Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01112/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/12/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:TAXA
SUBSOLO
CONDUTAS
Sumário:I - O juiz deve discriminar na sentença os factos provados, declarar os não provados e ainda indicar os elementos de prova com base nos quais formou a sua convicção – cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT.
II – A decisão da matéria de facto fixada no tribunal a quo só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto/grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado.
III - O tributo previsto no Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos, na redacção introduzida pela deliberação da Assembleia Municipal de 28/12/1998, para a ocupação do subsolo do domínio público municipal com condutas de combustíveis, não constitui um imposto mas uma taxa, a liquidar como contrapartida pela utilização de um bem do domínio público (subsolo).
IV - O artigo 35.º, nºs 4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, referente à ocupação do subsolo municipal com condutas de produtos petrolíferos, tal como vem sendo decidido pelo Tribunal Constitucional, não ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade nem da igualdade.
V - A ilegalidade ou "vício" de desvio de poder, como a própria designação sugere, implica um "desvio", intencional ou não, dos fins queridos pela norma ao permitir a actividade administrativa ou tributária em causa.
VI - Assim, o exercício da actividade (poder) administrativa, qualquer que seja a forma por que se expresse – incluindo, pois, a regulamentar - pode sofrer de desvio de poder; mas já não assim a legislativa propriamente dita - leis e decretos-lei - dada a ampla margem de conformação do legislador.
VII – De todo o modo, no caso, o fim visado pela lei, ao permitir a cobrança de taxas pela utilização do domínio público, foi o de assegurar receitas ao Município para o desempenho de funções e da sua actividade que a lei lhe conferiu, não se verificando desvio de poder.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:B..., S.A.
Recorrido 1:Município de Matosinhos
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

B…, S.A., pessoa colectiva nº 5…, com sede em,…, Oeiras, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida em 10/02/2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta contra o MUNICÍPIO DE MATOSINHOS, visando a liquidação de taxas relativas ao ano de 2005, em razão da ocupação do subsolo municipal por condutas (oleodutos ou «pipelines») servindo treze reservatórios destinados à armazenagem de gás de petróleo liquefeito (GPL) e de produtos brancos sitos no Lugar de Real, concelho de Matosinhos, no montante de €379.741,44.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª
A sentença sub censura considerou "apurada a (...) factualidade" que enuncia a fls. 446 e segs., mencionando, nas alíneas h), i), j), k), l), m), n) e o) [fls. 448 e 449], que, em determinados órgãos da imprensa escrita ["Jornal de Notícias", "Público", "Matosinhos Hoje" e "Expresso"], foram publicados artigos constantes de documentos incorporados no processo, nada explicitando, porém, quanto ao conteúdo desses documentos, muito menos extractando deles a matéria de facto relevante para a decisão.
2.ª
A sentença sub censura exara, ainda, que "[n]ão se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, além dos supra mencionados" [fls. 450], sem esclarecer quais são esses "outros factos".
3.ª
Violou o disposto nos art.ºs 659.º/3-in fine, 158.º e 660.º/2 do Código de Processo Civil, incorrendo na nulidade prevista no art.º 668.º/1-b) também do Código de Processo Civil.
4.ª
A entender-se que não se está perante uma nulidade, antes que a sentença sub censura enferma de erro de julgamento, deve a mesma ser revogada, por ofensa do disposto nos mesmos art.ºs 659.º/3-in fine, 158.º e 660.º/2 do Código de Processo Civil.
5.ª
A sentença sub censura desconsiderou em absoluto toda a prova sobre a matéria dos art.ºs 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 62.º, 64.º e 68.º da impugnação deduzida pela recorrente, através dos depoimentos das testemunhas J… [acta de inquirição de testemunhas, de 27 de Novembro de 2 008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 / UO 4, também pendente no Tribunal a quo; cassete n.º 1/"A" (na íntegra) e "B"/0000 a 0931 (fls. 370 desse processo n.º 1313/06)] e H… [acta de inquirição de testemunhas, de 27 de Novembro de 2008, no mesmo processo de impugnação judicial n.º 1313/06; cassete n.º 1/"B"/0932 até ao fim e cassete n.º 2/"A"/0000 a 1325 (fls. 370 também desse processo n.º 1313/06)], por remissão da decisão de fls. 345, no sentido do aproveitamento da prova produzida naquele processo de impugnação judicial n.º 1313/06.
6.ª
E desconsiderou ainda a prova produzida pelas testemunhas do impugnado Arq.º J… [acta de inquirição de testemunhas, de 11 de Dezembro de 2008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 / UO 4; cassete n.º 1/"A" (na íntegra) e "B"/0000 a 0601 (fls. 372 desse processo n.º 1313/06)] e Arq.ª I… [acta de inquirição de testemunhas, de 11 de Dezembro de 2008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 (fls. 372 e 373 igualmente desse processo); cassete n.º 1/"B"/1 483 até ao fim e cassete n.º 2/"A"/0000 a 0178 (fls. 373)], também por remissão da decisão de fls. 345, no sentido do aproveitamento da prova produzida nesse processo de impugnação judicial n.º 1313/06.
7.ª
A sentença sub censura não procedeu à análise crítica da prova contida no processo, designadamente dos depoimentos gravados das testemunhas, violando o disposto nos art.ºs 342.º/1 e 2 do Código Civil e 513.º, 515.º, 516.º, 653.º/2, 655.º/1 e 664.º do Código de Processo Civil.
8.ª
Deve, assim, ser essa prova "reapreciada", nos termos do estatuído no art.º 712.º/1-a)-II 2 e 5 do Código de Processo Civil], ou, entendendo-se que, não tendo o Tribunal a quo apreciado tais elementos probatórios, não há lugar a "reapreciação", ser ordenada a baixa do processo, para ampliação da decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
9.ª
A sentença sub censura louvou-se, no julgamento da questão da inconstitucionalidade orgânica da norma do art.º 35.º/7 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, em "jurisprudência pacífica" do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, não realizando qualquer actividade, própria e autónoma, de conhecimento, sequer genérico, da questão expressamente suscitada pela recorrente.
10.ª
Ao decidir nos termos em que o fez, a sentença sub censura violou o disposto no art.º 659.º/1, 2 e 3 do Código de Processo Civil, incorrendo na nulidade prevista no art.º 668.º/1-b) também do Código de Processo Civil.
11.ª
Pela "ocupação do subsolo do domínio público municipal" com condutas (oleodutos ou "pipelines") que atravessam o subsolo de terrenos do domínio público municipal, de que a recorrente é dona e legítima possuidora, em propriedade exclusiva e em compropriedade com duas outras empresas petrolíferas S…, Limitada, e P…, S. A., a Câmara Municipal de Matosinhos tributou a recorrente, com referência ao ano de 2005, a título de taxa liquidada de acordo com o estatuído no art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, em €379.741,44 (trezentos e setenta e nove mil setecentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos).
12.ª
O município de Matosinhos não presta à recorrente qualquer serviço público.
13.ª
Nem a actividade de transporte de produtos petrolíferos, para refinação ou armazenagem, provoca quaisquer custos suplementares ao município.
14.ª
As taxas não se mostram fixadas considerando a ocupação ou qualquer outro factor legalmente relevante, designadamente a área ocupada, o custo do uso privativo ou o seu valor; antes, em função dos produtos que circulam nas condutas [taxas mais elevadas para as condutas de "produtos derivados do petróleo ou químicos» e «produtos petrolíferos e afins"] e, em caso de igualdade de produtos e de dimensões das condutas – portanto, de utilizações exactamente iguais do domínio público –, distinguindo os fins a que se destinam esses produtos ["fins industriais ou comerciais, para abastecimento" e "refinação ou (...) armazenagem", onerando este em relação àquele, sem justificar porquê, nem atentar em que sem armazenagem não há abastecimento); e também em função da actividade dos donos das condutas, da vantagem económica hipoteticamente retirada dessa mesma ocupação – em última análise, da capacidade contributiva da recorrente e demais empresas petrolíferas.
15.ª
A norma constante do art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos viola o art.º 266.º/1 e 2 ["princípio da proporcionalidade"] da Constituição da República Portuguesa.
16.ª
Em caso de igualdade de produtos e de dimensões das condutas – portanto, de utilizações exactamente idênticas do domínio público - a Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos distingue, sem justificação, os “fins industriais ou comerciais para abastecimento” dos fins para “refinação ou (…) armazenagem”, a que se destinam esses produtos, onerando os últimos em relação aos primeiros.
17.ª
São estabelecidos montantes diferenciados consoante a actividade dos donos das condutas, a vantagem económica por eles hipoteticamente retirada dessa mesma ocupação – em última análise, a sua capacidade contributiva.
18.ª
O art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos ofende também o art.º 13.º ["princípio da igualdade] da Constituição da República Portuguesa.
19.ª
As taxas fixadas pelo município de Matosinhos são, assim, no caso concreto, um verdadeiro imposto.
20.ª
As autarquias não possuem competência para a criação de impostos, nem tão-pouco de contribuições especiais.
21.ª
Aqueles e estas têm de ser criados por Lei [art.º 103.º/2 da Constituição] ou por Decreto­-Lei "autorizado" [art.º 165.º/1-i) da Constituição da República Portuguesa].
22.ª
Neste contexto, a norma do art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos enferma de inconstitucionalidade orgânica, por ofensa dos preceitos citados no artigo anterior.
23.ª
Decidindo como decidiu, a sentença sub censura violou o disposto nos art.ºs art.º 266.º/1 e 2 ["princípio da proporcionalidade"], 13.º ["princípio da igualdade"] e 103.º/2 e 165.º/1-i) da Constituição da República Portuguesa.
24.ª
O "fim visado" pelo município de Matosinhos, na fixação do montante das taxas cuja liquidação é objecto de impugnação, foi o de obrigar a recorrente e as empresas petrolíferas suas congéneres a retirarem da área de Matosinhos-Sul os seus depósitos, a fim de levar por diante a política urbanística municipal entendida seguir para o local.
25.ª
Através da aprovação das novas taxas, procurou evitar a expropriação por utilidade pública dos terrenos e instalações pertença da recorrente, assim visando impor-lhe (e às outras empresas petrolíferas) o abandono do local, sem a indemnização devida.
26.ª
O motivo principalmente determinante das alterações ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos "não condiz com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário" outorgado em ordem à produção das respectivas normas.
27.ª
As normas daí resultantes estão inquinadas de desvio de poder, sendo anuláveis [art.ºs 19.º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e 99.º e 124.º/1-in fine e 2-b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
28.ª
Decidindo diversamente, a sentença sub censura violou o disposto nos art.ºs 62.º/2 da Constituição, 22.º e 30.º do Código das Expropriações, 19.º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e 99.º e 124.º/1-in fine e 2-b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nestes termos, bem como em todos os mais, de Direito, aplicáveis, que não deixarão de ser supridos, deve ser concedido provimento ao recurso e, consoante se entenda, a sentença sub censura anulada ou revogada com as legais consequências, o que se fará por obediência à lei e imperativo da JUSTIÇA!
****
O Recorrido Município de Matosinhos apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª) A Recorrente pretendeu, com o seu recurso, ver reapreciadas as questões da violação dos Princípios da Igualdade e da Proporcionalidade, verificação de vícios de desvio de poder, violação de lei, incompetência absoluta e inconstitucionalidade orgânica;
2ª) A legitimidade do Município para a cobrança da taxa em questão, e sua legalidade, foi já estabelecida à exaustão pelo Tribunal Constitucional cujas decisões proferidas no processo nº 484/08, 2ª secção, em 17/06/2008, e no processo nº 469/08, 2ª secção, em 19/06/2008, exemplificativamente, confirmam a inexistência de qualquer violação;
3ª) A Jurisprudência dos Tribunais de 1ª Instância e Superiores, constante, recente e abundante vai no sentido de não considerar verificar-se qualquer violação, de qualquer preceito, em resultado do fixado pelo artigo 36º, nºs 4 e 7 do Regulamento de Taxas de Matosinhos, não merecendo crítica a sentença recorrida que decidiu em conformidade com aquela jurisprudência;
4ª) A recorrente limitou-se, nas suas alegações, a tecer as mesmas considerações já expressas em sede de P.I. da Impugnação, não logrando apontar, isso sim, como lhe cabia, os elementos constantes dos autos que impunham decisão diversa;
5ª) O tribunal a quo apreciou, correctamente, todas as questões que lhe foram submetidas para apreciação, fundamentando e remetendo para a prova que expressamente sustenta o elenco da matéria de facto provada;
6ª) A matéria de facto dada como provada é a que devia sê-lo em função da prova que foi carreada para os autos;
7ª) Não foi feita prova da verificação de qualquer facto que, subsumido ao Direito, permitisse concluir pela violação de quaisquer princípios constitucionais e legais invocados pela Impugnante, nomeadamente das alegadas violações da Constituição, Lei Geral tributária, Código das Expropriações, do Código do Procedimento Administrativo ou Lei das Finanças Locais;
8ª) Não conseguiu a Impugnante justificar factualmente a procedência de qualquer dos seus pedidos, uma vez que reveste contornos simples a situação “sub judice”: situam-se no subsolo as condutas subterrâneas de produtos petrolíferos destinados a armazenamento ou refinação que a Impugnante utiliza em seu exclusivo proveito, utilização do subsolo que está sujeita ao pagamento de taxa prevista no Regulamento e a Impugnante deve pagá-la, nos termos da lei;
9ª) As normas regulamentares são de uma total conformidade com a lei e tratam-se de verdadeiras taxas submetidas aos princípios da igualdade e proporcionalidade;
10ª) A factualidade alegada pela impugnante, em sede de Impugnação, não foi demonstrada com a produção de prova testemunhal;
11ª) Igualmente, não foi demonstrada por qualquer documento junto aos autos;
12ª) A falta de prova a tal respeito tinha de ser, e bem o foi, processualmente valorada a favor do impugnado.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, decidindo-se em conformidade com as conclusões supra.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 589 a 590 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas se resumem como segue:
- Nulidade da sentença relativamente à matéria de facto dada como provada e não provada, e, se assim não se entender, erro de julgamento de facto;
- Nulidade da sentença por ter decidido por remissão para um acórdão;
- Inconstitucionalidade da taxa liquidada por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, e por configurar um imposto;
- Desvio de poder, pois o Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos “não condiz com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário”.
Contudo, previamente, haverá que apreciar e decidir o pedido de suspensão da instância formulado pela Recorrente.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
a) Em Fevereiro de 2007 a Câmara Municipal de Matosinhos remeteu à impugnante um ofício sob a epígrafe: “Ocupação do subsolo do domínio público municipal – Taxa referente ao ano de 2005” com o seguinte teor: “Comunico a V.Exª que se encontra em pagamento durante o mês de Fevereiro a taxa devida pela ocupação do subsolo do domínio público municipal com condutas subterrâneas utilizadas para o transporte de produtos petrolíferos, no valor de 379.741,44 Euro referente ao corrente ano cujo cálculo abaixo se indica” (cf. doc. de fls. 51 dos autos). ---
b) Naquele ofício são referidas as condutas, o número de metros, diâmetros e valores a pagar por cada uma delas. ---
c) As alterações ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos aprovado sobre proposta da Câmara Municipal, de 11 de Dezembro de 1998, pela Assembleia Municipal de Matosinhos de 28 de Dezembro de 1998, publicado no Diário da República /Apêndice nº 31/99), II Série, 61, de 13 de Março de 1999 (cf. dos. De fls. 53 a 83 dos autos). ---
d) A alteração ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos aprovado para o ano de 1997, por Deliberação da Câmara Municipal, de 12 de Novembro de 1996 e da Assembleia Municipal, de 24 de Fevereiro de 1997, afixados nas Juntas de Freguesia em 1 de Abril de 1997, e no átrio dos Paços do Concelho (cf. dos. De fls. 89 a 106 dos autos). ---
e) O Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças para 1997 (cf. dos. De fls. 108 a 173 dos autos). ---
f) Para o ano de 1998 não houve alterações ao Regulamento, apenas se verificaram as actualizações segundo o índice de inflação do ano de 1997 publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (cf. dos. De fls. 175 dos autos). ---
g) Para os anos de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 não houve alterações ao Regulamento nem à Tabela apenas se verificaram as actualizações segundo o índice de inflação do ano de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003 publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (cf. doc. de fls. 231, 233, 235, 237, 239 dos autos). ---
h) No “Jornal de Notícias” de 18 de Dezembro de 1996 foi publicado artigo que consta do documento 4 (cf. fls. 85 dos autos). ---
i) No jornal “O Público” de 19 de Dezembro de 1996, foi publicado o artigo que consta do documento 5 (cf. fls. 87 dos autos). ---
j) No “Jornal de Noticias” de 26 de Março de 1997, e no jornal “Matosinhos Hoje” de 28 de Março de 1997 foram publicados os artigos que constam dos documentos 12, 13 e 14 (cf. dos. De fls. 200, 202 e 204 dos autos). ---
k) No Jornal “Matosinhos Hoje” de 11 de Abril de 1997, foi publicado um artigo que consta do documento 15 (cf. dos. De fls. 206 dos autos). ---
l) No “Jornal de Notícias” de 30 de Abril de 1997, foi publicado o artigo que consta do documento 17 e 18 (cf. dos. De fls. 214 e 216 dos autos). ---
m) No jornal “O Público” de 7 de Maio de 1997, foi publicado um artigo que consta do documento 19 (cf. dos. De fls. 218 dos autos). ---
n) O “Jornal de Noticias” publicou em 7 de Maio de 1997, um artigo que consta do documento 20 (cf. dos. De fls. 220 dos autos). ---
o) No jornal “Expresso” de 11 de Outubro de 1997 e no “Diário Económico” de 31 de Outubro de 1997, foram publicados os artigos que constam dos documentos 22 e 23 (cf. dos. De fls. 225 e 227 dos autos). ---
p) A manutenção, inspecção e reparação das condutas é feita pelas empresas petrolíferas (cf. depoimento das testemunhas). ---
*** ***
Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, além dos supra mencionados.
*** ***
A convicção do tribunal alicerçou-se nos documentos juntos aos autos e no exposto nas respectivas peças iniciais apresentadas pelas partes.
2. O Direito

Cumpre, previamente, conhecer do pedido de suspensão da instância formulado pela Recorrente.
O Município de Matosinhos, em 03/04/2014, havia requerido a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
Foi nessa sequência que a Recorrente, por requerimento apresentado neste tribunal em 29/04/2014, veio pedir a suspensão da instância, nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c) e 272.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), por considerar inverificados os pressupostos estabelecidos em “Acordo” assinado em 09/07/2013, fundantes do requerimento de extinção da instância, entendendo ser este inoportuno, por prematuro.
O certo é que o Município de Matosinhos, em 12/05/2014, veio declarar não se opor ao pedido de suspensão da instância.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de não ser deferida a suspensão da instância, por não ser admissível transacção, conforme se infere do disposto no artigo 299.º, n.º 1 do CPC: não sendo permitida transacção que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis. Consequentemente, não podendo a parte dispor da relação jurídica substancial, não pode também desistir do pedido, confessá-lo ou transigir sobre ele. Concluiu resultar do artigo 30.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT) ser a relação jurídica tributável, por natureza, uma relação jurídica indisponível – cfr. fls. 674 do processo físico.
Nos termos do disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea c) do CPC, a instância suspende-se quando o tribunal ordenar a sua suspensão ou houver acordo das partes.
In casu, pese embora haja acordo das partes para a suspensão da instância, a mesma não será de deferir neste momento pois, desde o acordo das partes na suspensão da instância (Maio de 2014) até à presente data, já decorreram muito mais do que os três meses previstos no n.º 4 do artigo 272.º do CPC: “[a]s partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final”.
Ou seja, encontra-se já decorrido todo o prazo de três meses dentro do qual as partes podem acordar na suspensão da instância, pelo que, entende-se não suspender a instância.

Por outro lado, também não se verificam os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 272.º, n.º 1 do CPC para que o tribunal ordene a suspensão, pois consideramos, face às questões em causa nos presentes autos, a jurisprudência pacífica que é de aplicar, e ainda o facto da celebração do “Acordo” ter sido realizada em 09/07/2013, ou seja, há mais de um ano, não constituir motivo justificado a existência desse “Acordo”, dado que já decorreu tempo suficiente para que as partes pudessem celebrar a escritura pública ora em causa.
Face ao exposto, sem mais e abstraindo da pronúncia do Ministério Público, indefere-se o pedido de suspensão da instância.

Nesta conformidade, os autos prosseguem com a apreciação das questões suscitadas pela Recorrente; começando-se com as suscitadas nulidades.
A sentença recorrida considerou "apurada a (...) factualidade" que enuncia a fls. 446 e segs., mencionando, nas alíneas h), i), j), k), l), m), n) e o) [fls. 448 e 449], que, em determinados órgãos da imprensa escrita ["Jornal de Notícias", "Público", "Matosinhos Hoje" e "Expresso"], foram publicados artigos constantes de documentos incorporados no processo, nada explicitando, porém, quanto ao conteúdo desses documentos, muito menos extractando deles a matéria de facto relevante para a decisão.
Exarando, ainda, que "[n]ão se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, além dos supra mencionados" [fls. 450], sem esclarecer quais são esses "outros factos".
O actual regime do Código de Processo Civil (CPC) relativo à elaboração da sentença aproximou-se do regime que já vigorava no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), consagrado no n.º 2 do artigo 123.º deste diploma; norma que, contudo, vai aparentemente mais longe que o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, já que impõe que o juiz discrimine “a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
A exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial na sentença, pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto.
É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da referida discriminação entre "a matéria provada da não provada" – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora, 2011, página 320, citando a declaração de voto do Senhor Conselheiro Dr. Brandão de Pinho proferida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2003, no processo n.º 0869/02.
É precisamente por ter sido eliminado o julgamento da matéria de facto, previsto no anterior artigo 653.º do CPC, que no regime actual do CPC se acolheu uma solução idêntica à prevista no CPPT.
Actualmente é, portanto, incontroverso que, na elaboração da sentença, quer em processo civil quer em processo tributário, o juiz deve declarar quais os factos que julga não provados.
Perfilhamos, no entanto, o entendimento de que o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, não exige uma descrição textual e exaustiva de cada facto não provado, bastando-se com uma simples remissão que permita identificar com exactidão o facto ou os factos a que respeita, por exemplo para os artigos das peças processuais, que possibilite às partes ou a qualquer destinatário da sentença apreender com facilidade os factos que o julgador considerou não provados, visto que a falta da sua descrição textual pode facilmente ser suprida pela sua leitura/visualização na peça ou documento processual para onde a remissão é feita.
Obedecendo aos cânones impostos pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil a norma é passível de interpretação no sentido de que o legislador do CPPT quis autonomizar a matéria provada da não provada, não impondo que esta seja obrigatoriamente descrita, ao prescrever que “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada” (negrito nosso). Se outra fosse a sua intenção, isto é, se o fim visado com a norma fosse a discriminação da matéria provada e não provada, então por certo que a redacção que teria sido utilizada seria esta: “o juiz discriminará também a matéria provada e a não provada”. A discriminação é, pois, entre uma e outra e não uma discriminação das duas.
Isto é, o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, deve ser interpretado no sentido de que a referência à matéria de facto não provada se basta com a declaração dos correspondentes factos, de modo semelhante à solução acolhida pelo actual Código de Processo Civil – neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/01/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07160/13.
Na sentença recorrida foi especificada matéria de facto, tendo a respectiva decisão assentado essencialmente na prova documental junta aos autos (sendo que a não especificação dos fundamentos de facto constitui nulidade da sentença, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT).
Por tudo o exposto, o juiz deve discriminar na sentença os factos provados, declarar os não provados, e ainda indicar os elementos de prova com base nos quais formou a sua convicção.
A indicação dos elementos de prova deve consistir numa exteriorização das razões pelas quais se decidiu num sentido e não noutro, sendo que, a maior ou menor exigência dessa indicação depende, sobretudo, dos meios de prova que estejam em causa.
Deste modo, quando subjacente à matéria provada estão meios de prova, cujo valor é objectivo, como sucede maioritariamente com a prova documental, será suficiente a indicação dos respectivos documentos, mas claro, “sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Edição, Áreas Editora, 2011, página 321).
In casu, e quanto ao invocado na 1.ª conclusão de recurso, os meios de prova, subjacentes à factualidade dada por provada, são de natureza documental.
Tem-se entendido, com efeito, que não é tecnicamente correcta a selecção de factos com mera remissão para o teor de documentos. Porque a resposta à matéria de facto é o local adequado para dar como provados (ou não provados) os factos documentados, e não os documentos em si mesmos.
Deve, porém, contrapor-se que foi indicado, em concreto, cada um dos documentos considerados, e por outro lado, fez-se ainda constar da sentença que “[a] convicção do tribunal alicerçou-se nos documentos juntos aos autos”, pelo que há que considerar que foi minimamente satisfeita a exigência do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT: a sentença alicerça os factos dados como provados nos documentos que expressamente refere em cada uma das alíneas.
Por outro lado, nem o artigo 123.º do CPPT nem outra norma processual impedem que, quando se pretenda dar como provado que foram prestadas determinadas informações escritas ou publicadas determinadas notícias, se remeta para o conteúdo do documento, quando se encontre incorporado nos autos. Até porque, muitas vezes, a transcrição total não é possível ou é inútil.
Situação diversa será a de saber se, com base naqueles documentos o juiz deveria ter dado como provado outros factos que fossem relevantes para a decisão da causa (e não aqueles), mas tal questão situa-se no âmbito do erro de julgamento da matéria de facto, e não da nulidade da sentença.
Também não estamos perante nulidade da sentença, na parte em que esta exara que “[n]ão se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa”. Invoca a Recorrente que a sentença não esclarece quais são os “outros factos com relevo para a decisão da causa” (2.ª conclusão).
A questão que se poderá colocar é se a decisão recorrida da matéria de facto inclui já toda a factualidade relevante para a decisão da causa, considerando todas as soluções plausíveis de direito, tendo implícito inexistirem factos não provados.
Com efeito, o que resulta da sentença é que não há quaisquer factos (alegados) relevantes que importe dar como não provados, sendo que, considerando que não se discriminam factos não provados, também não há que motivar a sua inexistência para além do que genericamente se fez: “[a] convicção do tribunal alicerçou-se nos documentos juntos aos autos”, pelo que, também nesta parte, não se verifica a nulidade da sentença.
Por último, também não se verifica a nulidade invocada na 9.ª conclusão das alegações de recurso: “A sentença sub censura louvou se, no julgamento da questão da inconstitucionalidade orgânica da norma do art.º 35.º/7 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, em "jurisprudência pacífica" do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, não realizando qualquer actividade, própria e autónoma, de conhecimento, sequer genérico, da questão expressamente suscitada pela recorrente.”
Com efeito a sentença recorrida, relativamente a parte das causas de pedir da Recorrente, transcreve o acórdão do TCAN, de 16/03/2003, proferido no âmbito do processo n.º 00092/01, e com base na fundamentação constante daquele acórdão julgou improcedentes as respectivas causas de pedir. Ora, ao seguir a jurisprudência de um tribunal superior o tribunal a quo adoptou a posição ali expressa, e repare-se que não se trata de uma mera remissão, o tribunal transcreveu a parte do acórdão relevante para o caso dos autos e faz constar a sua fundamentação na sentença.
Deste modo, a fundamentação da sentença é aquela que se encontra expressamente transcrita na mesma, consubstanciada na citação do acórdão do TCAN, não constituindo falta de motivação da sentença o facto de assentar numa transcrição, pelo que não se verifica a nulidade invocada.
Em suma, não se verificam as nulidades da sentença arguidas pela Recorrente.

Invoca a Recorrente erro de julgamento de facto, a título subsidiário, nas 4.ª a 8.ª conclusões das alegações de recurso.
Sucede que, a se ter dado como provado que foram publicados determinados artigos referentes a determinados jornais, em determinadas datas, e tendo sido referenciados os documentos com base nos quais tais factos foram dados como provados, não se afigura que haja desconformidade com os factos dados como provados com os respectivos meios de prova.
Aliás, nem a Recorrente aponta concretamente qualquer incongruência ou contradição que fundamente a alteração da matéria de facto fixada.
No entanto, a Recorrente defende, ainda, que a sentença recorrida desconsiderou em absoluto toda a prova sobre a matéria dos artigos 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 62.º, 64.º e 68.º da impugnação deduzida pela Recorrente, através dos depoimentos das testemunhas J… [acta de inquirição de testemunhas, de 27 de Novembro de 2 008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 / UO 4, também pendente no Tribunal a quo; cassete n.º 1/"A" (na íntegra) e "B"/0000 a 0931 (fls. 370 desse processo n.º 1313/06)] e H… [acta de inquirição de testemunhas, de 27 de Novembro de 2008, no mesmo processo de impugnação judicial n.º 1313/06; cassete n.º 1/"B"/0932 até ao fim e cassete n.º 2/"A"/0000 a 1325 (fls. 370 também desse processo n.º 1313/06)], por remissão da decisão de fls. 345, no sentido do aproveitamento da prova produzida naquele processo de impugnação judicial n.º 1313/06.
E terá desconsiderado, ainda, a prova produzida pelas testemunhas do impugnado Arq.º J… [acta de inquirição de testemunhas, de 11 de Dezembro de 2008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 / UO 4; cassete n.º 1/"A" (na íntegra) e "B"/0000 a 0601 (fls. 372 desse processo n.º 1313/06)] e Arq.ª I… [acta de inquirição de testemunhas, de 11 de Dezembro de 2008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 (fls. 372 e 373 igualmente desse processo); cassete n.º 1/"B"/1 483 até ao fim e cassete n.º 2/"A"/0000 a 0178 (fls. 373)], também por remissão da decisão de fls. 345, no sentido do aproveitamento da prova produzida nesse processo de impugnação judicial n.º 1313/06.
Ora, tudo indica que o tribunal recorrido não desconsiderou a prova testemunhal produzida, uma vez que formou convicção quanto à factualidade ínsita na alínea p) com base no depoimento prestado pelas testemunhas: a manutenção, inspecção e reparação das condutas é feita pelas empresas petrolíferas.
De todo o modo, sempre se dirá, quanto à matéria elencada nas conclusões em análise e sobre a qual supostamente terá incidido prova, por via de aproveitamento da prova produzida no processo de impugnação judicial n.º 1313/06, que uma parte é matéria conclusiva (cfr. artigos 6.º, 62.º, 64.º e 68.º da petição inicial) e outra parte é matéria de direito (cfr. artigos 5.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 29.º da petição inicial), pelo que se mostra irrelevante a alegada desconsideração (por insusceptível de prova). A restante factualidade decorre dos documentos mencionados na matéria de facto assente – cfr. 7.º a 12.º, 17.º, 19.º e 23.º a 28.º da petição inicial com as alíneas c) a o) da factualidade provada.
Sustenta, também, a Recorrente que a sentença recorrida não procedeu à análise crítica da prova contida no processo, designadamente dos depoimentos gravados das testemunhas.
Vigora no processo tributário português, no que diz respeito às regras de apreciação da prova, o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Deste modo, prevê o artigo 607.º, n.º 5 do CPC que “ [o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Este preceito legal consagra o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz aprecia a prova produzida de acordo com a sua própria convicção.
“[T]al significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que manifestamente se verifica no caso em apreço.
Por outro lado o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)” - cfr. Acórdão do TCA Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Ora, não se vislumbrando qualquer erro grosseiro na selecção da matéria de facto provada, sobre a qual o tribunal formou convicção maioritariamente com base em prova documental, e não se alcançando que outros factos pudessem ainda considerar-se provados, uma vez que os indicados pela Recorrente se reduzem a matéria conclusiva ou de direito, nenhum motivo plausível encontramos para “reapreciação” da prova, nem para ser ordenada a baixa do processo, para ampliação da decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Na verdade, a decisão recorrida demonstra que a prova testemunhal não foi desconsiderada [cfr. alínea p)] e a indicação dos artigos da petição inicial efectuada pela Recorrente nas suas conclusões de recurso espelha que inexistem outros factos simples susceptíveis de serem aditados à decisão da matéria de facto.
Por conseguinte, é manifesto também não merecer provimento o recurso quanto a este fundamento.

As restantes questões (conclusões 11.ª a 23.ª, onde a Recorrente invoca a inconstitucionalidade da taxa liquidada por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, e por configurar um imposto; e conclusões 24.º a 28.ª – desvio de poder) já foram apreciadas por este tribunal, designadamente, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1360/08.0BEPRT, em 27/11/2014, onde já aqui se havia aderido a jurisprudência anterior. Por inexistirem razões para, em tão curto lapso de tempo, nos afastarmos do vindo a decidir, nomeadamente, por não terem sido avançados novos argumentos tendentes a reexaminar tais questões, passamos a transcrever a jurisprudência ínsita nesse acórdão mencionado, tendo em vista o tributo liquidado à Recorrente, aqui com referência ao ano de 2005:

«(…) In casu, estamos perante um tributo liquidado à Recorrente, pela Câmara Municipal de Matosinhos, com referência ao ano de 2008, e a título de taxa nos termos do disposto no art.° 35.°/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, pela “ocupação do subsolo do domínio público municipal” com condutas (oleodutos ou “pipelines” que atravessam o subsolo de terrenos do domínio público municipal).
Está em causa, desde logo, a violação do disposto no artigo 103.º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição correspondente à arguição de um vício orgânico: sustenta-se que as normas impugnadas, criadoras de um verdadeiro imposto (porque não se trata de uma “taxa”), não foram emitidas por lei formal da Assembleia da República, conforme o disposto nos aludidos preceitos constitucionais.
A Constituição da República Portuguesa nos termos do disposto no n.º 4 do art. 238.° e 241.°, atribui poderes tributários às autarquias locais, e o Município de Matosinhos encontra-se legalmente legitimado à cobrança de taxa pela ocupação de subsolo de domínio púbico Municipal abrigo do art. 19.º, al c) da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 1/87, de 06 de Janeiro) ao abrigo da qual foi aprovado o Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos.
Assim, no âmbito do seu poder regulamentar e das suas competências municipais o Município de Matosinhos aprovou o Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos.
Como tem sido entendimento jurisprudencial (entre muitos outros, vide, os Acórdãos do TC n.º 457/87, n.º 412/89, n.º 53/91, n.º 148/94, n.º 357/99), a diferença específica entre taxa e imposto decorre da existência ou não de vínculo sinalagmático.
O que significa que a taxa terá de representar, utilizando as palavras do Ac. Tribunal Constitucional n.º 654/93 de 4 de Novembro (Proc. 239/93), "o preço" do serviço ou da prestação de um serviço ou actividade públicas ou de uma utilidade de que o tributado beneficiará (e sem aqui se olvidar que esse “preço” não tem, necessariamente, de corresponder à contrapartida financeira ou económica do serviço prestado)".
A distinção entre taxa e imposto tem sido objecto de uma análise precisa na doutrina. Assim, esta questão é equacionada por Casalta Nabais (em Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra, 2003, pp. 20/21 e nota 38) da forma seguinte: “(…) para sabermos se (...) estamos perante um tributo unilateral ou um imposto, ou perante um tributo bilateral ou uma taxa, o que há a fazer é o teste da sua medida ou do seu critério, estando pois perante ( ... ) uma taxa se é susceptível de ser medido ou aferido com base na referida ideia de proporcionalidade: taxa/prestação estadual proporcionada ou taxa/custos específicos causados à comunidade (estadual ou local)".
Acrescenta ainda (na nota 38) que, "(e) em rigor há aqui dois testes: o da bi/unilateralidade do tributo e, se neste se concluir pelo seu carácter bilateral, o da sua medida ou critério de justiça, muito embora seja este último teste o decisivo, já que, se a proporcionalidade entre o tributo e a respectiva contraprestação específica estiver ausente, então estaremos perante um tributo cujo regime ( .. .) não pode deixar de ser o dos impostos. Impõe-se aqui que, ultrapassado com êxito o teste da bilateralidade, se proceda ao teste da proporcionalidade entre a prestação e a contraprestação específica".
Saldanha Sanches, sobre o mesmo tema (em Manual de Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra, 2002, pp, 16 e segs.), tece as seguintes considerações a propósito do carácter sinalagmático: “[o] sinalagma do ponto de vista financeiro só poderá ter lugar sempre que se trate de um qualquer bem que seja divisível: só se o bem for divisível é possível a «prestação em unidades individualizáveis». Terá de haver uma mais estreita correlação entre o destinatário do encargo financeiro e o beneficiário da despesa pública, para que possamos estar perante uma taxa”.
Klaus Tipke e Joachim Lang (em Steuerrechts, 17.º Ed., 2002, p. 47) referem, a este propósito, que o sistema das taxas assenta no princípio da equivalência, segundo o qual as taxas se apreciam segundo os princípios da cobertura de custos (a taxa cobre os custos correspondentes) e da compensação dos benefícios (a taxa corresponde ao benefício equivalente).
Estes autores referem, ainda com interesse, a definição de taxas (Gebühren) contida nas leis sobre taxas municipais (Kommunalabgabegesetz) dos ständer da República Federal Alemã: "taxas são prestações pecuniárias devidas por uma prestação especial - actuação oficial ou actividades assimiláveis - da Administração (taxas da administração - Verwaltungsgebühren), ou pela utilização de instalações de locais públicos". Concluem estes autores que o que distingue a taxa do imposto é a sua ligação com uma contra prestação determinável das instituições jurídico-públicas.
Saliente-se que nem a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nem a doutrina exigem que a correspectividade equivalha a plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar, no caso em apreço ainda se está perante uma “taxa” (assim, ver BENJAMIM RODRIGUES, “Para uma Reforma do Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo em Portugal”, in «Actas do I.º Colóquio Internacional – O Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo», 2002, Coimbra; MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES / FERNANDA PAULA OLIVEIRA / DULCE LOPES, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado”, 2006, Coimbra, p. 487).
Conforme se sumariou no acórdão do STA de 22/03/2011, processo 090/11 “I - Desde que os tributos que sejam criados pelos municípios tenham a natureza de taxas e se enquadrem em qualquer dos tipos de taxas arrolados no artigo 11.º da Lei 1/87 (ou artigo 19.º da Lei 42/98), está assegurada a viabilidade legal da sua criação. II - No caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas, está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo. III - A não realização imediata dessas infra-estruturas urbanísticas e que constitui a contraprestação da autarquia não constitui pressuposto da incidência objectiva daquela taxa, na medida em que essa contraprestação se pode, também, projectar para o futuro.”.
Regressando ao caso dos autos, invoca a Recorrente que o Município de Matosinhos não presta à recorrente qualquer serviço público, e nem a actividade de transporte de produtos petrolíferos, para refinação ou armazenagem, provoca quaisquer custos suplementares ao município, pelo que as taxas fixadas pelo município de Matosinhos são, assim, no caso concreto, um verdadeiro imposto. Por outro lado, invoca ainda a violação do princípio da proporcionalidade por inexistência de contrapartida proporcional do serviço prestado.
Mas sem razão.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se por diversas vezes sobre questão jurídica semelhante a dos presentes autos (ocupação do subsolo do domínio público classificação como taxa do tributo cobrado pela utilização do subsolo do domínio público municipal (cfr. acórdãos n° 365/2003, de 14/07/2003; n.º 366/2003, de 14/07/2003; n.º 354/2004, de 19/05/2004; n.º 355/2004, de 19/05/2004; n.º 396/2006, de 28/06/2006, n.º 526, de 27/09/2006, n.º 45/2010, de 03/02/2010).
De igual modo, a jurisprudência do STA tem seguido este entendimento (acórdãos STA Pleno SCT 17.12.2008 processo n° 267/08; 28.01.2009 processo n° 469/08; 6.05.2009 processo n° 43/08; 6.05.2009 processo n° 963/08; 23.09.2009 processo n° 377/09; 28.10.2009 processo n° 570/09; 20.01.2010 processo n° 731/09; 18.05.2011 processo n° 948/10;18.05.2011 processo n°913/10).
Com efeito, é de qualificar como taxa, por ter natureza sinalagmática, o tributo liquidado pelo município de Matosinhos como contrapartida pela utilização do subsolo com tubos e condutas para transporte de produtos petrolíferos no domínio público municipal, uma vez que está em causa o pagamento de um montante como contrapartida da “utilização de um bem do domínio público”, segundo a definição constante do artigo 4.º, n.º 2 da LGT.
O montante ora em causa destina-se a pagar a utilização individualizada do subsolo pela Recorrente, uma vez que fica excluída qualquer outra utilização para outros fins no local onde passam os tubos e condutas.
Neste contexto, improcedem as alegações da Recorrente de que o Município não presta qualquer serviço, e que não tem quaisquer custos suplementares (conclusões 8.ª e 9.ª), pois a taxa ora em causa não assenta na prestação concreta de um serviço público de que a Recorrente pudesse ser beneficiária, mas antes na utilização de um bem de domínio público, de que a recorrente tirou proveito para efeito de realizar a sua actividade económica.
Ou seja, é a utilização individualizada do subsolo municipal, e, por conseguinte, um uso privativo do domínio público, que representa uma vantagem patrimonial para o particular, a que corresponde, como contraprestação, o pagamento de uma taxa (cfr. nesse sentido, Ac. do Tribunal Constitucional de n.º 45/2010, de 03/02/2010).
Por outro lado, também não merece igualmente provimento o recurso quanto à violação do princípio da proporcionalidade por inexistência de contrapartida proporcional do serviço prestado, pois a Recorrente não demonstra minimamente a invocada desproporcionalidade, que deverá ser intolerável.
Dito de outro modo, entre a quantia a pagar e, o benefício (utilidade do serviço) que a Recorrente retira deve existir uma desproporcionalidade tal que ponha em causa a referida o carácter sinalagmático da taxa, o que manifestamente não resulta dos autos, pelo que não se verifica a violação do princípio constitucional da proporcionalidade (nesse sentido, cfr. por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de de 14/07/2003).
Invoca ainda a Recorrente a violação do princípio da igualdade porque em caso de igualdade de produtos e de dimensões das condutas (ou seja, utilizações exactamente idênticas do domínio público) a Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos distingue, sem justificação, os “fins industriais ou comerciais para abastecimento” dos fins para “refinação ou (...) armazenagem”, a que se destinam esses produtos, onerando os últimos em relação aos primeiros (conclusão 12.ª).
Relativamente a esta questão já decidiu o acórdão do STA de 09/05/2007, proc. n.º 094/07, no qual se escreveu quanto à violação do princípio da igualdade que “[a] recorrente alega também que “o aumento das taxas viola igualmente o princípio da igualdade”, já que “comportou uma diferenciação em função do tipo de produtos circulantes e ainda, dentro desta categoria, do destino dos mesmos”, o que entendeu traduzir uma “diferenciação arbitrária entre o que é essencialmente igual [pois,] em todos os casos, a utilização do domínio público é a mesma: instalação de condutas semelhantes no subsolo”. No mesmo acórdão n.º 365/03, o Tribunal Constitucional realçou que o princípio constitucional da igualdade “significa, em síntese, a proibição do arbítrio. Assim, no Acórdão n.º 319/2000 (Diário da República, II série, de 18 de Outubro de 2000), para cujas considerações agora se remete, salientou-se, mais uma vez, que o princípio da igualdade “não anula a liberdade de conformação do legislador” e que, como se escreveu no Acórdão n.º 563/96 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33.º, pág. 47 e segs.), implica «que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão nº 186/90, os acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente», mas «não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado acórdão nº 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299). Perfilha-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. Cit., pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (tertium comparationis). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, in – Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93)”. O Tribunal Constitucional concluiu, com esta fundamentação, no dito acórdão n.º 365/03, que as exigências do princípio da igualdade não são infringidas pela diferença de valores resultante da alteração do Regulamento, pois tal diferença é “mera consequência da alteração dos critérios de cálculo”.
Ou seja, tal como se conclui nesse acórdão, seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, cuja fundamentação sufragamos na íntegra por com ela concordarmos, as exigências do princípio da igualdade não são infringidas pela diferença de valores resultante dos critérios de cálculo, pelo que, também quanto a este fundamento, não merece provimento o recurso.

IV. Por último, cumpre ainda conhecer do desvio de poder invocado pela Recorrente com o fundamento de que o Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos “não condiz com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário” (conclusões 20.ª a 24.ª).
Relativamente a esta mesma questão já se pronunciou o STA no seu acórdão de 09/05/2007, proc. n.º 094/07, onde estava em causa, tal como nos presentes autos, taxa devida pela ocupação do subsolo municipal por condutas utilizadas para o transporte de produtos petrolíferos, ao abrigo do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos.
Escreveu-se naquele acórdão relativamente à possibilidade daquele acto regulamentar padecer de Desvio de Poder que “[e]ste vício, como é sabido e a própria designação o sugere, implica um "desvio", intencional ou não, dos fins queridos pela norma ao permitir a actividade administrativa ou tributária em causa: a administração exerce o poder administrativo com um fim, público ou privado, não condizente com aquele que a lei visou ao conferir-lho e que é sempre vinculado.
E quer esteja em causa o exercício de um poder vinculado ou discricionário.
Ou seja, hoje, o desvio de poder não é senão um dos "vícios" ou ilegalidades com que se pode defrontar o exercício do poder administrativo, ao lado da usurpação de poder e falta de atribuições, da incompetência, vício de forma e violação de lei (em sentido estrito), correspondendo, grosso modo e respectivamente, à ilegalidade orgânica, formal e material - cfr. os artigos 133.º e 136.º do Código de Processo Administrativo.
Isto de acordo com o princípio da legalidade, entendido numa versão moderna e concordante com o disposto no artigo 3.º do mesmo diploma.
Aí, "o princípio da legalidade passou a ter uma formulação positiva, constituindo não só o limite mas também o fundamento e o critério de toda a actuação administrativa, o que tem como corolário que não haja um poder de a Administração fazer o que bem entender salvo quando a lei lho proibir, mas sim que a Administração só possa fazer aquilo que a lei lhe permita que faça". Cfr., desenvolvidamente, sobre o ponto, o acórdão da Secção do Contencioso Administrativo deste STA, de 17 de Dezembro de 2003, Rec. n.º 1492/03.
Pelo que se deve ter por revogado o artigo 19.º da LOSTA, quer o corpo - aliás, claramente inconstitucional na medida da ofensa ao princípio da legalidade constitucionalmente consagrado - artigo 266.º da CRP - (cfr. ainda o artigo 268.º, n.º 4) - quer o seu § único, condizente com aquele primeiro segmento normativo.
Mas, assim sendo, é de concluir que o exercício da actividade (poder) administrativa, qualquer que seja a forma por que se expresse - incluindo, pois, a regulamentar - pode sofrer de desvio de poder: actos e contratos administrativos, regulamentos, operações materiais administrativas. (Mas já não assim a legislativa propriamente dita - leis e decretos-leis - dada a ampla margem de liberdade de conformação do legislador, a sua liberdade constitutiva e auto-revisibilidade - cfr., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional de 12 de Novembro de 2003, in DR, II série, de 18/02/2004; 26 de Novembro de 2002 in cit. de 11/01/2003 e 18 de Abril de 2001 in cit. 08/06/2001.
Na verdade, a tese contrária defronta-se com inconvenientes insuperáveis: o acto administrativo não desempenha hoje o papel central da actuação administrativa; o dito fim legal vinculado ficaria, em larga medida, na disponibilidade da Administração que sempre poderia optar por uma forma de actividade marginal a tal ilegalidade; o direito constitucional e legal, de acesso ao direito e a uma tutela judicial efectiva; o princípio da igualdade que disponibiliza meios processuais próprios, em sede de justiça administrativa, para os respectivos destinatários.
É, pois, de aceitar que a própria actividade administrativa de carácter regulamentar pode sofrer de desvio de poder.
Pelo que resta apreciar se ele, no caso concreto, se verifica ou não.
Em causa está o Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos, aprovado pela respectiva Assembleia Municipal (ao abrigo da Lei de Finanças Locais - Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro - aliás invocado expressamente no respectivo preâmbulo), por proposta da mesma Câmara, em sua sessão ordinária de 28 de Dezembro de 1998 e publicada em 13 de Março seguinte.
Sendo que a recorrente sustenta que (…) o valor da taxa foi fixado, não por corresponder ao valor da utilização do domínio público municipal, mas de modo a colocar uma pressão financeira insustentável que a levasse a trocar o local onde armazena os seus produtos.
Contudo, tais declarações são inócuas pois não foram emitidas pelo autor do acto.
Como se disse, o vício de desvio de poder está directamente relacionado com a adequação do exercício da actividade administrativa ao fim determinado pela lei, pelo que para o juízo de adequação entre este e aquele apenas releva o comportamento do autor do acto.
Que, no caso, é um órgão colegial: nos termos do artigo 39.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, “compete ainda à Assembleia Municipal, sob proposta ou pedido de autorização da Câmara, aprovar posturas e regulamentos”.
E não se sustente que a motivação dos Vereadores da Câmara foi assumida pela “Assembleia Municipal, que recebeu e aprovou, sem qualquer alteração, a proposta, e a fundamentação, da Câmara Municipal”, pois que a Câmara é também um órgão colectivo, sendo despiciendo apurar as intenções de voto dos respectivos membros.
Ou seja, como se diz no acórdão do STA de 27 de Março de 2003, recurso n.º 01862/02, citado na decisão ora em crise, “o desvio de poder está invariavelmente conexionado com uma dimensão jurídico-intencional e material do acto.
Quando o autor pratica um acto no quadro de uma liberdade valorativa ou no pressuposto de uma margem de livre apreciação tem por substrato um poder de agir segundo a sua convicção e vontade. E só quando, nesse domínio discricionário, a actuação é motivada por um fim que não condiz com o fim legal, é que o acto se pode considerar afectado pelo vício. Portanto, este é um vício de substância que não pode abstrair da vontade e da livre determinação do seu autor.
É por isso que os factos integradores do desvio de poder têm que respeitar à motivação do próprio acto pelo seu autor, e não a condutas ou manejos de outras pessoas ou entidades. (…) A recepção pela Assembleia da substância ou do conteúdo material da proposta camarária não significa a recepção dos fins escolhidos pela voluntas da Câmara”.
Deste modo, a existência do vício de desvio de poder apenas pode ser aferido através da motivação da Assembleia Municipal, nomeadamente dos elementos constantes do preâmbulo da proposta, já que estes imprimem um carácter objectivo à decisão.
É esta a redacção do artigo 36.º do dito Regulamento, epigrafado Construções ou instalações especiais no subsolo: “(...) 4 - tubos, condutas, cabos e semelhantes com fins industriais ou comerciais para abastecimento com produtos derivados do petróleo ou químicos, por m/l ou fracção e por ano - 15.000$00. (...) 7 - Condutas subterrâneas de produtos petrolíferos e afins destinados à refinação ou armazenagem até 20 cm de diâmetro, por m/l ou fracção e por ano - 50.000$00. Por cada 5 cm a mais de diâmetro - 4.000$00”.
Ora, este regulamento foi aprovado ao abrigo da Lei de Finanças Locais - Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro - aliás invocado expressamente no respectivo preâmbulo.
Na verdade, o seu artigo 11.º, alínea c) permitiu que os municípios estabelecessem taxas pela ocupação do domínio público (subsolo incluído, como era entendimento generalizado). (Efectivamente, a Lei n.º 42/98, de 06 de Agosto apenas vigorou a partir de 01/01/1999 (art. 37º), em data, pois, posterior à da aprovação do dito regulamento, em 28/12/1998; todavia, este tê-la-á tido em consideração uma vez que, à data, tal lei já estava publicada).
O fim visado pela lei, ao permitir a cobrança de taxas pela utilização do domínio público, foi o de, nessa estrita medida, assegurar receitas ao Município que permitissem à Câmara desempenhar as funções e desenvolver a actividade que a mesma lei lhe faz conferir.
E, no dito preâmbulo, é mencionada a "necessidade de adoptar uma política "fiscal" ou "tributária" que atenda ao efectivo valor económico que a disponibilização de um espaço desta natureza hoje tem" e "neste quadro, resulta claro que as diferentes utilizações do espaço dominial do subsolo não devem estar todas sujeitas a um regime de taxa uniforme, tão diversos são os custos suscitados por elas, as vantagens que delas advêm para os respectivos utilizadores".
Todavia, a referência a uma "política fiscal ou tributária" compreende-se perfeitamente no âmbito da fixação de taxas verdadeiras e próprias e de acordo com o fim legal.
É que a própria LGT, não ainda vigente mas já então publicada, qualificava - artigo 3.º - as taxas como tributos fiscais, ainda que remetesse para lei especial o respectivo regime geral, diferenciando, todavia, os seus "pressupostos", segundo a epígrafe do artigo 4.º.
Nem são estranhas ao conceito de taxa - como frequentemente tem assinalado o Tribunal Constitucional - cfr. por todos, Acórdão de 15 de Janeiro de 2003 in DR, II série, 28/02/2003, de 15 de Julho de 2002 in cit. de 15/11/2002, de 12 de Março de 2002 in cit. de 28/05/2002 - "as vantagens retiradas da utilização do subsolo".
De modo que parece manifestamente excessivo retirar da fixação das referidas taxas, sem mais, a conclusão de que se não está a atender ao valor da ocupação do subsolo e seu consequente pagamento à edilidade mas, antes, a "impor o abandono da impugnante e demais congéneres das suas instalações de armazenagem de produtos petrolíferos, a fim de levar por diante a política urbanística entendida seguir para o local", evitando o Município “a sua obrigação de proceder a expropriações por utilidade pública dos terrenos e instalações industriais e comerciais que pertencem à impugnante” de que, aliás, se não vislumbra qualquer indício no dito preâmbulo da proposta de alteração ao Regulamento ou qualquer alusão à sua relevância como fim prosseguido pela autarquia com a aplicação da norma regulamentar. Não se tem, pois, por demonstrado o pretendido desvio de poder.
Em suma, seguindo a jurisprudência supra citada, cuja fundamentação sufragamos na íntegra, por com ela concordarmos, e que se aplica inteiramente ao caso dos autos, conclui-se pela não verificação do invocado desvio poder, uma vez que o fim visado pela lei, ao permitir a cobrança de taxas pela utilização do domínio público, foi o de assegurar receitas ao Município para o desempenho de funções e da sua actividade que a lei lhe conferiu, pelo que, também quanto a este fundamento, não merece provimento o recurso.»
Nesta conformidade, não merece provimento, na íntegra, o presente recurso.

Conclusões/Sumário

I - O juiz deve discriminar na sentença os factos provados, declarar os não provados e ainda indicar os elementos de prova com base nos quais formou a sua convicção – cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT.
II – A decisão da matéria de facto fixada no tribunal a quo só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto/grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado.
III - O tributo previsto no Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos, na redacção introduzida pela deliberação da Assembleia Municipal de 28/12/1998, para a ocupação do subsolo do domínio público municipal com condutas de combustíveis, não constitui um imposto mas uma taxa, a liquidar como contrapartida pela utilização de um bem do domínio público (subsolo).
IV - O artigo 35.º, nºs 4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, referente à ocupação do subsolo municipal com condutas de produtos petrolíferos, tal como vem sendo decidido pelo Tribunal Constitucional, não ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade nem da igualdade.
V - A ilegalidade ou "vício" de desvio de poder, como a própria designação sugere, implica um "desvio", intencional ou não, dos fins queridos pela norma ao permitir a actividade administrativa ou tributária em causa.
VI - Assim, o exercício da actividade (poder) administrativa, qualquer que seja a forma por que se expresse – incluindo, pois, a regulamentar - pode sofrer de desvio de poder; mas já não assim a legislativa propriamente dita - leis e decretos-lei - dada a ampla margem de conformação do legislador.
VII – De todo o modo, no caso, o fim visado pela lei, ao permitir a cobrança de taxas pela utilização do domínio público, foi o de assegurar receitas ao Município para o desempenho de funções e da sua actividade que a lei lhe conferiu, não se verificando desvio de poder.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
****
Custas a cargos da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 12 de Dezembro de 2014
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves