Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01021/15.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:António Patkoczy
Descritores:ISV. LIQUIDAÇÃO PROVISÓRIA DO IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS USADOS IMPORTADOS POR PARTICULARES. REQUERIMENTO DE REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO
PARA DETERMINAÇÃO DO VALOR COMERCIAL DO VEÍCULO: FACTORES CONSIDERADOS. FIXAÇÃO DO VALOR PELA ADM. ADUANEIRA.
INTRODUÇÃO AO CONSUMO E APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO ADUANEIRO DE VEÍCULO (DAV) ÁS AUTORIDADES ADUANEIRAS. DOCUMENTOS A JUNTAR AO DAV. LIQUIDAÇÃO DEFINITIVA COM BASE NO VALOR DE AVALIAÇÃO. ALTERAÇÃO DO VALOR DE AVALIAÇÃO E LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DO IMPOSTO.
Sumário:I. Sempre que se verifique a introdução no consumo, por particulares, de veículos usados sujeito a Imposto Sobre Veículos, após a liquidação provisória de acordo com a “tabela D”, a que se refere o nº 1, do artº 11º, do Código, pode ser requerido a determinação do valor comercial, nos termos considerados no nº 3, do mesmo preceito legal, podendo o mesmo revestir-se de um procedimento avaliativo que tem em consideração certos factores concretos vertidos na lei.
II. Tendo-se efectuado tal avaliação do veículo, sendo em concreto considerado o factor de ponderação relativo à quilometragem, tendo o contribuinte cumprido as suas obrigações relativas á sua introdução no consumo através da apresentação de Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), sendo o mesmo acompanhado dos documentos que comprovam os elementos pertinentes á sua determinação ( nº2, do artº 20º, do CSV), resulta fixado aquele valor de avaliação
III. Efectuada uma liquidação definitiva do imposto nos termos do disposto na alínea c), do nº 1, do artº 25º, do CISV, não é licita a realização de uma liquidação oficiosa ao abrigo do disposto no artº 26º, do mesmo diploma legal, com fundamento em novos elementos obtidos após aquele procedimento avaliativo sem o respaldo legal da possibilidade de realizar nova avaliação, tendo-se firmado na ordem jurídica o resultado daquela avaliação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública.
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

A F.P. vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pelo Impugnante A., contra a liquidação oficiosa de ISV (Imposto Sobre Veículos) do ano de 2013 .
O recorrente formula, para o efeito, as seguintes conclusões:
A) A sentença recorrida, ao ter desconsiderado que a matrícula do veículo se encontrou foi cancelada em 06-11-2013, enferma de erro sobre os pressupostos de facto;
B) A sentença recorrida, ao ter concluído a diferença entre 465.880 - 225.875 = 179.288 e, consequentemente, que o veículo percorreu 996 Km/dia, num período de 6 meses, enferma igualmente de erro sobre os pressupostos de facto.
C) A sentença recorrida, ao considerar que elementos factuais demonstrados pela Alfândega não são suficientemente sólidos para convencer sobre a grande probabilidade de que a declaração do Impugnante não corresponde à verdade, enferma de erro de julgamento,
Face ao alegado, requer-se a revogação da douta sentença”.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista do Magistrado do Ministério Publico que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, tendo afirmado designadamente, o seguinte:
Dando como certo que aquando da última intervenção nas oficinas da mercedes benz, na Alemanha, a 6.6.2013, o veículo contava com 225 875 Kms e que decorridos seis meses, aquando da sua compra pelo impugnante naquele País, a 10.12.2013, o conta quilómetros ostentava 465 880 kms, impõe-se concluir que a diferença encontrada é de 240 005 Kms, e não os 179 288 kms mencionados na sentença, o que equivale a dizer que, nesse período de tempo, e como sustenta a recorrente, o veículo circulou, em média, 1 333 Km por dia.
E, a considerar-se que a matrícula foi cancelada a 6.6.2013, conforme ressalta das conclusões da ação inspetiva transcritas no ponto 6 dos factos provados, deixando então de poder circular, o tempo em que o pode fazer seria de 154 dias e a distância percorrida 'de, em média, 1 558 Kms por cada dia. 
Feita, assim, a correção quanto ao n° de kms percorridos, e mesmo não considerando a data do cancelamento da matrícula, afigura-se-me razoável concluir que a kilometragem apresentada pelo impugnante peca por excessiva, tendo como propósito influenciar o valor do veículo e, por consequência, o valor do ISV a pagar.
Por outro lado, parece-me que não recai sobre a Alfândega qualquer obrigação de indagar de eventual manipulação do conta quilómetros, sendo sempre responsável a pessoa que apresenta o veículo com o intuito de passar a utilizá-lo em proveito próprio, tanto mais que não aventou sequer a possibilidade de tal se dever a outrem, apresentando prova ou sugerindo a realização de diligências com tal objetivo.
Sendo esse o entendimento encontra-se plenamente justificada a liquidação, nos termos descritos no ponto VI das “conclusões da ação inspetiva”, transcrito a págs. 6, 7 e 8 da sentença, pelo que o recurso merece provimento.”
*
Com dispensa dos vistos legais cumpre apreciar e decidir. –cfr nº 4, do artº 657º do CPC.
*
A questão que importa apreciar é de saber, nos termos suscitados em sede recursiva que limitam as questões a ser apreciadas pela instância de recurso, se a sentença errou ao julgar que não resultava da avaliação do veículo automóvel adquirido pelo recorrido qualquer irregularidade que legitimassem a liquidação oficiosa do Imposto Sobre Veículos em razão do factor quilometragem no apuramento do valor comercial da referida viatura ao abrigo do disposto no nº 3, do artº 11º, do CISV.
*

II Fundamentação

Matéria de Facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“ 1. Em 06-06-2013 foi efetuada intervenção nas oficinas da Mercedes-Benz, na Alemanha, que verificou que o conta-quilómetros do veículo automóvel de marca Mercedes e de matrícula HD MB1257 registava 225.875 quilómetros, tendo esse facto sido informado pela Mercedes à Alfândega de (...) em 28-02-2014 (doc. de fls. 18 e 18 v.° do PA apenso;
2. Em 10-12-2013, o Impugnante A. comprou na Alemanha o veículo automóvel Mercedes E220 CDI Avantgarde de matrícula (...), a que se refere o ponto anterior, pelo preço de € 7.600,00, conforme documentos do vendedor, dos quais consta que o conta- quilómetros marcava 465.870 km (docs. de fls. 7, 8, 16 e 16 v.° do PA apenso);
3. Em 03-01-2014, a empresa “I., Lda.” emitiu "Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matricula” relativo ao veículo automóvel de matrícula (...) do ano 2009.08, onde consta que percorrera 465.880 quilómetros (fls. 16 do PA DAV 2014/00346.0, junto ao PA apenso);
4. Em 09-01-2014 foi apresentada na Alfândega de (...) a Declaração Aduaneira de Veículo-DAV n° 2014/000346.0, relativa ao veículo Mercedes Benz 211K, de matrícula alemã (...), em nome do proprietário A., dela constando que o veículo tinha percorrido 465.880 quilómetros, que o valor de aquisição foi € 7.600.00, e foi liquidado o respetivo Imposto sobre Veículos (ISV) (fls. 1 do PA DAV 2014/00346.0, junto ao PA apenso);
5. Em 12-03-2015 a Alfândega de (...) elaborou um projecto de relatório da ação inspetiva no qual concluiu que o Impugnante declarou dados errados à Alfândega com a intenção de obter vantagem na liquidação o ISV (fls. 26 e ss. do processo ANF/ISV/46/15, de 06-03-2016 (acção n.° 15/0125) junto ao PA apenso);
6. Tal projecto de relatório tem, nomeadamente, o seguinte teor:
“I. Conclusões da Ação Inspetiva
Em 2014-01-09 foi declarado o veículo MERCEDES BENZ 211 K, matricula alemã (...), chassis WDB2112081B446217, na Alfândega de (...), através da DAV n.° 2014/000346.0, de 09-01-2014 pelo seu proprietário A., NIF (...), através do seu representante legal L..
O sujeito passivo solicitou, por requerimento datado de 2014-01-09, através do já referido declarante, a tributação em sede de ISV, por aplicação da fórmula de cálculo prevista no n.° 3 do artigo 11° (método de avaliação) do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.° 22-A/2007, de 29 de junho. Na instrução do processo de legalização foi apresentada uma avaliação efetuada pela "EUROTAX", da mesma data.
Na referida avaliação verifica-se que a quilometragem declarada é de 465.880 Kms e o valor comercial atribuído é de € 6.279,00.
No entanto, após avaliação ao veículo, foi-lhe atribuído um valor comercial de € 6.592,95, tendo em conta o estado de conservação do veículo.
Com base nos elementos declarados, verificação física do veículo e pela aplicação da fórmula constante do já referido n.° 3 do artigo 11° do CISV, foi apurado o montante de ISV a liquidar de € 2.414,76 (dois mil quatrocentos e catorze euros e setenta e seis cêntimos).
No âmbito de diligências efectuadas veio-se a apurar que os elementos declarados, no que diz respeito à quilometragem do veículo não são corretos, conforme se demonstra;
Em 2014-02-28, através da informação fornecida pela Mercedes-Benz, por email, recebido nesta Alfandega com o registo de entrada n.° 2386, verificou-se que em 2013-06-06 o veículo foi sujeito a uma intervenção na marca onde registava 225.875 Kms.
Verificou-se ainda que a matrícula alemã foi cancelada em 2013-11-06.
Assim, de acordo com o supra exposto, torna-se possível fazer a reconstituição do percurso deste veículo:
- Entre a data da atribuição da primeira matrícula na Alemanha (10-08-2009) e a última intervenção na Mercedes-Benz (2013-06-06) decorreram 1.397 dias. Considerando os quilómetros que o veículo marcava nesta última (225.875 Kms), verifica-se que o mesmo percorreu em média 161,69 Km/dia;
- Contudo, foi declarado na DAV que o veículo registava 465.880 Kms, entre a data da última intervenção na Mercedes-Benz (06-06-2013) e o cancelamento da matrícula na Alemanha (06-11-2013) decorreram 154 dias (cerca de 5 meses) em que o veículo percorreu 240.005 Kms, perfazendo uma média de 1.558,47 Kms por dia, o que é manifestamente irreal.
- Porém, foi declarado na DAV e na Eurotax para efeitos de atribuição do seu valor comercial que o veículo registava 465.880 Kms, o que induz a que o valor comercial atribuído seja inferior ao real pelo efeito da correcção quilométrica.
A liquidação foi efectuada com base em elementos incorrectos que determinaram a atribuição de um valor comercial desajustado em função da quilometragem real apurada.
A prática utilizada prejudicou a cobrança de ISV, nos termos do previsto no artigo 26.° do CISV, devendo ser efectuada a liquidação oficiosa do montante em dívida no valor de €5.926,73.
(…)
IV. Controlos Efectuados
Os controlos efectuados tiveram por base a seguinte análise:
Documentação Analisada: 1. DAV 2014/346.0, de 2014-01-09 - Alfândega de (...)
2. Informação da Mercedes-Benz Verificação Física: Não teve verificação física
1. Foi consultada a DAV 2012/9014.7, de 2012-10-22, referente à regularização fiscal do veículo.
2. 2. Elementos fornecidos pela Mercedes-Benz
Data da intervenção Quilometragem
06-06-2013 225,875


V. Descrição das Irregularidades Constatadas
Constataram-se as seguintes irregularidades:
Irregularidade Constatada: A apresentação de documentos com dados errados, nomeadamente, a quilometragem conduzira ao cálculo do ISV em valor inferior ao devido.
A irregularidade detetada prejudica a cobrança do imposto, pelo que a diferença deve ser liquidada oficiosamente.
Enquadramento legal N.° 3 do artigo 11. °, conjugado com o artigo 26. ° do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.° 22-A/2007, de 21 de junho.


VI. Demonstração dos montantes (dívida) apurados
Ora, sendo a quilometragem um dos factores que influencia o valor de um veículo usado, valor esse que por sua vez vai ser decisivo no cálculo do imposto, quando o sujeito passivo requer que o mesmo seja calculado nos termos do n.° 3 do artigo 11.° (método de avaliação) do CISV, aprovado pela Lei n.° 22-A/2007, de 29 de junho, verifica-se que, no presente caso, o processo foi instruído com documentos que não correspondem à realidade dos factos, documentos esses que são da inteira responsabilidade do declarante/proprietário à data da DAV, pelo que não se encontram reunidos os requisitos necessários para que sejam aplicadas ao veículo as taxas aplicadas no método de avaliação.
Considerando a Instrução de Serviço n.° 35008/2013, Série II de 2013.03.26, da Divisão do Imposto sobre os Veículos, no qual refere a aplicação da tributação para estes casos.
Assim sendo, o veículo deverá ser sujeito à tributação através do valor médio de referência indicado nas publicações especializadas (quilometragem média/ teórica indicada na revista Eurotax) ou seja, a 1.a parte do factor V, definido no n.° 3 do artigo 11.° do CISV, aprovado pela Lei n.° 22-A/2007 de 29 de Junho e que resulta no seguinte imposto a liquidar.
Por conseguinte, no factor V da fórmula de cálculo, que representa o valor comercial do veículo será considerado o valor da cotação Eurotax, sem a subtracção do valor respeitante à correcção quilométrica, com a correcção em função da avaliação efectuada ao veículo por esta Alfândega.
Assim:
Proposta de liquidação de ISV por aplicação da fórmula considerando o factor V da fórmula de cálculo, que representa o valor comercial do veículo em função do valor da cotação Eurotax sem a dedução do valor respeitante à correcção quilométrica, n.° 3 do artigo 11.° do CISV, e após avaliação efectuada ao veículo por esta Alfândega, conforme se demonstra:
(…)
Componente “V” (Valor Comercial) 27.000,00 €
Componente “VR” (Preço de Venda em Novo) 65.826,00 €
Cálculo da Componente Y+C


Taxa Parcela a Abater montante
Cilindrada CM 3 - Y 2148 4,56 € 5.212,59 € 4.582,29 €
CO2 Em G/KM - C 202 187,970 € 23.434,670 € 14.535,27 €
TOTAL - Y * C 19.117,56 €


Considerando os quadros apresentados, o montante de imposto a liquidar pela aplicação da fórmula, em que o factor V da fórmula de cálculo representa o valor comercial do veículo em função do valor da cotação Eurotax sem a dedução do valor respeitante à correcção quilométrica, o valor de ISV a pagar seria de € 8.341,49 (oito mil trezentos e quarenta e um euros e quarenta e nove cêntimos).
Atentando que o sujeito passivo em 16-01-2014, pagou o valor de € 2.414,76 e que o valor de ISV apurado é de € 8.341,49 deverá o mesmo proceder à liquidação da diferença no montante de € 5.926,73 (cinco mil novecentos e vinte e seis euros e setenta e três cêntimos). (...)”
7. O projecto de relatório que antecede foi enviado ao ora Impugnante, para efeitos do exercício do direito de audição, pelo ofício n.° 1745, de 23-03-2015, remetido através de carta registada com AR, assinado pelo próprio em 26-032015 (fls. 27 e 28 do processo ANF/ISV/46/15, de 06-03-2016 (acção n.° 15/0125) junto ao PA apenso);
8. Não tendo sido exercido o direito de audição, foi, em 12-04-2015, elaborado o Relatório Final de Inspecção Aduaneira, que aqui se dá por integralmente reproduzido, de teor, no essencial, idêntico ao projecto a que se refere o ponto 6. supra (fls. 30 e ss. do processo ANF/ISV/46/15, de 06-03-2016 (acção n.° 15/0125) junto ao PA apenso); 


9. O relatório que antecede foi enviado ao Impugnante pelo ofício n.° 2263, de 20-04-2015, remetido por carta registada com AR, assinado em 21-04-2015 (fls. 35 e 36 do processo ANF/ISV/46/15, de 06-03-2016 (acção n.° 15/0125) junto ao PA apenso);
10. Em 28-04-2015 foi efectuada a liquidação de ISV, com o n.° 9002575, no valor de € 5.926,73, acrescido de € 300,07 de juros compensatórios, num total de € 6.226,80 (fls. 10 do processo CF/CP/49/15, de 27-04-2015);
11. A liquidação que antecede foi notificada ao Impugnante pelo ofício n.° 2422 de 30-04-2015, remetido por carta registada com AR, assinado pelo próprio em 05-05-2015 (fls. 11 a 12 do processo CF/CP/49/15, de 27-04-2015);
12. Em 08-06-2015 o ora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em 10. supra, de teor, no essencial, idêntico ao da presente impugnação (fls. 6 a 10 do processo de reclamação graciosa n.° 6/2015, junto ao PA apenso);
13. Após notificação do projecto de indeferimento e verificado o não exercício do direito de audição, por despacho de 19-08-2015 do Director de Serviços da Divisão do Imposto sobre os Veículos, foi a reclamação graciosa indeferida, com base na informação dos serviços, da mesma data, que aqui se dá por integralmente reproduzida (fls. 64 a 80 do processo de reclamação graciosa n.° 6/2015, junto ao PA apenso);
14. A decisão que antecede foi enviada à Exma. Mandatária do ora Impugnante pelo ofício n.° 3655, de 20-08-2015, remetido por carta registada com AR, assinado em 26-08-2015 (fls. 82 a 84 do processo de reclamação graciosa n.° 6/2015, junto ao PA apenso);
15. A presente impugnação foi apresentada na Alfândega de (...), remetida por carta registada com data de 20-10-2015 (fls. 3 a 10 dos autos em suporte físico).
3.2. Factos não provados
Não há factos a dar como não provados com interesse para a decisão da causa.
A decisão quanto à matéria de facto dada como provada realizou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo administrativo, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.”

III De Direito

Sendo sindicada a sentença proferida nos autos que julgou procedente a impugnação deduzida contra o acto de liquidação de ISV, constata-se que a decisão controvertida se fundamentou na seguinte argumentação:
“… De acordo com o pedido e a causa de pedir, que delimitam o objecto dos presentes autos, as questões postas à apreciação do Tribunal são se a liquidação é ilegal:
a) Em virtude de os factos apurados pela Alfândega não terem sido sujeitos a contraditório;
b) Em virtude de haver errónea qualificação e quantificação do facto tributário:
i) Já que o critério de cálculo utilizado não pode ser diferente, sob pena de ilegalidade, uma vez que a Alfândega efectuou os cálculos com recurso ao método normal, quando, no momento da legalização, fez os cálculos com recurso ao método alternativo;
ii) Por ser à Alfândega que cabe provar os fundamentos que alegou e que deram origem à liquidação, o que não terá feito, sofrendo o acto de falta de fundamento legal;
iii) Em virtude de o Impugnante não ter qualquer conhecimento, participação ou responsabilidade na alegada alteração quilométrica, já que adquiriu o veículo nas condições normais de mercado, com a quilometragem que foi apresentada à Alfândega, tendo em seu poder declarações de garantia onde constam as datas e os respectivos quilómetros com que o veículo foi entregue, o qual foi legalizado e submetido a verificação da Alfândega, que não apresentou dúvidas.
Atendendo ao disposto no art. 124. ° do CPPT, o Tribunal vai começar por apreciar o invocado erro na qualificação do facto tributário, vício de ordem substancial, já que, não tendo sido invocada nenhuma nulidade, nem tendo os vícios sido invocados numa relação de subsidiariedade, é o critério que melhor protecção dá aos interesses ofendidos.
Vejamos.
Defende o Impugnante haver errónea qualificação do facto tributário, já que é à Alfândega que cabe provar os fundamentos que alegou e que deram origem à liquidação, nomeadamente, a prova da existência de alterações do número de quilómetros e a respectiva imputação ao Impugnante, o que não aconteceu, sendo que as interpretações subjectivas não são verdadeiras, sofrendo o acto de falta de fundamento legal. Mais alega que não tem qualquer conhecimento, participação ou responsabilidade na alegada alteração quilométrica, já que adquiriu o veículo nas condições normais de mercado, com a quilometragem que foi apresentada à Alfândega, tendo em seu poder declarações de garantia onde constam as datas e os respectivos quilómetros com que o veículo foi entregue, o qual foi legalizado e submetido a verificação da Alfândega, que não apresentou dúvidas.
Por seu turno, a Alfândega, na contestação, defende que está legitimado o recurso à avaliação do valor comercial do veículo efectuada pela Eurotax, com ponderação da quilometragem média para o tempo de matrícula do veículo, já que, em acção de fiscalização, foi apurado, através de informação prestada pela Mercedes Benz Portugal, SA, que o veículo tinha como último registo, em 06-06-2013, na Alemanha, 225.875 kms e que, em 03-01-2014, aquando da inspecção técnica para a matrícula, registava 465.880 kms, e que a diferença de 240.005 kms reportada a 296 dias, o que dava um valor de 810 kms por dia, era inverosímil, concluindo-se pela manipulação do instrumento de registo de quilómetros e, consequentemente, pela impossibilidade de recurso ao método de avaliação consagrado no n.° 3 do art. 11.° do CISV, na medida que, pela sua incerteza, não havia possibilidade de levar o factor quilometragem à ponderação do valor comercial do veículo, tendo-se procedido à tributação do veículo com base no valor médio de referência indicado nas publicações especializadas, ou seja, em observância da 1.a parte do factor "V” da fórmula de cálculo a que se refere o art. 11.° n.° 3 do CISV.
De acordo com o disposto no n.° 1 do art. 75. ° da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.".
Por seu turno, o n.° 1 do art. 74. ° da LGT dispõe que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Significa isto, no que ao caso em apreciação diz respeito, que, se a Alfândega de (...) entende que a declaração e os documentos apresentados pelo Impugnante estão errados e que os quilómetros do veículo adquirido eram muito inferiores aos declarados, compete-lhe o ónus de o demonstrar.
Só depois passa a competir ao Impugnante o ónus de demonstrar que os juízos em que assentaram as conclusões da Alfândega, que validaram as correcções efectuadas, estavam errados.
Ou seja, no caso, terá que se averiguar se os pressupostos da actuação da Alfândega se encontram verificados e, em caso afirmativo, se dos autos resulta demonstrada a existência de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, caso em que o acto tributário deverá ser anulado.
Isto porque, nesta matéria, rege o art. 100. ° do CPPT que, no seu n.° 1 dispõe que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.

Tal como tem sido decido de forma recorrente pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, "Em sede de impugnação judicial, actualmente, no âmbito da vigência do CPPT, cabe à Administração Fiscal assentar os pressupostos que levaram à tributação, em juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, em que a maior parte das vezes, não é possível;
E ao contribuinte, que alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação” (cfr. Acórdãos do TCA Sul, de 07-07-2009, 1110-2011, 12-05-2010, 20-01-2009, proferidos nos proc. n.° 02827/09, 04238/10, 03493/09 e 01968/07, respectivamente).
Voltando ao caso concreto, de acordo com o relatório de inspecção, que fundamentou a liquidação impugnada, em 06-06-2013 a viatura aqui em causa foi objecto de uma intervenção física numa oficina da Mercedes Benz, ainda na Alemanha, que verificou que o conta-quilómetros registava 225.875km, e que, cerca de 6 meses depois, em 10-12-2013, o Impugnante comprou essa viatura a um Stand alemão que declarou que o conta-quilómetros registava 465.870km.
Transportado para Portugal (pontos 3. e 4. do probatório), o veículo foi inspecionado para atribuição de matrícula e submetido aos procedimentos alfandegários quando o conta-quilómetros registava 465.880km.
Ou seja, a actuação da Alfândega baseou-se na comparação entre os quilómetros registados na última intervenção da Mercedes na Alemanha e os quilómetros registados pelo vendedor alemão aquando da venda do veículo.
Do relatório resulta, também, não ter havido verificação física do veículo.
Entre 06-06-2013 e 10-12-2013 decorreram 6 meses. Nesse período o conta- quilómetros registou uma variação positiva de 179.288km, o que significa que o carro terá percorrido, em média, 996 quilómetros por cada dia, durante esses 6 meses (465.880 - 225.875 = 179.288 : 6 meses = 29.881km/mês: 30 dias = 996 km/dia).
É difícil, mas não fisicamente impossível.
De qualquer maneira, não se percebe bem qual o raciocínio que terá levado a Alfândega a concluir que houve manipulação do conta-quilómetros, sendo certo que é possível - de um ponto de vista que considera puramente a exequibilidade de viajar 996 km por dia e fazê-lo durante seis meses, ininterruptamente (até porque nos autos não se afasta a possibilidade de o carro ter sido utilizado por diversos condutores, designadamente ao serviço de alguma empresa) - que não tenha havido qualquer fraude e que efetivamente aquela viatura tenha viajado mais de 179.000 km em apenas seis meses. Além disso, pressupondo que houve manipulação do conta-quilómetros, não se percebe qual a factualidade que terá levado a Alfândega a concluir que o Impugnante era o autor desse acto, sendo certo que isso ocorreu antes da aquisição.
Crê-se que os factos descritos no probatório apontam no sentido de que poderá não ter havido qualquer fraude ou que, havendo manipulação, terá acontecido necessariamente antes da aquisição da viatura pelo Impugnante.
É isso que resulta da documentação emitida na altura da venda, ainda na Alemanha.
Ora, dos autos não consta qualquer elemento que permita acompanhar a tese da Alfândega de (...) segundo a qual o Impugnante manipulou ou mandou manipular o conta-quilómetros aumentando o respetivo registo com a intenção de desvalorizar o veículo e reduzir o valor do tributo a pagar pela introdução desse bem no consumo.
A prova desses factos compete à Alfândega, nos termos do art. 74.° n.° 1 da LGT, como acima se disse, que não cumpriu tal ónus, tendo-se limitado a meras conjecturas (que nem sequer estão completamente explicitadas).
E o certo é que, para efeitos de desconsideração do declarado, a Alfândega não pode ancorar-se em conjecturas, tendo antes de alegar e demonstrar os elementos factuais suficientemente sólidos para convencer sobre a grande probabilidade de que a declaração do contribuinte não corresponde à verdade. Ora, o que a Alfândega fez foi, invertendo o ónus da prova, pôr a cargo do contribuinte a demonstração de que a sua declaração era verdadeira.
Esta actuação da Alfândega é legalmente inadmissível, nos termos vistos.
Na verdade, os indícios recolhidos pela Alfândega, constituindo uma situação pouco comum (a efectivação de tantos kms por dia) apenas lhe permitia iniciar um processo de averiguação mais minucioso, na busca de factos concretos indiciadores de que teria havido, de facto, manipulação do conta-quilómetros. Ou seja, tudo visto e pesado, entende o Tribunal que a Alfândega não assentou os pressupostos que levaram à tributação em juízos de probabilidade elevada, não tendo conseguido demonstrar que a declaração do Impugnante estava errada e que os quilómetros do veículo eram inferiores aos declarados.
Por isso, sendo à Alfândega quem competia, em primeira linha, o ónus de o demonstrar - como acima se viu -, não tinha o Impugnante que provar o contrário, mantendo-se incólume a presunção de veracidade da sua declaração.
Tanto vale para concluir que a impugnação tem que proceder por aqui, verificando-se ter havido erro nos pressupostos de facto e de direito na liquidação.
Não sendo devido o imposto, também não são devidos os juros compensatórios.
Tendo em conta o sentido e alcance da decisão que antecede, fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos da impugnação.
5. Decisão
Nestes termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente a presente impugnação, anulando-se, em consequência, a liquidação impugnada, com as legais consequências, nomeadamente, tendo sido pago, devolvendo-se o respectivo valor.”
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Das conclusões do recurso e compulsados os autos verifica-se que efectivamente do probatório resulta que o veículo automóvel teve aquela 1º intervenção em 06.06.2013 numa oficina da Mercedes Benz, ainda na Alemanha, que verificou que o conta-quilómetros registava 225.875km, e que, cerca de 6 meses depois, em 10-12-2013, o Impugnante comprou essa viatura a um Stand alemão que declarou que o conta-quilómetros registava 465.880km, como refere a I.T.
Mais dele consta que, em 06.11.2013, a respectiva matricula daquela viatura foi cancelada, pelo que o período da sua utilização entre aqueles diferentes momentos foi de 154 dias, sendo certo que a diferença na quilometragem foi de 240.005 quilómetros, como se refere o relatório da I.T., pelo que se verifica um erro de cálculo na sentença recorrida, tanto quanto á diferença quantitativa constatada entre aqueles dois momentos, como no apuramento da média diária de quilometragem reportada ao período decorrido desde a data da dita intervenção técnica até á data de cancelamento da matricula, e não até á data de venda da viatura ao recorrido já que nesse momento o carro já não podia circular. Assim, também a média ponderada de quilómetros percorridos entre tais datas de utilização da viatura significavam uma média diária de 1558,47 Km e não de 996 Km como considerou a sentença recorrida: A questão põe-se noutra sede que reside em saber se daquela falta de verosimilhança entre aqueles dados recolhidos e o declarado pelo recorrido, legitimava a conclusão extraída pela ATA de que haveria qualquer forma de manipulação do aparelho de medição da distância percorrida pela viatura e que influenciavam a primitiva avaliação efectuada com base na fórmula referida no nº 3, do artº 11º, do CISV, que levou á consideração de irregularidade da liquidação assim efectuada. Ora,
Dos factos apurados na acção inspectiva, o entendimento de que teria havido qualquer adulteração ou manipulação na DAV apresentada para o efeito pelo contribuinte quanto a esse “item”, tendo considerado, para apuramento do valor comercial do veículo apenas o valor médio de referência indicado na publicação especializada do sector apresentado pelo interessado, sem ter em conta a ponderação da avaliação do veículo reportado ao factor concreto da respectiva quilometragem dela constante, resulta em mero juízo conclusivo de que tal indicação não seria a correcta e não de qualquer facto apurado que demonstrasse a inveracidade dos elementos que a sustentavam, ónus que a si cabia, como bem refere a sentença recorrida, sendo para mais certo que os elementos que serviram de base á primitiva liquidação do tributo ao abrigo do referido nº 3, do artº 11º, não se limitaram aos elementos constantes do DAV por si fornecidos, já que no caso de introdução ao consumo de tais veículos por particulares tal declaração aduaneira tem de ser acompanhada dos documentos referidos no nº 2, do artº 20º daquele Código, do qual consta o correspondente certificado de conformidade tendo-lhe sido exigido e junto um certificado de aprovação em inspecção técnica para matricula dado que o mesmo já não possuía certificado de matricula estrangeiro por o mesmo havia sido cancelada, e documento de compra da viatura, do qual constava os referidos registos de quilómetros devidamente quantificados, pelo que em caso de dúvida pelos elementos recolhidos pela I.T. ( em sede de intervenção técnica sobre o veículo ainda no âmbito da vigência da sua matriculação no estrangeiro), caberia á ATA indagar e infirmar, se assim fosse o caso, daquela falta de aderência á realidade dos valores assim registados, como salienta o Mº Juiz do Tribunal “A Quo”, não resultando dos autos qualquer elemento que permita considerar como especialmente qualificados para o efeito o indicado pela empresa que procedeu á intervenção técnica na viatura relativa a diferente relação jurídica pelo menos quanto aos seus sujeitos. E a ATA, tendo dúvidas sobre a consideração desse concreto factor, não estava impossibilitada de averiguar, aquando do procedimento avaliativo por si desenvolvido, de outros factores relativos ao estado mecânico e conservação da viatura, de que expressamente prescindiu realizar, pelo que, ao conformar-se com os elementos anteriormente constantes daquela determinação do imposto assim liquidado, carece de suporte legal a invocada irregularidade de tal liquidação atinente a anterior procedimento avaliativo assim firmado na ordem jurídica, inexistindo qualquer disposição legal em sede do mencionado tributo que permita á ATA promover uma segunda avaliação por não concordar com anterior resultado avaliativo e caso tal fosse viável, então impunha-se oficiosamente a sua realização, o que não foi o caso, pelo que não pode proceder a pretensão recursiva formulada pela F.P., decisão a que se procede na parte dispositiva do presente Acórdão.

IV- Dispositivo

Nos termos expostos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em considerar improcedente o recurso, sendo mantida a sentença recorrida que anulou o acto tributário e com os fundamentos dela constantes e dos acolhidos por este Tribunal Superior supra indicados, com as demais consequências legais.
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Custas pelo recorrente.
Notifique.
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António Patkoczy
Ana Patrocínio
Cristina Bento