qual competiria transmitir ao Contribuinte o teor do acordo obtido naquela reunião, sendo «evidente que o Contribuinte conheceu oportunamente os termos do acordo». Em todo o caso, considerou ainda que a falta de notificação se teria degradado em formalidade não essencial por falta de lesão de direito ou interesse legalmente protegido. Sustenta o Recorrente, tal como havia já feito na petição inicial, que a reclamação para a Comissão de Revisão tem efeito suspensivo, motivo por que a AT não podia proceder à liquidação do imposto enquanto tal notificação não se mostrasse efectuada, bem como que ficou impedido de exercer o seu direito de impugnação no que se refere à errónea quantificação da matéria tributável. Sustenta ainda, em sede de recurso pela primeira vez, que essa falta de notificação acarretou a caducidade do direito à liquidação. Apesar de o Recorrente dizer que «o direito à liquidação mostra-se agora prescrito uma vez que o impugnante nunca foi notificado da decisão que mereceu a sua reclamação para a comissão de revisão» (() Itálico nosso.), é manifesto que pretende aludir à caducidade do direito à liquidação e não à prescrição da obrigação tributária pois, sendo certo que ambos os institutos dependem do decurso do tempo, só a caducidade do direito à liquidação fica na dependência da notificação desse acto ao contribuinte (cf. art. 33.º, n.º 1, do CPT, em vigor à data (() Hoje, a caducidade do direito à liquidação está prevista no art. 45.º da Lei Geral Tributária.)). A este respeito, cumpre ter presente que, porque se trata de vício que não foi oportunamente invocado, não foi conhecido na sentença recorrida e não é do conhecimento oficioso (() No sentido de que a caducidade do direito à liquidação não é do conhecimento oficioso, vide, por todos o acórdão de 18 de Maio de 2005, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 1178/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Novembro de 2005, págs. 82 a 87 e disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c25d711a522b0060802570140031fe03?OpenDocument.), não pode este Tribunal Central Administrativo Norte agora dele conhecer. Na verdade, como é sabido, os tribunais de recurso não podem conhecer de questão que não tenha sido oportunamente suscitada perante a 1.ª instância, que esta não tenha conhecido e que não seja do conhecimento oficioso; os recursos visam, em geral, e com excepção das questões de conhecimento oficioso, modificar as decisões recorridas e já não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo, sem prejuízo do conhecimento em substituição, quando este se imponha ao tribunal ad quem (() Com interesse, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, II volume, anotação 21 ao art. 279.º, págs. 712/713.). Quanto à questão da falta de notificação da comissão de revisão constituir vício que, na tese do Recorrente, se repercute na legalidade da liquidação, quer porque o seu efeito suspensivo se mantém até à notificação da decisão da comissão, quer por impedimento de impugnar com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável, cumpre ter presente o seguinte: Nos termos do art. 90.º do CPT, «A reclamação para a comissão de revisão tem efeito suspensivo até à sua decisão». Como resulta desde logo da letra do preceito, o termo da suspensão ocorre com a decisão da reclamação e não com a sua notificação. Note-se que, quando a lei entende conferir relevo à notificação dos actos tributários di-lo expressamente, como sucedia, v.g., no art. 123.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPT, em vigor à data. Ora, se o legislador no art. 90.º do CPT entendeu referir o termo do efeito suspensivo à decisão da reclamação, não à notificação desta, por certo é que aquela por si só, independentemente da sua notificação ao reclamante, é eficaz para fazer cessar o efeito suspensivo do procedimento. «O que não aparece contrariado no campo da função de garantia constitucional dos interessados que o art. 268º/3 da CR assinala à notificação, porquanto este preceito não deixa, quando sujeita os actos administrativos a notificação, de remeter para a forma prevista na lei, dando assim relevo à normação da lei ordinária. E depois, quando se indague a ratio juris do preceito, não se enxerga qual a relevância de um acto, a notificação ao interessado, que, operando como requisito de eficácia ou de oponibilidade subjectiva dos actos comunicados aos respectivos interessados (Cf. Notas aos Arts. 66º e 132º do Código do Procedimento Administrativo, na obra do mesmo nome, de Esteves de Oliveira e outros.), não encontra lugar de aplicação na situação regida pelo referido art. 90º. No acto comunicado não há qualquer imposição dirigida ao interessado que ele tenha que cumprir e se há uma modificação de direitos ou interesses legalmente protegidos que àquele importem, a mesma não convoca meios de reacção administrativa e judicial, pois o art. 89º do CPT proscreve a impugnabilidade autónoma das decisões das comissões, reservando para a reclamação ou impugnação do acto tributário de liquidação a invocação de qualquer ilegalidade de que enferme a fixação da matéria colectável. Assim, se não há alteração de qualquer direito, interesse legítimo ou obrigação do destinatário que peça ser levada ao seu conhecimento, não se explica nem sequer a exigência de notificação e muito menos que o acto complementar seja havido como condição de eficácia (subjectiva ou objectiva) do acto notificando quanto ao termo do efeito suspensivo procedimental» (() Cf. acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Fevereiro de 2003, proferido no processo com o n.º 1513/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Março de 2004, págs. 197 a 199, com texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/69899de603918f1c80256ccb0053843c?OpenDocument.). Podemos, pois, concluir que a falta de notificação ao Contribuinte da decisão da comissão de revisão, não só não constitui preterição de formalidade essencial, como bem decidiu o Juiz do Tribunal a quo, como também não acarretou a violação do efeito suspensivo previsto no art. 90.° do CPT para a reclamação. Sustenta o Recorrente que a falta de notificação da decisão da comissão de revisão o impediu de impugnar a liquidação com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável. Salvo o devido respeito, não alcançamos qual a restrição sofrida pelo Contribuinte no domínio da impugnação, designadamente ao nível da possibilidade de discutir a quantificação da matéria tributável. Se bem interpretamos as alegações de recurso, para o Recorrente essa restrição derivaria do desconhecimento da manutenção ou alteração do rendimento inicialmente fixado. No entanto, o Recorrente não pode ignorar que o rendimento não sofreu alteração alguma: não, como ficou dito na sentença, porque o vogal tivesse a obrigação de lhe comunicar o acordo a que chegou em sede de reunião da Comissão, pois, à data, o vogal não era representante do contribuinte; mas porque o ora Recorrente quando da notificação da liquidação bem pôde verificar que o rendimento tributável era o mesmo que lhe foi inicialmente fixado. Não pode, pois, o recurso ser provido com este fundamento. 2.2.3 DA QUALIFICAÇÃO DOS RENDIMENTOS E SUA SUJEIÇÃO A IRS Entendeu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que a liquidação não enferma do invocado vício de violação de lei no que respeita à qualificação dos rendimentos em causa pois os ganhos resultantes da exploração do loteamento são rendimentos comerciais para efeitos de tributação em IRS, pelo que bem andou a Administração ao incluí-los na categoria C e não na categoria H do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) (() Aqui, como adiante, todas as referências ao CIRS serão feitas para a versão em vigor à data dos factos.). O Recorrente discorda desse entendimento, sendo que a sua discordância reside, primeiro, na qualificação desses rendimentos, que considera terem a natureza de mais valias, por não resultarem de qualquer actividade comercial; depois, e face à natureza que atribui a esses rendimentos, considera o Recorrente que os mesmos estão excluídos da tributação em IRS por força do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma legal que aprovou o CIRS; em todo o caso, sustenta que, mesmo a considerar que os rendimentos em causa se integram na categoria C, sempre a tributação estaria excluída por força do mesmo preceito legal. Para nós, é inquestionável que os ganhos resultantes da venda dos lotes se integram na categoria C para efeitos de IRS. Vejamos Dispunha o art. 10.º do CIRS, na redacção em vigor à data: «1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem de: Ou seja, a venda aqui em causa (dos lotes) poderá gerar mais-valias, desde que a operação não seja considerada rendimento comercial. «1 – Consideram-se rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial, incluindo: O loteamento de um terreno e a venda, com intuito lucrativo, dos lotes assim constituídos é uma actividade de natureza comercial ou industrial e, por isso, os ganhos resultantes dessa venda, para efeitos de tributação em IRS, enquadram-se nos rendimentos da categoria C. «Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46.673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código». Como resulta inequívoco, desde logo da própria epígrafe do referido art. 5.º – «Regime transitório da categoria G» – a norma estabelece um regime de transição exclusivamente para os rendimentos susceptíveis de serem integrados na categoria G para efeitos de tributação em IRS, ou seja, para as mais-valias. * * * 3. DECISÃOFace ao exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência: a) revogar a sentença recorrida na parte respeitante à liquidação dos juros compensatórios, julgando a impugnação judicial procedente nessa parte, motivo por que anulamos a liquidação de juros compensatórios; b) manter a sentença no demais, designadamente, no que respeita à improcedência da impugnação judicial quanto à liquidação de IRS. * Custas pelo Recorrente, na proporção do decaimento, fixando-se a taxa de justiça devida neste Tribunal Central Administrativo Norte em três UC. * Porto, 19 de Novembro de 2009 (Francisco Rothes) (Fonseca Carvalho) |