Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00082/22.4BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NOTÁRIOS; PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
LEGITIMIDADE;
LIMITE DE IDADE PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES; ALÍNEA B) DO ARTIGO 41. ° E NO ARTIGO 43. ° DO ESTATUTO DO NOTARIADO;
Sumário:1. Carece de legitimidade passiva, numa providência cautelar movida por um notário contra a Ordem dos Notários para obter a autorização provisória para prosseguir o exercício da profissão depois de atingir o limite de idade de 70 anos, uma notária nomeada transitoriamente para assegurar a substituição temporária da licença de instalação do Cartório Notarial até aí titulada por aqueloutro notário.

2. O disposto no n.º 4 do artigo 143º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de atribuição de efeito devolutivo ao recurso não tem aplicação ao caso em que não foi atribuído ao recurso um efeito diverso do previsto na lei, mas antes fixado o regime legal.

3. Constitui um despacho interlocutório, passível de ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do artigo 142º, nº 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o despacho em que se afirma que o processo contém já os elementos necessários, sem necessidade de maiores indagações ou de realização de diligências de prova adicionais, para conhecer do mérito da acção.

4. Não viola a liberdade de escolha de profissão, nem o direito à iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas e nem o princípio da igualdade, por comparação com as profissões de advogado e de solicitador, a norma que impõe como limite de idade para o exercício da função de notário a idade de 70 anos, dado esta, ao contrário daquelas, não ser uma actividade ou profissão estritamente liberal.

5. Existe uma justificação objectiva e razoável para impor aos notários este limite de idade previsto na alínea b) do artigo 41. ° e no artigo 43. ° do Estatuto do Notariado, para o exercício de funções de notário: a norma constante do artigo 6º, nº 2, do Estatuto do Notariado, que fixa um limite de notários em atividade por distrito, com um total nacional de 543 notários.

6. Se não existisse limite de idade para o exercício da função de notário, a possibilidade de exercer essa actividade por parte de quem quisesse ingressar ficaria dependente não da sua vontade e mérito, mas apenas da vontade de os que excederam os 70 anos quererem cessar a actividade.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Abstenção duma Conduta (CPTA) - Recurso jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

AA veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 10.01.2023, pela qual foi julgada improcedente a providência cautelar que intentou contra a Ordem dos Notários com vista a obter o decretamento da providência cautelar de autorização provisória para prosseguir o exercício da profissão de notário depois de atingir o limite de idade de 70 anos e, subsidiariamente, para intimação da Requerida para a abstenção de uma conduta por violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional.

Solicitou a fixação de efeito suspensivo ao recurso face aos prejuízos consideráveis que decorrem para a Recorrente em virtude do levantamento da providência decretada provisoriamente.

Quanto ao recurso em si invocou, em síntese, que: verifica-se uma nulidade processual por preterição de prova testemunhal requerida; a sentença é nula por violação das regras substantivas de direito probatório; ´eé nula por “vários e manifestos casos” de falta de fundamentação de facto e de direito e que, em todo o caso, errou na apreciação e aplicação do Direito ao caso concreto.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida; requereu ainda a ampliação do objecto do recurso com vista à revogação da decisão recorrida na parte em que jugou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, dada a falta de intervenção nos autos de Contrainteressada a quem a procedência da providência pode prejudicar.

O Recorrente pronunciou-se sobre a ampliação do recurso pugnando pela respectiva improcedência.

Foi proferido despacho de sustentação, a negar a existência de qualquer nulidade e em que foi fixado o efeito devolutivo ao recurso, nos termos previstos nas disposições combinadas dos artigos 1º, 143.º, n.º 2, alínea b), e 145.º, n.º 1, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e do artigo 645.º, n.º 1, alínea a), do Código e Processo Civil.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. Deverá ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do n.° 4 do artigo 143.° do CPTA, dado os prejuízos consideráveis para o Recorrente que decorrem do levantamento da providência decretada provisoriamente.

II. Considerando o propósito do Recorrente, e todo o circunstancialismo fáctico que se lhe encontra adstrito, da mesma forma que a sua pretensão não se compadece da delonga na prolação de decisão definitiva em sede de causa principal - a qual poderá só vir a ser proferida no prazo de 6 a 10 anos, o mesmo se dirá da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso ora interposto, na medida em que impedirá o Recorrente de se manter no exercício da profissão na pendência da causa principal, com todas as consequências daí advenientes.

III. Permitindo-se que ao Recorrente seja imposto o limite de idade para o exercício da profissão na pendência do processo cautelar – acarretando a inibição de desenvolvimento da mesma –, a mesma redundará, inelutavelmente, na constituição de uma situação de facto consumado, da qual o Recorrente não poderá, de forma alguma, recuperar.

IV. Significa isto que o Recorrente deverá manter o seu cartório desmantelado - tendo-lhe já sido imposta essa determinação -, com a inerente cessação dos vínculos laborais dos seus colaboradores, a impossibilidade de acesso ao seu arquivo e a perda de clientela - tudo consequências naturais e evidentes da cessação coativa da atividade, mas nem por isso menos gravosas.

V. O mesmo é dizer que, na eventualidade de o Recorrente obter ganho de causa em sede de ação principal - e mesmo em sede de ação cautelar -, os efeitos adversos que se pretendia obviar com o decretamento provisório da providência cautelar já se terão produzido, limitando inexoravelmente a capacidade do Recorrente de desenvolver a atividade.

VI. Por outro lado, numa hipotética situação em que o Recorrente reiniciasse as suas funções apenas após a proferição de decisão favorável em sede cautelar – não se equacionando sequer, neste âmbito, os prazos estimados para a obtenção de uma decisão definitiva em sede de causa principal – decerto aquela deparar-se-ia com a ausência de clientela, outrora fidelizada, que entretanto, e em face das necessidades sentidas, já terá procurado a prestação dos serviços outrora assegurados pelo Recorrente por parte de outro Notário.

VII. Como é bom de ver, a credibilidade e bom nome do Recorrente ficariam comprometidos, já que sempre existiria o sentimento de desconfiança dos clientes face ao seu afastamento compulsivo.

VIII. Além disso, tenhamos presente que não seria certo – mesmo com ganho de causa – que o Recorrente retomasse as suas funções, já que o arquivo do seu Cartório Notarial já teria sido redistribuído a outro Notário em funções e o seu lugar estaria já certamente comprometido, atendendo à substituição operada após cessação de atividade por um Notário.

IX. Pelo que, nesta perspetiva, em face das concretas circunstâncias do caso, dúvidas não restam de que, in casu, se encontra demonstrada a necessidade imperiosa de atribuição de efeito suspensivo ao recurso ou, no limite, a essencialidade da adoção de providências adequadas a acautelar a evitar ou minorar os danos decorrentes da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso interposto.

ISTO POSTO:

X. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, notificada ao Recorrente em 11.01.2023, que julgou improcedente o presente processo cautelar, absolvendo a Recorrida do pedido.

XI. Em primeiro lugar, de referir que, com o fito de demonstrar os factos alegados no seu Requerimento Inicial, o Recorrente juntou com o seu articulado documentos, arrolando três testemunhas que, ao longo das últimas décadas, têm acompanhado de perto a evolução do estatuto do Notariado: Dr. BB, Dra. CC e Dr. DD – testemunhas cujo depoimento foi prescindido pelo Tribunal a quo.

XII. No caso sub judice, não logrou o Tribunal a quo fundamentar de forma expressa a decisão de indeferimento do requerimento de prova testemunhal apresentada pelo Recorrente, ao invés decidindo, desde logo e sem mais, que se encontrava na disposição de elementos suficientes para a decisão da causa.

XIII. A preterição da produção da prova testemunhal requerida consubstancia assim uma nulidade do processo, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 195.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.

XIV. Aqui chegados, e à guisa de conclusão, dúvidas não restam de que a sentença recorrida padece de nulidade, pelo que deverá esta ser declarada por violação das regras substantivas de direito probatório.

XV. Sem prejuízo do que se mencionou, a sentença proferida é também ela nula por aplicação do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, na medida em que são vários e manifestos os casos de completa ausência da especificação dos fundamentos de facto e de Direito subjacentes à decisão proferida.

XVI. No que respeitante à alegada violação do princípio da igualdade, o Tribunal a quo é manifestamente lacónico na alegada fundamentação da decisão proferida – não especifica que prerrogativas são atribuídas ao Notário “que o farão participar da autoridade pública”, o que entende por “profissão liberal em sentido próprio” – e o porquê de a profissão de Notário não se integrar naquela categoria –, nem, por fim o que entende por oficial público.

XVII. O Tribunal a quo estriba-se em acórdão do TJUE, aplicando, de forma desgarrada e sem qualquer ligação ao caso concreto, os critérios a que aquele faz referência.

XVIII. No fundo, o Tribunal a quo defende que “a imposição de idade não viola nenhum princípio constitucional” – sendo essa a sua decisão a propósito do vício invocado –, não logrando, contudo, especificar os fundamentos que a justificam, quedando-se por referências abstratas a uma série de critérios que careciam, mesmo que perfuntoriamente, de concretização e densificação.

XIX. Pelo que, em face do exposto, evidencia-se uma situação de nulidade da sentença, em
virtude de o Tribunal a quo não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a qual deverá ser declarada, com todos os legais efeitos.

XX. Ademais, a sentença recorrida padece ainda de flagrante erro de julgamento de Direito.

XXI. No que à violação do princípio da igualdade, tal qual se encontra consagrado no artigo 13.º da CRP, diz respeito, assenta a mesma, nos termos que foram alvo de detida e cuidada análise em sede de Requerimento Inicial, no facto de aos Notários – enquanto profissionais liberais ao abrigo do EN – ser dispensado tratamento distinto daquele que é assegurado a outros profissionais liberais aos quais é permitida a prática de atos notariais inicialmente cometidos, em exclusividade, àqueles primeiros.

XXII. A transição de competências do âmbito reservado à classe notarial para a praça, tanto de outros profissionais liberais, como para os serviços simplificadores da Administração, desacompanhada de equivalentes restrições no que diz respeito ao acesso e exercício da profissão e das funções correspondentes não poderá senão configurar-se como flagrantemente atentatória do princípio da igualdade.

XXIII. Não adere, contudo, o Tribunal a quo a tal entendimento, considerando, depois de absorto excurso a propósito do princípio da igualdade, que não parece que haja violação deste princípio, uma vez que, não se está perante uma profissão liberal no sentido propriamente dito.

XXIV. Dedicando breves parágrafos à análise da violação do princípio da igualdade invocada pelo Recorrente, o Tribunal a quo parece ancorar – como seria de esperar – a parca fundamentação subjacente à decisão proferida na natureza perfuntória da análise a realizar, sendo que o facto de o juízo a formular ser necessariamente perfuntório não significa – nem legitima – que a fundamentação da sentença prolatada em sede cautelar seja lacónica.

XXV. Entendendo-se que o Notário é, nos termos do n.° 2 do artigo 1.° do EN, um oficial público porque “confere autenticidade aos documentos e assegura o seu arquivamento”, serão também oficiais públicos os demais profissionais liberais a quem vieram, posteriormente, a ser atribuídas competências para o reconhecimento de assinaturas, autenticação de documentos e certificações – conforme resulta, de forma paradigmática, do n.° 2 do artigo 38.° da Lei n.° 76-A/2006, de 29 de março.

XXVI. É este aspeto que o Tribunal a quo falha em compreender, atendo-se à assimilação do teor do EN de forma estática e anacrónica – tal qual este havia sido introduzido em 2004, olvidando, contudo, as providências legislativas adotadas em momento posterior e ao abrigo das quais foi sendo aberto o âmbito de exercício de funções notariais a outros profissionais liberais, como advogados e solicitadores.

XXVII. Passando a ser permitido, em virtude de sucessivas alterações e inovações legislativas, a profissionais liberais como advogados e solicitadores praticar atos primitivamente notariais, sendo aos atos praticados por aqueles conferida “a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial” (realce nosso), vai implícita a equiparação da atuação de uns e outros, sem que, contudo, uns e outros se encontrem submetidos ao mesmo controlo estadual, a que faz referência o EN, nem, como se demonstrou já à saciedade, aos mesmos limites de idade no que tange com o exercício da profissão.

XXVIII. Em face do exposto, não procederá o entendimento de que se trata de “profissões que são substancialmente desiguais”.

XXIX. Torna-se, evidente, ante o exposto, que a previsão normativa constante da alínea b) do artigo 41.° e do artigo 43.° do EN é manifestamente arbitrária, quando cotejada quando o regime previsto para o exercício de outras profissões liberais às quais são concedidas prerrogativas para a prática de atos anteriormente próprios da atividade notarial.

XXX. Pelo que soçobra, nesta sede, a argumentação expendida pelo Tribunal a quo, na medida em que sanciona, em termos que não merece acolhimento, o tratamento desigual de Notários e outros profissionais liberais a quem é permitida a prática de atos notariais,

XXXI. Sendo clara a violação do artigo 13.° da CRP, nos termos da exposição realizada, decorrente da imposição de um limite de idade à profissão de Notário conforme previsto na alínea b) do artigo 41.° e no artigo 43.° do EN, pelo que deverão os preceitos referidos, com base nos argumentos expostos, ser julgados materialmente inconstitucionais.

XXXII. Acresce que, também no âmbito da alegação de violação da liberdade de escolha de profissão do Recorrente, merece também censura o entendimento veiculado pelo Tribunal a quo, ao assimilar a profissão de Notário – com base, presume-se, na referência feita no EN ao conceito de oficial público – aos “demais trabalhadores em funções públicas (...) o que não parece ser materialmente inconstitucional”.

XXXIII. Sucede, porém, que a profissão de Notário não tem natureza pública, ao invés do que assevera o Tribunal a quo, não sendo o Notário, como tal, funcionário público – o que o EN refere, de resto, é que função notarial é de natureza pública, não a profissão de Notário, sendo a natureza pública e privada daquela função incindível.

XXXIV. Ademais, o Tribunal a quo refere que as profissões de advogado e solicitador têm caráter “totalmente privado”, acrescentando que “Os advogados e solicitadores inscrevem-se numa Ordem e têm que realizar o estágio segundo as regras existentes nos estatutos”, olvidando – ou ignorando –que o mesmo ocorre precisamente com a profissão de Notário, para o exercício da qual é necessária a inscrição na Ordem dos Notários e a conclusão de estágio notarial, tudo nos termos do EN.

XXXV. Acrescenta ainda o Tribunal a quo que “Para exercer a profissão de Notário, a pessoa tem de concorrer através de um concurso público, sob a alçada do Estado, tendo regras próprias e fiscalização de caráter público, ao contrário dos advogados e solicitadores”, desconsiderando que advogados e solicitadores se integram igualmente nas respetivas Ordens, associações públicas profissionais definidas, nos termos do artigo 2.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro, como “entidades públicas de estrutura associativa representativas de profissões que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido” (realce nosso).

XXXVI. No demais, a decisão recorrida estriba-se numa questão de pura semântica para abalar o valor da referência feita pelo Recorrente ao Estatuto do Administrador Judicial, da qual se pretendia extrair, única e precisamente, que, sem prejuízo de ser um misto de profissional liberal e de funcionário público, servidor da justiça e do direito, o Administrador Judicial não se encontra submetido ao limite de idade previsto para o exercício da profissão de Notário - o que causa tanto mais perplexidade se se considerar que os motivos subjacentes à previsão daquele limite de idade para o exercício da profissão de Notário resultam, alegadamente, da necessidade de controlo por parte do Estado do exercício de uma função intimamente ligada à justiça e ao direito, exigindo-se, como tal, e em face da sensibilidade e preponderância dos interesses em presença, que àqueles seja imposto um limite de idade para o exercício da profissão.

XXXVII. Do mesmo passo, contudo, e sem prejuízo de serem considerados também servidores da justiça e do direito, aos Administradores Judiciais é permitido iniciar o exercício das correspondentes funções depois de completados 70 anos de idade.

XXXVIII. Perde, nestes termos, qualquer sentido a imposição de um limite de idade ao exercício da profissão – indelevelmente configurado como limitação à liberdade de escolha de profissão –, cujo intento primacial seria, cremos, o de permitir a sucessiva renovação dos profissionais que integram a classe notarial, pois que aquele não acautela qualquer interesse público que não tenha sido já desvirtuado e esvaziado em face das sucessivas decisões político-legislativas tomadas.

XXXIX. O que, para além de configurar violação do princípio da igualdade, nos termos que supra se expôs, traduz-se igualmente em limitação inconstitucional da liberdade de escolha de profissão, na medida em que o interesse público que pudesse, eventualmente, justificá-la, deixou de se verificar.

XL. Em observância do qual facilmente se constatará que a imposição de um limite de idade ao exercício da profissão de Notário – e não, atente-se, ao exercício de funções notariais – é uma medida completamente desfasada da realidade, sendo evidente o seu anacronismo quando cotejado com o regime de outras funções servidoras da justiça e do Direito.

XLI. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao decidir que a alínea b) do artigo 41.° e o artigo 43.° do EN não são inconstitucionais, sendo inequívocos os termos em que os mesmos configuram uma restrição inconstitucional, irrazoável, infundada e desnecessária, à liberdade de profissão do Recorrente, deverão a alínea b) do artigo 41.° e o artigo 43.° do EN ser, em consequência, julgados materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no n.° 1 do artigo 47.° da CRP.

XLII. Destarte, partindo-se do pressuposto axiomático de que a profissão de Notário é, ao contrário do propalado pelo Tribunal a quo, uma verdadeira profissão liberal em regime privado, caberá, agora, refutar os termos da decisão recorrida no que tange com a invocada violação do direito à iniciativa e económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas, tal qual se encontram previstos no n.° 1 do artigo 61.°, na alínea f) do artigo 81.° e nas alíneas a) e c) do artigo 99.°, todos da CRP.

XLIII. Considera o Tribunal a quo que não se verificam quaisquer das práticas de distorção concorrencial a que o Recorrente faz referência no seu Requerimento Inicial pelo simples motivo de aos Notários ser reservado, sem prejuízo da abertura do volume mais significativo da função notarial a outras profissões liberais e a serviços estatais, o exercício de determinados atos, os quais elenca - isto, note-se, sem prejuízo de o próprio julgador admitir que não obstante alguns atos apenas poderem ser praticados por Notários, outros podem ser “praticados por outros agentes económicos”.

XLIV. O facto de determinados atos permanecerem circunscritos ao âmbito de exclusividade da profissão de Notário não permite, per se, concluir pela inexistência de práticas de distorção comercial, sendo o raciocínio lógico realizado na sentença recorrida desprovido de qualquer sentido.

XLV. O Tribunal a quo refere os testamentos, as justificações notariais, as habilitações de herdeiros e os processos de inventário – funções reservadas exclusivamente a Notários –, omitindo, contudo, a elaboração e autenticação de todos os contratos que só os Notários outorgavam, designadamente compras e vendas, doações, partilhas, empréstimos, hipotecas, dações em cumprimento, divisões de coisa comum, permutas, cessões de quotas, aumentos de capital, constituições de sociedades e os demais contratos que, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 76-A/2006, passaram a poder ser realizados por advogados e solicitadores, sendo conferida aos respetivos atos “a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial” (realce nosso).

XLVI. Assim, restam como atos da exclusiva competência dos Notários os testamentos, os quais, nos últimos dez anos, representam 1,5% da totalidade dos atos notariais praticados a nível nacional.

XLVII. A partir do momento em que estes atos, previamente competência exclusiva dos Notários, passaram a poder ser realizados por outros profissionais liberais e assegurados por serviços estatais, em condições manifestamente mais favoráveis do que aquelas permitidas aos Notários, evidente se tornou a existência de práticas de distorção concorrencial, de que é mero exemplo a imposição de um limite de idade ao exercício da profissão.

XLVIII. É que, analisada em rigor a questão sub judice, dúvidas não restam de que a imposição de um limite de idade ao exercício da profissão e Notário é inconstitucional, conforme melhor se aplanou em sede de Requerimento Inicial.

XLIX. À medida que foi paulatinamente absorvendo e, simultaneamente, redistribuindo a competência para a concretização de atos inicialmente cometidos exclusivamente à classe notarial, o Estado não só atingiu o âmago do notariado ao integrá-lo – contra vontade – num mercado “concorrencial” com outros profissionais liberais não sujeitos ao mesmo escrutínio funcional, às restrições impostas ao exercício da sua atividade, e até aos mesmos impostos, como se assumiu, ele próprio, como entidade concorrente ao, adotando um conjunto de atos normativos e administrativos inseridos no âmbito de concretização de uma política de desburocratização e modernização da Administração Pública – o Programa SIMPLEX – passar a prestar serviços realizados por Notários privados em condições mais vantajosas – até a nível de não pagamento de impostos (IVA que não cobra) – e anunciadas como tal,

L. Assim criando uma desigualdade gritante e injusta, concretizada, entre outras medidas, na não sujeição ao pagamento de IVA dos atos notariais praticados nas ... e Civil, imposto este a que os Notários sempre estiveram e estão sujeitos, permitindo, logo à cabeça, que se venha manifestando uma desigualdade de custos entre os atos praticados por estas entidades e os praticados pelos notários.

LI. Há um total arbítrio do Estado, pois que o critério escolhido pelo legislador não encontra uma justificação razoável e suficiente para tal, sendo certo, de todo o modo, que a efetivação da leal concorrência constitui uma incumbência prioritária do Estado [artigos 81.°, alínea f), e 99.°, alíneas a) e c)] e um imperativo constitucional.

LII. Tal circunstância consubstancia um óbvio e notório atentado ao princípio da igualdade, da liberdade de escolha de profissão, da iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas, previstos, respetivamente, nos artigos 13.°, 47.°, n.° 1, 61.°, n.° 1 e 81.°, alínea f) da Constituição da República Portuguesa (CRP).

LIII. Com o que, sem necessidade de ulteriores considerações, se evidencia o emprego de práticas de distorção concorrencial por parte do Estado, as quais consubstanciam, sem que haja margem para dúvidas, violação, não só da alínea f) do artigo 81.°, mas também das alíneas a) e c) do artigo 99.° da CRP.

LIV. A imposição de um limite de idade ao exercício da profissão de Notário configura apenas mais restrição à iniciativa económica privada e à livre e equilibrada concorrência entre agentes económicos, sendo outrossim sintoma e refração semiautonomizável da violação do princípio da igualdade.

LV. Pelo que fenecerá também a este propósito a decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo a alínea b) do artigo 41.° e o artigo 43.° do EN ser julgados materialmente inconstitucionais por violação do direito à iniciativa económica privada e à equilibrada concorrência entre empresas, previstos no n.° 1 do artigo 61.°, na alínea f) do artigo 81.° e nas alíneas a) e c) do artigo 99.°, todos da CRP.

LVI. Aqui chegados, comprovado que fica o preenchimento do requisito fumus boni iuris, e demonstrados que haviam ficado, em sede de Requerimento Inicial, os requisitos de periculum in mora e de ponderação de interesses, deverá a sentença recorrida ser revogada e a providência cautelar requerida pelo Recorrente ser decretada.


Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão de não decretamento da providência requerida.

Assim se fazendo Justiça!

I.II. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto da ampliação do recurso:

I. O único segmento decisório com a qual a Recorrida não se poderá conformar consiste na improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade por falta de indicação de Contrainteressado suscitada pela ora Recorrida, nos termos conjugados do disposto nos artigos 10º, nº 1, e 114º, nº 3, alínea d), do CPTA, pelo que, à cautela, se requer a ampliação do objeto do recurso, no sentido de abranger a aludida parte da douta sentença recorrida, à luz do disposto no artigo 636º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 140º, nº 3, do CPTA;

II. A Recorrida não pode sufragar o entendimento de que a Senhora Notária EE, que se encontra a substituir e assegurar temporariamente a licença vaga pelo ora Recorrente, só seria prejudicada com a eventual procedência cautelar e, consequentemente, só seria considerada titular de interesses contrapostos aos do Recorrente se fosse titular de uma licença de cartório notarial definitiva;

III. Ainda que a referida Senhora Notária se encontre a substituir e assegurar a licença a título temporário, é inequívoco que aquela detém um interesse económico, profissional e pessoal em substituir o ora Recorrente, mais concretamente, o proveito económico e financeiro que obtém pelo desempenho das suas funções naquele âmbito, bem como a aquisição de experiência profissional que se afigura imprescindível para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, permitindo a aquisição de conhecimentos, competências e valências necessários para o desempenho da profissão de Notário;

IV. Apesar do carácter tendencialmente temporário das substituições ora em causa, estas se prolongam, amiúde, por períodos consideráveis;

V. Desta forma, existindo um claro interesse da aludida Senhora Notária, que é suscetível de ser prejudicado pela procedência da providência cautelar requerida, aquela não poderá deixar de configurar como Contrainteressada nos presentes autos, nos termos conjugados do disposto nos artigos 10º, nº 1, e 114º, nº 3, alínea d), do CPTA;

VI. A falta de indicação da referida Senhora Notária como contrainteressada tem como consequência a improcedência da pretensão cautelar formulada pelo Requerente, ora Recorrente, com fundamento em ilegitimidade passiva e, por conseguinte, a absolvição da ora Recorrida da instância, como vem decidindo a jurisprudência dos Tribunais Administrativos

*
II – Matéria de excepção e questão prévia:

1. A ampliação do recurso: a legitimidade passiva; a existência de Contra-Interessada.

É dito na decisão recorrida a propósito desta excepção suscitada pela Requerida:

“No requerimento cautelar, o Requerente solicitou o decretamento da providência cautelar de autorização provisória para prosseguir o exercício da profissão de notário depois de atingir o limite de idade de 70 anos previsto na alínea b) do artigo 41.º e no artigo 43.º do Estatuto do Notariado e, subsidiariamente, da providência cautelar de intimação da Requerida para a abstenção de diligências tendentes à cessação da atividade notarial pelo Requerente, sem ter indicado quaisquer contrainteressados.

Conforme resulta do documento n.º ... junto aos autos com a oposição, a fls. 139-145 do SITAF, foi proferido, em 21.11.2022, despacho pelo Bastonário da Ordem dos Notários de concordância com a informação n.º ...22 elaborada por Jurista da Ordem dos Notários em 18.11.2022, no sentido da nomeação, para assegurar a substituição da licença de instalação do Cartório Notarial ... do Requerente, da Notária EE, por a mesma ser elegível para tal e ter sido a única Notária da bolsa que respondeu afirmativamente à substituição.

Decorre, ainda, do documento n.º ... da oposição que, por e-mail enviado em 21.11.2022, a Requerida notificou o despacho de nomeação à Notária EE e ao Requerente, após dispensa de audiência prévia.

Atenta a configuração da relação material controvertida feita no requerimento cautelar e tendo em conta que a mencionada Notária foi nomeada, antes de intentado o processo cautelar, para assegurar a substituição temporária da licença de instalação do Cartório Notarial ... do Requerente, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento n.º 60/2021, de 18 de janeiro, que alterou e republicou o Regulamento da Bolsa de Notários, e do artigo 48.º do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, não se vislumbra que a mesma seja contrainteressada.

Com efeito, e como salienta o Requerente no articulado de resposta à exceção, a Notária EE apenas seria contrainteressada no processo cautelar se lhe tivesse sido atribuída uma licença de instalação do Cartório Notarial por meio de concurso ao abrigo do Estatuto do Notariado, o que não aconteceu.

Assim sendo, constatando-se que a aludida Notária exerce funções a título transitório, não será prejudicada com a eventual procedência do processo cautelar, na medida em que não é titular de uma licença definitiva, pelo que, não tendo interesses contrapostos aos do Requerente, não poderá assumir a posição de contrainteressada.

Pelo exposto, improcede a exceção dilatória suscitada.”

Com acerto.

Os invocados interesses da Notária EE, económico, profissional e pessoal em substituir o ora Recorrente, não são incompatíveis antes perfeitamente compatíveis com o interesse do Requerente, em retomar o lugar que tinha vindo a ocupar a título definitivo.

E alegados prejuízos futuros resultam não da procedência da providência cautelar, mas da própria natureza provisória da sua nomeação.

A referida Notária foi só nomeada até o lugar ser ocupado por titular. O seu direito ao exercício de funções termina aí. Seja o lugar ocupado em resultado da procedência da presente providência ou não.

Termos em que se julga improcedente a ampliação do objecto do recurso.

2. O efeito do recurso.

Sobre este ponto é dito na decisão recorrida:

“O artigo 143.º do CPTA dispõe o seguinte:

“Artigo 143.º
Efeitos dos recursos

1 - Salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida.

2 - Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:

(…)

b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes; (…)

3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.

4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.

5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”.

Com efeito, os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares gozam de efeito meramente devolutivo (cfr. artigo 143.º, n.º 2, alínea b), do CPTA), não estando prevista, na lei, a possibilidade de lhes ser atribuído efeito suspensivo.

Neste sentido, veja-se, inter alia, o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 22.01.2021, Processo n.º 01028/20.8BEBRG, em cujo sumário se pode ler o seguinte:
“No que respeita à atribuição de efeito suspensivo ao Recurso, por força do disposto no n.º2 do art. 143º do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se encontrando legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo”.

Na mesma senda, a doutrina realça que “a lei não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo” – cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Almedina, 2018, p. 1103.

Por outro lado, a possibilidade de o tribunal determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar os danos decorrentes do efeito meramente devolutivo do recurso e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos, prevista no n.º 4 do artigo 143.º do CPTA, não se aplica às hipóteses em que o efeito meramente devolutivo do recurso resulta do n.º 2 do mesmo artigo, como sucede no caso dos autos.

Destarte, “a adoção de providências adequadas destinadas a evitar ou a minorar os danos decorrentes do efeito devolutivo do recurso, prevista no artigo 143.º, n.º 4, do CPTA, reporta-se apenas aos casos em que foi requerida a atribuição de efeito devolutivo ao recurso, prevista no n.º 3, e não aos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2” (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 18.03.2021, Processo n.º 1729/20.2BELSB-S1).

Por outras palavras, “as previsões dos n.ºs 4 e 5 pressupõem que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do n.º 3. Não são, por isso, aplicáveis às situações de efeito devolutivo por determinação da lei, que diretamente decorrem do n.º 2, sem dependência de requerimento, e não são, por isso, passíveis de decisão de atribuição ou recusa por parte do juiz”. A solução em causa, relativamente aos processos cautelares, assenta no facto “de o juiz já ter procedido, no âmbito desses processos, à ponderação de interesses de que os n.ºs 4 e 5 do presente artigo fazem depender a decisão do juiz de alterar os efeitos do recurso” – cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Cadilha, Comentário…, Ob. cit, p. 1103.

Em suma, no âmbito dos recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares – como é o caso vertente -, a alínea b) do n.º 2 do artigo 143.º do CPTA impõe aos mesmo um efeito meramente devolutivo, não sendo este regime susceptível de alteração ou mitigação.

À luz do exposto, indeferido o requerido pelo Recorrente AA quanto aos efeitos a atribuir ao recurso por si interposto”.

Mais uma vez com acerto.

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 143º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos regulam as regras legais, gerais e abstractas, dos efeitos que os recursos têm.

Os n.ºs 3,4 e 5, do mesmo artigo, dispõem sobre a atribuição, caso a caso, por decisão do Tribunal, do efeito do recurso, diverso do fixado em abstrato pela lei.

Daí o uso do termo “atribuição” e a ponderação a ser feita de situações de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação ou de danos para as partes com o efeito fixado por lei para o recurso concreto.

Ora o Recorrente pretende aplicar ao caso o disposto no n.º 4 do artigo 143º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que não tem aqui aplicação pois não foi atribuído ao recurso um efeito diverso do previsto na lei, mas antes fixado o regime legal.

Não prevendo sequer a lei que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso, recusando-se pura e simplesmente a atribuição de efeito devolutivo, na hipótese de este efeito causar prejuízos ou situação de facto consumado à parte que decaiu, mas apenas no caso de causar prejuízo à parte vencedora – n.º3 do artigo 143º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O que se compreende, como forma de não prejudicar com os efeitos negativos da decisão precisamente quem venceu nessa decisão.

No caso concreto, de resto, a justificação apresentada pelo Recorrente para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, ou a adopção de serviria precisamente para o recusar, caso essa hipótese fosse permitida por lei: os prejuízos consideráveis que, alegadamente, decorrem para o Recorrente em virtude do levantamento da providência decretada provisoriamente.

Caso se atribuísse efeito suspensivo ao presente recurso devolutivo, sem mais, ou mesmo que se adoptassem providências adequadas a evitar ou minorar prejuízos para o Requerente, este obteria, pela simples interposição do recurso, a manutenção do decretamento provisório contra o qual a Requerida nem sequer teve a possibilidade de reagir, ou efeito equivalente – n.º4 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Solução que seria claramente iníqua, desigual.

E que deixaria a porta aberta a eventuais abusos na interposição do recurso.

Termos em que se mantém o efeito meramente devolutivo fixado ao recurso pelo Tribunal recorrido, nos termos legais.

III –Matéria de facto.

1. Nulidade processual decorrente da preterição de prova testemunhal (conclusões X a XIII do recurso).

Este é o teor do despacho posto em crise neste ponto, prévio à sentença recorrida:

“Considerando que o Requerente arrolou testemunhas no requerimento cautelar apresentado, cabe aferir da necessidade de produção da prova testemunhal solicitada.

De acordo com o artigo 118.º do CPTA, relativamente à produção de prova, “1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária. (...) 5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios. (...)”.

Ora, revertendo aos autos, importa ter em conta que estamos perante um processo cautelar, de natureza urgente, que se caracteriza por uma apreciação sumária do direito que o Requerente pretende acautelar e em que a prova se afigura indiciária.

Assim, atendendo à causa de pedir, à posição das partes manifestada nos articulados e às soluções plausíveis de direito, entendo que a decisão das questões a dirimir no processo cautelar depende apenas, no que à prova respeita, da análise dos documentos constantes destes autos e do processo principal de que dependem.

Donde, dispondo já o processo dos elementos necessários para conhecer dos pedidos formulados, sem necessidade de mais indagações ou da realização de diligências de prova adicionais, não existe matéria de facto controvertida com relevância para a decisão da causa, revelando-se, por conseguinte, claramente desnecessária a produção da prova testemunhal solicitada pelo Requerente, pelo que indefiro a mesma”

Em despacho de sustentação ficou consignado pelo Tribunal recorrido:

“Quanto à primeira nulidade arguida, o Recorrente alega que o Tribunal a quo não logrou fundamentar de forma expressa a decisão de indeferimento do requerimento de prova testemunhal, pese embora a produção da aludida prova se revelava, mesmo em sede cautelar, de destacada importância.

No entanto, e na senda da jurisprudência, “I -O juiz pode dispensar a produção de prova testemunhal, se considerar que os factos relevantes para o exame e decisão da causa não permanecem controvertidos em face da prova documental junta aos autos e da posição que as partes assumiram nos respetivos articulados, e conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sem necessidade de mais indagações, logo no saneador, indeferindo os requerimentos de prova que tenham sido apresentados pelas partes. II- Estando legalmente consentida a possibilidade ao juiz de proferir despacho a dispensar a produção de prova testemunhal, a sua prolação não configura a prática de nenhuma nulidade processual atípica nos termos do artigo 195.º do CPC, por tal despacho não assumir a veste de ato que consubstancie um desvio ao formalismo processual previsto na lei adjetiva.” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 05.02.2021, Processo n.º 000207/20.9BEPRT.

Ademais, estando em causa um despacho interlocutório, o mesmo é passível de recurso, nos termos do n.º 5 do artigo 142.º do CPTA, meio de que o Recorrente não lançou mão.
Em face do exposto, refuta-se a arguida nulidade.

É pacífico, tanto quanto conhecemos, o entendimento de que constitui um despacho interlocutório, passível de ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do artigo 142º, nº 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o despacho em que se afirma que o processo contém já os elementos necessários, sem necessidade de maiores indagações ou de realização de diligências de prova adicionais, para conhecer do mérito da acção.

Nesta linha de entendimento se decidiu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09.02.2012, no processo nº ...1 (sumário):

“I – Se o despacho impugnado não procedeu a uma verdadeira rejeição dos meios de prova requeridos pelo autor, antes tendo o indeferimento da produção de prova testemunhal por aquele requerida sido consequência da constatação da falta de matéria de facto controvertida e, por conseguinte, da desnecessidade de produzir os meios de prova requeridos pelo autor, considerando que as questões suscitadas pelo autor se reconduziam a questões de direito, para cuja resolução era suficiente a prova documental constante dos autos e do processo instrutor, o mesmo não rejeitou qualquer meio de prova, mas apenas considerou ser desnecessária a produção de prova requerida, o que constitui realidade distinta.

II – Deste modo, não podendo o despacho em causa ser qualificado como “despacho de rejeição de meios de prova”, o mesmo só pode ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do nº 3 do artigo 691º do CPCivil. Segue-se assim a regra geral de que “as decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final” (art.º 142º, nº 5, do CPTA”.

Entendimento sufragado por este Tribunal Central Administrativo Norte de 13.06.2014, no processo n.º 03552/11.6 PRT (sumário):

“I) – Sobe a final o recurso de despacho interlocutório de “que o processo contém já os elementos documentais necessários, sem necessidade de maiores indagações, para conhecer dos pedidos formulados, não se revelando necessária a produção de outros meios de prova”.

Bem como no acórdão de 21.12.2018, no processo 02587/12.6 PRT deste Tribunal Central Administrativo Norte:

“1. O despacho que dispensa a produção de prova por entender que o processo contém já os elementos necessários para uma decisão de mérito é um despacho interlocutório passível de ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do artigo 142º, nº 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

No caso foi proferido despacho a considerar precisamente que o processo já dispunha dos “dos elementos necessários para conhecer dos pedidos formulados, sem necessidade de mais indagações ou da realização de diligências de prova adicionais … revelando-se, por conseguinte, claramente desnecessária a produção da prova testemunhal solicitada pelo Requerente, pelo que foi a mesma indeferida.

Pelo que foi bem interposto o recurso deste despacho interlocutório com o recurso da decisão final.

Dito isto, vejamos.

Sustenta o Recorrente, neste capítulo que para demonstrar os factos alegados no seu Requerimento Inicial, juntou com o seu articulado documentos, arrolando três testemunhas que, “ao longo das últimas décadas, têm acompanhado de perto a evolução do estatuto do Notariado.

Ora, desde logo, a evolução do estatuto do Notariado não é qualquer facto, mas um tema jurídico, insusceptível, como tal de prova testemunhal.

Despois, percorrida toda a peça de recurso, nem um único facto o Recorrente menciona susceptível de prova por testemunhas e que não esteja documentado.

De resto não imputa à decisão recorrida qualquer erro de julgamento da matéria de facto, seja por ter dado como indiciariamente facto que não devesse ter dado por indiciariamente provado quer por não ter dado como indiciariamente provado que devesse ter dado como provado.

O despacho impugnado logrou apresentar, de forma modelar, a justificação para a dispensa de prova testemunhal: atendendo à causa de pedir, à posição das partes manifestada nos articulados e às soluções plausíveis de direito, entendeu-se que a decisão das questões a dirimir no processo cautelar depende apenas, no que à prova respeita, da análise dos documentos constantes destes autos e do processo principal.

O Recorrente é que, em alegações inconsequentes, não logrou demonstrar a necessidade de produção de prova testemunhal para qualquer facto, repete-se, facto, relevante para a decisão da providência cautelar.

Termos em que improcede esta arguição de nulidade processual.

2. Nulidade da sentença por violação das regras substantivas do direito probatório (conclusão XIV).

As nulidades da sentença estão previstas de forma taxativa e não meramente exemplificativa nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

E em nenhuma dessas alíneas consta a falta de justificação do julgamento da matéria de facto ou a insuficiência da matéria de facto.

Em particular no que respeita à fundamentação de facto e de direito, sempre foi entendimento pacífico o de que só é nula a decisão que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).
Também aqui, de resto, a alegação da Recorrente não passa de mera retórica teórica, intransitiva quanto ao desvalor da sentença.
Em parte nenhuma se refere qual a deficiência no julgamento da matéria de facto que pode ser assacada à decisão recorrida como consequência da invocada violação das regras substantivas do direito probatório.

Improcede, também este fundamento do recurso.
Deveremos assim considerar indiciariamente provados os seguintes factos, fixados na decisão recorrida:

1. AA é Notário, encontrando-se inscrito na Ordem dos Notários com o número de membro ..., tendo cédula profissional com validade até 31.07.2025 – cf. documento n.º ... junto com a petição inicial no processo n.º 82/22.4BEPRT, a fls. 97 do SITAF.

2. AA é titular da licença de instalação para o ... Cartório Notarial ..., a qual lhe foi atribuída, enquanto Notário privado, nos termos do despacho do Ministro da Justiça de 11.01.2005, constante do Aviso n.º ...05, publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 14, de 20 de janeiro de 2005 – cf. documento n.º ... junto com a petição inicial no processo n.º 82/22.4BEPRT, a fls. 98¬103 do SITAF.

3. AA emprega, no seu Cartório Notarial, as seguintes seis colaboradoras: FF e GG com início de funções em 23.05.2005, HH com início de funções em 11.03.2013, II com início de funções em 06.11.2013, JJ com início de funções em 15.02.2016 e KK com início de funções em 01.09.2016 – acordo e cf. documento n.º ... junto com o requerimento cautelar, a fls. 88-98 do SITAF.

4. Por requerimento remetido em 16.07.2021 e recebido em 20.07.2021, dirigido ao Bastonário da Ordem dos Notários, AA peticionou, juntamente com outros dezanove Notários, a desaplicação da alínea b) do artigo 41.º e do artigo 43.º do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, invocando a sua inconstitucionalidade material, para o efeito de ser permitido o exercício da profissão de notário sem imposição de limite de idade – cf. documento n.º ... junto com a petição inicial no processo n.º 82/22.4BEPRT, a fls. 71-90 do SITAF.

5. A Ordem dos Notários não respondeu ao requerimento aludido no ponto antecedente – acordo.

6. Em 18.11.2022, foi elaborada a informação n.º ...22 por Jurista da Ordem dos Notários, que propôs a nomeação, para assegurar a substituição da licença de instalação do Cartório Notarial ... do Notário ..., da Notária EE, por a mesma ser elegível para a substituição e ter sido a única da bolsa que respondeu afirmativamente à substituição – cf. documento n.º ... junto com a oposição, a fls. 139-144 do SITAF.

7. Em 21.11.2022, o Bastonário da Ordem dos Notários proferiu despacho de concordância sobre a informação aludida no ponto antecedente – cf. documento n.º ... junto com a oposição, a fls. 139-144 do SITAF.

8. Em 21.11.2022, a Ordem dos Notários notificou, por e-mail, os Notários EE e AA do despacho aludido no ponto antecedente – cf. documento n.º ... junto com a oposição, a fls. 145 do SITAF.

9. AA completou 70 anos de idade em 09.12.2022 – cf. documento n.º ... junto com a petição inicial no processo n.º 82/22.4BEPRT, a fls. 104 do SITAF.

*
IV - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade da sentença por ausência de especificação dos fundamentos de Direito (conclusões XV a XIX).

Como acima se disse, apenas a absoluta falta de fundamentos jurídicos pode afectar a decisão judicial de nulidade.

Ora a decisão recorrida explica, exaustivamente, a razão de ser do indeferimento da providência.

Indo até além do que é exigível numa providência cautelar.

O que sucede é que o Recorrente discorda dos fundamentos jurídicos sufragados na decisão, o que pressupõe que a entendeu e que a mesma continha a necessária e suficiente fundamentação, para ser percebida pelo Recorrente como pressuposto da decisão tomada, de indeferimento da providência.

Não se verifica, pois, esta nulidade, improcedendo também neste fundamento o recurso.

2. O fumus boni iuris. O princípio da igualdade (conclusões XX a XXXVIII). A limitação inconstitucional da liberdade de escolha de profissão- a inconstitucionalidade das normas contidas na alínea b) do artigo 41.° e no artigo 43.° do Estatuto do Notariado, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 47.° da Constituição da República Portuguesa (conclusões XXXIX a XLI). A violação do direito à iniciativa e económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas - n.º 1 do artigo 61.°, alínea f) do artigo 81.° e alíneas a) e c) do artigo 99.°, todos da Constituição da República Portuguesa (conclusões XLII a LV).

Vejamos o enquadramento jurídico da sentença recorrida, quanto a este pressuposto:

“Quanto ao fumus boni iuris, propugna o Requerente que a pretensão deduzida na ação principal será julgada procedente com elevado grau de certeza, por se verificar a inconstitucionalidade material da alínea b) do artigo 41.º e do artigo 43.º do Estatuto do Notariado, que impõem o limite de idade de 70 anos para o exercício da profissão de notário, por violação do princípio da igualdade (na vertente da proibição do arbítrio), da liberdade de escolha de profissão (na vertente da liberdade de exercício) e do direito à iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas, previstos nos artigos 13.º, 47.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 99.º, alíneas a) e c), da CRP.

No tocante à violação do princípio da igualdade, sustenta o Requerente que:

a) inexiste uma justificação razoável e suficiente que legitime a distinção de tratamento entre notários e outros profissionais liberais com os quais concorrem, como advogados, solicitadores e agentes de execução, cujos conteúdos funcionais e regimes a que estão sujeitos evidenciam uma relação de proximidade com a atividade notarial e, nalguns casos, de efetiva (mas desnivelada) concorrência, não estando, contudo, tais profissionais sujeitos a qualquer limite de idade para o exercício das suas profissões;

b) sendo um propósito de garantia de certeza e de segurança das relações sociais e económicas e de rigoroso cumprimento de elevados padrões técnicos e deontológicos que subjaz à imposição de um limite de idade para o exercício da profissão notarial, dir-se-á que esses valores serão mais bem acautelados se se permitir a continuidade do exercício da profissão aos notários que tenham atingido 70 anos, em virtude do saber e da experiência acumulados ao longo da carreira, para além de tal não bastar para legitimar a desigualdade no tratamento dispensado a profissões liberais e serviços públicos com competências para a prática de atos notariais sem limite de idade.

Sobre a violação da liberdade de escolha de profissão, alega o Requerente que:

a) quer a simplificação de procedimentos em balcões e serviços públicos, quer a abertura da prática de atos notariais a profissionais liberais como os solicitadores ou os advogados, hipotecaram a ambição de concentração da atividade notarial no notário e consequente facilidade de controlo da qualidade dos atos praticados, perdendo sentido a imposição de um limite de idade ao exercício da profissão notarial, cujo intento seria o de permitir a renovação dos profissionais, pois que o notário não acautela interesse público que não tenha sido já desvirtuado por decisões político-legislativas;

b) ao abrigo do regime jurídico das associações públicas profissionais, não são admissíveis restrições ao acesso e exercício à profissão de notário que não por razões imperiosas de interesse público, constituindo a imposição de um limite de idade para o exercício da atividade notarial uma restrição inconstitucional à liberdade de escolha de profissão, mormente ao seu exercício, o que assume contornos mais sérios se se atentar no facto de o administrador judicial, que é um misto de profissional liberal e de funcionário público, não estar sujeito a limite de idade para o exercício da sua atividade.

Relativamente à violação do direito à iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas, argumenta o Requerente que:

a) a atividade notarial é desenvolvida por profissionais liberais que, para o efeito da prossecução da atividade notarial sob o estatuto assumido com a reforma de 2004, assumiram avultadas despesas com a instalação e equipamento dos cartórios notariais em que se propuseram exercer atividade e a adoção dos demais serviços e sistemas essenciais para a prestação de serviços, bem como custos com capital humano;

b) o Estado não só atingiu o âmago do notariado ao integrá-lo num mercado “concorrencial” com outros profissionais liberais não sujeitos ao mesmo escrutínio funcional e às restrições impostas ao exercício da sua atividade, como se assumiu, ele próprio, como entidade concorrente, visto que passou a prestar serviços realizados por notários privados em condições mais vantajosas, assim criando uma desigualdade gritante e injusta, materializada, designadamente, na não sujeição ao pagamento de IVA dos atos notariais praticados nas ... e Civil.

Resulta da matéria de facto provada que o Requerente é Notário, encontrando-se inscrito na Ordem dos Notários com o número de membro ..., assim como que o mesmo é titular da licença de instalação para o ... Cartório Notarial ..., a qual lhe foi atribuída, enquanto Notário privado, nos termos do despacho do Ministro da Justiça de 11.01.2005, constante do Aviso n.º ...05, publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 14, de 20 de janeiro de 2005 (cf. pontos 1 e 2 do probatório).

Está, igualmente, assente que, por requerimento remetido em 16.07.2021 e recebido em 20.07.2021, dirigido ao Bastonário da Ordem dos Notários, o Requerente peticionou, juntamente com outros dezanove Notários, a desaplicação da alínea b) do artigo 41.º e do artigo 43.º do Estatuto do Notariado, invocando a sua inconstitucionalidade material, para o efeito de ser permitido o exercício da profissão de notário sem imposição de limite de idade, bem como que a Ordem dos Notários não emitiu qualquer resposta ao mencionado requerimento (cf. pontos 4 e 5 do probatório).

Também ficou provado que, por despacho proferido pelo Bastonário da Ordem dos Notários em 21.11.2022, foi nomeada, para assegurar a substituição da licença de instalação do Cartório Notarial ... do Requerente, a Notária EE, por a mesma ser elegível para a substituição e ter sido a única da bolsa que respondeu afirmativamente à substituição, o que foi notificado aos referidos Notários por e-mail enviado naquela data (cf. pontos 6 a 8 do probatório).

Mais se provou que, em 09.12.2022, o Requerente completou 70 anos de idade (cf. ponto 9 do probatório).

O Estatuto do Notariado foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, constando de anexo a este diploma legal, resultando do preâmbulo desse Decreto-Lei o seguinte: “(...) Consta do Programa do XV Governo Constitucional um plano alargado de reformas estruturais a levar a cabo na Administração Pública Portuguesa, com o propósito de a tornar mais moderna e eficiente, diminuindo o seu peso na economia nacional, sem prejuízo da garantia do exercício das funções de soberania que pela Constituição lhe estão cometidas. É nesse âmbito que se insere a privatização do notariado, que o Governo elegeu como uma das reformas mais relevantes na área da Administração Pública em geral, e da justiça em particular, pelo significado que a mesma reveste. Na verdade, é a primeira vez que no nosso país uma profissão muda completamente o seu estatuto, passando do regime da função pública para o regime de profissão liberal. O Governo concretiza com esta medida uma progressiva transferência de competências que, pela sua natureza, são comprovadamente exercidas com mais eficiência por profissionais liberais, que ao mesmo tempo prestam um serviço de melhor qualidade e com menores encargos para o erário público. O notariado constitui um dos elementos integrantes do sistema da justiça que configura e dá suporte ao funcionamento de uma economia de mercado, enquanto instrumento ao serviço da segurança e da certeza das relações jurídicas e, consequentemente, do desenvolvimento social e económico. Com esta reforma, a actividade notarial não só ganha ainda maior relevância, pelo apelo constante ao delegatário da fé pública, consultor imparcial e independente das partes, exercendo uma função preventiva de litígios, mas também vê abrirem-se perante si novos horizontes, num espaço económico baseado na concorrência. Desde a sua origem até à década de 40 do século passado, o notariado português acompanhou a evolução dos seus congéneres europeus integrados no sistema do notariado latino, que, no entanto, veio a ser interrompido em pleno Estado Novo, com a «funcionarização» do notariado. Desde então, Portugal constitui-se como excepção relativamente aos demais países da União Europeia que integram o sistema do notariado latino; o notário português outorga a fé pública por delegação do Estado e na sua subordinação hierárquica, enquanto no sistema latino o notário exerce a mesma função no quadro de uma profissão liberal. Cada sistema notarial deve traduzir o modelo de sociedade e o sistema de Direito vigentes. E tanto a fisionomia que a actual Constituição Portuguesa confere à primeira como a raiz romano-germânica do segundo impõem a consagração entre nós do modelo do notariado latino. Parte integrante da política de justiça, o sector do notariado deve ser, pois, objecto de um processo de modernização e reforma, que há-de, em primeira linha, garantir a certeza e a segurança das relações sociais e económicas e assegurar o rigoroso cumprimento de elevados padrões técnicos e deontológicos. Com a presente reforma, e consequente adopção do sistema de notariado latino, consagra-se uma nova figura de notário, que reveste uma dupla condição, a de oficial, enquanto depositário de fé pública delegada pelo Estado, e a de profissional liberal, que exerce a sua actividade num quadro independente. Na verdade, esta dupla condição do notário, decorrente da natureza das suas funções, leva a que este fique ainda na dependência do Ministério da Justiça em tudo o que diga respeito à fiscalização e disciplina da actividade notarial enquanto revestida de fé pública e à Ordem dos Notários, que concentrará a sua acção na esfera deontológica dos notários. Como princípios fundamentais da reforma consagraram-se o numerus clausus e a delimitação territorial da função. Foram razões de certeza e segurança jurídicas que a função notarial prossegue que levou a optar-se por tal solução. Com efeito, no novo sistema, a par dos restantes países membros do notariado latino, o notário exercerá a sua função no quadro de uma profissão liberal, mas são-lhe atribuídas prerrogativas que o farão participar da autoridade pública, devendo, por isso, o Estado controlar o exercício da actividade notarial, a fim de garantir a realização dos valores servidos pela fé pública, que ficariam necessariamente afectados caso se consagrasse um sistema de livre acesso à função. Por outro lado, só por esta via se assegura a implantação em todo o território nacional de serviços notariais, ao determinar o número de notários existentes e respectiva localização e delimitação territorial da competência, assegurando em contrapartida uma remuneração mínima aos notários que, pela sua localização, não produzam rendimentos suficientes para suportarem os encargos do cartório, comparticipações essas realizadas através do fundo de compensação inserido no âmbito da Ordem dos Notários. Previu-se também não só o exercício em exclusivo da actividade notarial, assente na elevada qualificação técnica e profissional dos notários, comprovada através de estágios, provas e concursos, mas também a independência e imparcialidade dos mesmos em relação às partes, mediante a definição de incompatibilidades para o desempenho da função. Contemplou-se igualmente um elenco de direitos, em que se realça a prerrogativa do uso do selo branco enquanto símbolo da fé pública delegada, a definição de uma tabela remuneratória dos actos a praticar no exercício da actividade e a definição de um regime de substituição dos notários. Paralelamente, procedeu-se à enumeração dos deveres a que o notário fica adstrito, como seja o de obediência à lei e ao Estatuto do Notariado, de deontologia, de sigilo, por forma a assegurar a respectiva função social como servidor da justiça e do Direito, criando-se ainda a obrigação de subscrição de seguro profissional como forma de garantia concedida aos particulares. (...)”.

No que alude à cessação da atividade notarial e seus efeitos, aqui em discussão, estatui o artigo 41.º do Estatuto do Notariado, a propósito da enumeração dos casos de cessação da atividade notarial, que “O notário cessa a atividade nos seguintes casos: (...) b) Limite de idade; (...)”, acrescentando, depois, o artigo 43.º do Estatuto, acerca do limite de idade, que “1 - O limite de idade para o exercício da função notarial é de 70 anos. 2 - O notário deve informar a Ordem dos Notários da data em que atinge o limite de idade para o exercício da sua função com a antecedência mínima de 90 dias.”.

Apuremos se tais normas enfermam da invocada inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade (na vertente da proibição do arbítrio), da liberdade de escolha de profissão (na vertente da liberdade de exercício) e do direito à iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas, contemplados nos artigos 13.º, 47.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 99.º, alíneas a) e c), da CRP.

O princípio da igualdade está consagrado no artigo 13.º da CRP, no âmbito dos princípios gerais, aí se dispondo que “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”.

Em sentido amplo, o princípio da igualdade encontra acolhimento nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, assumindo três vertentes distintas, a saber, a vertente da proibição do arbítrio, a vertente da proibição de discriminação e, ainda, a vertente da obrigação de diferenciação.

No tocante à proibição do arbítrio, única vertente do princípio constitucional da igualdade que o Requerente entende ser violada pela alínea b) do artigo 41.º e pelo artigo 43.º do Estatuto do Notariado, “(...) constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. (...)” (cf. Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital. CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. 4.ª Edição Revista. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 339).

Como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, com a reforma do notariado operada por esse diploma legal e consequente adoção do sistema de notariado latino, criou-se uma nova figura de notário, que reveste uma dupla condição, a de oficial público que confere autenticidade aos documentos e assegura o seu arquivamento, enquanto depositário de fé pública delegada pelo Estado, e a de profissional liberal, que atua de forma independente, imparcial e por livre escolha dos interessados, o que resulta espelhado no artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto do Notariado.

Ainda sobre a natureza do notário e da função notarial, note-se que, segundo o artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto do Notariado, o notário é o jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública, e que, à luz do n.º 3 do mesmo preceito, a natureza pública e privada da função notarial é incindível.

É de ressaltar que a dupla condição de oficial público e de profissional liberal do notário, decorrente da natureza das suas funções, leva a que o notário esteja sujeito à fiscalização e ação disciplinar do Ministro da Justiça e dos órgãos competentes da Ordem dos Notários, conforme estabelecido no artigo 3.º do Estatuto do Notariado.

Como princípios fundamentais da reforma do notariado consagraram-se, ao abrigo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, o numerus clausus, tal como consta definido no artigo 6.º do Estatuto do Notariado, e a delimitação territorial da função, a coberto do artigo 7.º do Estatuto do Notariado, soluções essas que foram motivadas por razões de certeza e segurança jurídicas que a função notarial prossegue.

Com efeito, e na senda do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, no novo sistema, a par dos restantes países membros do notariado latino, o notário exercerá a sua função no quadro de uma profissão liberal, embora com prerrogativas que o farão participar da autoridade pública, devendo, por isso, o Estado controlar o exercício da atividade notarial, a fim de garantir a realização dos valores servidos pela fé pública, que ficariam afetados num sistema de livre acesso à função.

Destaca, igualmente, o referido preâmbulo que só por essa via se assegurará a implantação, em todo o território nacional, de serviços notariais, ao determinar o número de notários existentes, a sua localização e competência territorial, garantindo, em contrapartida, uma remuneração mínima aos notários que, pela sua localização, não produzam rendimentos suficientes para suportarem os encargos do cartório, comparticipações essas realizadas através do fundo de compensação inserido no âmbito da Ordem dos Notários, de harmonia com os artigos 47.º e ss. do Estatuto da Ordem dos Notários, aprovado pela Lei n.º 155/2015, de 15 de setembro.

Previu-se também, como flui do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, o exercício em exclusivo da atividade notarial, conforme artigos 10.º e 15.º do Estatuto do Notariado, assente na elevada qualificação técnica e profissional dos notários, comprovada por estágios, provas e concursos, nos termos do Estatuto.

Ora, tais circunstâncias evidenciam que a profissão de notário, por um lado, e as profissões liberais dos advogados, solicitadores e agentes de execução, por outro lado, não são fundamentalmente iguais, uma vez que, desde logo, ao passo que os notários detêm a dupla condição de oficial público e de profissional liberal, os advogados, os solicitadores e os agentes de execução são profissionais liberais propriamente ditos.

Ademais, em face da condição de oficial público do notário e da natureza pública da função notarial, nada parece obstar à aplicação de um limite de idade para o exercício dessa função, tal como ocorre, de resto, com os trabalhadores em funções públicas por força do estatuído no artigo 292.º, n.º 1, da LTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, o que não aparenta, à primeira vista, ser materialmente inconstitucional.

Por outro lado, a circunstância de o legislador conferir aos advogados e solicitadores e, ainda, a alguns serviços públicos competência para a prática de alguns atos que outrora eram da exclusividade dos notários não torna as suas funções iguais às funções dos notários, tanto mais que estes mantêm a exclusividade na prática de outros atos relevantes ancorados no artigo 4.º do Estatuto do Notariado.

Assim sendo, não se pode tratar de forma igual profissões que são substancialmente desiguais como pretende o Requerente, verificando-se, ao invés, que, ao vedar o exercício da função notarial para lá dos 70 anos de idade, conforme estabelecido na alínea b) do artigo 41.º e no artigo 43.º do Estatuto do Notariado, tais normas legais procedem a uma diferenciação consentida pelo princípio da igualdade aclamado no artigo 13.º da CRP, permitindo tratar de forma desigual o que não é igual.

Na verdade, esse requisito do limite de idade para o exercício da profissão de notário, imposto nas aludidas normas do Estatuto do Notariado, consubstancia um tratamento diferenciado dos notários relativamente às verdadeiras profissões liberais, que não têm limite de idade, assente em razões materiais e objetivas que o justificam no quadro do ordenamento jurídico, pelo que não traduz uma diferenciação arbitrária.

Como refere o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25.03.2022, P. 02106/21.3BEBRG, a esse propósito, “(...) Também o princípio da igualdade não sai beliscado com o limite de idade para o exercício de funções de notário e que não se impõe nem ao advogado nem ao solicitador. Existe uma norma aplicável aos notários que não se aplica nem aos advogados nem aos solicitadores: a constante do artigo 6º, nº 2, do Estatuto do Notariado, que fixa um limite de notários em atividade por distrito, com um total nacional de 543 notários. Esta norma cuja constitucionalidade material a Recorrente certamente não questiona porque limita a concorrência num sentido que lhe é favorável tem precisamente como contraponto a norma do limite de idade. Se não existisse limite de idade para o exercício da função de notário, a possibilidade de exercer essa actividade por parte de quem quisesse ingressar ficaria dependente não da sua vontade e mérito, mas apenas da vontade de os que excederam os 70 anos quererem cessar a actividade. Ou morrerem. Existe, portanto, uma justificação objectiva e razoável para impor aos notários este limite de idade para o exercício de funções. (...)”.

Posto isto, e numa análise perfunctória, não se afigurando que a atividade notarial constitua uma profissão liberal em sentido próprio, ao contrário do invocado pelo Requerente, não se vislumbra que haja violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP pela previsão do limite de idade para o exercício da profissão de notário contemplada na alínea b) do artigo 41.º e no artigo 43.º do Estatuto do Notariado.

No que diz respeito à liberdade de escolha de profissão, a mesma encontra-se aclamada, enquanto direito fundamental, no artigo 47.º da CRP, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais, estatuindo esse preceito que “1. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade. (...)”.

Note-se que “(...) [a] liberdade de escolha de profissão (epígrafe e nº 1) é um direito fundamental complexo, comportando vários componentes. Enquanto direito de defesa a liberdade de profissão significa duas coisas: (a) não ser forçado a escolher (e a exercer) uma determinada profissão; (b) não ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profissão para a qual se tenham os necessários requisitos, bem como de obter estes mesmos requisitos. Mas o direito de escolha livre da profissão apresenta também uma dimensão positiva, conexionada com o direito ao trabalho e com o direito ao ensino, e que consiste designadamente em: (a) direito à obtenção dos requisitos legalmente exigidos para o exercício de determinada profissão, nomeadamente as habilitações escolares e profissionais; (b) direito a obter as condições de acesso em condições de igualdade a cada profissão. (...) A liberdade de profissão é uma componente da liberdade de trabalho, que, embora, sem estar explicitamente consagrada de forma autónoma na Constituição, decorre indiscutivelmente do princípio do Estado de direito democrático (cfr. Acs TC nºs 328/94 e 187/01). A liberdade de trabalho inclui obviamente a liberdade de escolha do género de trabalho expressamente consagrada no nº 1, não se esgotando, todavia, aí (liberdade de não trabalhar, proibição de trabalho forçado, etc.). (...) A liberdade de escolha de profissão tem vários níveis de realização, não podendo naturalmente consistir apenas em poder escolher livremente a profissão desejada. Os principais momentos são os seguintes: (a) obtenção das habilitações (académicas, técnicas, etc.) necessárias ao exercício da profissão (cfr. art. 58º-3/b); (b) ingresso na profissão; (c) exercício da profissão; (d) progresso na carreira profissional. A liberdade de escolha de profissão garante constitucionalmente todos estes aspectos. (...)” (cf. Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital. CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. Cit., pp. 653¬654).

Relativamente à liberdade de escolha de profissão, entende-se, numa perspetiva sumária própria de um processo cautelar, que não é por existir um limite de idade para o exercício da profissão de notário que ocorre, sem mais, a violação dessa liberdade
.
Como vimos anteriormente, diante da condição de oficial público do notário e da natureza pública da função notarial contempladas no artigo 1.º, n.ºs 2 e 3, do Estatuto do Notariado, nada parece impedir a imposição, pelo mesmo Estatuto, de um limite de idade para o exercício dessa função, à semelhança do que acontece com os trabalhadores em funções públicas nos termos do vertido no artigo 292.º, n.º 1, da LTFP.

O Requerente estriba a sua argumentação na comparação entre a profissão de notário e as profissões de advogado e solicitador, mas o certo é que estas duas últimas profissões têm caráter totalmente privado, ficando sujeitas à inscrição nas respetivas Ordens e à realização de um estágio segundo as regras existentes nos seus estatutos.

No caso da profissão de notário, o título de notário obtém-se por concurso aberto por aviso do Ministério da Justiça, publicado no Diário da República, ouvida a Ordem dos Notários, só podendo habilitar-se ao concurso os estagiários que tiverem concluído o estágio notarial com aproveitamento, conforme artigo 31.º do Estatuto do Notariado.

Acresce que, ao contrário do que sucede com os advogados e com os solicitadores, os notários exercem as suas funções em regime de exclusividade, de acordo com os artigos 10.º e 15.º do Estatuto do Notariado, e estão sujeitos à fiscalização e à ação disciplinar não só dos órgãos competentes da Ordem dos Notários como também do Ministro da Justiça, nos termos do artigo 3.º do Estatuto do Notariado.

Considerando que, por razões de certeza e segurança jurídicas que a função notarial prossegue, o legislador fez o notário depositário da fé pública delegada do Estado e limitou o acesso à profissão notarial a um numerus clausus, a quem não só garante exclusividade de instalação do cartório em determinada área territorial, segundo os artigos 6.º e 7.º do Estatuto do Notariado, como também uma retribuição mínima aos notários que, pela localização, não produzam rendimentos suficientes, não se afigura infundada a fixação de limites de acesso e exercício da profissão de notário que não são impostos a outras profissões, como o limite de idade para o exercício da função.

Acrescente-se que o facto de o legislador atribuir aos advogados e aos solicitadores, assim como a serviços públicos, competência para a prática de alguns atos que eram antes da exclusividade dos notários, não torna as funções daqueles profissionais e serviços iguais às dos notários, pois estes mantêm a exclusividade na prática de outros atos relevantes ao abrigo do artigo 4.º do Estatuto do Notariado.

Uma vez que são profissões de conteúdo diferente, ao que não será alheia a circunstância de o notário aceder e exercer a sua atividade num regime próprio, que se distingue do regime aplicável ao profissional liberal tout court, como acontece com os advogados, os solicitadores e os agentes de execução, aproximando-o do oficial público, não é evidente que a imposição de um limite de idade para o exercício da profissão notarial configure uma restrição ilegítima da liberdade de escolha de profissão.

O Requerente faz, ainda, menção à profissão de administrador judicial em comparação com a de notário, invocando que o administrador judicial é um misto de profissional liberal e de funcionário público e que relativamente a essa profissão não está previsto qualquer limite de idade, mas a verdade é que a natureza da função de administrador judicial é equivalente à natureza da função dos agentes de execução.

Se atentarmos no artigo 2.º do Estatuto do Administrador Judicial estabelecido pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, no que toca à noção de administrador judicial, vemos que resulta do seu n.º 1 que o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo referido estatuto e pela lei.

Donde, a atividade de administrador judicial não é, em si, uma “profissão”, sendo o mesmo responsável pela fiscalização e orientação dos atos do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como pela gestão ou liquidação da massa insolvente no processo de insolvência, sob nomeação a efetuar pelo juiz de entre as listas oficiais de administradores judiciais e com remuneração apurada nos termos dos artigos 22.º e ss. do Estatuto do Administrador Judicial
.
Por conseguinte, não se pode comparar, como intenta o Requerente, a profissão de notário com a função de administrador judicial, por serem substancialmente distintas.

Adite-se também que, como ficou provado, no exercício da sua liberdade de escolha de profissão, o Requerente alcançou o título de Notário, tendo, posteriormente, obtido uma licença de instalação para o ... Cartório Notarial ... na sequência de concurso, nos termos do despacho do Ministro da Justiça de 11.01.2005, sabendo, por isso, de antemão quais as normas legais a que ficaria sujeito no âmbito da sua profissão.

Saliente-se, ainda, que o Tribunal de Justiça da União Europeia, quando confrontado com um caso semelhante ao dos autos no sentido da imposição de um limite de idade para o exercício de funções, decidiu o seguinte: “(...) A proibição de toda e qualquer discriminação baseada na idade, como aplicada pela Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, segundo a qual são consideradas válidas as cláusulas de reforma obrigatória que constam das convenções colectivas e que exigem, como únicas condições, que o trabalhador tenha atingido o limite de idade para a reforma, fixado em 65 anos pela legislação nacional, e que preencha os outros critérios em matéria de segurança social para ter direito a uma pensão de reforma no regime contributivo, desde que a referida medida, embora baseada na idade, seja objectiva e razoavelmente justificada, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo relativo à política de emprego e ao mercado de trabalho, e os meios utilizados para realizar esse objectivo de interesse geral não sejam inapropriados e desnecessários para esse efeito. (...)” (cf. acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 16.10.2007, processo C-411/05).

Assim, nesta parte, atendendo a que o legislador se encontra habilitado a impor, dentro da sua margem de livre conformação, requisitos de acesso à profissão de notário e limites ao seu exercício, delimitando a competência territorial dos notários, não resulta manifesto que a imposição do limite de idade de 70 anos para o exercício da profissão notarial possa contender com a liberdade de exercício de profissão, quando é certo que a cessação da atividade do notário que atinja tal idade permitirá que outrem aceda à profissão, a que, de outro modo, não poderia aceder, por força do numerus clausus.

Destarte, não se vislumbra, numa abordagem sumária, que a alínea b) do artigo 41.º e o artigo 43.º do Estatuto do Notariado sejam materialmente inconstitucionais por violação da liberdade de escolha de profissão gizada no artigo 47.º, n.º 1, da CRP.

Já quanto ao direito à iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas, previstos nos artigos 61.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 99.º, alíneas a) e c), da CRP, cabe referir que, na CRP, o artigo 61.º é acolhido no âmbito dos direitos e deveres económicos, o artigo 81.º no âmbito dos princípios gerais da organização económica e o artigo 99.º no âmbito das políticas agrícola, comercial e industrial.

O direito fundamental de iniciativa económica privada está reconhecido no artigo 61.º da CRP, que reza que “1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral. (...)”.

Ora, “(...) [a]o reconhecer a liberdade de a iniciativa económica privada (nº 1), a Constituição considera-a seguramente (...) como um direito fundamental (e não apenas como um princípio objectivo da organização económica), embora sem a incluir directamente entre os direitos, liberdades e garantias (beneficiando, porém, da analogia substantiva com eles, enquanto direito determinável e de exequibilidade imediata). Este entendimento constitucional do direito de iniciativa privada está em consonância com o estatuto da empresa e do sector privados no âmbito da «constituição económica» (...). Relevante é também a circunstância de este direito não estar constitucionalmente ligado nem, por um lado, à liberdade de profissão (art. 47º); nem, por outro lado, ao direito de propriedade (art. 62º), não sendo, portanto, uma imediata decorrência de qualquer deles, antes gozando de autonomia própria; em contrapartida, aparece associada a outras formas de iniciativa (designadamente, a iniciativa cooperativa e a autogestionária), não gozando, portanto, de um estatuto constitucional único ou privilegiado em face delas (pelo contrário, no que se refere à iniciativa cooperativa). A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial). No primeiro sentido, trata-se de um direito pessoal (a exercer individual ou colectivamente); no segundo sentido é um direito institucional (um direito da empresa em si mesma). (...)” (cf. Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital. CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. Cit., pp. 789-790).

Por seu turno, o princípio constitucional da equilibrada concorrência entre as empresas está plasmado no artigo 81.º da CRP, no que tange às incumbências prioritárias do Estado, onde se lê que “Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: (...) f) Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral; (...)”.

De ressaltar que “(...) [e]sta norma sobre as tarefas económicas e sociais do Estado constitui desenvolvimento, especificação e concretização, no plano económico-social, das opções políticas fundamentais contidas nos arts. 2º e 80º e das tarefas fundamentais do Estado contidas no art. 9º. Estas transformam-se agora em tarefas ou obrigações («incumbências») de âmbito menor ou mesmo particular. (...) A tarefa de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados (al. f), de modo a garantir desde logo a equilibrada concorrência entre as empresas, constitui a principal componente de uma economia de mercado e a base dos mecanismos de defesa da concorrência, que são um dos princípios essências da ordem jurídica comunitária (TCE, arts. 86º e ss.). Os objectivos principais são a proibição das práticas restritivas da concorrência (a começar pelos cartéis) e a reprimir os abusos de posição dominante, bem como a impedir preventivamente, nas operações de concentração, a criação de situações de posição dominante que possam pôr em risco a concorrência (e não as posições dominantes em si mesmas). Note-se que o preceito constitucional refere em geral todas as empresas, sem excluir as empresas públicas. (...)” (cf. Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital. CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. Cit., pp. 969-970).

No que se relaciona com o artigo 99.º da CRP, o mesmo diz respeito aos objetivos da política comercial, estabelecendo, para o que ora interessa, que “São objectivos da política comercial: a) A concorrência salutar dos agentes mercantis; (...) c) O combate às actividades especulativas e às práticas comerciais restritivas; (...)”.

Como já referido, a função notarial tem prerrogativas próprias que não existem noutras profissões, assim como exerce o notário competências em regime de exclusividade, diferenciando-se, assim, das profissões liberais propriamente ditas, para além de que, não obstante a possibilidade de outras profissões e serviços praticarem atos antes da exclusividade dos notários, estes conservam a exclusividade quanto a vários atos relevantes, designadamente, em matéria de testamentos, justificações notariais, habilitações de herdeiros e tramitação e decisão em processos de inventário.

O notário exerce as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha de harmonia com o disposto nos artigos 10.º e ss. do Estatuto do Notariado.

Por outro lado, como acima assinalado, o legislador garantiu, no Estatuto do Notariado, que o notário exercerá a sua função no quadro de uma profissão liberal, mas sendo-lhe atribuídas prerrogativas que o farão participar da autoridade pública, devendo, por isso, o Estado controlar o exercício da atividade notarial, só por esta via se assegurando a implantação, em todo o território nacional, de serviços notariais, ao determinar o número de notários existentes, a respetiva localização e a delimitação territorial da competência dos notários, garantindo, em contrapartida, uma remuneração mínima aos notários que, pela sua localização, não produzam rendimentos suficientes.

De sorte que, também por aqui, não se antevê, considerando o regime próprio de acesso e exercício da profissão de notário – que difere, como vimos, do regime de um mercado concorrencial –, que a imposição de um limite de idade para o exercício da função notarial possa contender com o direito à iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas conforme constitucionalmente consagrados.

De facto, não se adivinha a existência de quaisquer práticas de distorção da concorrência, até porque, reitere-se, apesar de alguns atos poderem ser também praticados por outros agentes económicos, outros atos só o podem ser por notários.

E, como atrás já se adiantou por referência ao acórdão do Tribunal de Justiça, a imposição do limite de idade para o exercício da profissão de notário, que não se exige para as profissões liberais, traduz uma medida objetiva e razoavelmente justificada, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo relativo à política de emprego e ao mercado de trabalho, para além de os meios utilizados para realizar esse objetivo de interesse geral não serem inapropriados nem sequer desnecessários para esse efeito.

É de sublinhar, outrossim, que o Estatuto da Ordem dos Notários determina, na alínea c) do n.º 8 do respetivo artigo 70.º, o cancelamento pela direção da Ordem dos Notários da inscrição dos notários quando estes atinjam o limite de idade para a função.

As normas legais vigentes impedem, portanto, que o Requerente continue o exercício da sua profissão após completar 70 anos, idade essa que o Requerente, aliás, já atingiu em 09.12.2022, não se descortinando que tal imposição seja inconstitucional.

Por conseguinte, e num exame perfunctório, não cremos que a alínea b) do artigo 41.º e o artigo 43.º do Estatuto do Notariado sejam inconstitucionais por violação do direito à iniciativa económica privada e da equilibrada concorrência entre empresas consagrados nos artigos 61.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 99.º, alíneas a) e c), da CRP.

É, assim, convicção do Tribunal que o Requerente não logrou demonstrar a probabilidade de procedência da pretensão formulada na ação principal, pelo que, não estando preenchido o critério do fumus boni iuris, improcede o presente processo cautelar, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento dos restantes critérios de decisão do artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, dado que são de verificação cumulativa.

Por tudo quanto expendido, improcede o processo cautelar.”

Tal enquadramento jurídico não merece qualquer censura.

Toda a argumentação do Recorrente assenta num equívoco. Numa petição de princípio.

A Recorrente imputa ao limite de idade para os notários, 70 anos, fixado na alínea b) do artigo 41º e no n.º 1 do artigo 43º, do Estatuto do Notariado, inconstitucionalidade material partindo de um pressuposto: o de que a actividade de notário é estritamente liberal, nos seus termos uma “verdadeira profissão liberal em regime privado”, como a de advogado e a de solicitador (conclusão LVI).

O Recorrente invoca o que deveria demonstrar, mas não demonstra nem podia demonstrar, porque a lei determina diferente.

Em concreto, ao estabelecer o limite de idade para o exercício da profissão de notário o legislador quis diferenciar a actividade de notário da actividade de advogado e de solicitador.

No exercício da sua liberdade de conformação legislativa.

Transcrevemos aqui o essencial do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.07.2009, no processo 942/08, citado pela Recorrida e com o qual se concorda integralmente:

“(…)

1. O XV Governo Constitucional decidiu empreender uma significativa reforma do notariado requerendo para o efeito autorização à Assembleia da República, o que provocou um esclarecedor debate parlamentar sobre o conteúdo e o alcance da função notarial onde se confrontaram duas visões diferentes sobre a matéria. A que prevaleceu - cujos princípios vieram a enformar o DL 26/2004 - que manteve a obrigatoriedade de celebração de escritura como forma de transmissão de imóveis, e a defendida pelo Grupo Parlamentar do PS onde se sustentava a desnecessidade daquele acto notarial e “que só o registo seria obrigatório sem prejuízo, naturalmente, de as partes, querendo, por sua livre e exclusiva vontade, poderem reforçar a segurança, contratando serviços notariais, desde logo, para os actos não sujeitos a registo.” Vd. ponto 9.º da matéria de facto.

Todavia, e independentemente dessa divergência, aquele diploma consagrou a ideia, consensual, de uma nova figura de notário a quem foi atribuída uma dupla função “a de oficial, enquanto depositário de fé pública delegada pelo Estado, e a de profissional liberal, que exerce a sua actividade num quadro independente” Vd. o respectivo preâmbulo e n.º 2 do art.º 1.º do citado DL. pelo que, a partir daí, o notário, muito embora pudesse exercer a sua actividade como profissional liberal, ficou a deter prerrogativas de ordem pública e, nessa medida, dependente do Ministério da Justiça em tudo o que respeitasse à fiscalização e disciplina da sua actividade revestida de fé pública. Para além disso - e com vista a evitar perturbações desnecessárias - o legislador quis que a introdução daquela reforma fosse gradual estabelecendo, por isso, um período transitório de dois anos, durante o qual coexistiriam “notários públicos e privados, na dupla condição de oficial público e profissional liberal, no termo do qual só este último sistema vigorará. Durante este período transitório, os notários terão de optar pelo modelo privado ou, em alternativa, manter o vínculo à função pública, sendo, neste caso, integrados em conservatórias dos registos.” Idem. Permitindo-se-lhes que a sua transferência para o regime de profissão liberal fosse feita ao abrigo de uma licença sem vencimento com a duração de cinco anos, com garantia do direito à sua reintegração no termo desse período. – vd. seu art.º 107.º.

E, porque assim, uma significativa maioria dos notários transitou da função pública para a profissão liberal, abrindo os seus próprios cartórios e suportando as despesas que essa transição obrigou.

1. 1. Porém, o Governo que aprovou o DL 26/2004 foi substituído e o novo Executivo prosseguiu aquela reforma fazendo publicar um conjunto de diplomas que vieram afectar o exercício da profissão de notário. Entre eles se conta o DL 263-A/2007, de 23/07, que instituiu um procedimento especial para transmissão, oneração e registo de imóveis, onde se prevê a possibilidade das operações e actos necessários a esse comércio jurídico ser feita num único balcão perante um único atendimento, eliminando-se desta forma a necessidade da mesma ser feita através de escritura pública Para alem destes foram publicados os DL.s n.º 125/2006, de 29/06, relativo à constituição on line de sociedades comerciais e civis sob a forma comercial, n.º 8/2007, de 17/01, que admitiu a possibilidade de, para além dos notários, outras entidades poderem certificar documentos e n.º 40/2007, de 24/08, que consagra um regime especial de constituição de associações..

“Com o procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis que agora se aprova os cidadãos ou empresas interessadas passam a poder realizar um vasto conjunto de actos em atendimento presencial único, que antes implicavam várias deslocações a diferentes entidades. Passa a ser possível, num único atendimento, por exemplo, a celebração do contrato de alienação ou oneração do imóvel perante um oficial público, o pagamento dos impostos devidos, como o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), a obtenção da realização imediata de todos os registos, a solicitação da alteração da morada fiscal e da isenção do imposto municipal sobre imóveis (IMI).” – Vd. o respectivo preâmbulo.

Ora, é esse aprofundamento desformalizador e desburocratizador dos procedimentos relativos à transmissão e oneração de imóveis levado a efeito pelo DL 263-A/2007 - que acarretou uma importante diminuição dos actos que os notários eram, obrigatoriamente, chamados a realizar, com a natural diminuição dos seus rendimentos - que a Autora aqui ataca por duas vias:

- Por um lado, sustentando que as medidas nele previstas se traduziam na violação do princípio da protecção da confiança uma vez que defraudavam as legítimas expectativas na manutenção do anterior quadro legislativo e na obrigatoriedade da prática dos actos notariais nele previstos. O que era agravado pelo facto do Estado ter estimulado os notários a exercer a sua função como profissionais liberais e, depois de obtido esse objectivo, de forma inesperada e radical, ter esvaziado o conteúdo das suas funções ao ponto de pôr em causa a própria subsistência da profissão.

- E, por outro, sustentando que os novos procedimentos constituíam uma violação do princípio da concorrência porquanto (1) obrigavam os notários a cobrarem pelos seus actos preços superiores aos praticados pelo Estado, situação que não podia ser ultrapassada visto os seus preços estarem tabelados por lei; (2) obrigavam os notários a ter uma licenciatura, exigência que não era feita aos funcionários das conservatórias; (3) previam o pagamento de um preço pelo acesso à informação do Ministério da Justiça, do Arquivo Público e de outros Serviços Públicos; (4) não impunham que Estado cobrasse o IVA; (5) impedia-os de oferecer os pacotes que o Governo oferecia por causa das burocracias (e seus custos) inerentes aos serviços prestados e, no fim de tudo, (6) sujeitava os seus actos ao controlo do conservador.

Vejamos se ao assim litigar a Recorrente tem razão, começando-se por analisar se os procedimentos previstos no citado DL 263-A/2007 se traduzem numa violação do princípio da confiança.

2. O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que o Estado de Direito democrático consagrado no art.º 2° da CRP envolve "uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas", razão pela qual "a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica". – Acórdão n.º 556/03, de 12/11/2003, proferido no processo n.º 188/03.

O apontado normativo constitui, assim, um limite à liberdade do legislador visto fazer depender a constitucionalidade das normas que o mesmo faça publicar da sua conformidade com o princípio nele postulado, o que quer dizer que as leis que se traduzam numa afectação inadmissível, arbitrária, demasiado opressiva ou excessivamente onerosa de expectativas jurídicas criadas aos cidadãos serão inconstitucionais. O que quer dizer que nem sempre a violação das expectativas legítimas determinará a inconstitucionalidade da lei visto que essa violação só é apta a produzir este efeito:

“a) quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar; e ainda,

b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.° 2 do artigo 18° da Constituição, desde a 1.ª revisão) " - Acórdão n.° 287/90 do Tribunal Constitucional.

Acentuando a necessidade de "proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrente do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado (...)" aquele Tribunal tem dito que:

“Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será alcançado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos, impor-se-á que actue o sub-princípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma a que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar.

Como reverso desta proposição, resulta que, sempre que as expectativas não sejam materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas "que a sua cedência, quanto a outros valores, não signifique sacrifício incomportável" (cfr. Acórdão n.° 365/91 no DR, 2.ª Série, de 27/08/1991), ou se não perspectivem como consistentes, não se justifica a cabida protecção em nome do primado do Estado de direito democrático. " – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 156/95 Diário da República, II Série, de 8 de Junho de 1995

O que quer dizer que “não é suficiente que se demonstre que um novo regime legal vem afectar expectativas dos seus destinatários para que, automaticamente, se conclua pela sua inconstitucionalidade por violação do referido princípio da confiança jurídica. Essencial é ainda que essas expectativas sejam consistentes de modo a justificar a protecção da confiança e, por outro, que na ponderação dos interesses público e particular em confronto, aquele tenha de ceder perante o interesse individual sacrificado, o que acontecerá sempre que as alterações não forem motivadas por interesse público suficientemente relevante face à Constituição (cf. art° 18°, n.° 2 e 3), caso em que deve considerar-se arbitrário o sacrifício excessivo da frustração de expectativas". – Vd. o já citado Acórdão n.º 556/03, de 12/11/2003 No mesmo sentido podem, ainda, ver-se os Acórdãos n.º 625/98, de 3-11-98, proferido no processo n.º 816/96, n.º 684/98, de 15-12-98, proferido no processo n.º 638/97; n.º 160/00, de 22-3-2000, proferido no processo n.º 843/98; n.º 109/02, de 5-3-2002, proferido no processo n.º 381/01; n.º 128/02, de 14-3-2002, proferido no processo n.º 382/01..

Nesta conformidade, pode afirmar-se que, muito embora seja certo que “o legislador tem um dever de boa fé perante os destinatários das normas que edite e estes o direito de verem salvaguardadas as expectativas que aquelas tenham provocado” Prof. Jorge Miranda no douto Parecer junto aos autos., também o é que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional que aqui se acolhe, só pode haver violação desse direito quando a alteração introduzida se tenha traduzido numa mudança radical, inesperada, excessivamente onerosa e violadora de expectativas legítimas, consolidadas e consistentes dos cidadãos afectados. De resto, importa ainda ressaltar que, nas alterações destinadas a valer apenas nas situações futuras, o legislador tem uma liberdade conformativa quase total sendo certo que o mesmo, por outro lado, está vinculado à prossecução do interesse público e este pode exigir o sacrifício dos interesses e expectativas, ainda que legítimas, dos particulares.

3. Fixado o sentido e o alcance do princípio da protecção da confiança, importa responder concretamente à questão que nos foi posta pelo TAF de Braga qual seja a de saber se os procedimentos previstos no DL 263-A/2007 introduzidos, a título experimental, em algumas Conservatórias do Registo Predial, designadamente nas 1.ª e 2.ª Conservatórias daquela cidade, pelo art.º 15.º da Portaria 794-B/2007 produziu uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária ou demasiado onerosa, violadora das legítimas expectativas dos notários que trocaram o exercício da sua actividade na esfera pública pelo exercício da mesma actividade como profissionais liberais e se, nessa medida, tal alteração se configura como uma violação do disposto no art.º 2.º da CRP.

A CRP não contém nenhuma referência à profissão de notário ou, tão pouco, ao que se deve entender por acto notarial o que quer dizer que a substância da sua actividade não se encontra constitucionalmente balizada e, correspondentemente, que as únicas limitações com que o legislador ordinário se confronta quando tem de legislar sobre essa profissão ou actividade são as que resultam dos princípios fundamentais constantes daquele Texto. E, se assim é, só se poderia concluir pela inconstitucionalidade dos actos em que a reforma operada por aqueles diplomas se consubstanciou se os mesmos violassem algum desses princípios fundamentais, maxime o da protecção da confiança.

E, porque assim, não se poderá censurar o legislador se este ao proceder à reforma do notariado lhe retirou a importância que ele tinha, pois que essa censura só seria legítima se, como se referiu, essa reforma envolvesse a violação arbitrária, desproporcional e intolerável de expectativas legítimas, consistentes e consolidadas que haviam sido criadas ou estimuladas pelo Estado àqueles profissionais. Sendo certo que “nesta avaliação devem ser devidamente tidos em conta dados como o merecimento e dignidade objectiva da protecção da confiança que o particular depositava no sentido da inalterabilidade de um quadro legislativo que o favorecia, o peso relativo do interesse público que conduziu à alteração legislativa, a relevância dos interesses dos particulares e a intensidade da sua afectação e, não menos importante, a própria margem de livre conformação que deve ser deixada ao legislador democrático do Estado de Direito.” Jorge Reis Novais in “Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa” pg. 263.

Ora, podemos desde já antecipar, que o legislador dos apontados diplomas não cometeu a ilegalidade que se lhe imputa.

3. 1. O DL 263-A/2007, de 23/07 - vulgarmente designado por Casa Pronta - pôs em prática os princípios defendidos pelo Grupo Parlamentar do PS aquando do debate que teve lugar no Parlamento a propósito da aprovação do DL 26/2004, desburocratizando e simplificando de forma significativa os procedimentos destinados à transmissão de imóveis, designadamente através da supressão da necessidade de escritura pública e da consequente dispensa da intervenção do notário nesse procedimento. O que leva a Autora a sustentar que tais alterações se traduziram no esvaziamento das funções notariais e, por via disso, na violação das legítimas e consistentes expectativas que os notários tinham na manutenção do quadro legislativo anterior. O que, agravado pelo estímulo recebido do Estado para exercerem a sua actividade como profissionais liberais, se traduzia na violação do princípio da protecção da confiança.

Todavia, sem razão.

Com efeito, e desde logo, o DL 263-A/2007 não buliu na substância da função notarial visto o notário continuar a ser considerado como um oficial público em que é depositada fé pública com competência para praticar os actos que, anteriormente, eram indispensáveis na transmissão e oneração de imóveis.

Depois, este diploma ao aprofundar a desburocratização e a simplificação dos procedimentos relativos àquela transmissão não impediu que ela pudesse continuar a ser feita através de escritura - desde que fosse esse o desejo dos interessados - nem desvalorizou a importância da intervenção notarial já que, tendo a mesma lugar, fica dispensado o controlo substancial da sua legalidade aquando da realização do respectivo registo, o qual ficará remetido a aspectos meramente formais.

Acresce que, tendo em conta o ocorrido no mencionado debate parlamentar, as alterações introduzidos pelo identificado diploma não só não se apresentaram como imprevisíveis e inesperadas (vd. pontos 7 a 14 do probatório) como também não se pode considerar que elas sejam inadmissíveis, arbitrárias ou demasiado onerosas e que se apresentam como violadoras das legítimas expectativas dos notários. O que, dito de outra forma, quer significar que aquele DL mais não fez do que introduzir alterações que um notário atento, previdente e cauteloso poderia antecipar, as quais por não terem sido radicais, inesperadas ou intoleráveis não se traduziram na violação do princípio da protecção da confiança.

Finalmente, ainda se dirá que a lei estabeleceu um período transitório durante o qual os notários poderiam fazer a sua opção pelo modelo público ou pelo exercício da função como profissional liberal e permitiu-lhes que a sua transferência para este último regime fosse feita ao abrigo de uma licença sem vencimento com a duração de cinco anos, com garantia do direito à sua reintegração no termo desse período, o que quer dizer que, por um lado, o legislador se preocupou com a segurança e a sobrevivência futura daqueles que optassem pelo modelo privado e, por outro, que essa possibilidade afastava as incertezas e os riscos inesperados e desfavoráveis que se pudessem verificar.

A não se entender assim estar-se-ia a contrair de forma intolerável a liberdade conformadora do legislador e, dessa forma, impedir que um Governo democraticamente eleito pudesse aplicar o seu programa eleitoral e fazer as reformas que os eleitores sufragaram.

Acompanham-se, assim, as razões expostas pelo Prof. Vieira de Andrade no seu Parecer, as quais, pelo seu acerto e concisão, se transcrevem:

“Desde logo, não existiu nenhuma garantia formal, por parte do legislador, de manutenção do contexto jurídico em que se desenvolve a actividade notarial, designadamente no que respeita ao elenco de actos sujeito a escritura pública no novo regime.

Depois, o contexto histórico também não era de molde a alimentar expectativas nesse plano, tendo em conta as propostas apresentadas pelo maior partido da oposição -. e, portanto, eventual futuro governo - no âmbito do processo legislativo, que correspondem fundamentalmente às específicas alterações em curso, orientadas no sentido da eliminação e simplificação dos actos notariais e registais.

Além disso, trata-se de uma alteração do elenco de actos sujeitos a escritura pública, na sequência de uma política de simplificação, e não de uma alteração paradigmática do regime do notariado latino, ainda que possa ter, na prática, efeitos significativos sobre a atractividade da profissão e suscite a incerteza sobre a própria viabilidade financeira dos cartórios notariais.

Por fim, a própria previsão legal de um período de transição e de medidas provisórias - designadamente da faculdade concedida aos notários e funcionários de reponderação, durante 5 anos, da opção feita pelo notariado privado, em detrimento da integração nos serviços oficiais - indicia, ela própria, a existência de uma incerteza e de um risco, que incluem a previsibilidade de alterações desfavoráveis.

Não se pode, assim, falar de um inaceitável efeito-surpresa, em termos que possam pôr em causa a liberdade de conformação do legislador e a consequente validade das respectivas opções políticas.

E não há, por isso, também por esta via, uma violação intolerável de uma expectativa juridicamente garantida, que tome ilegítima a referida opção do legislador.

Na realidade, na falta de uma garantia supra-legislativa de uma instituição ou do núcleo de um regime legal, não se pode afirmar, em geral, o direito das pessoas à manutenção dos regimes jurídicos normativos aplicáveis às relações duradouras - o carácter normativo de um regime implica a sua modificabilidade objectiva pelos órgãos competentes, sem prejuízo da eventual constituição de direitos individualmente adquiridos, quando se verifiquem os respectivos pressupostos.

A confiança depositada na estabilização do objecto da actividade notarial por parte dos profissionais que apostaram na privatização, a comprovar-se suficientemente consistente para ser digna de protecção jurídica, não seria, pois, na ausência de uma garantia constitucional, só por si, suficiente, para excluir a legitimidade do legislador para eliminar a obrigatoriedade da celebração de escrituras públicas, no desenvolvimento da política de simplificação de processos de transmissão de bens imóveis.

Num conflito assim desenhado entre os princípios, terá de prevalecer o princípio da liberdade constitutiva do legislador, cuja função possui, como sempre têm sublinhado a doutrina e a jurisprudência, a característica da autorevisibilidade, permitindo, em princípio, a alteração para o futuro dos regimes estabelecidos, em face da mudança das circunstâncias ou das opções democraticamente legitimadas.”

Está, assim, respondida a primeira das questões que nos foram colocadas.

4. O TAF de Braga quer, também, saber se aplicação daqueles procedimentos viola o princípio da concorrência visto a Autora defender que a intervenção do Instituto de Registos e Notariado (doravante IRN) na transmissão de imóveis se traduz numa actividade de “prestação de serviços de registos e notariados, de forma separada ou combinada, mediante remuneração”, onde assume a veste “de operador económico que se encontra a prestar serviços no mercado. Mais ainda, sendo parte dos serviços que o IRN presta serviços que os notários privados também prestam (ou que deixaram de poder fazê-lo em consequência da legislação discriminatória entretanto adoptada) terão, necessariamente, de ser assim também entendidos como actividades económicas quando prestados pelo IRN.” Sendo assim, e sendo que, “em razão da lei, o IRN detém o exclusivo para prestar serviços de registo e, em particular, para prestar os três pacotes combinados, nomeadamente a «Empresa da Hora», «Casa Pronta» e «Balcão Herança e Sucessões»” aquele Instituto funciona como uma empresa pública e a sua actividade, por lhe terem sido concedidos direitos exclusivos, viola a Lei da Concorrência.

A alegação da Autora parte, assim, do pressuposto de que o IRN é uma empresa pública que desenvolve uma actividade económica concorrencial da actividade notarial e que ao fazê-lo viola o princípio da concorrência já que ela, ao invés daquele, se encontra obrigada (1) a cobrar pelos seus actos preços superiores aos praticados pelo IRN; (2) a ter habilitações académicas (licenciatura) não exigidas aos funcionários das conservatórias; (3) a pagar um preço pelo acesso à informação do Ministério da Justiça, do Arquivo Público e de outros Serviços Públicos; (4) a cobrar IVA; (5) impedida, por causa das burocracias e dos custos inerentes, de oferecer os pacotes que o Governo pode oferecer e, no fim de tudo, (6) a ver os seus actos sujeitos ao controlo do conservador.

Será que ao assim litigar lhe assiste razão?

A resposta, como se verá, é negativa.

4. 1. O princípio da concorrência - constitucionalmente consagrado nos art.ºs 81/e) Cujo teor é o seguinte: “Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos da posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”. e 99.º/a) e c) Que têm a seguinte redacção: “São objectivos da política comercial: a) a concorrência salutar dos agentes mercantis; c) o combate às actividades especulativas e às práticas comerciais restritivas.” da CRP - destina-se a promover a defesa e promoção da concorrência e a assegurar, através do correcto funcionamento dos mercados e da garantia de uma concorrência equilibrada, o estabelecimento de uma competição séria e justa entre todos aqueles que produzem e/ou comercializem os mesmos produtos.

O princípio da concorrência visa, assim, colocar em condições de igualdade todos aqueles que se encontrem no comércio a desenvolver a mesma actividade e, desse modo, contribuir para que o mercado funcione de forma justa e proporcione aos consumidores os melhores preços e a melhor qualidade dos produtos. E, por ser assim, é que os referidos normativos proíbem as práticas restritivas da concorrência e reprimem os abusos da posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.

Daí que a tese sustentada pela Autora parta do pressuposto de que o IRN é uma empresa pública que desenvolve, mediante remuneração, uma actividade de natureza empresarial no domínio dos serviços de registo e do notariado em condições privilegiadas em relação àqueles com quem tem de concorrer no mercado, designadamente com os notários, violando desta forma o princípio da concorrência. Isto é, a Autora defende que o IRN presta os mesmos serviços que a Autora presta e que ao fazê-lo, atentas as regalias de que goza, viola o princípio da concorrência.

Todavia, esta alegação carece de fundamento.

Desde logo, porque o pressuposto em que Autora funda a sua tese não é verdadeiro já que, contrariamente ao alegado, o IRN não é nem funciona como uma empresa destinada a prestar serviços remunerados em concorrência desleal com os notários mas, ao invés, é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e património próprio, destinado a prosseguir as atribuições do Ministério da Justiça sob a tutela e superintendência do respectivo Ministro. Por isso é que, muito embora entre essas atribuições se conte a de “dirigir, coordenar, apoiar, avaliar e fiscalizar a actividade das conservatórias e proceder à uniformização de normas e técnicas relativas à actividade registral, assegurando o respectivo cumprimento” (art.ºs 1.º/1 e 2 e 3.º/2/b) do DL 129/2007, de 27/04) não se pode afirmar que o mesmo é uma empresa pública ou que desenvolva uma actividade empresarial em concorrência com a actividade notarial.

Depois, porque uma tal tese só teria valimento se aquele Instituto pudesse ser considerado uma “organização em que se combinam o capital fornecido por pessoas colectivas de direito público com a técnica e o trabalho, para produzir bens ou serviços destinados a oferta no mercado mediante um preço que cubra os custos e permita o financiamento normal do empreendimento” M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., vol. I, pg. 378., o que não acontece visto a sua estrutura e organização serem diferentes de uma empresa como diversas são as finalidades que lhe cumpre desenvolver. De resto, o conceito de empresa está associado ao exercício de uma actividade económica empresarial destinada à oferta de bens ou serviços num determinado mercado com a finalidade de obter proventos (art.º 2.º da Lei 18/2003, de 11/06) e, como resulta de forma evidente dos art.ºs 1.º e 3.º do DL 129/2007, a actividade do IRN não tem essas características.

Acresce que a função das conservatórias de registo predial – que são quem, na qualidade de serviços desconcentrados daquele Instituto, pratica os actos que a Autora considera violadores do princípio ora em causa – consiste primordialmente em inscrever os factos jurídicos indicados no art.º 2.º do CRP em nome do respectivo titular com vista a publicitar a sua situação jurídica e, desse modo, promover a segurança no comércio jurídico imobiliário (seu art.º 1.º) e uma tal actividade não pode ser confundida com uma actividade económica, ainda que a mesma seja remunerada. As funções desempenhadas pelo IRN integram-se, assim, nas funções do Estado e são exercidas ao abrigo de normas de direito público e, porque desenvolvidas a coberto de prerrogativas de poder público, são insusceptíveis de ser confundidas com uma actividade de natureza económica sujeita ao comércio jurídico e às regras da concorrência.

Finalmente, as actividades desenvolvidas pelos notários não se confundem nem se sobrepõem com as funções legalmente atribuídas ao IRN como se pode ver se confrontarmos as competências que o art.º 4.º do Estatuto do Notariado Aprovado pelo DL 26/2004, de 4/02. atribuiu aos notários com as funções do IRN fixadas pelo art.º 3.º do DL 129/2007. Aliás, a Autora reconhece que assim é quando afirma que “o IRN detém o exclusivo para prestar serviços de registo e, em particular, para prestar os três pacotes combinados, nomeadamente «Empresa da Hora», «Casa Pronta» e «Balcão Heranças e Sucessões»”, competência essa que, indiscutivelmente, que os notários não dispõem. E, se assim é, e se a actividade do IRN é fundamentalmente uma actividade registral e se a função notarial é destituída do poder de fazer registos não se pode afirmar que a actividade do IRN é concorrencial com a actividade dos notários.

Resta, pois, concluir que a reforma do notariado prosseguida pelo DL 263-A/2007, nomeadamente a respeitante à simplificação dos procedimentos relativos às transmissões e onerações de imóveis, não significou a violação do princípio da concorrência. E isto porque a dispensa de muitos dos actos que eram necessários a essas operações – maxime, a obrigatoriedade das mesmas se fazerem através de escritura pública - e a possibilidade de se concentrar num único balcão todas as operações e actos relativos a essa transmissão e ao seu registo, não pode ser vista como uma violação daquele princípio atenta a substancial diferença entre os serviços prestados pelos notários e os serviços prestados pelo IRN.

É certo que essa desformalização e desburocratização acarretou uma diminuição da actividade notarial com as correspondentes perdas financeiras mas essa consequência, que era inevitável, não pode fundamentar o juízo da Autora.

Está, assim, resolvida a segunda das questões que o Sr. Presidente do TAF de Braga colocou à nossa consideração.

Termos em que acordam os Juízes que compõem este Tribunal em declarar que os procedimentos criados pelo DL 263-A/2007, de 23/07, não são violadores dos princípios da protecção da confiança e da concorrência.”

Também o princípio da igualdade não sai beliscado com o limite de idade para o exercício de funções de notário e que não se impõe nem ao advogado nem ao solicitador.

Existe uma norma aplicável aos notários que não se aplica nem aos advogados nem aos solicitadores: a constante do artigo 6º, nº 2, do Estatuto do Notariado, que fixa um limite de notários em atividade por distrito, com um total nacional de 543 notários.

Esta norma cuja constitucionalidade material a Recorrente certamente não questiona porque limita a concorrência num sentido que lhe é favorável tem precisamente como contraponto a norma do limite de idade.

Se não existisse limite de idade para o exercício da função de notário, a possibilidade de exercer essa actividade por parte de quem quisesse ingressar ficaria dependente não da sua vontade e mérito, mas apenas da vontade de os que excederam os 70 anos quererem cessar a actividade. Ou morrerem.

Existe, portanto, uma justificação objectiva e razoável para impor aos notários este limite de idade para o exercício de funções.

Quanto ao administrador judicial, tal como decidido, não se pode comparar o incomparável: uma profissão, como a de notário, com uma função, a de administrador judicial, que pode ser exercida por diferentes profissionais.

Pelo que é improvável o êxito da acção, o que determina, por si só, a improcedência dos pedidos cautelares.

Tal como decidido.

*
Termos em que se impõe negar provimento quer ao recurso quer à respectiva ampliação, de que teve de se conhecer antes de conhecer do objecto do recurso por se tratar de matéria de excepção.

Tendo em conta a relativa simplicidade da matéria de excepção e o número e complexidade das questões suscitadas no recurso, mostra-se equitativo fixa em 9/10 para o Recorrente e 1/10 para o Recorrido a proporção das custas devidas, em ambas as instâncias.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente jurisdicional e à ampliação do objecto do recurso, pelo que mantêm a decisão recorrida na íntegra.

Custas pelo Recorrente e pela Recorrida na proporção, respectivamente, de 9/10 e 1/10, em ambas as instâncias.

*
Porto, 21.04.2023


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre