Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02180/17.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CONTRATO DE ARRENDAMENTO APOIADO; RESOLUÇÃO; DESPEJO; USO DO LOCADO PARA O TRÁFICO DE DROGA; PRINCÍPIO DA INTRANSMISSIBILIDADE DAS PENAS; PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA; CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO DO DIREITO À RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO SOCIAL; OBJETO DO RECURSO; QUESTÃO NOVA.
Sumário:
I - A resolução do contrato de arrendamento apoiado com fundamento, entre outros, do uso do locado para o tráfico de droga por elemento do agregado familiar do titular do arrendamento social não significa o “estender-se” do comportamento de outros ao titular do arrendamento social ou o imputar àquele titular a prática de qualquer ilícito penal, inexistindo, por isso, qualquer afetação do princípio da intransmissibilidade das penas.
II- Não constitui violação do princípio da presunção da inocência a prova em processo administrativo do uso de locado de arrendamento apoiado para o tráfico de droga, matéria de facto que veio a ser conformada por decisão em processo penal transitada em julgado.
III- Para o arrendamento apoiado ou condicionado vale a regra contida no n.° 3 do artigo 25° da Lei n° 81/2014, de 19.12, que estipula que não caduca o direito à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou.
IV- Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova [cf. entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012. recurso 218/12., de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012. recurso 1153/11, de 11.03.2011. recurso 4/11. de 01.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 29.11.1995, recurso 19369 c do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.] *
* Sumário elaborado pelo relator
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
FMMA, devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto], de 18.10.2018, proferida no âmbito da Ação Administrativa que a Recorrente intentou contra a CÂMARA MUNICIPAL P…, rectius, MUNICÍPIO P…, que julgou a mesma improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
Salvo o devido respeito, a D. Sentença recorrida ao assentar em erro nos pressupostos de direito e de errada aplicação do mesmo esteve mal e incorreu numa deficiente aplicação, ao:
a) ...“beliscar" o principio constitucional do direito à habitação, previsto e consagrado no artigo 65.° n.° 1 da C.R.P. quando estende a prática de certos comportamentos de outros ao titular do arrendamento apoiado para resolvê-lo;
b) ... fazê-lo ceder perante o direito de outros candidatos ao mesmo locado, numa interpretação e conjugação excessivas dos artigos 25.°, n.° 1 da Lei 82/2014 e 1083°, n° 2 al. b) do CC;
c) ...legitimar, com tal entendimento, uma prática integrável no instituto jurídico do abuso de direito, previsto no artigo 334.° do CC;
d) estender, para o efeito descrito, a responsabilidade criminal do filho da recorrente à mesma, pondo em causa os princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência, previstos nos artigos 30.° n.° 3 e 32.° n.° 2 da C.R.P.:
e) ...não reconhecer a caducidade do direito de resolução do arrendamento, ao fazer uma conjugação desconforme do artigo 1085,° n.° 1 do Código Civil com o art° 25.° n.° 3 da lei 81/2014;
f) ...não aplicar o regime da nulidade ou da anulação dos atos administrativos, conforme a aplicabilidade de um ou do outro, previstos, respetivamente, nos artigos 161 0 n.°2 e 163.°, n.° 1 e 3 do N.C.P.A..
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada em conformidade, conhecendo-se dos vícios de erro nos pressupostos e de aplicação do direito, do despacho do Ex.° Sr. Diretor Municipal da Presidência da Câmara P… e Presidente do Conselho de Administração da Domus Social, EM, de 1/8/2017, impugnado nos presentes autos, com todas as legais consequências.
É o que se pede e se espera desse tribunal, assim se fazendo a habitual e requerida JUSTIÇA.
(…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido contra-alegou, embora de forma não conclusiva, nos seguintes termos:
“(…)
A apelante insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que determinou a absolvição das Rés da instância, resultado da não verificação dos vícios assacados ao ato administrativo que em caso de verificação dos mesmos determinaria a anulabilidade do ato de resolução do contrato de arrendamento apoiado.
Mas não lhe assiste, salvo o devido respeito, razão.
Apesar dos esforços argumentativos que a apelante faz nas suas alegações de recurso, é manifesto que os vícios assacados por esta não se verificam.
De facto, a apelante fundamenta a tese de que o ato administrativo padece de diversos vícios nomeadamente, a violação do direito constitucional à habitação ( artigo 65° da CRP), do princípio da intransmissibilidade das penas e da presunção da inocência e também da caducidade do direito de resolução do arrendamento.
Ora, Como decorre do Acórdão criminal, já transitado em julgado, proferido no processo N° 108/10.4BEPRT ficou provado que o filho da Apelante, FMAG, utilizava a residência onde habitava e que era o locado em causa nestes autos (bloco x, Entrada xx9, casa x1, Bairro de F..., P…) para armazenar e guardar os estupefacientes, que depois transportava, entregava e vendia, tendo sido consequentemente condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes.
A Apelante não foi de facto a autora material da prática de crime de tráfico, mas o certo é que o seu filho, uma das pessoas que o habitava e que se encontrava autorizado a habitar, importando atentar que não se vislumbra da lei que esta exija que o agente da utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública seja, apenas e só, o arrendatário, antes abrangendo quem com ele nele habite, pois o que releva é a situação objetiva de "utilização do locado de forma contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”.
Portanto, toda esta atividade ilícita era feita em contexto de bairro social, ou seja, no contexto de casas cedida pela Ré a pessoas sem condições económicas para providenciarem pela sua habitação de outra forma.
O facto de a habitação em causa ser usada para o negócio de bando onde o filho da Apelante se inseria e, ainda, deste usar um fogo de um bairro social (no qual habitava, ao contrário do que alega a apelante) para traficar droga é censurável numa dimensão criminal - e por isso o seu filho foi punido - e também numa perspetiva da relação jurídico administrativa de concessão da habitação.
Daí que tendo ocorrido o armazenamento de estupefacientes no locado, tal comportamento constitui, à luz do art. 1083.°, n.° 2, al. b) do CC, fundamento bastante para a resolução do contrato de arrendamento apoiado em causa, por parte do senhorio.
E o facto de ser duplamente relevante não faz com que a punição seja a dobrar.
Por outro lado, não se vislumbra que tal interpretação dos normativos citados viole o princípio da presunção da inocência (artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa) ou da intransmissibilidade da responsabilidade criminal (artigo 30.°, n.° 3 da CRP), porquanto o filho da A. foi este Já condenado por decisão penal transitada em julgado na qual se deu como provado que usava o locado para o tráfico de droga, não beneficiando de qualquer presunção de inocência, sendo que como já se disse o facto de a atuação do filho da Apelante ser duplamente relevante não faz com que a punição seja a dobrar. Trata-se tão só de retirar as consequências legais de uma utilização proibida do fogo em causa. Acresce que, contrariamente ao que a Apelante faz transparecer a resolução do contrato de arrendamento não consubstancia uma transmissão da pena a que foi condenado o seu filho, mas unicamente de retirar as consequências legais da utilização indevida do fogo habitacional em causa.
Aliás, isso mesmo ficou decidido ainda este não pelo TEDH - ARTIGO 6.° DA CONVENÇÃO Presunção de inocência Güç c. Turquia - queixa n° 15374/11, Acórdão de 23.01.2018 [Secção II].
Ainda, relativamente à alegada violação ao direito a habitação, a apelada prossegue o interesse público de proporcionar habitação em locais que não permita a prática de ilícitos desta natureza, em locais onde se possa conviver em paz, cada um levar a sua vida e as crianças não serem obrigadas conviver com a criminalidade e seus perigos e pressões, pois que não existe qualquer sobreposição de direitos, mas tão só a prossecução do interesse público a que está adstrita a aqui apelada.
Esquece a Recorrente que o direito de habitação não é um direito absoluto e foi precisamente e é precisamente por isso que á decisão recorrida não deve ser assacada qualquer crítica.
De qualquer das formas, como bem discerniu o Tribunal a quo, a situação quanto à caducidade não se enquadra nos termos descritos pela Apelante.
Vejamos,
O contrato de arrendamento que está em causa nos presentes autos, é um contrato que se rege pelo seu diploma próprio, nomeadamente a Lei 81/2014 de 19.12, e apenas em caso de omissão na regulamentação por parte deste mesmo diploma se irá aplicar supletivamente o disposto no Código Civil.
Deste modo, prescreve o artigo 25° do mesmo diploma que “não caduca o direito à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”, não operando como se percebe a caducidade.
Acresce que não pode a Recorrente utilizar em sede de recurso fundamentos que não usou no processo que produziu a decisão recorrida, e por isso, não pode ser apreciada pelo Tribunal ad quem a invocação do abuso de direito relativo ao ato de resolução, uma vez que a Recorrente não se fundamentou nesse vício quando intentou a ação ou mesmo em momento ulterior do processos cognitivo de declaração.
Assim sendo, é entendimento das apeladas que a decisão recorrida não enferma de qualquer vício devendo consequentemente manter-se.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA.
(…)”.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
*
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo, ao determinar a improcedência da presente ação nos termos em que decidiu, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do direito.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)
1. A Autora é arrendatária da habitação social do Município P…, sita no Bairro de F..., casa x1, entrada xx9, bloco x, suportando uma renda no valor de € 11,40. - cfr. doc. de fls. 28 e ss. do p.a. e 78 dos autos.
2. Faz parte do agregado familiar autorizado a habitar com a Autora no locado o filho desta, FMAG. - cfr. doc. fls. 181 do p.a.
3. Por acórdão de 27.2.2015, transitado em julgado em 27.5.2015, proferido no processo judicial n.° 108/10.4BEPRT, o filho da Autora, FMAG, com residência foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa. - cfr. doc. de fls. 128 do p.a.
4. Consta do acórdão referido no ponto antecedente, entre o mais:
“[...]
estupefacientes, levado a cabo na ária desta Comarca...
Para o êxito desta atividade de tráfico, o grupo, liderado pelo arguido PC, contava com a participação dos arguidos HP, conhecido por “trita”, FM, de alcunha “isca”; TT, conhecido por “paquito”, NB, FS, conhecido por “moreno”, JS, FG, de alcunha “loira”, NM,. de alcunha “canigia”, PS, conhecido por “P…”, DL, de alcunha “ratinho”, VN, conhecido por “vitinha”, LFL, conhecido por “gaio”, AS, NC, de alcunha leiteiro”, IC, LG, de alcunha “macaca”, SC, CM, SC, de alcunha “gaiolas”, CB e LP, a quem estavam distribuídas, nomeadamente, as tarefas de venda direta, ocultação do estupefaciente, ocultação do dinheiro proveniente das Vendas diretas e transporte, após transformação e doseamento do produto estupefaciente. .
[...]
A fim de dificultar a deteção da sua atividade de tráfico de estupefacientes, o arguido HP acordou com os arguidos FMAG e LMTG, utilizar as residências destes, sitas no bairro de F..., uma no bloco x, entrada xx9, casa x1 e outra no bloco 1x, entrada x4, casa x1, respetivamente, para armazenar o grosso do estupefaciente que destinava à venda, incumbindo-os ainda de efetuarem alguns transportes e entregas daquele produto, trazendo-o das suas residências até à residência do arguido HP ou para outra, por este arguido indicada.
Cabia ainda ao arguido FG, sob instruções do HP, proceder à venda de estupefacientes a diversos consumidores, entregando àquele, em momento posterior, o valor auferido nas vendas.
Pela colaboração prestada, os arguidos FG e LT recebiam do HP quantias monetárias de valor não apurado, não lhes sendo conhecida qualquer atividade profissional ou outra, remunerada ou não, para além da atividade de armazenamento e vendas de estupefacientes.
No desenvolvimento das tarefas que lhe estavam atribuídas pelo arguido HP, o arguido FG mantinha contactos com o mesmo bem como com os clientes a quem fornecia, á mando deste, estupefacientes, nomeadamente:
No dia 01 de julho de 2011, o FG combinou entregar a um cliente desconhecido quantidade não apurada de estupefaciente - Sessão 186 do alvo 2F202M, fls. 279 do apenso II-B;
No dia 30 de novembro de 2011, o FG recebeu instruções do HP para lhe levar estupefacientes - Sessão 11647 e 11649 do alvo 2H485M, fls. 1536 e 1537 do apenso VI-B;
No dia 11 de fevereiro de 2012, o FG e o HP conversaram sobre o transporte de estupefacientes que o primeiro guardava em casa - Sessão 2967 do alvo 2H877M, fls. 2140 do apenso VII-B;
No dia 22 de março de 2012, o FG recebeu ordens do HP para proceder ao transporte de determinadas quantidades de estupefacientes para venderem - Sessão 10176 do alvo 2H877M, fls. 2403 do apenso VIII-B;
Nos dias 24 e 25 de março de 2012, o FG vendeu, por preço não apurado, a indivíduos cujas identidades não se logrou apurar determinadas quantidades de estupefaciente — cocaína e heroína - Sessão 10392 do alvo 2H877M, fls. 2403 do apenso VIII- B e Sessão 10447 do alvo 2H877M, fls. 2404 do apenso VIII-B;
Nos dias 03, 5, 7, 9,10,11 e 13 de abril de 2012, o FG vendeu a indivíduos cujas identidades não se logrou apurar quantidade não determinadas de estupefacientes - cocaína e heroína -, por preços não apurados - Sessão 11031 e 11035 do alvo2H877M, fls. 2491 do apenso VIII-B; Sessão 11114 e11116 do alvo2H877M a fls.' 2492 e 2493 do apenso VIII-B; Sessão 11203 do alvo 2H877M a fls. 2494do apenso VIII-B; Sessão 11365 e 11366 do alvo 2H877M a fls. 2495 a 2497 do apenso VIII-B; Sessão 11382 do alvo 2H877M a fls. 2497'do apenso VIH-B; Sessão 11409 do alvo 2H877M a fls. 2498 do apenso VIII-B;
No dia 31 de maio de 2012, o FG combinou a entrega de quantidade não apurada de estupefaciente a um seu cliente desconhecido - Sessão 4520, 4521,4523 do alvo50928M, fls. 2788 e 2789 do apenso IX-B;
No dia 19 de julho de 2012, o FG recebeu instruções do HP para entregar determinada quantidade de estupefacientes que guardava em sua casa ao colaborador, DL - Sessão 13756 do alvo 50928, fls. 2955 do apenso X-B;
[…]”
5. Em 5.8.2015 a CMPH - Domus Social - Empresa de Habitação e Manutenção do Município P…, EEM e a Camara Municipal P… - Pelouro da Habitação e Ação Social dispunham do Acórdão referido nos pontos anteriores. - cfr. docs. de fls. 128 a 139 do p.a.
6. Em 20.3.2017 a Autora foi notificada do projeto de decisão de resolução do arrendamento apoiado da casa x1, da entrada xx9, bloco x, da rua Fo..., F.... - cfr. doc. de fls. 180 e ss. do p.a.
7. A A. pronunciou-se por requerimento apresentados em 22.3.2017. - cfr. docs. de fls. 189 e ss. do p.a.
8. Em 1.8.2017 foi emitido despacho pelo Diretor Municipal da Presidência da Camara Municipal P… e Presidente do Conselho de Administração da DomusSocial, EMP contendo decisão de resolução do arrendamento apoiado correspondente à casa 341, da entrada xx9, bloco x, da rua Fo..., F..., com o seguinte teor:
“(…)
A casa x1, da entrada xx9, do bloco x, da Rua Fo..., F..., propriedade do Município P… e sob gestão da DomusSocial, EM, foi atribuída à arrendatária FMMA, e respetivo agregado autorizado, constituído por MAG.
No âmbito do processo administrativo, segundo o que se apurou na fase de instrução e averiguação pelos serviços da Direção da Gestão do Parque Habitacional (PRC_CINS-2017-0051), verifica-se a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública.
O filho da arrendatária FMAG, foi condenado por acórdão proferido no âmbito do processo n.° 108/10.4PEPRT, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa. Em sede judicial foi dado como provado que o filho da arrendatária permitiu, pois, que dentro do prédio e na habitação que foi atribuída, fosse usada para o tráfico de droga, nomeadamente para armazenamento do grosso do estupefaciente que se destinava à venda. Nas páginas, infra melhor identificadas daquele acórdão condenatório, deu-se como provado (transcreve-se o acórdão cujo teor se dá por reproduzido):
«Para o êxito desta atividade de tráfico, o grupo, liderado pelo arguido P...C, contava com a participação dos arguidos (...) FG, de alcunha “loira”, (...) a quem estavam distribuídas, nomeadamente, as tarefas de venda direta, ocultação do estupefaciente, ocultação do dinheiro proveniente das vendas diretas e transporte, após transformação e doseamento do produto estupefaciente.»
Páginas 175 e 176:
«A fim de dificultar a deteção da sua atividade de tráfico de estupefacientes, o arguido H... P... acordou com os arguidos FMAG e L..., utilizar as residências destes, sitas no bairro de F..., uma no bloco x. entrada xx9, casa x1 e outra no bloco (...), respetivamente, para armazenar o grosso do estupefaciente que destinava à venda, incumbindo-os ainda de efetuarem alguns transportes e entregas daquele produto, trazendo-o das suas residências até à residência do arguido H... P... ou para outra, por este arguido indicada. Cabia ainda ao arguido FG, sob instruções do H... P..„ proceder à venda de estupefacientes a diversos consumidores, entregando àquele, em momento posterior, o valor auferido nas vendas. Pela colaboração prestada, os arguidos FG e L... T... recebiam do H... P... quantias monetárias de valor não apurado, não lhes sendo conhecida qualquer atividade profissional ou outra, remunerada ou não, para além da atividade de armazenamento e vendas de estupefacientes. No desenvolvimento das tarefas que lhe estavam atribuídas pelo arguido H... P.... o arguido FG mantinha contactos com o mesmo bem como com os clientes a quem fornecia, a mando deste, estupefacientes, nomeadamente:»
Ora, como dispõe o artigo 25.°, n.° 1, da Lei n° 81/2014, de 19 de dezembro, pode a entidade proprietária dos imóveis arrendados determinar a resolução do arrendamento apoiado com fundamento na prática dos atos referidos na alínea b) do n.° 2 do artigo 1083.° do Código Civil. Disposição legal que determina como fundamento de resolução o incumprimento que torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente a utilização do locado contrária à lei, à ordem pública ou aos bons costumes. Nestes termos, provou-se que o agregado permitiu, pois, que dentro do prédio e na habitação que lhes foi atribuída fosse usada fosse usada para o tráfico de droga, nomeadamente para armazenamento do grosso do estupefaciente que se destinava à venda.
O crime de tráfico de droga ainda que de pequena quantidade além de dolosamente praticado é particularmente grave mormente se der conta que o prédio onde o tráfico foi efetuado está inserido em conjunto habitacional integrado por inúmeras habitações onde residem centenas de pessoas, muitas delas crianças. O tráfico de qualquer tipo de droga por pessoas que vivem em fogos de prédios cuja propriedade é do Município P…, e dentro do espaço comum ou não comum desses prédios, não é atividade que possa ser objetivamente tolerada por esta edilidade, pondo manifestamente em causa a manutenção da atribuição da habitação que havia sido decidia em benefício da arrendatária e do seu agregado familiar.
Notificado o projeto de decisão a 20 de março de 2017, vem a arrendatária pronunciar-se em sede de audiência prévia, alegando que a habitação nunca foi usada para o tráfico bem como o seu filho não foi condenado pelos crimes de que é acusado. A verdade é que a atividade de tráfico de estupefacientes é complexa, sendo constituída por várias tarefas ligadas entre si, formando uma cadeia de produção, e que vão desde a produção, transformação, armazenamento do produto e equipamento de preparação (balanças, instrumentos de corte,...) até à troca, transação propriamente dita, sendo que basta que qualquer uma destas atividades passe pela habitação social, partes comuns ou entrada do edifício municipal para se concluir que determinada pessoa utiliza a inserção estratégica da habitação social que lhe foi atribuída para promover e privilegiar os contactos.
A arrendatária alega ainda que nunca se apercebeu de atividades ilícitas, contudo o desconhecimento não pode ser admitido, uma vez que, demonstram as regras de experiência que desde que resida na habitação tem conhecimento dos mesmos, uma vez que estes são impossíveis de encobrir através dos comportamentos, conversas, convivências e atitudes. Sempre se dirá que os direitos e obrigações decorrentes do arrendamento apoiado impendem sobre todos os ocupantes de habitações municipais e não apenas sobre o arrendatário, até porque todos os elementos do agregado familiar são beneficiários do arrendamento apoiado corporizado na ocupação da habitação social e, por isso, devem todos ficar vinculados ao cumprimento das obrigações delas decorrentes. Na medida em que, a tipologia da habitação é definida de acordo com os elementos que compõem o agregado, bem como, a renda devida mensalmente é calculada e rege-se em função dos rendimentos totais auferidos pelo agregado. Pelo que, caso o incumprimento seja praticado por um dos membros do agregado familiar, terão de ser corresponsabilizados todos os elementos do agregado que incorrem, conjuntamente, no âmbito da resolução contratual.
Importa ainda salientar que a Câmara Municipal P… não está a sancionar o agregado, está a resolver o contrato de arrendamento apoiado com fundamento na utilização contrária à lei. Trata-se de exercer o direito de resolução conferido pela lei quando se verifiquem comportamentos violadores de um dever contratual (o dever de aplicar a habitação a um uso habitacional normal). É o legislador, e compreende-se perfeitamente sobretudo tratando-se do arrendamento apoiado, que acautela a exigência de utilização conforme a lei, ordem pública e salvaguarda dos bons costumes, considerando que a inobservância destes deveres pelos arrendatários é uma grave violação ao princípio da boa fé, e por isso, confere direito a resolução contratual pelo senhorio. Por outro lado, as práticas ilícitas, entre as quais se encontra a atividade de tráfico de estupefacientes, estão tipificadas pelo legislador como ato ilícito previsto e punido pela lei penal.
Ponderados os argumentos aduzidos, não são os mesmos suscetíveis de modificar o sentido do projeto de decisão, porquanto o acórdão proferido no âmbito do processo n.° 108/10.4PEPRT faz parte integrante do processo habitacional, pelo que os factos ai relatados não poderão ser suprimidos do processo de resolução do contrato de arrendamento. Importa ainda clarificar que a abertura de um inquérito implica o conhecimento por parte do Ministério Público, de um crime. Uma vez apurada a responsabilidade e recolhidas as provas necessárias, o Ministério Público deduz acusação que submete os seus agentes a julgamento. O Tribunal não adota portanto uma atitude passiva de apenas apreciar os factos que a acusação e a defesa lhe apresentam, mas sim atua por forma a construir autonomamente as bases da sua decisão. Assim o presente despacho de acusação reflete os comportamentos, que no entendimento do Ministério Público, são considerados crime.
A resolução do arrendamento justifica-se pela perturbação que a conduta do filho da arrendatária assume nas relações de vizinhança, em inequívoca infração dos deveres que sobre eles impendem, e que coloca em crise a relação de arrendamento apoiado. A arrendatária apresenta em simultâneo requerimento de proteção jurídica, contudo nos termos do artigo 17.° da LAP, não se prevê a possibilidade de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono na pendência ou na fase de execução de procedimento administrativo com a finalidade de interromper os prazos em curso.
Os factos descritos constituem fundamento para a resolução do arrendamento apoiado do fogo atribuído, e concomitante, extinção do direito de ocupação da arrendatária, nos termos do disposto alínea b) do n.° 2 do artigo 1083.° do Código Civil e artigo 25.°, n.° 1, da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro. Nessa medida, ao abrigo do artigo 25.° e 28.° do citado diploma, e do artigo 180 ° do Código do Procedimento Administrativo, está o Município P…, enquanto locador da casa, legitimado a resolver o contrato de arrendamento apoiado e a promover a sua desocupação. Assim, com os fundamentos acima enunciados e em conformidade com as competências delegadas pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal P… ao abrigo do Despacho n.° 1/220038/17/CMP de 3 de julho, averbada no Boletim Municipal n.°4239 de 18 de julho de 2017, e nos termos do disposto no artigo 35.°, n.° 2, alínea h), da lei 75/2013, de 12 de setembro, notifica-se V. (s) Ex.a(s) da decisão de resolução do arrendamento apoiado correspondente à casa x1, da entrada xx9, do bloco x, da Rua Fo..., F..., com os fundamentos supra descritos.
Mais ficam os ocupantes e demais interessados notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.°, conjugado com o artigo 28.° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, de que, tornando-se a decisão definitiva, disporão de um prazo de 90 dias para desocupar e entregar a habitação livre de pessoas e bens, devendo aquela determinação ser voluntariamente cumprida por todos aqueles que ocupam a casa. Se subsistir a carência habitacional daqueles que ocupam a casa, estes deverão procurar alternativa habitacional junto do mercado privado de arrendamento ou deverão contactar as entidades assistenciais competentes, nomeadamente os serviços da Segurança Social ou entidades equiparadas, a fim de avaliarem as respostas sociais desses serviços que comportem a prestação de apoios habitacionais. Caso não ocorra a desocupação e entrega da habitação nos termos e no prazo determinado, ordenar-se-á e executar-se-á o respetivo despejo administrativo, com recurso às autoridades policiais, podendo, no dia da tomada de posse, ser ativada a Linha Nacional de Emergência Social, pelo número 144. Se necessário, serão removidos todos os bens que constituem o recheio do fogo habitacional e se encontrem em estado que permitam o seu transporte e armazenamento, os quais, se no prazo de 60 dias de calendário não forem reclamados pelo respetivo proprietário, consideram-se abandonados a favor do senhorio que deles pode dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
Mais determino que se informe que todos os bens que se encontram na habitação e que não sejam voluntária e tempestivamente removidos pelos respetivos proprietários, serão arrolados, removidos e depositados (no caso em que os mesmos permitam o seu transporte e armazenamento) em armazém designado para o efeito, onde poderão ser levantados pelos seus proprietários, no prazo de 60 dias de calendário, mediante o pagamento da taxa a que houver lugar, de tudo se informando os interessados.
Se cumprido o prazo de 60 dias de calendário desde a data do respetivo armazenamento os interessados não procederem à reclamação da restituição das coisas, os bens consideram-se abandonados e perdidos a favor do Município P…, que os adquirirá e deles poderá livremente dispor, nos termos do disposto no artigo 28.°, n.° 5 da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro (…)” - cfr. doc. de fls. 202 e ss. do p.a..
(…)”
*
III.2 - DO DIREITO
A Recorrente pediu ao tribunal a quo a declaração de ilegalidade, por nulidade ou anulabilidade, do despacho de 01.08.2017 do Diretor Municipal da Presidência da Câmara Municipal P… [e Presidente do Conselho de Administração da DomusSocial, EM] de resolução do arrendamento apoiado celebrado entre a Recorrente a CMP relativo à habitação social sita na Rua Fo..., bloco x, Entrada xx9, casa x1, P….
Todavia, o T.A.F. do Porto julgou esta ação improcedente, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.
Fê-lo com a seguinte fundamentação jurídica:
“(…)
Nos presentes autos vem requerida a anulação do despacho de 1.8.2017 do Diretor Municipal da Presidência da Camara Municipal P… e Presidente do Conselho de Administração da DomusSocial, EM de resolução do contrato de arrendamento apoiado celebrado entre a Requerente e a CMP relativo à habitação social sita na Rua Fo..., bloco x, Entrada xx9, casa x1, P….
Alega, para tanto, a autora, que a resolução do contrato de arrendamento se funda numa pretensa e alegada utilização do locado contrária à lei, aos bons costumes e ordem pública, alicerçando-se no conteúdo do Acórdão proferido no processo 108/10.4PEPRT pelo Tribunal Judicial da 3.a Vara Criminal do Porto, mas que nada teve a ver com os factos descritos e provados naqueles autos, não tendo aí sido constituída arguida, nunca tendo praticado qualquer dos factos ou dedicado à atividade de tráfico de estupefacientes, ou consentiu ou sequer teve conhecimento de que tal prática tenha ocorrido no seu lar, por familiar ou amigo.
Assim, ao resolver o contrato por tal motivo põe-se em causa o seu direito à habitação. Na realidade foi o seu filho que, pelo menos desde 2013 apenas ocasionalmente pernoita naquela habitação, quem naqueles autos foi condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes em pena de prisão de 2 anos e 6 meses suspensa na sua execução.
Alega que é inconstitucional a interpretação do art. 25.°, n.° 1 da Lei 82/2014, quando conjugada com a al. b) do n.° 2 do art. 1083.° do CC, no sentido de que o comportamento ilícito de um dos ocupantes ocasionais se comunica aos demais, ainda que estes últimos não tenham conhecimento ou participação nos factos ilícitos por este praticados, por violação dos princípios da intransmissibilidade das penas (art030.°, n.°3 da CRP) e a presunção de inocência (art032.°, n.°2 da CRP).
Mais a mais, considerando que o Réu teve conhecimento do Ac. condenatório em julho/agosto de 2015, tendo sido o projeto de decisão notificado em 20.3.2017 e a decisão em 10.8.2017, naturalmente que o direito de resolução do arrendamento já caducou (art. 1085.°, n.° 1 do CC).
Vejamos, pois.
A Autora imputa ao ato, essencialmente, os vícios de erro nos pressupostos, violação de lei resultante da inconstitucionalidade da interpretação do art. 25.°, n.° 1 da Lei 82/2014, quando conjugada com a al. b) do n.° 2 do art. 1083.° do CC por violação dos princípios da intransmissibilidade das penas (art.° 30.°, n.° 3 da CRP) e a presunção de inocência (art° 32.°, n.° 2 da CRP) e a caducidade do direito de resolução do arrendamento.
Vejamos se é provável a procedência da ação com tais fundamentos.
Nos termos conjugados do art. 25.°, n.° 1 da Lei 81/2014 e 1083.°, n.° 2, al. b) do CC constitui causa de resolução do contrato de arrendamento “a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”.
Como decorre do Acórdão, já transitado em julgado, proferido no processo 108/10.4BEPRT ficou provado - ao contrário do que alega a Autora - que o filho desta, FMAG, utilizava a residência onde habitava e que era o locado em causa nestes autos ( bloco x, Entrada xx9, casa x1, Bairro de F..., P…) para armazenar e guardar os estupefacientes, que depois transportava, entregava e vendia, tendo sido consequentemente condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes.
Ou seja, reconhecendo-se que não é a Autora a autora material da prática de tal crime, o certo é que o seu filho, uma das pessoas que o habitava e que se encontrava autorizado a habitar, importando atentar que não se vislumbra da lei que esta exija que o agente da utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública seja, apenas e só, o arrendatário, antes abrangendo quem com ele nele habite, pois o que releva é a situação objetiva de “utilização do locado de forma contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”.
Daí que tendo ocorrido uma prática reiterada no armazenamento de estupefacientes no locado, tal comportamento afigura-se-nos que constitui, à luz do art. 1083.°, n.° 2, al. b) do CC, fundamento bastante para a resolução do contrato de arrendamento apoiado em causa, por parte do senhorio.
Por outro lado, não se vislumbra que tal interpretação dos normativos citados viole o princípio da presunção da inocência (artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa) ou da intransmissibilidade da responsabilidade criminal (artigo 30.°, n.° 3 da CRP), porquanto em momento algum se imputou à Autora a autoria de qualquer ilícito criminal do qual a mesma tivesse sido penalmente responsabilizada. E quanto ao seu filho foi este já condenado por decisão penal transitada em julgado na qual se deu como provado que usava o locado para o tráfico de droga, não beneficiando de qualquer presunção de inocência.
Também não se afigura procedente a invocada caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento, porquanto como se escreveu no Ac. de 4.3.2016, P. 02178/15.0BEPRT, '“para o arrendamento apoiado ou condicionado, administrativo, o n.° 3 do artigo 25° da Lei n° 81/2014, de 19.12 estipula que não caduca o direito “à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”.
Esta diferença de regimes só se compreende face aos interesses públicos subjacentes ao arrendamento apoiado.
Sendo o número de casas disponíveis para o arrendamento apoiado necessariamente limitado e com custos para o erário público, há que estabelecer regras mais apertadas na concessão desse apoio social.
[…]
E preterindo o inquilino que usou o locado para fins ilícitos em detrimento de candidato que o pretenda vir a habitar.
Está aqui em causa não o direito à habitação com apoio social por parte do inquilino atual em termos isolados e absolutos, mas também o direito à habitação por parte de candidatos que ainda não o têm, num contexto social de carência de meios financeiros públicos e aumento do número de pessoas com dificuldade em arranjar habitação condigna.”
Ou seja, a lei não prevê a caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento apoiado, pelo que ainda que se reputasse ultrapassado o prazo previsto no art. 1085.°, n.° 1 do CC, segundo o qual “A resolução deve ser efetivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade”, não opera, in casu, a caducidade.
Aqui chegados, improcedentes que são os vícios que a Autora assaca à decisão em crise, cumpre julgar totalmente improcedente a presente ação e, consequentemente, absolver o Réu do peticionado.
(…)”.
Desta fundamentação jurídica discorda a Recorrente que lhe imputa erro de julgamento de direito.
Isto porquanto entende que:
(i) ao estender-se a prática de certos comportamentos de outros ao titular do arrendamento apoiado para resolvê-lo e ao não reconhecer a prevalência do direito de habitação da Recorrente sobre o locado e da prevalência do mesmo sobre o direito de outros candidatos ao mesmo locado, (a) belisca-se o princípio constitucional do direito à habitação, previsto e consagrado no artigo 65.° n.° 1 da C.R.P; (b) valida-se uma atuação integrável no instituto jurídico do abuso de direito, previsto no artigo 334.° do CC; e (c) põe-se em causa os princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência, previstos nos artigos 30.° n.° 3 e 32.° n.° 2 da C.R.P.
(ii) A sentença recorrida errou ao não reconhecer a caducidade do direito de resolução do arrendamento e ao não aplicar o regime da nulidade ou da anulação dos atos administrativos.
Vejamos.
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado pela lei adjetiva e pela jurisprudência que o âmbito do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Ora, analisada a argumentação da Recorrente, facilmente se constata que se limita a reiterar a posição sustentada na ação e já enfrentada, em toda a linha, pelo Tribunal a quo, de forma que pouco mais a acrescentar.
Na verdade, resulta da sentença supra transcrita que o Senhor Juiz a quo apreciou os elementos carreados para os autos tendo concluído, fundada e acertadamente, pela inexistência de vícios quanto ao ato impugnado.
Como ressalta cristalinamente da sentença, o uso do locado para o tráfico de droga, como ficou provado na decisão criminal certificada nos autos - confirmando os pressupostos de facto do ato de resolução do contrato de arrendamento - constitui um dos fundamentos possíveis de resolução do contrato de arrendamento apoiado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.º 2, e 39º, n.º2, da Lei n.º 81/2014, de 19.12 e artigo 1083.º, n.ºs 2, alínea b), e 3, do Código Civil.
Não se trata aqui de “estender-se” o comportamento de outros ao titular do arrendamento social ou imputar à Recorrente à prática de qualquer ilícito penal alheio, ademais e especialmente, do qual a mesma já tivesse sido pessoalmente responsabilizada, mas antes de corroborar-se o entendimento - apoiado nos preceitos legais supra citados - de que os titulares do arrendamento não podem, por si ou interposta pessoa, permitir uma utilização do fogo social contrária aos bons costumes ou à ordem pública, aqui incluindo-se a situação de uso indevido da habitação social por parte dos demais elementos do agregado familiar do titular do arrendamento social.
O que serve para concluir que inexiste qualquer afetação do princípio da intransmissibilidade das penas, nesta esteira mostrando-se, assim, bem realizado o julgamento realizado pelo Tribunal em quo no domínio em análise.
Quanto ao princípio da presunção da inocência, como bem salientou o Sr. Juiz a quo, este vigora apenas até ao trânsito em julgado da decisão condenatória.
No caso concreto, temos que, em sede judicial, foi dado como provado que o filho da arrendatária permitiu, pois, que dentro do prédio e na habitação que foi atribuída, fosse usada para o tráfico de droga, nomeadamente para armazenamento do grosso do estupefaciente que se destinava à venda.
Nenhuma dúvida, portanto, subsiste que a realidade que se vem de referir, efetivamente, ocorreu, não beneficiando, por isso, como se decidiu na sentença recorrida, aquele de qualquer presunção de inocência.
E no tange à alegada caducidade do direito à resolução do arrendamento, o Tribunal a quo mais não fez do que acolher na sentença recorrida aquilo que foi já afirmado reiteradamente por este Tribunal Superior no sentido de que a caducidade não opera do domínio do direito à resolução do contrato de arrendamento apoiado.
Neste sentido, podem ver-se, de entre outros, os seguintes Acórdãos:
- deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.03.2016, tirado no processo nº. 02178/15.0BEPRT:” (…) Já para o arrendamento apoiado ou condicionado, administrativo, o n.º 3 do artigo 25º da Lei nº 81/2014, de 19.12 estipula que não caduca o direito “à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou (…)”
- deste Tribunal Central Administrativo Norte 25.01.2019, tirado no processo nº. 02681/17.7BEPRT: “(…) Como acima se referiu, para o arrendamento apoiado ou condicionado, administrativo, o n.º 3 do artigo 25º da Lei nº 81/2014, de 19.12 estipula que não caduca o direito “à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”(…)”.
Improcedem, portanto, a conclusão vertida na alínea e) das alegações de recurso em análise.
No demais invocado, saliente-se que, não tendo sido assacada eventual omissão de pronuncia à sentença recorrida, não são aceitáveis as conclusões formuladas pela Recorrente nas alíneas a), c) e f) das suas alegações de recurso no sentido da (i) violação do princípio constitucional do direito à habitação consagrado no artigo 65º, nº. 1 da C.R.P.; (ii) da validação de uma atuação integrável no instituto jurídico do abuso de direito e (iii) da aplicabilidade do regime da nulidade ou da anulação dos atos administrativos, por se tratarem de questões não dirimidas na sentença recorrida, e, qua tale, excluídas da “objeto confesso” do presente recurso.
Efetivamente, consubstanciando as referidas alegações “questões novas”, apenas tratadas em sede de Recurso, não tendo sido invocada nem tratada anteriormente, nunca as mesmas teriam a virtualidade de se mostrar procedentes.
Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste T.C.A.N nº 613/17.1BEBRG, de 04.10.2017 “A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas. Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram (…)”.
No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1.
Assim sendo, constituindo a matéria que se vem de referir, inquestionavelmente, questões novas, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.
Deste modo, e à luz de tudo o quanto supra se expôs, é mandatório concluir pela improcedência dos erros de julgamento de direito imputados à decisão recorrida.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* * *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e manter a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
Porto, 28 de junho de 2019
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco