Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00804/17.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; ARTIGO 58º DO C.P.T.A.; ARTIGO 279º DO C.C.
Sumário:
I- Nos termos do artigo 58º, nº. 1, alínea b) do C.P.T.A, na versão dada pelo Decreto-Lei nº. 214-G/2015 de 02.10, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de três meses.
II. Este prazo conta-se nos termos do artigo 279º do Código Civil, ou seja, conta-se de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais, mas se o prazo terminar em férias judiciais, é prolongado para o primeiro dia útil seguinte.
III. Na situação recursiva, atento o facto de a Recorrente ter sido notificada do ato administrativo a 22.04.2017, verifica-se que o termo do prazo de 3 meses, para impugnação daquele ato, ocorreu no dia 24.07.2017, portanto, no decurso do período de férias judiciais de verão, transmitindo-se assim para o primeiro dia útil após férias, ou seja, para o dia 01.09.2017, pelo que, na data em que a presente ação foi proposta, em 01.09.2017, ainda não se esgotado o prazo previsto no artigo 58°, n°. 2 alínea b) do C.P.T.A. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SCPGC
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar o despacho recorrido
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
SCPGC, devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [doravante T.A.F. de Aveiro], de 13.03.2017, proferido no âmbito da Ação Administrativa que a Recorrente intentou contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação, e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
1. A Autora é docente dos quadros do Ministério da Educação.
2. Interpôs a presente ação administrativa para impugnar a decisão proferida pelo Agrupamento de Escolas AS que lhe comunicou que o tempo de serviço prestado até ao ano escolar 2001/2002 teria de ser alterado.
3. Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro, o Réu foi absolvido da instância porquanto o Tribunal a quo considerou que o direito de ação da Autora caducou.
4. Para lograr essa decisão o Tribunal a quo deu como provado que a ação foi interposta no dia 4 de setembro de 2017.
5. Sucede que esse facto dado como assente foi erradamente considerado, na medida em que a ação foi interposta (por remessa através de e-mail - cf. página 2 do documento anexo) no dia 1 de setembro de 2017, ou seja, dentro do prazo constante do artigo 58°, n.°1, alínea b) do CPTA.
6. Com efeito, a petição inicial foi enviada (conforme supra alegado e se mostra documentalmente provado) no dia 1 de setembro de 2017 às 16:21, pelo que o facto 2 dado como assente na decisão recorrida deve ter a seguinte redação: Em 1 de setembro de 2017, a ação n.° 804/17.5BEAVR foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro. - sublinhado da nossa iniciativa.
7. O facto de o carimbo aposto nesse e-mail fazer constar a data de 4 de setembro não tem qualquer relevância para efeitos de contagem do prazo de caducidade, pois conforme decorre da conjugação dos artigos 24° do CPTA e 144°, n.° 1 do CPC, a data que importa considerar é a da expedição da peça processual em apreço, ou seja, o dia 1 de setembro de 2017.
8. Isto posto, importa acrescentar que na contestação apresentada a entidade demandada veio alegar a “extemporaneidade da petição inicial", pretendendo com isso invocar uma alegada caducidade do direito de ação.
9. Entende a entidade demandada que o prazo constante da alínea b) do n.° 1 do artigo 58° do CPTA terminava no dia 24/07/2017.
10. Ora, estamos perfeitamente de acordo com a contagem efetuada pela entidade demandada.
11 Sucede que ao terminar no dia 24/07/2017, o prazo em apreço terminou em férias judiciais, razão pela qual o prazo se transferiu para o primeiro dia após o término das férias judiciais.
12. Consequentemente, a ação deu entrada em juízo no dia 1/09/2017-cf. página 2 do documento em anexo ou dos próprios autos
13. Com efeito, o facto fixado pela sentença e cuja correção aqui se peticiona deverá conduzir a uma conclusão manifestamente oposta à que foi retirada.
14. Com estes fundamentos, com o facto aqui recorrido e conforme resulta do documento junto em anexo, concluímos que a presente ação, ao ser intentada no dia 1/07/2017, foi oportunamente apresentada a juízo.
15. Assim sendo, desde logo se conclui pelo erro da decisão recorrida, que ignorou a data da expedição da petição inicial para o TAF de Aveiro e relevou o carimbo aposto pela secretaria judicial.
16. Em conformidade, a decisão aqui recorrida deve ser anulada nos termos legais e, consequentemente, deve ordenar-se a prossecução destes autos com vista à prolação de uma decisão de mérito porquanto não assiste razão à decisão recorrida.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e:
a) Revogada a decisão recorrida;
b) Ser julgada procedente a presente ação, por provada;
c) Ser o Recorrido condenado em custas e demais encargos processuais.
(…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que, todavia, não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
*
O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se (i) deve ser alterada a matéria de facto fixada, mormente, a data de interposição da presente ação vertida no ponto 1) do probatório coligido nos autos, e, bem assim, (ii) determinar se o despacho saneador-sentença recorrido, ao determinar a intempestividade da presente ação, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do direito.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. Em 22 de abril de 2017 a autora teve conhecimento da decisão impugnada; [Facto Provado por confissão - artigo 11.° da PI];
2. Em 4 de setembro de 2017, a Ação n.° 804/17.5BEAVR dá entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro; [Facto Provado por prova documental, constante a fls. 1 dos autos - paginação eletrónica]
*
III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
I- Da impugnação da matéria de facto
A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto no ponto indicado pela Recorrente.
Como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Procº. n.º 00218/08BEBRG:“1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Procº. n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.
E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)
Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por este Tribunal Superior, importa, então, analisar a situação sob apreciação aferindo do acerto da matéria de facto sob impugnação.
Para facilidade de análise, convoquemos o ponto 1 do probatório coligido na sentença recorrida.
“(…)
1. Em 4 de setembro de 2017, a Ação n.° 804/17.5BEAVR dá entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro; [Facto Provado por prova documental, constante a fls. 1 dos autos - paginação eletrónica] (…)”
A Recorrente insurge-se contra a data de interposição da presente ação ali assente, [04.09.2017], porque entende que a data correta é a coincidente com a data de remessa da mensagem de correio eletrónico para a secretaria do TAF que originou a dedução da presente ação, ou seja, 01.09.2017.
E insurge-se bem, como veremos de seguida.
Visto o teor da mensagem de correio eletrónico cuja cópia faz fls. não numeradas do processo físico, resulta cristalino que a mesma foi enviada no dia 01.09.2017, pelas 16:21, com vista à interposição da presente ação, que foi anexada à referida mensagem de correio eletrónico.
Do que vem de se expor deriva, naturalmente, que, contrariamente ao que se exarou no probatório da sentença recorrida, que não foi em 04.09.2017, mas em 01.09.2017, que teve lugar a dedução da presente ação.
Consequentemente, este Tribunal Superior decide alterar a factualidade vertida pelo tribunal “a quo” ao aludido ponto 1 da fundamentação de facto nos seguintes termos: 1. Em 01 de setembro de 2017, a Ação n.° 804/17.5BEAVR dá entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro; [Facto Provado por prova documental, constante a fls. 1 dos autos - paginação eletrónica] (…)”
Nestes termos, procede a questão da impugnação da matéria de facto.
II- Do imputado erro de julgamento em torno da caducidade do direito de ação
Cumpre, agora, apreciar se o Tribunal a quo, ao determinar a intempestividade da presente ação, ou seja, a julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação do direito.
Para facilidade de análise, convoquemos, no que ao direito concerne, o que discorreu na 1ª instância:
“(…)
Rigorosamente, à luz do CPTA (revisto), os prazos impugnatórios só se iniciam no momento da produção de efeitos pelo ato, cabendo depois distinguir consoante a posição do interessado face a esse ato. Assim, a diversidade de eventos que podem constituir o termo inicial do prazo de impugnação pode refletir-se, esquematicamente, no seguinte modelo:
a. Se o ato a impugnar já for eficaz, o prazo inicia-se:
(1) Para o destinatário do ato [mesmo que este tenha sido objeto de publicação obrigatória]: (i) na data da sua notificação pessoal; ou (ii) na data da notificação ao respetivo mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento; ou ainda, (iii) em caso de notificação a ambos (destinatário e mandatário), na data da notificação que tenha ocorrido em último lugar.
b. Se o ato a impugnar ainda não for eficaz, o prazo inicia-se:
(1.) Em qualquer caso, na data de início da produção de efeitos do ato [independentemente de o impugnante ser destinatário ou mero interessado do ato e sem prejuízo da possibilidade de impugnação de atos ineficazes, se, não obstante essa ineficácia jurídica, os mesmos já começaram a ser executados no plano dos factos ou seja seguro ou muito provável que o ato irá começar a produzir efeitos].
É certo, não se ignora, que a lei processual, também com vista a acautelar estas hipóteses e a salvaguardar a manutenção do direito de ação dos interessados mais desprotegidos perante atos cujos vícios fossem ocultos, permitia, excecionalmente, em alguns casos, a impugnação de atos administrativos após decorrido o prazo, normalmente aplicável, de três meses, desde que se demonstrasse, " ...com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente.".
Entre esses casos, encontram-se, além do justo impedimento, a hipótese de “...a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro” ou a de ". o atraso na apresentação da petição em juízo dever ser considerado desculpável.", atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma.
Verificada alguma destas situações, poderia ser admitida a impugnação de um ato administrativo mesmo após expirado o referido prazo de três meses - contudo, para tanto seria também necessário que não tivesse ainda decorrido mais de um ano; caso contrário, ultrapassado aquele hiato temporal, a impugnação seria inadmissível, mesmo que o interessado demonstrasse ser a sua situação enquadrável nalguma das exceções previstas nas alíneas a) a c) do n.° 4 do artigo 58.° do CPTA.
Em síntese sempre se dirá que,
após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 2 de outubro, as situações nas quais é admissível a propositura de uma ação impugnatória para lá do prazo geral de três meses (anteriormente previstas no n.° 4) passaram agora a integrar-se no n.° 3 do artigo 58.° do CPTA, com a seguinte redação: “. 3 — A impugnação de atos administrativos, com fundamento na sua anulabilidade é admitida, para além do prazo de três meses previsto na alínea b) do n.° 1: a) Nas situações em que ocorra justo impedimento, nos termos previstos na lei processual civil; b) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro destaque nosso; ou c) Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma .”.
Não obstante a grande similitude entre as redações antiga e atual da lei, de todo este novo "arranjo" legal do artigo 58.°, n.° 3 do CPTA revisto resultam, fundamentalmente, duas principais alterações:
(i) por um lado, a demonstração de que, “.no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente.” só releva nos casos em que a Administração tenha induzido o interessado em erro, passando este a dispor de um prazo de três meses - contados desde a data da cessação do erro - para a apresentação da petição da impugnação em Tribunal - alínea b);
(ii) por seu turno, o limite máximo de um ano para a impugnação do ato fica reservado unicamente para os casos de atraso desculpável, "... atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma... " - alínea c).
Para o que aqui importa, é de realçar que (i) a lei processual passou agora a prever expressamente uma situação em que o prazo impugnatório, continuando a ser de três meses, só se inicia [não na data da prática do ato, da sua notificação, publicitação ou conhecimento, nem na da produção dos seus efeitos] no momento em que cessa o erro do interessado, sendo que (ii) a impugnação, nestes casos, não está sujeita a qualquer prazo preclusivo [nomeadamente, o de um ano] que seja contado desde a data da prática do ato.
Portanto, literalmente, o CPTA passa a permitir que o interessado impugne um ato mais de um ano depois da sua prática [ou da sua notificação], devendo o Tribunal atender unicamente à data da cessação do erro e nunca à data da prática do próprio ato em si.
Em contraponto, sublinha-se também que este regime excecional só é aplicável aos casos em que (i) a conduta da Administração tenha induzido o interessado em erro e em que, por esse motivo, se conclua que (ii), no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente - cláusula, esta, que passa a traduzir-se num requisito específico para a invocação de determinado fundamento para a apresentação tardia de uma ação em juízo, deixando de ser, como até aqui, um padrão geral de conduta e uma cláusula ampla de admissibilidade de impugnação de atos após o prazo de três meses, concretizada depois através das três manifestações específicas [justo impedimento, erro provocado ou ambiguidade do quadro normativo] anteriormente elencadas no (agora revogado) n.° 4 do artigo 58.° do CPTA.
Mas para que se possam apreciar tais circunstâncias, elas teriam de ter sido alegadas, o que não sucedeu.
Já quanto à contagem dos prazos, o prazo de impugnação de atos administrativos, depois de ter sido contado, entre 2002 e 2015, nos termos do Código do Processo Civil, volta a contar-se, como era tradicional, nos termos do Código Civil (vide artigo 58.°, n.° 2, do CPTA), o que implica que estamos perante um prazo contínuo que não se suspende em sábados, domingos e feriados, nem sequer em férias judiciais.
Portanto,
a revisão de 2015 afastou a regra do anterior artigo 58.°, n.° 3, segundo a qual o prazo de impugnação de três meses se contava de acordo com o disposto no artigo 144.° do CPC, suspendendo-se durante as férias judiciais. Na verdade, ao estabelecer que os prazos estabelecidos no n° 1 se contam nos termos do artigo 279° do Código Civil, o novo n° 2 do artigo 58.° assume que eles se contam de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais. O prazo que termine em dia em que os tribunais estejam encerrados ou haja tolerância de ponto é, entretanto, prolongado para o primeiro dia útil seguinte.
O CPTA revisto entrou em vigor a 1 de dezembro de 2015, o que nos faz questionar qual a redação aplicável, já que isso tem, como vimos, grandes implicações no modo de contagem do prazo de propositura da ação.
Assim sendo, e passando a analisar o caso concreto dos autos dir-se-á que está provado que a autora teve conhecimento do ato que aqui impugna a 22 de abril de 2017 (Facto Provado 1.), pelo que a 22 de julho de 2017 terminaria o prazo de 3 meses que dispunha para intentar a presente ação, o que não fez.
A autora interpõe a ação apenas a 4 de setembro de 2017 (Facto Provado 2.), já depois de caducar o direito de ação.
Caducou, pois o direito de ação, absolvendo-se o réu da instância pela procedência da exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual prevista na alínea k) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA.
(…)”.
Desta sentença discorda a Recorrente, que lhe imputa erro de julgamento de direito, que substancia com base no entendimento que o prazo de três meses previsto no artigo 58º, nº.2 do CPTA não configura um prazo substantivo, mas sim processual, e, como tal, quando o prazo para a prática de um ato processual terminar em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 138º do Código de Processo Civil.
Pelo que, ao terminar em 24.07.2017 o referido prazo de três meses, ou seja, em férias judiciais, o mesmo transferiu-se para 01.09.2017, sendo, por isso, tempestiva a apresentação da presente ação.
Vejamos.
Sobre esta matéria, importa, desde logo, determinar qual a lei aplicável à situação sub judice.
Assim, e no domínio versado, temos que o Decreto-Lei nº. 214-G/2015, de 2 de outubro, procedeu a uma reforma substancial do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], aprovado pela Lei nº. 15/2002, de 22 de fevereiro, e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], aprovado pela Lei nº. 13/2002, de 19 de fevereiro - os dois diplomas estruturantes do sistema português de contencioso administrativo.
Introduziu também alterações pontuais em diferentes diplomas avulsos que versam sobre matéria processual administrativa ou matéria puramente administrativa, como é o caso do Código dos Contratos Públicos, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, da Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular, do Regime Jurídico da Tutela Administrativa, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e da Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente.
Estabelece o art. 15º, nº. 2 do Decreto-lei nº 214-G/2015 de 02.10. que “As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei no 15/2002 de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis nos 4-A/2003 de 19 de fevereiro, 59/2008 de 11 de setembro e 63/2011 de 14 de dezembro, só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor”.
O Decreto-lei nº. 214-G/2015 de 02.10, entrou em vigor 60 dias após a data da sua aplicação [cfr. 15º., nº. 1], ou seja, a 02.12.2015.
Considerando que a presente ação deu entrada em juízo no dia 01.09.2017, será de aplicar à mesma as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 214-G/2015.
Ora, e no que para o que aqui releva, dispõe o artigo 58º do [novo] C.P.T.A., sob a epígrafe “Prazos”, que:
“1 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
(…)
b) Três meses, nos restantes casos.
2 – Sem prejuízo do disposto no nº. 4 do artigo 59º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil.
(…)”
A este título, conforme afirma J. C. Vieira de Andrade [in A Justiça Administrativa, Lições, 14.a edição, Almedina, pág. 261] o "prazo de impugnação de atos administrativos, depois de ter sido contado, entre 2002 e 2015, nos termos do Código do Processo Civil, volta a contar-se, como era tradicional, nos termos do Código Civil (artigo 58.°, nº. 2, do CPTA). Voltou a ser, por isso, um prazo contínuo que não se suspende em sábados, domingos e feriados, nem sequer em férias judiciais."
E como ensina Mário Aroso de Almeida “(…) "a revisão de 2015 afastou a regra do anterior artigo 58.°, nº 3, segundo a qual o prazo de impugnação de três meses se contava de acordo com o disposto no artigo 144.° do CPC, suspendendo-se durante as férias judiciais. Na verdade, ao estabelecer que os prazos estabelecidos no nº1 se contam nos termos do artigo 279° do Código Civil, o novo n° 2 do artigo 58.° assume que eles se contam de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais. O prazo que termine em dia em que os tribunais estejam encerrados ou haja tolerância de ponto é, entretanto, prolongado para o primeiro dia útil seguinte" [in Manual de Processo Administrativo 2ª edição, Almedina, 2016, pág.299].
De resto, é precisamente neste sentido e com a fundamentação aduzida pela doutrina acabada de transcrever, que se tem vindo a direcionar, de forma pacífica e uniforme, a jurisprudência dos tribunais superiores [vide, entre outros, os acórdãos do S.T.A., de 17.01.2019, proferido no processo n.º 09/18.8BEAVR; do T.C.A SUL, de 06.01.2017, proferido no processo n.º 1642/16.8BELSB; e de 04.05.2018, tirado no processo nº. 1114/16.0BELSB, todos acessíveis em www.dgsi.pt].
Deste modo, não se vislumbrando quaisquer razões que nos levem a divergir do entendimento que supra se descreveu, bem pelo contrário, o princípio da uniformidade na interpretação e aplicação do Direito assim o impõe [artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil], cumpre efetuar a respetiva subsunção ao caso concreto.
No caso dos autos, tendo presentes os factos alegados pela Recorrente no libelo inicial, conclui-se que as causas de invalidade assacadas ao ato impugnado conduzem à mera anulabilidade do mesmo, sendo, por isso, aplicável à respetiva impugnação o prazo de 3 meses, previsto no artigo 58°, nº 1, alínea b), do CPTA.
Assim, atento o facto de a Recorrente ter sido notificada do ato administrativo a 22.04.2017, verifica-se que o termo do prazo de 3 meses, para impugnação daquele ato, ocorreu no dia 24.07.2017, portanto, no decurso do período de férias judiciais de Verão.
Nos termos do que vem supra expender, o referido prazo transmitiu-se para o primeiro dia útil após férias, ou seja, para o dia 01.09.2017.
Pelo que, na data em que a presente ação foi proposta, em 01.09.2017, ainda não se esgotado o prazo previsto no artigo 58°, n°. 2 alínea b) do C.P.T.A.
Sendo assim, é tempo de concluir, perante a evidência da manifesta tempestividade da interposição da ação em juízo, pela procedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida, que, assim, se não pode manter.
Concludentemente, impõe-se conceder provimento integral ao presente recurso jurisdicional, revogar o despacho saneador-sentença recorrido e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais se nada mais obstar.
Assim se decidirá.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, e, em consequência, revogar o despacho saneador-sentença recorrido e determinar a baixa dos mesmos para prosseguimento dos respetivos trâmites, se nada mais a tal obstar.
Custas pelo Recorrido, ficando este, porém, exonerado do pagamento da taxa de justiça que seria devida pelo impulso processual nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
Registe e Notifique-se.
Porto, 03 de maio de 2019
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco