Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00381/12.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:IVA
“REVERSE CHARGE”
Sumário:1. Sendo o Impugnante um sujeito passivo de IVA, abrangido pela alínea j) do n.º 1 do art. 2º do CIVA, deverá proceder à liquidação do imposto devido, não obstante ser o adquirente dos serviços prestados, seguida de eventual dedução nos termos do art. 19º/1-c) do CIVA.
2. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

J…, melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos 0903T e 0906T e juros compensatórios, dela interpôs o presente recurso finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1. - A sentença padece de vício de violação da lei ao considerar o recorrente como sujeito passivo do imposto abrangido pela alínea j), do n.° 1, do Art.° 2° do CIVA.
2. - Pois, a sentença não demonstrou ou provou que o recorrente era sujeito passivo do imposto abrangido pela alínea j), do n.° 1, do Art.° 2° do CIVA.
3. - Se devido o IVA por o recorrente estar abrangido pela alínea j), do n.° 1, do Art.° 2°, do CIVA, o recorrente declarou que as remeteu ao CIVA, em devido tempo.
4. - Não obstante, os documentos estavam na posse da Autoridade Tributária, pelo que tendo o recorrente satisfeito a correta identificação, At.° 74°, n.° 2, da LGT, o seu ónus ficou cumprido.
5. - Pelo que entende, que como a liquidação e dedução são simultâneas, não tem, pelas regras da inversão, imposto a pagar.
6. - Depois, a sentença erra, ao determinar uma suposta duplicação de dedução, do mesmo documento, pois uma dedução é do IVA mencionado pelo fornecedor;
7. - Outra dedução resulta da inversão do sujeito passivo, liquidado pelo recorrente.
8. - Portanto, liquidações efetuadas por sujeitos passivos diferentes.
9. - Pelo que deve ser decretada, sem mais, a anulação das liquidações impugnadas por vício de violação de lei, por desconformidade com á alínea j), do n.° 1, do Art.° 2° e Art.° 19°, do CIVA.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se as liquidações de IVA e Juros Compensatórios, referentes aos períodos de 2009/03T e 2009/06T, para que assim se faça JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou (i) por não ter demonstrado que o Impugnante era sujeito passivo de imposto abrangido pela alínea j) do n.º 1 do art. 2º do CIVA, (ii) ao não considerar as DPs de substituição entregues pelo Recorrente (iii) não decidir que o Impugnante não tem imposto a pagar (iiii) bem como descortinar uma suposta duplicação de dedução do mesmo documento, pois uma dedução é do IVA mencionado pelo fornecedor, outra resulta da inversão do sujeito passivo, liquidado pelo recorrente.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) O impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, promovida pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Viseu, com base na ordem de serviço n.º OI201101727, iniciada em 05/01/2012 e concluída em 30/01/2012, com incidência sobre IVA dos períodos de 09/03T e 0906T.
B) No âmbito do procedimento inspetivo referido em A) foi elaborado o relatório de inspeção tributária constante de fls. 9/12 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
[…]

(Segue imagem no original)

C) Em 24/02/2012, o impugnante foi notificado das correções aritméticas à matéria coletável e do teor do relatório de inspeção tributária a que se alude em B) – cfr. fls. 8 do processo administrativo apenso aos autos.
D) Em consequência das correções aritméticas efetuadas, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, n.ºs 12017870 e 12017871, referentes a IVA do período 0903T e respetivos juros compensatórios e n.ºs 12017872 e 12017873, referentes a IVA do período 0906T e respetivos juros compensatórios, cujo montante global ascende a 5.022,43 – cfr. fls. 5/6 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Em 20/07/2012, foram apresentadas pelo sujeito passivo A… as declarações periódicas de substituição - Modelo C, referentes aos períodos 2009/12T, 2010/03T, 2010/06T e 2010/09T – cfr. fls. 11/14 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
*
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos.
*
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo instrutor apenso, os quais não foram impugnados, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O Impugnante foi sujeito a fiscalização iniciada em 5/1/2012 e concluída em 30/01/2012 com incidência sobre IVA relativo aos períodos de 0903T e 0906T concluindo que o Impugnante deduziu o IVA no montante de € 4 550,00 com base nas facturas emitidas por M… e B….

As facturas respeitam a serviços sub contratados de construção civil e o Impugnante é um sujeito passivo de IVA que pratica operações que lhe conferem o direito a dedução.
O emitente não entregou o IVA liquidado nas facturas.

Mas o Impugnante também não procedeu à liquidação do imposto devido, em conformidade com o disposto na alínea j) do n.º 1 do art. 2º do CIVA, e art. 7º/1-b) do mesmo diploma, embora o tenha deduzido.
Por conseguinte, corrigindo a omissão, a AT procedeu à liquidação adicional do imposto que deveria ter sido liquidado.

O contribuinte não se conforma e impugna a liquidação. Alega, entre o mais, desconhecer que o sub contratado não tinha enviado as DPs de IVA relativas ao exercício de 2009 e consequentemente não tinha entregue o IVA liquidado nas facturas. Acrescenta que as regras de inversão “não podem ser uma armadilha para os contribuintes que, quando excecionalmente não seja liquidado e deduzido o IVA em simultâneo se transforma este imposto em cascata somente com a liquidação do mesmo e sem a respetiva dedução”. Além disso, as facturas não cumprem o disposto no art. 36º/13 do CIVA na medida em que delas não consta a expressão “IVA devido pelo adquirente” e a AT não explica porque o IVA é devido pelo adquirente.

Alegou ainda já ter enviado “novas declarações periódicas, com a liquidação e dedução do IVA, conforme art.º 78º n.º 14 do CIVA (...) o que pode ser efectuado a todo o tempo, o que conduz à anulação das liquidações impugnadas” (art.º 25º da douta petição inicial) e juntou aos autos declarações periódicas de substituição (fls. 11 a 14).

Na contestação o Exmo. Representante da Fazenda Pública alertou para o facto de que tais declarações “...não se reportam a qualquer actividade por si exercida, são, isso sim, declarações de IVA que refletem a actividade do seu cônjuge A…” (art. 18º da contestação).
Notificado da contestação, o impugnante nada disse.
Assim como também nada disse quando foi notificado para alegações facultativas.

A MMª juiz julgou a impugnação totalmente improcedente fundamentando-se no incumprimento do dever de proceder à liquidação do imposto ao abrigo do disposto no art. 2º/1-j) do CIVA em consequência da regra de “reverse charge” estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro. Acrescentou que não estava em causa o direito à dedução, mas sim o incumprimento do dever de liquidação do imposto.

Neste recurso sustenta que a sentença (i) não provou que o Impugnante era sujeito passivo de imposto abrangido pela alínea j) do n.º 1 do art. 2º do CIVA (Conclusões 2 e 3); (ii) que remeteu ao CIVA as DPs de substituição e que satisfez a correta identificação pelo que nos termso do art, 74º/2 da LGT o seu ónus ficou cumprido. (Conclusões 3 e 4). (iii) Além disso, como a liquidação e dedução são simultâneas, não tem imposto a pagar (Conclusão 5). (iiii) A sentença erra também ao determinar uma suposta duplicação de dedução do mesmo documento, pois uma dedução é do IVA mencionado pelo fornecedor, outra resulta da inversão do sujeito passivo, liquidado pelo recorrente (Conclusões 6 a 8).

Admite ainda ter junto por lapso os documentos (DPs de substituição) relativos ao sujeito passivo A…, mas considera que as [suas] DPs “...estavam na posse da Autoridade Tributária, pelo que tendo o recorrente satisfeito a correcta identificação, art.º 74º n.º 2 da LGT, o seu ónus ficou cumprido, cujos comprovativos de entrega eletrónica remetidos em 20.07.2012 se juntam como Docs 1 e 2)” (art. 6º das alegações e n.º 4 das conclusões).

Iniciando a análise do recurso por esta última questão, constatamos que o Recorrente, embora não requeira a junção aos autos das declarações de substituição, ainda assim junta-as com as alegações (o que só se pode entender como uma hábil manifestação de interesse na sua junção) e defende ter havido erro de julgamento de facto e de direito na medida em que tendo procedido à correcta identificação das DPs, o seu ónus da prova ficou satisfeito nos termos do art. 74º/2 LGT.

Mas não tem razão. Nem quanto à junção dos documentos nem quanto ao alegado cumprimento do ónus previsto no art. 74º/2 LGT.

Vejamos a primeira questão.
Dispõe o n.º 1 do art.º 627.º que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

O recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso.

A conjugação do n.º 1 art.º 640.º e n.º1 do art.º 662.º do CPC afasta, também, a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto.

Dito isto, importará conhecer o regime legal que se aplica à junção de documentos, que em sede de recurso assume caráter excepcional, só devendo ser consentida nos casos especiais previstos na lei.

Com efeito, determina o nº 1 do artigo 651.º do CPC que ”as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.”

Nos termos do disposto no artigo 425º do Código de Processo Civil (CPC) “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”

Mas nem a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância nem a apresentação dos documentos só foi possível nesta fase.

As DPs de substituição ora juntas pretendem corrigir um lapso com a junção inicial de outras DPs de substituição em nome de outro contribuinte.
Mas o conhecimento desse lapso não é novo, nem foi conhecido apenas com a sentença porque a troca de documentos foi assinalada pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública na contestação a qual tendo sido notificada ao Impugnante nada disse.

Ou seja, não se verifica nenhum dos requisitos para a junção de documentos em recurso, pelo que não podem ser admitidos.

Quanto à segunda questão, relativa ao alegado cumprimento do disposto no art. 74º/2 LGT pretende o Recorrente/Impugnante imputar à AT as consequências de um lapso que é seu e que apenas sobre ele recaem. Com efeito, não só não requereu que a AT procedesse à junção das DPs como procedeu ele próprio à sua junção.
E se o próprio Impugnante procede à junção dos documentos, a AT fica desonerada do cumprimento do art. 74º/2 LGT.
Aliás, com a junção neste recurso das DPs o Recorrente reconhece não ter cumprido o disposto no art. 74º/2 LGT, pois caso contrário estaria a reagir contra a omissão processual da AT.
Improcede assim a conclusão 4.

No que respeita à falta de prova de que o Recorrente era sujeito passivo de IVA, abrangido pela alínea j) do n.º 1 do art. 2º do CIVA, adiante-se desde já que também não tem razão.
Em vários segmentos dos factos provados se menciona que o impugnante “...Também está inscrito para a actividade de construção de edifícios”, e “deduziu IVA das facturas relativas a serviços sub contratos de construção civil”.

Portanto, não resta qualquer dúvida que o Recorrente/Impugnante é um sujeito passivo de IVA e está abrangido pela alínea j) do n.º 1 do art. 2º do CIVA, devendo proceder à liquidação do imposto devido, não obstante ser o adquirente dos serviços prestados, seguida de eventual dedução nos termos do art. 19º/1-c) do CIVA (1).

Quanto ao facto de a liquidação e dedução serem simultâneas por força das regras do “reverse charge” isso não desonera o impugnante de proceder à liquidação do imposto, sendo certo que, por enquanto (e de acordo com a prova conhecida e cognoscível nesta instância), apenas o deduziu.

A operação de liquidação efetuada pela AT visa precisamente dar cumprimento a uma omissão ilegal do Impugnante/Recorrente, evitando assim o seu enriquecimento e o paralelo prejuízo para o Estado com a dedução do Imposto que não liquidou (e que o emitente também não entregou nos cofres do Estado).

Por fim, também não tem razão quando sustenta que a sentença erra ao determinar uma suposta duplicação de dedução do mesmo documento, pois uma dedução é do IVA mencionado pelo fornecedor, outra resulta da inversão do sujeito passivo, liquidado pelo recorrente.

O Impugnante não tem, neste caso, qualquer direito à dedução do IVA mencionado pelo fornecedor porque a liquidação de imposto que lhe confere o direito à dedução era a que deveria ter efectuado e não a que o fornecedor (indevidamente) mencionou na fatura e cujo valor, aliás, também não entregou nos cofres do Estado.

Por conseguinte, improcedendo todas as conclusões, o recurso não merece provimento.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 21 de dezembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles


(1) Ac. do STA n.º 01079/12 de 27-02-2013 Relator: FERNANDA MAÇÃS
Sumário: I – Por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços é o sujeito passivo de IVA, mas nas denominadas situações reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo (reverse charge) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços.

Ac. do TCAN n.º 00448/11.5BEVIS de 26-02-2015 Relator: Fernanda Esteves
Sumário: 2. O prestador de serviços é, regra geral, o sujeito passivo de IVA, mas nas situações denominadas de reversão da dívida tributária ou inversão do sujeito passivo (reverse charge) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto.