Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00316/16.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:EXCEPÇÃO INOMINADA, FALTA DE PRESSUPOSTO, INTERPELAÇÃO PRÉVIA, CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO ADMINISTRATIVO DEVIDO, RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO DE SELO
Sumário:I – O artigo 67.º do CPTA estabelece como pressuposto geral de acesso à acção administrativa de condenação à prática do acto administrativo devido a existência de um requerimento dirigido previamente à Administração, instando-a a pronunciar-se sobre determinada pretensão do interessado, realizável através da prática do acto administrativo requerido.

II - Do âmbito desta acção condenatória ficam de fora todas as pretensões relacionadas com operações materiais e meros actos jurídicos da Administração que não sejam qualificáveis como actos administrativos.

III – Nas circunstâncias dos autos, o Código do Imposto de Selo prevê um requerimento de interpelação da Administração tendo em vista a restituição de imposto pago indevidamente – cfr. o seu artigo 50.º. Nesta conformidade, não é aplicável o disposto no artigo 67.º, n.º 4 do CPTA, dado o dever de praticar o acto administrativo não resultar directamente da lei e esta prever a existência de um requerimento prévio a instar a Administração.

IV – In casu, a inexistência de um requerimento dirigido previamente à Administração, instando-a a pronunciar-se sobre a pretensão do interessado, obsta ao conhecimento do mérito da causa.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. Relatório

M., contribuinte fiscal n.º (…), com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 25/02/2021, que declarou procedente a excepção inominada de falta do pressuposto da existência de interpelação administrativa prévia relativamente ao pedido de condenação formulado, e, em consequência, absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido formulado na presente acção administrativa, na qual, em suma, era requerida a condenação da entidade demandada a reembolsar à autora o montante de €5.455,09, acrescido de juros legais, vencidos e vincendos, quantia que a autora, alegadamente, pagou indevidamente a título de Imposto do Selo, pela pretensa transmissão gratuita, que não foi realizada, por óbito de F., do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...) sob o artigo n.º 4251 – AV, imóvel este que nunca lhe foi efectivamente transmitido e que não é, nem nunca foi, de sua propriedade.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:

“1ª- Vem o presente recurso, interposto da douta DECISÃO, que julgou “procedente a exceção dilatória inominada da falta do pressuposto da inexistência de interpelação administrativa prévia relativamente ao pedido de condenação formulado, e em consequência, absolvo a Ré da Instância.
2ª- A recorrente, dirigiu, no passado dia 09/04/2021, ao Ex.mo Chefe do Serviço de Finanças de (...)-2, um pedido de revisão oficiosa, nos termos e para os efeitos do art.º 78º, da Lei Geral Tributária, visando que aquele Sr. Chefe do Serviço, proceda à revisão e respectiva liquidação da matéria tributável, porquanto em sua humilde opinião, entende ter ocorrido uma injustiça grave e notória, por facto não imputável à aqui recorrente, impondo-se, consequentemente – O ESTADO É UMA PESSOA DE BEM – o reembolso do “Imposto de Selo” que, indevidamente, pagou (doc.1).
3ª- Assim, a recorrente solicitou já à A.T./recorrida, a revisão oficiosa do acto tributário/matéria tributável, ao abrigo do art.º 78º, da L.G.T., estando, assim, cumprido o pressuposto a que alude o art.º 67º, do C.P.T.A., pelo que, salvo o devido respeito, deverão os autos baixar à 1ª Instância, para que o Tribunal “a quo”, conheça do mérito da causa.
4ª- O douto despacho saneador/sentença, de que se recorre, sem proceder a uma análise “ad substantiam”, queda-se por dizer, erraticamente, o seguinte: “A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto relevante para a decisão da exceção, resultou da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados” (negrito nosso).
5ª- Não foi, contudo, aquela a posição da recorrente, a qual respondendo às excepções arguida pela A.T., no seu requerimento, de Ref.ª 693338, de 19/11/2020, e, designadamente, no seu art.º 23º, impugnou, desde logo, “o teor do documento junto aos autos a fls…, quando se refere que em 11/07/2013, houve, por parte da A., “pagamento voluntário.”, o que é dizer, que a recorrente só procedeu ao pagamento compulsivo exigido pela AT, porque confrontada com as penhoras que lhe iam sendo feitas, em desespero de causa, procedeu ao pagamento que lhe estava a ser exigido, para o que teve que recorrer a terceiros.
6ª- Contrariamente ao vertido naquele despacho saneador/sentença, ora recorrido, o qual carece de fundamentação capaz, a convicção ali vertida, além de não estar fundamentada, alicerça-se em pressupostos errados, inquinando-o, assim, de nulidade e que, aqui, expressamente, se argui, para os legais efeitos.
7ª- Na verdade, parecer ter havido por parte da recorrente, alguma falta, em oportunamente, ter pedido, de forma expressa, o reembolso do Imposto, indevidamente liquidado e cobrado – o Estado tendo-se, apercebido da errada liquidação, deveria ele próprio, devolvê-lo – podendo, e devendo, mesmo, agora, fazê-lo.
8ª- E se é verdade não ter, a recorrente, de forma expressa e clara, dirigido, em tempo, à AT, um requerimento, arguindo a errada e ilegal tributação e liquidação do imposto de selo, e de que a AT., teria que se pronunciar, tal pedido resulta, tacitamente, de todas as diligências da recorrente, perante a AT, e que visavam e visam naturalmente, o reembolso do que foi pago, indevidamente.
9ª- Chegados que foram os autos à fase do despacho saneador, ora em crise, teria que ser feita, com o que constataria a contradição entre os factos provados e não provados e daqueles com a própria decisão, quedando-se, antes, o Tribunal “a quo”, por arrumar a questão julgando, tão só a excepção dilatória inominada.
10ª- Resulta dos FACTOS PROVADOS, designadamente, dos factos 3, 5 e 6, e, contrariamente ao alegado pela AT, que, muito antes de dar entrada da presente acção (facto provado 8), a liquidação daquele imposto, foi impugnado – interpelando-se a A.T., no sentido de que fosse reembolsada do Imposto de Selo, que indevidamente havia liquidado (factos provados 3, 5 e 6).
11ª- Resultando dos autos, designadamente, dos factos dados como provados nos itens 3, 5 e 6, a reacção da aqui recorrente, impugnando o questionado Imposto de Selo, no montante de € 5.455,09, cujo reembolso foi, expressamente, requerido (factos provados 3, 5 e 6), não pode, de forma alguma, ser dada como procedente a invocada excepção dilatória inominada da falta de pressuposto da inexistência de interpelação administrativa prévia relativamente ao pedido de condenação formulado na presente acção.
12ª A própria A./recorrente, deslocou-se por várias vezes, ao Serviço de Finanças de (...), aí reclamando e expondo a sua situação, pugnando pela anulação daquele imposto de selo, o qual não era devido, e subsequente reembolso, tendo, em 07/07/2011, deslocado àquele Serviço de Finanças, onde apresentou um requerimento (facto provado n.º 3), no qual disse, expressamente, “Notificada da liquidação do imposto, vem comunicar que não concorda com o mesmo…”, insurgindo-se contra tal liquidação e dizendo, expressamente, que a iria impugnar.
13ª- Tal como é reconhecido no facto provado n.º 5, a recorrente impugnou o questionado I.S., junto do T.A.F.Penafiel, logo que lhe foi concedido o apoio judiciário e nomeada uma patrona oficiosa.
14ª- Face ao comportamento da recorrida, que instaurou o respectivo processo executivo, pese embora a recorrente ter reagido judicialmente, mas sem prestar garantia, a única solução para extingui-lo, era pagar e depois exigir o reembolso, do imposto indevidamente cobrado, o que fez, como pessoa humilde e de bem, sempre na expectativa que sendo o Estado, uma pessoa de bem, demonstrado que ficou que aquele Imposto de Selo, não era devido, iria, sem mais, proceder ao seu reembolso.
15ª- Dúvidas não poderão, pois, subsistir de que, “in casu”, não se verificando a alegada excepção dilatória inominada da falta do pressuposto da inexistência de interpelação administrativa prévia relativamente ao pedido de condenação formulado, para que a AT seja absolvida.
16ª- A interpelação prévia, feita por várias vezes e por diversas vias, por parte da recorrente resulta claramente dos autos, o que importa que o douto despacho saneador/sentença seja revogado e substituído por outro, que ordene o prosseguimento dos autos, condenando, a final, a AT a reembolsar a recorrente do imposto de selo, indevida e erradamente tributado e liquidado, acrescido dos respectivos juros, com o que se fará a sã justiça.
TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho saneador/sentença, o qual deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos, condenando, a final, a recorrida a reembolsar a recorrente do imposto de selo, indevida e erradamente tributado e liquidado, acrescido dos respectivos juros, com todas as demais consequências legais,
ASSIM DECIDINDO, FARÃO V. EX.AS ILUSTRÍSSIMOS DESEMBARGADORES A MELHOR JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), tendo-se abstido de qualquer pronúncia.
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Com dispensa dos vistos legais, segundo o disposto no artigo 92.º, n.º 1 do CPTA, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC); submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao julgar verificada a excepção inominada de não haver sido instada a entidade demandada previamente à apresentação da presente acção judicial.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

Porque relevante para a aferição da exceção invocada, considero provados os seguintes factos:
1. Em 30/04/2007, A., na qualidade de cabeça de casal da herança de F., apresentou junto do Serviço de Finanças de (...) 1, declaração modelo 1, relativa a participação de transmissões gratuitas para efeitos de Imposto do Selo, tendo aí declarado, entre outras, como beneficiária da transmissão do legado que lhe coube, M., aqui A., correspondente à ali indicada verba 66, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...), concelho de (...), sob o artigo n.º 4251 – fração AV – cfr. declaração constante do Processo Administrativo, de fls. 135 a 143 do processo eletrónico.
2. Em 13/06/2011, tendo por base a declaração a que se alude em 1), foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por referência à aqui Impugnante, a liquidação de Imposto do Selo com o n.º 1281439, no montante a pagar de € 4.625,00 – cfr. demonstração da liquidação constante do Processo Administrativo, de fls. 134 do processo eletrónico.
3. Em 07/07/2011, a aqui A. apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de (...), nos seguintes termos, como dali se extrai:
“(…) N.º liquidação do imposto: 1281439
(…)
Notificada da liquidação do imposto, vem comunicar que não concorda com o mesmo, por tal facto a sua intenção é impugnar e reclamar do mesmo para o efeito, por não ter possibilidades económicas, requereu à segurança social, conforme a cópia do documento que se anexa, para nomeação de advogado, para proceder em conformidade com o que acima se expôs.
Por tal facto o prazo dos termos legais fica suspenso até à nomeação do advogado.” - cfr. requerimento de fls. 145 do processo físico/ fls.175 do processo eletrónico
4. Em 08/11/2011, para cobrança coerciva do montante da liquidação a que se alude em 1), foi pelo Serviço de Finanças de (...) 2, autuado contra a executada aqui A., o processo de execução fiscal n.º 3468201101105132, com base na certidão de dívida n.º 2011/950956, o qual em 11/07/2013, foi extinto por pagamento – cfr. cópia da capa do processo de execução fiscal, certidão de dívida e tramitação processual constantes do Processo Administrativo, de fls. 144 a 146 e 131 a 133, respetivamente, do processo eletrónico.
5. A aqui A. apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, impugnação judicial contra a liquidação de Imposto do Selo identificada em 2), o qual ali correu termos com o n.º 785/11.9BEPNF, e cuja instância, por decisão de 09/04/2014, foi julgada extinta por desistência da mesma e do pedido por parte da ali Impugnante, aqui A. – cfr. decisão constante do Processo Administrativo, de fls. 126 a 129 do processo eletrónico.
6. Em 10/12/2015, a aqui A., apresentou junto do Serviço de Finanças de (...) 2, requerimento dirigido ao processo de execução fiscal n.º 3468201101105132, nos seguintes termos como dali se extrai:
“(…)
1. Fui executada no processo acima identificado e apensos, sendo que a quantia exequenda se reporta a “Imposto de Selo”
2. Pese embora, inicialmente, ter iniciado o pagamento da quantia exequenda, em prestações mensais e, posteriormente, tendo pago toda a dívida exequenda, conforme indicações do próprio Serviço de Finanças, tendo-me sido, inclusive, penhorada e executada, toda a quantia que detinha no Banco, de minhas poupanças.
3. Acontece que, e como é de meu entendimento, paguei um “Imposto de Selo”, relativamente à suposta “aquisição”, dum apartamento, como legado testamentário, apartamento esse que nunca existiu e que nunca cheguei a adquirir.
4. Dado que pretendo ser reembolsada do dito “Imposto de Selo”, que, indevidamente, paguei, requeiro a V.Exa, se digne emitir uma certidão da qual conste, os fundamentos da dívida exequenda, e bem assim, todos os pagamentos que por mim foram efectuados, relativamente, à mesma.
5. A requerida certidão, destina-se a efeitos judiciais, com vista à eventual instauração de processo administrativo, sendo que beneficio de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pedindo a isenção do pagamento da certidão.
Junto: Requerimento de Protecção jurídica.” - cfr. Doc. n.º 4 junto com a p.i., de fls. 32 do processo eletrónico.
7. Em 17/12/2015, foi emitida certidão pelo Serviço de finanças de (...) 2, nos termos requeridos pela A. a que se alude em 6), onde se fez constar a origem da dívida como sendo a da liquidação de Imposto do Selo a que se alude em 2) e os respetivos pagamentos no processo de execução fiscal, como sendo € 186,35 a título de pagamento em prestações, € 5.119,82, a título de pagamento parcial coercivo e € 148,92, a título de pagamento integral voluntário - cfr. Doc. n.º 4 junto com a p.i., de fls. 34 do processo eletrónico.
8. Em 02/02/2016, foi remetida via postal sob registo, a petição inicial que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 1 a 35 do processo eletrónico.
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Não se mostram provados outros factos relevantes para a aferição da exceção.
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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto relevante para a decisão da exceção, resultou da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, bem como dos factos alegados que não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.”

2. O Direito

Findos os articulados, cumpre ao tribunal recorrido proferir despacho saneador, para conhecer todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
A decisão recorrida consubstancia, efectivamente, o despacho saneador na presente acção administrativa, onde foram apreciadas excepções; sendo que o conhecimento da excepção dilatória inominada da falta do pressuposto da “inexistência de interpelação administrativa prévia relativamente ao pedido de condenação formulado na presente acção” determinou a absolvição da entidade demandada da instância. O objecto do presente recurso cinge-se a este segmento decisório.
O julgamento “a quo” partiu da invocação pela entidade demandada da impropriedade do meio processual utilizado para obter o efeito jurídico pretendido pela autora, por ter intentado acção administrativa à prática de acto devido sem que tenha desencadeado a emissão de um acto administrativo por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo concluído pela verificação de falta de pressupostos para o uso do presente meio processual.
Vejamos parcialmente o teor da decisão recorrida:
«(…) Em sede de contestação, veio a R. suscitar a falta do pressuposto exigido no artigo 67.º do CPTA para o uso do presente meio processual a fim de condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a praticar o ato administrativo devido, porquanto a A. não requereu expressamente a devolução do imposto pago junto dos serviços da AT, cuja restituição pretende agora com a condenação da R., nem sequer apresentou qualquer meio gracioso à sua disposição com vista ao esclarecimento da situação que agora apresenta, pelo que a AT não ficou constituída no dever legal de decidir.
Em pronúncia à exceção suscitada, a A. afirma que por várias vezes se deslocou ao Serviço de Finanças de (...), aí expondo a sua situação, reclamando e pedindo a anulação do questionado imposto, como é exemplo o requerimento datado de 07/07/2011 no qual se insurge contra a liquidação de Imposto do Selo e dizendo, expressamente, que a iria impugnar, tal como o veio a fazer.
Cumpre apreciar e decidir.
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Importa referir que, atendendo ao objeto da presente lide, definido pelo pedido formulado pela A., estamos em presença de uma ação de condenação à prática de ato devido, com previsão nos artigos 66.º a 71.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicáveis ex vi artigo 97.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por previsão de tal meio processual judicial tributário na alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Estamos então perante uma ação (declarativa) condenatória, com carácter impositivo, no sentido de que o tribunal, a final, determina um comportamento/ uma prestação a adotar pela Administração, utilizada então para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado [artigo 66.º, n.º 1 do CPTA].
Por sua vez, o artigo 67.º do CPTA fixa as condições de admissibilidade do pedido de condenação à prática de ato administrativo legalmente devido, reconduzindo-as às situações de falta de decisão expressa de requerimento no prazo legal [n.º 1, alínea a)], recusa da prática do ato devido [n.º 1, alínea b)], e recusa da apreciação de requerimento dirigido à prática do ato [n.º 1, alínea c)].
Com efeito, dispõe o este preceito, sob a epígrafe “Pressupostos”, que
“1 - A condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir:
a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
b) Tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento;
c) Tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado.” [destacado nosso]
No primeiro caso, está em causa uma omissão, melhor, uma situação de inércia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado, constituindo o processo judicial uma forma de reagir contra a violação do dever legal de decidir da Administração [previsto, no âmbito tributário, no artigo 56.º da Lei Geral Tributária (LGT)]; os segundo e terceiro casos já não têm a ver com uma omissão, antes pressupõem a prática de um ato administrativo expresso de recusa ou do ato devido ou da apreciação do requerimento.
Ora, ao que aos autos importa, uma vez que como resulta dos mesmos e do probatório, não foi emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT), qualquer ato administrativo em matéria tributária de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento ou de conteúdo positivo que não satisfez integralmente qualquer pretensão da A., tal como dispõe a citada alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA, a condenação à prática do ato administrativo legalmente devido poderá ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.
Significa isto que, além dos vários pressupostos processuais genéricos aplicáveis às ações administrativas, a condenação à prática de ato devido apresenta uma exigência acrescida, plasmada neste n.º 1 do artigo 67.º do CPTA, e que se prende com a necessidade de uma interpelação administrativa prévia, cuja inexistência implica que não esteja preenchido o pressuposto processual do interesse em agir - veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09/12/2010, Proc. n.º 02463/07, disponível em www.dgsi.pt.
Nestes casos, o pedido formulado na ação constitui uma forma de reação a uma situação de inércia administrativa perante um requerimento de um particular que constituía o órgão competente no dever legal de decidir.
Tem, pois, que existir “um requerimento dirigido ao órgão competente, com a pretensão de obter a prática de um acto administrativo”, seguido da “omissão da prática do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão desde que a lei não ligue a este facto outras consequências” (cfr. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, 6ª. edição, 2004, p. 227).
Assim, sempre que um interessado seja titular do poder de exigir a prática de um ato administrativo/em matéria tributária, a propositura de uma ação administrativa de condenação à prática desse ato pressupõe a prévia apresentação, junto da autoridade administrativa competente, de um requerimento dirigido à prática do ato pretendido, cuja ausência implicará, por falta do pressuposto processual de interesse em agir em juízo, ou a rejeição da ação se liminar ou a absolvição da instância do Réu, se após a sua citação.
Ora, podemos entender o termo requerimento como designando todo o ato do titular de uma posição jurídica substantiva – direito subjetivo ou interesse legalmente protegido - que possam ser objeto de pretensões perante a Administração, que visa obter, do órgão administrativo competente, a produção de um efeito jurídico constitutivo ou recognitivo só realizável através da prática de um ato administrativo.
O requerimento, que deve ser convenientemente fundamentado com uma exposição dos factos e em termos jurídicos, há-de necessariamente pretender a produção de uma decisão administrativa sobre a pretensão apresentada, sendo aquele que impulsionará o procedimento administrativo/tributário e que constituirá a Administração no dever de decidir, ou pelo menos de se pronunciar ou responder.
Nesta medida, com a exigência legalmente prevista da apresentação de um requerimento junto da Administração que constitua o dever da mesma decidir, estamos perante um verdadeiro pressuposto processual.
Com efeito, a existência de uma situação de necessidade de tutela judicial e, portanto, a constituição de um interesse em agir em juízo, são colocadas pelo legislador na dependência da apresentação de requerimento com vista a pronúncia administrativa prévia.
A exceção a esta exigida interpelação administrativa prévia apenas não assume a natureza de pressuposto processual numa ação de condenação à prática de ato devido, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 67.º do CPTA [que nos diz que, “[a] condenação à prática de ato administrativo também pode ser pedida sem ter sido apresentado requerimento, quando: a) Não tenha sido cumprido o dever de emitir um ato administrativo que resultava diretamente da lei; b) Se pretenda obter a substituição de um ato administrativo de conteúdo positivo.”], uma vez que o dever de decidir pode decorrer diretamente da lei, caso em que não será necessário que o particular apresente a sua pretensão, num primeiro momento, junto da Administração Pública .
Aqui chegados, e volvendo ao caso em apreço, a questão que se coloca é a de saber se a aqui A., visando a condenação da AT à prática do ato devido de restituição de imposto do selo que considera como indevidamente pago, apresentou junto daquela um requerimento a solicitar tal pretensão.
Ora, vistos os contornos dos autos formulado pela A. e o probatório, a resposta a esta questão tem de ser negativa.
Efetivamente, ao contrário do que expõe a A. em pronúncia à exceção suscitada, nos únicos requerimentos apresentados junto da AT que chegaram aos autos, não é formulado qualquer pedido dirigido à prática de decisão ou pronúncia sobre a pretendida restituição do imposto de selo em causa pago pela A. atenta a alegada ilegalidade da liquidação.
Com efeito, o que a A. com o requerimento de 07/07/2011 apresentado junto do Serviço de Finanças peticionou, foi que o prazo dos termos legais para impugnar/reclamar a liquidação do imposto em causa ficasse suspenso até à nomeação do advogado, porquanto era sua intenção impugnar e reclamar da mesma, informando que havia requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono (cfr. ponto 3) do probatório), o que veio a fazer, apresentando junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel impugnação judicial contra aquela liquidação, cuja instância foi declarada extinta por desistência da mesma e do pedido pela Impugnante (cfr. ponto 5) do probatório).
Por aqui se constata que tal requerimento não visou qualquer pronúncia por parte da AT por relação a qualquer ilegalidade da liquidação, mas tão só uma mera informação de que iria apresentar meio judicial ou gracioso por advogado nomeado por apoio judiciário.
Por outro lado, apenas consta dos autos e do probatório, um outro requerimento de 10/12/2015 apresentado junto do Serviço de Finanças, onde a A. peticionou a emissão de uma certidão quanto aos fundamentos da dívida exequenda relativa ao imposto do selo em causa e pagamentos efetuados, destinando-se a mesma a efeitos judiciais com vista à eventual instauração de processo (cfr. ponto 6) do probatório).
Não há, pois, qualquer identidade nos pedidos formulados naqueles requerimentos e a prática do ato de condenação ao reembolso do imposto que a A. alega como indevidamente liquidado e pago formulado na presente ação.
Assim sendo, não tendo sido apresentado junto da AT um requerimento dirigido à prática do aludido pedido de restituição de imposto indevidamente pago ou de ilegalidade do ato de liquidação com a consequente restituição, como seja através de um simples requerimento expondo a situação de facto e de direito, reclamação graciosa (cfr. artigo 68.º do CPPT) ou usando o meio gracioso permitido pelo artigo 78.º da LGT, de pedido de revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, que despoletasse o dever de decidir ou de pronúncia por parte da AT, não se pode afirmar como preenchido o pressuposto exigido no artigo 67.º, n.º 1, alínea a), do CPTA.
Não estamos assim perante uma simples omissão sanável, mas sim perante um pressuposto processual legalmente previsto, sem o qual o Tribunal não pode conhecer do mérito da causa ou do mérito dos fundamentos invocados.
De referir que no caso vertente não decorre sequer diretamente de qualquer lei tributária o dever de emitir o ato administrativo em matéria tributária de restituir o imposto pretendido sem a AT sequer ter tido conhecimento dos contornos factuais nesta ação expostos atinentes à eventual inexistência de facto tributário, caso em que não seria necessário que a A. apresentasse a sua pretensão num primeiro momento, junto da AT (cfr. n.º 4 do artigo 67.º do CPTA).
Destarte, sem ter recorrido, num momento prévio, à AT, a presente ação de condenação carece do pressuposto previsto no artigo 67.º do CPTA, ou seja, a prévia solicitação à Administração de ato com o conteúdo peticionado, pelo que não se encontrando preenchido o pressuposto processual definido pela alínea a) do n.º 1 deste preceito, porque perante exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da R. instância, nos termos do que prevê o artigo 89.º, n.º 1 e 2, do CPTA, fica concludentemente, prejudicado o conhecimento do mérito do peticionado.
Procede assim a exceção invocada. (…)”
Ora, para aferirmos que meio processual foi utilizado na pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, devemos atender aos termos expressos na petição inicial, ao pedido e a causa de pedir poderá também ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
Parecendo olvidar o fim do regime dualista da acção administrativa especial e da acção administrativa comum, operado com o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, que já se encontrava vigente aquando da remessa da petição inicial que deu origem aos presentes autos em 02/02/2016 – cfr. ponto 8 do probatório, a aqui Recorrente aí afirmou estar a deduzir uma “acção administrativa comum”.
De facto, consagrou-se no CPTA um regime unitário de tramitação dos processos não urgentes, unificando-se as formas de processo numa única nova “acção administrativa”, tendo em vista, além do mais, obviar à verificação reiterada de erros na forma processual adoptada decorrentes da existência do referido regime dualista. Para tanto, o legislador elencou no artigo 37.º do CPTA as principais pretensões que seguem a forma de acção administrativa.
A Recorrente, na sua petição inicial, afirma ter pago indevidamente imposto de selo, já se ter dirigido ao serviço de finanças, para obter o reembolso, mas em vão, devendo, por isso, a AT reembolsá-la do respectivo montante pago. O pedido é, portanto, ser a AT condenada a reembolsar a aqui Recorrente da quantia que pagou indevidamente a título de imposto de selo.
Uma das mais importantes inovações operada pela reforma da justiça administrativa, levada a cabo em 2003, é o poder conferido, no CPTA, aos tribunais administrativos de procederem à determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, isto é, de condenarem a Administração à prática desses actos.
Conforme é mencionado na decisão recorrida, o artigo 67.º do CPTA estabelece como pressuposto geral de acesso ao processo de condenação do acto devido a existência de um requerimento dirigido previamente à administração, instando-a a pronunciar-se sobre determinada pretensão do interessado, realizável através da prática do acto administrativo requerido.
Do âmbito desta acção condenatória ficam de fora todas as pretensões relacionadas com operações materiais e meros actos jurídicos da Administração que não sejam qualificáveis como actos administrativos.
Dos termos da petição inicial poderia parecer não se mostrar peticionada a prática de qualquer acto administrativo, mas apenas o acto material de restituição da quantia que a ora Recorrente pagou indevidamente a título de imposto de selo.
Ora, atendendo ao objecto da lide, definido pela causa de pedir e pelo pedido formulado, estamos, como já referimos, em presença de uma acção administrativa, que visa praticar um acto de reembolso de imposto pago, portanto, a condenação à prática de acto administrativo devido, conforme previsto no artigo 37.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.
Uma vez que do âmbito desta acção condenatória ficam de fora todas as pretensões relacionadas com operações materiais, impõe-se demonstrar estar em causa a prática de acto que seja qualificável como acto administrativo.
Importa aludir à noção vertida no artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), onde se consideram “actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
Salientamos que um dos elementos essenciais, conformadores do acto administrativo, reside no seu objecto intrínseco, que consiste numa decisão administrativa inovatória e apta à produção de efeitos jurídicos externos lesivos, ou seja, uma estatuição autoritária ou um comando jurídico vinculativo que produz, por si só, autónoma e imediatamente, a eventual lesão da esfera jurídica do seu destinatário – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 15/03/2019, proferido no âmbito do processo n.º 01810/16.2BEPRT.
In casu, apresenta-se válido na ordem jurídica um acto de liquidação de imposto de selo, que se mostra pago, cuja legalidade chegou a ser impugnada, mas que a aqui Recorrente expressamente desistiu da instância nessa acção de impugnação, bem como do respectivo pedido – cfr. ponto 5 da decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, não podemos entender que o pedido de restituição da quantia paga a título de imposto esteja formulado a coberto de um acto administrativo, pois o acto administrativo existente é a liquidação, incólume na ordem jurídica. Somente se o acto de liquidação tivesse sido declarado inválido, se poderia entender que a restituição da respectiva quantia paga consubstanciaria a reconstituição da situação que existiria se ele não tivesse sido praticado, através de acto de execução ou de actos materiais.
Na medida em que a legalidade da liquidação não foi colocada em causa, em definitivo, o pedido de restituição da quantia paga a título de imposto de selo apresenta-se gerador de uma decisão autónoma, uma decisão administrativa inovatória e apta à produção de efeitos jurídicos externos, portanto, um verdadeiro acto administrativo.
Nestes termos, atendendo ao objecto da lide, definido pela causa de pedir e pelo pedido formulado, estamos, como enquadrado na decisão recorrida, em presença de uma acção administrativa de condenação à prática de acto administrativo devido – cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.
Não encontrámos mácula no enquadramento jurídico realizado na decisão recorrida. Sendo assim, poder-se-á colocar a questão de saber se, quando o dever de praticar o acto administrativo resultar directamente da lei e esta não preveja a existência de um requerimento prévio a instar a Administração, pode o interessado demandá-la em juízo sem necessidade de provocar primeiro a prática do acto que a Administração estaria obrigada a emitir?
Constitui convicção deste Tribunal tal ser admissível apenas quando estivermos perante actos que não assumam natureza discricionária quanto ao momento de acção e oportunidade da mesma. Ou seja, nos casos em que a Administração esteja constituída no dever legal de praticar determinado acto e não o faça, entendemos ser admissível o recurso a este meio processual, independentemente de qualquer requerimento prévio seu à Administração.
Esta solução acabou por ter respaldo no artigo 67.º, n.º 4 do CPTA, por força da alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, conforme se dá nota na decisão sob recurso.
Contudo, a lei prevê expressamente a existência de um requerimento prévio a instar a Administração.
Não podemos deixar de salientar que, efectivamente, o Código do Imposto de Selo consagra no seu capítulo VII – artigo 50.º - um procedimento específico, com regras próprias, para a restituição do imposto pago, mediante requerimento:
“Artigo 50.º
Restituição do imposto
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o Ministro das Finanças pode ordenar o reembolso do imposto pago nos últimos quatro anos quando o considere indevidamente cobrado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os interessados apresentam, juntamente com o pedido, os documentos comprovativos da liquidação e pagamento do imposto.
3 - O disposto no n.º 1 só é aplicável se não tiverem sido utilizados, em tempo oportuno, os meios próprios previstos no CPPT.”
O legislador, no artigo 50.º do Código de Imposto de Selo, consagrou claramente as condições de facto e de direito em que o interessado pode fazer uso da faculdade aí prevista e de que resulta o dever de restituição: (i) ser o imposto cuja restituição é peticionada relativo aos últimos 4 anos; (ii) o pedido ter sido apresentado com documentos comprovativos da liquidação e do pagamento do imposto e (iii) não ter o interessado usado em tempo oportuno os meios próprios previstos no CPPT tendo em vista esse mesmo fim.
Resulta, portanto, claríssimo que, nas circunstâncias dos autos, existe norma especial, prevendo a necessidade de dirigir previamente requerimento ao Ministro das Finanças. Somente em caso de inércia, de recusa expressa de reembolso ou de apreciação do requerimento citado poderia a Recorrente fazer uso da acção administrativa de condenação à prática do acto administrativo devido.
Sendo estes os pressupostos para utilização do meio processual em causa, facilmente se antevê não existirem condições legais para conceder provimento ao recurso.
Isto porque as alegações da Recorrente, por um lado, são um pouco contraditórias e, por outro, são inconsequentes. Note-se que a Recorrente admite ser verdade não ter, de forma expressa e clara, dirigido, em tempo, à AT, um requerimento, arguindo a errada e ilegal tributação e liquidação do imposto de selo, e sobre o qual a AT teria que se pronunciar. Mas, ainda assim, afirma que tal pedido resulta, tacitamente, de todas as diligências da Recorrente, perante a AT, e que visavam e visam o reembolso do que foi pago, indevidamente, apontando para a factualidade que resulta apurada nos pontos 3, 5 e 6 da decisão da matéria de facto – cfr. conclusões 8 e seguintes das alegações do recurso.
É ostensivo não ter a Recorrente instado a AT no sentido de a colocar na posição de dever decidir. Logo, tal inviabiliza a constatação de inércia da AT, dado não existir qualquer requerimento para decidir, solicitando o reembolso do imposto, o que impossibilita a utilização do presente meio processual, cuja pretensão é a condenação à prática do acto administrativo devido.
De facto, no requerimento apresentado em 07/07/2011, é notório o inconformismo com a liquidação do imposto de selo, comunicando-se a intenção da Recorrente de impugnar e reclamar do mesmo, mas, por não ter possibilidades económicas, requereu à segurança social a nomeação de patrono, dando conta que o prazo dos termos legais ficaria suspenso até à nomeação do advogado – cfr. ponto 3 do probatório. Não é pedido à AT que lhe restitua o imposto pago. Aliás, o imposto de selo somente ficou pago em 11/07/2013, pelo que não podemos vislumbrar de um requerimento apresentado em 2011 um pedido de reembolso de um imposto que ainda não estava pago, nem mesmo tacitamente, como pretende a Recorrente – cfr. ponto 4 do probatório.
Com efeito, o ponto 5 do probatório espelha a efectiva impugnação judicial da liquidação do imposto de selo em crise, porém, surpreendentemente, nesse processo judicial, foi julgada extinta a instância, por desistência da mesma e do pedido por parte da ali Impugnante, aqui Recorrente. Salientamos que a desistência do pedido coloca termo, nesse âmbito, à discussão da legalidade da liquidação do imposto impugnado, com as legais consequências.
Em 10/12/2015, menciona-se pela primeira vez, por escrito, junto da AT o pagamento do imposto de selo, mas o pedido resume-se, unicamente, à passagem de certidão, mais uma vez não colocando a Administração na posição de dever decidir sobre a restituição do imposto – cfr. ponto 6 do probatório.
Em face da decisão proferida na primeira instância, vem, agora, a Recorrente dar conta que dirigiu, no passado dia 09/04/2021, ao Chefe do Serviço de Finanças de (...)-2, um pedido de revisão oficiosa, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, da Lei Geral Tributária, visando que aquele proceda à revisão e respectiva liquidação da matéria tributável, e, por consequência, ao reembolso do “Imposto de Selo” que, indevidamente, pagou, defendendo estar, assim, cumprido o pressuposto a que alude o artigo 67.º, do CPTA – cfr. conclusões 2 e 3 das alegações do recurso.
Recordamos que a presente acção administrativa foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 02/02/2016 (cfr. ponto 8 do probatório) e que o pressuposto processual de que vimos falando se reporta a uma interpelação prévia da Administração. Logo, não poderá um requerimento dirigido à AT posteriormente ao recurso à via judicial, em 09/04/2021, sanar uma falha processual que é prévia (portanto, insuprível). Tanto mais que se desconhece o destino que será dado pela AT, não há notícia de qualquer acto praticado, entretanto, tão-pouco a decisão final que recairá sobre tal pedido de revisão, o que afasta a possibilidade processual de alteração da instância nos termos do artigo 70.º do CPTA. Contudo, considerando o teor do documento junto com as alegações do recurso (pedido de revisão), facilmente se verifica que é aí discutida a legalidade da liquidação, pelo que o meio processual próprio para sindicar a posição que a AT venha a tomar sobre a liquidação do imposto de selo será a impugnação judicial, salvo se não chegar a apreciar o objecto do pedido de revisão oficiosa.
Por tudo o exposto, é despiciendo conhecer o que vem alegado nas conclusões 4 e 5 das alegações, uma vez que se mostra totalmente irrelevante saber se o pagamento do imposto foi realizado de forma coerciva ou voluntária para reexaminar a decisão recorrida sobre a verificação da excepção inominada de falta do pressuposto mencionado para fazer uso da presente acção administrativa.
Nesta conformidade, a decisão recorrida, para decidir a excepção, não se baseou em fundamentos de facto errados, sendo verdadeiro, como vimos, o invocado pela entidade demandada, de que a “Autora não requereu expressamente a devolução do imposto pago” previamente à dedução da presente acção judicial.
Pelo exposto, é forçoso confirmar o julgamento que decidiu pela procedência da excepção dilatória inominada da falta do pressuposto da existência de interpelação administrativa prévia relativamente ao pedido de condenação formulado e, em consequência, negar provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I – O artigo 67.º do CPTA estabelece como pressuposto geral de acesso à acção administrativa de condenação à prática do acto administrativo devido a existência de um requerimento dirigido previamente à Administração, instando-a a pronunciar-se sobre determinada pretensão do interessado, realizável através da prática do acto administrativo requerido.

II - Do âmbito desta acção condenatória ficam de fora todas as pretensões relacionadas com operações materiais e meros actos jurídicos da Administração que não sejam qualificáveis como actos administrativos.

III – Nas circunstâncias dos autos, o Código do Imposto de Selo prevê um requerimento de interpelação da Administração tendo em vista a restituição de imposto pago indevidamente – cfr. o seu artigo 50.º. Nesta conformidade, não é aplicável o disposto no artigo 67.º, n.º 4 do CPTA, dado o dever de praticar o acto administrativo não resultar directamente da lei e esta prever a existência de um requerimento prévio a instar a Administração.

IV – In casu, a inexistência de um requerimento dirigido previamente à Administração, instando-a a pronunciar-se sobre a pretensão do interessado, obsta ao conhecimento do mérito da causa.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.
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Fixa-se a título de honorários ao ilustre patrono nomeado 4 UR.
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Porto, 30 de Setembro de 2021

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares