Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00318/11.7BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Hélder Vieira
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DE MUNICÍPIO;
TAMPA DE SANEAMENTO; PRESUNÇÃO DE CULPA; CULPA DO LESADO; CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Sumário:I — É aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos municípios, por actos de gestão pública, a presunção de culpa estabelecida no artigo 493º, nº1, do Código Civil, e artigo 10º, nº 3, do RRCEEDEP aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
II - A regra geral de caber ao lesado a prova da culpa do autor da lesão sofre inversão nas situações em que esteja estabelecida uma presunção de culpa, pois, em tal situação, ao lesado incumbe, apenas, o ónus da prova da base de presunção entendida como o facto conhecido de que se parte para firmar o facto desconhecido.
III - Em tais situações, ao autor da lesão incumbe a prova principal de que não teve qualquer culpa no acidente gerador de danos, mas e também a de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, adequadas a evitar o acidente.
IV - A presunção de culpa pode ser ilidida se, não obstante a realidade da base de presunção, a culpa não existe.
V — O artigo 570º, nº 2, do Código Civil não impede, sem mais, o concurso de culpa efectiva com a culpa presumida, pois apenas quando os danos se devem totalmente a culpa do lesado, porque o seu acto foi a causa adequada, suficiente e única do evento, não restando qualquer possibilidade de imputação dele também ao réu, é que a responsabilidade baseada numa simples presunção de culpa exclui o dever de indemnizar.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Vila Nova de Poiares
Recorrido 1:F... companhia de Seguros, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

Recorrente: Município de Vila Nova de Poiares

Recorrido: F... companhia de Seguros, SA

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, na acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, condenou o Réu ora Recorrente a pagar à Autora ora Recorrida a quantia de €7.524,00, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1):

a) No que toca à matéria de facto demonstra-se que alguns dos factos dados por provados vão para além do razoável, e subverte-se a base instrutória pela resposta dada, e por outro lado, levando em consideração os factos alegados e a prova feita, também outros factos deviam ter sido dados por provados;

b) Violaram-se assim os artigos 264º, 511º, 513º, 653º e 659º todos do Cód. Proc. Civil;

c) O Município contestou a acção quer por impugnação quer por excepção e não obstante caber à Autora a prova dos factos que pudessem sustentar o seu direito, aquele tem o direito de alegar e provar a culpa do lesado através do evento cometido pelo comissário ou representante, por força do artigo 571º do CC;

d) E de facto o Município alegou e provou factos demonstrativos da culpa do lesado, como se pode ver pelo conteúdo dos itens 8 a 14 e 18 a 21 relativos à matéria de facto constantes da base instrutória, acima transcritos nestes itens, e ainda o que consta do Auto de Participação de Acidente de Viação que se dão aqui por reproduzidos.

e) Pelo que se demonstra que a sentença é nula e de nenhum efeito, além do mais, em virtude de os fundamentos factuais estarem em oposição com a decisão e violar a al. c) do nº 1 do artigo 668º do CPC;

f) Daqueles conteúdos resulta à evidência que o acidente foi consequência de uma opção tomada pelo condutor do veículo com a matrícula ...BG-..., que deixou de circular pelo lado direito da via e passou a circular pelo centro da mesma, sem que tivesse qualquer impedimento de circular pelo seu lado direito, que se encontrava livre, com uma velocidade exagerada para as condições da via e do tempo que fazia.

g) Com esta atitude o condutor daquela viatura, violou, por vontade própria, além do mais os artigos 13º e 24º, nº 1 do Código da Estrada.

h) Pois ao voluntariamente circular fora do lado direito da via, sem nada que o justificasse, e por esse facto foi embater numa tampa de saneamento que estava elevada, provocando os danos apurados.

i) Perante esta realidade, provada pelo Município fica demonstrado o ilícito comportamento do condutor e com ele ficou ilidida a culpa do Município, além do mais porque esta se presumia e provada a culpa da lesada.

j) Pelo que o Tribunal fez errada interpretação na aplicação das normas, pois por força dos artigos 570º, 571º e 572º a responsabilidade pelo acidente cabe na sua totalidade à lesada e por isso, o Município não está obrigado a indemnizar, e responder pelo direito de regresso em relação à seguradora.

Por todas estas razões deve ser dado provimento ao recurso e, o Município ser absolvido do pedido e em consequência revogada a condenação, que foi decretada nestes autos, ficando este totalmente afastado de tal condenação, assim como nas custas.

PORQUE ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA”.

O Recorrido contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem:

1ª Contrariamente ao que sufraga o recorrente não se verifica erro de julgamento, o recorrente “ensaia” a ideia de querer ver modificada a decisão e matéria de facto, mas a verdade é que nesta capítulo e intenção não cumpre o ónus que lhe incumbia de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios de prova que porventura impusessem nos seus pontos de vista, decisão de facto diversa daquela que vem assente e que é de todo imodificável.

2ª O recorrente nem de longe nem de perto alegou e provou factos demonstrativos da culpa do lesado, e subsiste perante a matéria de facto dada por demonstrada, a presunção da sua culpa, presunção essa que não elidiu.

3ª Não se verifica, na sentença, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que existe perfeita consonância entre os fundamentos que são apontados na sentença e a lógica e consequente decisão, e existe plena perfeição no silogismo judiciário que foi tirado, valendo por dizer que a decisão / conclusão é o corolário lógico das premissas / fundamentos invocados em sede de alicerce subsuntivo.

4ª A única e exclusiva causa da ocorrência reside no facto do tampo e aro se encontrarem desalojados da sua loca natural que é a conduta do saneamento onde deveriam estar solidamente grudados, e a obrigação estradal plasmada no artº 13º do CE é, no caso, totalmente despicienda.

5º A douta sentença fez correcta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 684,3 e 689/1 do CPC; 264º, 511º, 513º, 653º e 659º do CPC; artigo 571º do CC; 668/1 alínea c) do CPC ; 13º e 14º no 1 do CE; artigos 570º, 571º e 572º todos do CC.

São termos em que e nos melhores de direito deve o recurso vir a ser julgado totalmente improcedente e não provado devendo manter-se na íntegra e sem qualquer alteração ou modificação a douta sentença.

Só assim decidindo se fará justiça!”.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se fundamentadamente, em termos que se dão por reproduzidos, pelo não provimento do recurso.

As questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida errou no julgamento dos pressupostos de facto e nos de direito, nos planos que adiante pontualmente se identificarão.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:

A – Com data de 21 de Outubro de 2009, foi elaborado pelo Posto da Guarda Nacional Republicana de Vila Nova de Poiares um auto de “participação de acidente de viação”, registado sob o n.º 65/09 (Doc. n.º 2 anexo à P.I.).

Dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. A Autora no exercício da sua actividade seguradora celebrou com ISPF, residente em …, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 751...., tendo por objecto o veículo automóvel ligeiro, misto, marca Citroen, modelo Berlingo, 1,9 D 600 Club, com a matrícula ...BG-...;

2. O contrato referido no ponto anterior mantinha a sua validade e eficácia em 21/10/2009;

3. O referido contrato de seguro abrangia também a cobertura de Danos Próprios emergentes de choque, colisão ou capotamento;

4. Os danos próprios cobertos estavam limitados ao montante de € 7.794,00;

5. A propriedade do veículo encontrava-se registada a favor da referida ISPF que detinha a sua direcção efectiva, circulando com ele, detendo as respectivas chaves, introduzia combustível, ordenava consertos e revisões, pagando os respectivos preços, prémios de seguro e impostos;

6. No dia 21 de Outubro de 2009, pelas 03h45m o veículo seguro circulava no arruamento da zona industrial de Vila Nova de Poiares, no sentido Cabouco – Entroncamento, ou seja, Risca Silva-Entroncamento de Poiares;

7. No referido dia e hora o veículo referido nos pontos anteriores era conduzido por CMSM;

8. O tempo estava chuvoso e o piso encontrava-se molhado;

9. O condutor apercebeu-se da existência de algo na estrada;

10. Para se desviar tentou passar com o meio da viatura sobre o objecto;

11. No momento em que passou sobre o objecto o condutor apercebeu-se de uma pancada na parte inferior do veículo;

12. O condutor não conseguiu controlar a direcção do veículo;

13. O Citroen foi embater contra o muro de vedação do parque da Empresa Poiarense de Madeiras, situado do lado esquerdo, tendo em conta o sentido de marcha do veículo;

14. Depois de embater no muro o Citroen fez um “pião” imobilizando-se no meio da rua;

15. O objecto solto na via era uma tampa de saneamento;

16. A referida tampa encontrava-se elevada em relação ao piso da estrada;

17. Em consequência da elevação danificou o “carter” do veículo, vincando-o;

18. Eram visíveis vestígios de óleo na via, no local do embate, no dia 25 seguinte;

19. A roda traseira do lado direito do veículo foi arrancada;

20. A caixa de saneamento está instalada na localização assinalada no documento referido na matéria assente;

21. O veículo podia passar em qualquer dos sentidos, pelo lado direito da via, sem necessidade de passar por cima das tampas de saneamento;

22. A tampa de saneamento e o respectivo aro ficaram soltos a cerca de 2,5 metros da berma direita, atento o sentido de marcha do veículo;

23. O embate do veículo danificou o muro e da rede de vedação, da Empresa Poiarense de Madeiras;

24. O Muro era feito de blocos de cimento, com a altura de 0,80 m e a rede tinha um metro de altura;

25. A Autora pagou à Empresa Poiarense de Madeiras a quantia de € 1.080,00, valor da reparação do muro;

26. Para reparar o veículo, gastava-se em mão de obra de chaparia e mecânica € 1.657,50;

27. Em mão de obra de pintura € 540,00;

28. Em material de pintura € 550,00;

29. Em Peças e material diverso € 5.000,00;

30. Aos valores supra referidos acrescia ainda IVA à taxa de 20%;

31. O veículo foi avaliado na quantia de € 7.153,00;

32. Ao abrigo da cobertura facultativa de danos próprios a Autora indemnizou a referida Ivone Pereira, tendo-lhe entregue a quantia de € 6.794,00;

33. A Autora pagou à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila Nova de Poiares que compareceu no local a prestar socorro ao condutor do Citroen, a quantia de € 250,00;

34. A Autora ficou com os salvados do veículo, com o valor de € 600,00;

Matéria de facto não provada:

i. Não provado que “8. O veículo circulava a velocidade não superior a 60 Km/hora”;

ii. Não provado que “9. O veículo circulava a velocidade superior a 100 Km/hora”;

iii. Não provado que “12. O condutor julgou tratar-se de um saco ou uma pedra”;

iv. Não provado que “14. O veículo efectuou uma derrapagem antes de embater na caixa”;

v. Não provado que “16. O referido impacto motivou o levantamento da parte da frente do veículo”;

vi. Não provado que “26. O condutor do veículo viu o obstáculo (a tampa de saneamento) à distância de 100 metros”;

vii. Não provado que “29. Foi a passagem do Citroen por cima da tampa que a obrigou a saltar da sua colocação”;

viii. Não provado que “39. A reparação não garantia as condições de segurança do veículo”.

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO

Vertidos os termos da causa e a posição das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir, já acima elencadas.

II.2.1. Do alegado erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto.

No que toca à matéria de facto, conclui o Recorrente que alguns dos factos dados por provados vão para além do razoável, e subverte-se a base instrutória pela resposta dada, e por outro lado, levando em consideração os factos alegados e a prova feita, também outros factos deviam ter sido dados por provados”, pelo que, entende violados os artigos 264º, 511º, 513º, 653º e 659º todos do Código de Processo Civil (CPC).

Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, nesse caso, entre o mais, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição, como se retira do artigo 685º-B do CPC/1961, aqui aplicável, nos seus nºs 1 e 2.

Vejamos, pontualmente.

Depois de dar notícia, sob a epígrafe “preliminar sobre as questões de facto”, sobre reclamação do despacho saneador que nos autos apresentou quanto à matéria dos quesitos que identifica — questão resolvida pelo despacho proferido em primeira instância em 30-11-2012 (fls. 143 a 148 dos autos em suporte de papel) —, alega o Recorrente que “é necessário observar que a resposta a alguns dos quesitos é contrária ao referido no Auto de Notícia, ou seja, ao Auto de Participação de Acidente de Viação, assim confirmado, uma vez que olhando para o “croqui” constante do mesmo, verifica-se que a via onde circulava, naquele dia e hora, o veículo com matrícula …-BG-…, tem a largura de 9,5 metros e entre a caixa de saneamento e a berma do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo, distam 4 metros, sem esquecer que o veículo ligeiro tem cerca de dois metros de largura, sendo, por isso, de levar em consideração na decisão.”.

Na sua contestação, o Réu ora Recorrente havia alegado que “o condutor resolveu passar pelo centro da rua, e por cima do obstáculo que diz não saber qual era, em vez de passar pela sua direita de marcha uma vez que a via se encontrava desimpedida”.

Por outro lado, havia sido decidido em resposta à reclamação em primeira instância apresentada, aquando da elaboração da base instrutória, que “a existência do Auto de Notícia e a respectiva F... com a realidade participada, constitui o único facto que mereceu a concordância das partes, tendo sido, por isso expressamente dado por reproduzido de modo integral, pelo que dele se retirará toda a factualidade com interesse para a apreciação do mérito do pedido.

É pacífica a aquisição do teor do auto de notícia para o acervo probatório, o qual foi dado por integralmente reproduzido no probatório e confirmado em audiência de julgamento pelo depoimento do militar da GNR que o elaborou.

A decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada nesta instância nos termos do disposto v.g. nas alíneas a) e b) do nº 1 e nº 2, ambos do artigo 712º do CPC/1961, aditando-se a seguinte (Doc. 2 junto com a petição inicial):

a. O arruamento referido em 6. do probatório tem a largura de 9,50 metros;

b. A distância entre a caixa de saneamento e a berma do lado direito da via atento o sentido de marcha do veículo é de 4,00 metros, local da instalação da caixa de saneamento referido em 20. da matéria assente;

c. O local do embate do veículo no muro de vedação, mencionado em 13. do probatório, encontra-se à distância de 39,00 metros da caixa de saneamento referida em 20. do probatório;

d. A imobilização do veículo referida em 14. da matéria assente ocorreu a uma distância de 16,00 metros do local onde o mesmo havia embatido no muro de vedação referido em 13. do probatório e em c. supra.

Quanto aos denominados desacertos, relativamente aos factos assentes em 11, 23 (face, designadamente, ao conteúdo do 18.), 28 (considerando o 25.) e 38 (face ao 31.), vejamos.

Quanto ao quesito 11, verifica-se pelo seu teor, pela resposta que em audiência de discussão e julgamento mereceu e pelo seu teor assente em 9. do acervo probatório que, entre a prova total do facto e a falta absoluta de qualquer elemento susceptível de conduzir a uma resposta negativa, o Tribunal a quo se quedou pela decisão de conteúdo restritivo, mas contida ainda na matéria articulada — veja-se, a propósito, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., Almedina, 3ª ed., pag, 229; Acórdão do STA, de 22-10-1996, processo nº 96S093, no qual se sumariou: “As respostas aos quesitos não têm de ser afirmativas ou negativas; podem também ser restritivas ou explicativas.”.

Quanto ao alegado desacerto do “conteúdo do quesito 23 face à resposta constante do item 18 desta peça processual, onde se ultrapassou o que era legalmente permitido”, verifica-se que foi provada a matéria do quesito 18 e quanto ao quesito 23 mereceu uma resposta restritiva, com menção explicativa do tempo e do espaço, mas ainda contida nos factos articulados.

Relativamente à alegação de que a “resposta ao quesito 28, levando em consideração o respondido ao quesito 25 e o que consta do documento dado por reproduzido não se concebe”, restaria explicar a razão pela qual “não se concebe”, pois trata-se, mais uma vez, de resposta restritiva, pois, questionando-se se “a tampa da conduta de saneamento e o respectivo aro estavam e ficaram soltos (…)”, não se provou que “estavam [soltos]”, mas apenas que “ficaram soltos”.

Finalmente, quanto ao alegado “conteúdo do quesito 38 e a resposta dada e constante do item 31, o qual nem sequer a petição oferece respaldo a tal conteúdo”, vejamos.

Quesito 38: “O valor da reparação era superior ao valor comercial do veículo?”.

Ao que foi respondido: “Provado que o veículo foi avaliado em € 7.153,00”.

O quesito, ao invés de questionar o valor da reparação do veículo e o seu valor comercial, mostra-se formulado no sentido da comparação entre dois valores, mero juízo valorativo.

Apesar disso, para a resposta, sempre se mostraria necessário esclarecer cada um dos termos da equação e certo é que a resposta foi no sentido de esclarecer um dos factos implicados no quesito, ou seja, o do valor comercial do veículo.

Quanto ao valor da reparação do veículo, a base instrutória foi provida com quesitos aos quais se respondeu pela forma que do probatório consta em 26., 27., 28. e 29. do acervo probatório.

Assim sendo, e contendo-se a resposta ainda dentro da matéria da causa tal como configurada pelas partes, apesar do evidente apelo a um juízo valorativo na formulação do quesito, permanece válida a resposta ali implicada, pois além do exposto, não se apresenta conclusiva e antes se mostra susceptível de ser compaginada com os restantes supra identificados factos, na prossecução da verdade material.

No que toca à matéria da velocidade a que o veículo circularia, não se provou que “8. O veículo circulava a velocidade não superior a 60 Km/hora, nem se provou que9. O veículo circulava a velocidade superior a 100 Km/hora”;

Nenhum dos argumentos aduzidos pelo Recorrente permite descortinar concretos meios probatórios que imponham, ou permita inferir com segurança mínima, decisão diversa da recorrida nesta matéria, sem prejuízo, evidentemente, da possibilidade, a partir dos factos assentes, de formulação de um juízo sobre o eventual excesso de velocidade, por relativo o conceito.

II.2.2. — Do alegado erro da decisão quanto aos pressupostos de Direito.

Nas suas conclusões, o Recorrente argui a nulidade da sentença, argumentando, designadamente, que “O Município contestou a acção quer por impugnação quer por excepção e não obstante caber à Autora a prova dos factos que pudessem sustentar o seu direito, aquele tem o direito de alegar e provar a culpa do lesado através do evento cometido pelo comissário ou representante, por força do artigo 571º do CC”, que “de facto o Município alegou e provou factos demonstrativos da culpa do lesado, como se pode ver pelo conteúdo dos itens 8 a 14 e 18 a 21 relativos à matéria de facto constantes da base instrutória, acima transcritos nestes itens, e ainda o que consta do Auto de Participação de Acidente de Viação que se dão aqui por reproduzidos., e concluindo: “Pelo que se demonstra que a sentença é nula e de nenhum efeito, além do mais, em virtude de os fundamentos factuais estarem em oposição com a decisão e violar a al. c) do nº 1 do artigo 668º do CPC; [nosso sublinhado, destinado a relevar que estes aspectos, como também resulta das conclusões f) a j), se incluem na matéria atinente ao alegado erro de julgamento, de que adiante se conhecerá].

Cabe relembrar que só ocorrerá nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzem a um resultado oposto ao expresso na decisão ou, dito de outro modo, quando das apuradas premissas de facto e de direito o julgador haja extraído uma decisão oposta ou divergente à que, logicamente, devia ter extraído.

Como reza o artigo 668º, nº 1, alínea c), do CPC/1961, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Nas palavras de José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, e Rui Pinto — Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pag. 670 — «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta (….) A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 193-2-b)». Veja-se ainda, entre muitos outros, acórdão do STJ, de 02-12-2013, processo nº 110/2000.L1.S1.

Na pronúncia que emitiu sobre a invocada nulidade, o Mmº Juiz a quo refere, e bem: “…a totalidade da argumentação utilizada para a sustentar, versa sobre invocado erro de julgamento uma vez que o Recorrente, abstendo-se de especificar a factualidade que considera em oposição com o decidido, afirma apenas, doutamente, que os factos que selecciona deviam conduzir a uma decisão conforme com a solução que defende.”.

E assim é no caso presente.

Neste sentido, não ocorre a arguida nulidade.

Vejamos, finalmente a magna questão do erro de julgamento.

As conclusões que o vertem alegam o seguinte:

c) O Município contestou a acção quer por impugnação quer por excepção e não obstante caber à Autora a prova dos factos que pudessem sustentar o seu direito, aquele tem o direito de alegar e provar a culpa do lesado através do evento cometido pelo comissário ou representante, por força do artigo 571º do CC;

d) E de facto o Município alegou e provou factos demonstrativos da culpa do lesado, como se pode ver pelo conteúdo dos itens 8 a 14 e 18 a 21 relativos à matéria de facto constantes da base instrutória, acima transcritos nestes itens, e ainda o que consta do Auto de Participação de Acidente de Viação que se dão aqui por reproduzidos.

(…)

f) Daqueles conteúdos resulta à evidência que o acidente foi consequência de uma opção tomada pelo condutor do veículo com a matrícula ...BG-..., que deixou de circular pelo lado direito da via e passou a circular pelo centro da mesma, sem que tivesse qualquer impedimento de circular pelo seu lado direito, que se encontrava livre, com uma velocidade exagerada para as condições da via e do tempo que fazia.

g) Com esta atitude o condutor daquela viatura, violou, por vontade própria, além do mais os artigos 13º e 24º, nº 1 do Código da Estrada.

h) Pois ao voluntariamente circular fora do lado direito da via, sem nada que o justificasse, e por esse facto foi embater numa tampa de saneamento que estava elevada, provocando os danos apurados.

i) Perante esta realidade, provada pelo Município fica demonstrado o ilícito comportamento do condutor e com ele ficou ilidida a culpa do Município, além do mais porque esta se presumia e provada a culpa da lesada.

j) Pelo que o Tribunal fez errada interpretação na aplicação das normas, pois por força dos artigos 570º, 571º e 572º a responsabilidade pelo acidente cabe na sua totalidade à lesada e por isso, o Município não está obrigado a indemnizar, e responder pelo direito de regresso em relação à seguradora.”.

Dirimindo.

Depois de identificar o regime legal aplicável, o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEEDEP) aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, e enunciar os pressupostos, de ocorrência cumulativa, da obrigação de indemnizar, a sentença recorrida concluiu pela verificação da ilicitude e da culpa do Réu ora Recorrente: “Não fica, portanto, dúvida quanto à existência de ilicitude e culpa na eliminação de obstáculos à circulação viária, ou mesmo na omissão de sinalização que vem imputado ao Réu: conhecendo, ou estando obrigada a conhecer a situação de perigo que para pessoas e bens representava a falta de fixação ao solo do aro da tampa do sistema de saneamento, nada demonstrou ter feito para evitar a ocorrência de prejuízos.”.

Quanto ao nexo de causalidade ali se consignou em fundamentação da decisão, designadamente:

O Réu defende-se sob a alegação de que existia de ambos os lados do obstáculo espaço bastante para permitir a passagem do veículo seguro em segurança, concluindo que se colidiu com a tampa de saneamento foi por circular excessivamente à esquerda, pois se tivesse passado pela sua direita de marcha (…) como era seu dever não havia o que quer que fosse e muito menos qualquer tampa.

Pretende, com semelhante alegação atribuir uma parte da culpa ao condutor do veículo, facto que o isentaria da obrigação de indemnizar por aplicação da previsão vertida no n.º 2 do art.º 570.º do Código Civil.

Neste aspecto, não há dúvida de que sobre os condutores dos veículos que circulam nas vias públicas impende o dever de circular pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidente, respeitando quanto estatui o art.º 13.º do Código da Estrada, publicado pelo Dec.º-Lei n.º 44/2005, de 23/02.

Não ocorre, porém, o necessário nexo de adequação, em termos de causalidade, de acordo com quanto acima se explana, entre a referida circunstância de o veículo circular mais à esquerda do que pretensamente devia. Isto porque o escopo da norma estradal é, exclusivamente, o de regular o trânsito de veículos nas vias públicas de forma a evitar acidentes, obviamente, apenas entre veículos em circulação.

O condutor não estava legalmente impedido de utilizar a faixa esquerda da via, para ultrapassar, por exemplo, nem para contornar o obstáculo que se lhe deparou repentinamente à frente, tenha sido essa, ou não, a melhor opção.

Decisivo, foi o facto de se encontrar fora do seu lugar a tampa de saneamento que provocou os danos.

Assim, enquanto a omissão do dever de conservação do piso da via em bom estado constitui causa adequada à verificação dos danos, o comportamento do condutor do veículo, circulando cerca do centro da via, não se revela adequado ao resultado danoso.”.

Vejamos.

A questão a que o Réu e ora Recorrente deu relevo, e continua a dar em sede de recurso, é a da culpa do lesado através do evento cometido pelo comissário, face ao disposto nos artigos 570 e 571º, ambos do Código Civil (CC), com a eventual exclusão do dever de indemnizar.

Vejamos em concreto.

Com tempo chuvoso e piso molhado, o veículo em causa circulava por uma via com 09,50 metros de largura e a caixa de saneamento situava-se a meio da via, pelo que, entre a dita caixa e a berma da estrada havia uma distância de 4,00 metros, correspondente à quase totalidade da faixa de rodagem por onde seguia o veículo, atento o seu sentido de marcha (o meio da estrada situa-se a 4,75 metros da berma).

Não há notícia de circulação de outros veículos naquele local, no mesmo ou no sentido inverso, ou de qualquer outro obstáculo.

Nas condições descritas, um condutor que circulasse pela direita da faixa de rodagem, ainda que não na zona mais próxima possível da berma como estatui o artigo 13º do Código da Estrada (CE) na versão republicada pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, mas antes a meio da mesma, ainda assim, avistaria cerca do meio da estrada e, portanto, fora da zona da via de 4 metros de largura por onde seguiria, um obstáculo.

Tendo a via livre, atendendo ao sentido de marcha, certo é que o condutor terá decidido abandonar a via da direita — na assunção de que nela circulasse — para invadir a via da esquerda e efectuar uma passagem com o veículo sobre a zona onde havia avistado obstáculo.

Nada vem alegado nem dos factos resulta, remotamente sequer, a necessidade de abandonar a via por onde seguiria, ou devia seguir, e dirigir-se ao obstáculo pretendendo ultrapassá-lo passando com o veículo sobre o mesmo.

Vejamos a dinâmica do acidente.

O Autor alega que o veículo circulava a uma velocidade não superior a 60 Km/hora. Não se provou tal facto, nem se provou que circulasse a velocidade superior.

Todavia, verifica-se que, após o embate na tampa de saneamento, danificando a parte de baixo do motor situado na dianteira do veículo, a roda traseira veio também a ser arrancada.

Após o embate na tampa de saneamento com essas consequências, o veículo percorreu 39,00 metros vindo a embater num muro de vedação e vindo ainda a imobilizar-se no meio da estrada, a 16,00 metros do ponto desse embate no muro de vedação.

Destes factos e circunstâncias, tendo o veículo percorrido 55 metros naquelas circunstâncias, é de admitir, à luz da experiência e verosimilhança, que a velocidade que animava o veículo era, pelo menos, a velocidade admitida pelo Autor, ou seja, 60 km/hora.

Uma velocidade de 60 Km/hora corresponde a 16,66 metros por segundo; mesmo considerando uma velocidade de 50 Km/hora, tal corresponde a 13,88 metros por segundo.

Ora, alega o Autor que o condutor do veículo, a dada altura apercebeu-se, “a cerca de 5 ou 6 metros, que não mais, que, adiante da sua viatura, algo se encontrava na via”.

Operando a aritmética com os dados disponíveis, verifica-se que o veículo, animado de uma velocidade de 60 Km/hora, percorreu aquela distância de 6 metros em 0,36 segundos (6 metros x 3.600 segundos / 60.000 metros); a 50 Km/hora percorreria aquela distância em 0,43 segundos.

Durante essa fracção de tempo, o condutor do veículo, tal como alegado,julgou tratar-se de um saco ou de uma pedra” e “para se desviar, tentou passar com o meio da viatura por sobre o referido objecto”.

Caso o veículo circulasse na faixa de rodagem que lhe correspondia atendendo ao seu sentido de marcha, mostra-se completamente inverosímil que naquele espaço de 5 a 6 metros e naquela fracção de tempo pudesse desviar o veículo do eixo de circulação à direita da sua faixa de rodagem, atento ao seu sentido de marcha, para o centro da via em ordem a efectuar uma passagem com o meio da viatura sobre a tampa de saneamento.

A conclusão que se impõe é a de que o veículo circulava já, aquando do avistamento de algo na via, cerca do centro daquela via.

Vejamos a relevância.

Como se verte na sentença recorrida e é pacífico nos autos, sobre o Município Recorrente impendia a obrigação de manter as condições de segurança da estrada e o dever de acautelar a inflicção de prejuízos a terceiros, utentes da via, decorrentes de deficiência nas infra-estruturas instaladas, e o de vigiar permanentemente o seu estado de conservação.

Como tal, ao caso é aplicável o regime de presunção de culpa do artigo 493º do CC e nº 3 do artigo 10º do RRCEEDEP, o que significa que ao lesado, ou seja, à Autora ora Recorrida, incumbe o ónus da alegação e da prova dos factos que servem de base à presunção, não tendo que provar a culpa do lesante, antes incumbindo a este, o ónus de ilidir tal presunção — cfr. acórdãos do STA: de 06/03/2001, proc. 045160; de 01-06-2000, proc. 046068; de 11-04-2002, proc. 048442.

É pacífico nos autos a conclusão alcançada quanto a estes pressupostos, de que “se verificou um comportamento ilícito e culposo por parte do Réu”.

O que vem posto em crise é o seguinte segmento decisório:

O Réu defende-se sob a alegação de que existia de ambos os lados do obstáculo espaço bastante para permitir a passagem do veículo seguro em segurança, concluindo que se colidiu com a tampa de saneamento foi por circular excessivamente à esquerda, pois se tivesse passado pela sua direita de marcha (…) como era seu dever não havia o que quer que fosse e muito menos qualquer tampa.

Pretende, com semelhante alegação atribuir uma parte da culpa ao condutor do veículo, facto que o isentaria da obrigação de indemnizar por aplicação da previsão vertida no n.º 2 do art.º 570.º do Código Civil.

Neste aspecto, não há dúvida de que sobre os condutores dos veículos que circulam nas vias públicas impende o dever de circular pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidente, respeitando quanto estatui o art.º 13.º do Código da Estrada, publicado pelo Dec.º-Lei n.º 44/2005, de 23/02.

Não ocorre, porém, o necessário nexo de adequação, em termos de causalidade, de acordo com quanto acima se explana, entre a referida circunstância de o veículo circular mais à esquerda do que pretensamente devia. Isto porque o escopo da norma estradal é, exclusivamente, o de regular o trânsito de veículos nas vias públicas de forma a evitar acidentes, obviamente, apenas entre veículos em circulação.

O condutor não estava legalmente impedido de utilizar a faixa esquerda da via, para ultrapassar, por exemplo, nem para contornar o obstáculo que se lhe deparou repentinamente à frente, tenha sido essa, ou não, a melhor opção.

Decisivo, foi o facto de se encontrar fora do seu lugar a tampa de saneamento que provocou os danos.

Assim, enquanto a omissão do dever de conservação do piso da via em bom estado constitui causa adequada à verificação dos danos, o comportamento do condutor do veículo, circulando cerca do centro da via, não se revela adequado ao resultado danoso.”.

Como se observa, a sentença recorrida entendeu como causa adequada a omissão do dever de conservação do piso em bom estado e como causa inadequada o comportamento do condutor do veículo, circulando cerca do centro da via.

Mas vejamos se ocorre culpa do lesado, na relevância a que alude o nº 2 do artigo 570º e 571º, ambos do CC (veja-se ainda o artigo 4º do RRCEEDEP no âmbito das especificidades da figura da culpa do lesado).

É indubitável, face à disponibilidade de uma faixa com 4,00 metros de largura medidos a partir da berma da faixa de rodagem da via na qual circulava atendendo ao seu sentido de marcha, que não teria ocorrido o embate que ocasionou os danos se o condutor do veículo sinistrado (um veículo ligeiro) circulasse pelo lado direito da faixa de rodagem segundo o comando ínsito no nº 1 do artigo 13º do Código da Estrada; e também não ocorreria se, circulando cerca do meio da via, tivesse optado (se de opção se tratasse, segundo alegado) por regressar à circulação pelo lado direito da sua faixa de rodagem ao invés de invadir ou continuar a circular parcialmente na faixa contrária, em ordem a passar com a parte do meio do veículo (espaço lateral entre as rodas) sobre o objecto avistado, como descrito.

Tais comportamentos, contrários às normas de trânsito de veículos, revelam-se, no mínimo, imprudentes.

Não pode ignorar-se que, sendo livre a circulação nas vias do domínio público, essa liberdade sofre, no entanto, as restrições constantes do CE e legislação complementar (artigos 1º e 2º do CE).

Apenas quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou para mudar de direcção, como dispõe o nº 2 do artigo 13º do CE, sendo sancionado com coima a circulação em sentido oposto ao estabelecido, como também a inobservância do dever de transitar pelo lado direito da faixa de rodagem.

Assim:

a) Nenhum facto ou motivo vem invocado que justifique o trânsito pelo meio da via ou cerca do meio da via (tal como considerado, pacificamente, na sentença recorrida), revelando imprudência essa forma de circulação injustificada, bem violação das apontadas normas do CE;

b) Os factos revelam que se o condutor circulasse com o veículo pelo lado direito da faixa de rodagem, dispunha da mesma, numa largura de 4,00 metros, para prosseguir a sua marcha sem correr o risco de embater na tampa de saneamento que estava colocada cerca do centro da estrada, pelo que:

a. Não o tendo feito, tal facto revela imprudência do condutor, bem como atropleo das apontadas normas do CE;

b. Se estivesse a circular pelo lado direito da faixa de rodagem, ainda assim e nesse caso, a decisão de invadir a faixa contrária fazendo o veículo passar sobre o objecto denotaria imprudência e inobservância das referidas normas do CE, pois dispunha para tanto da sua faixa de rodagem livre e desimpedida numa largura de 4,00 metros.

Neste caso, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do CC), ou seja, aferida pelos cuidados exigíveis a um homem médio — medianamente prudente, diligente e capaz — colocado na posição do agente.

Os factos mostram, não só, que o condutor do veículo violou as referidas normas estradais, como também o seu comportamento denota uma censurável falta de prudência e de cuidado.

Neste sentido, o embate ocorreu porque (i) o condutor decidiu passar com o veículo sobre o objecto ao invés de circular pelo lado direito da sua faixa de rodagem; ou (ii), no cenário que a matéria de facto carreia como mais verosímil, circulando ilegal e imprudentemente pelo meio da estrada, decidiu passar com o veículo sobre o objecto ao invés de regressar à circulação pela direita da sua faixa de rodagem.

Impõe-se concluir pela verificação de culpa do lesado na produção do evento danoso.

Ora, como se viu, segundo o disposto no nº 2 do artigo 570º do CC, havendo culpa do lesado, fica afastada a responsabilidade de quem responderia com base numa simples presunção de culpa.

Na verdade, o referido preceito legal não exclui o direito à indemnização sempre que ocorra culpa do lesado, mas antes não permite a condenação do agente apenas com fundamento na presunção de culpa, levando a que o dever de indemnizar deva assentar necessariamente na culpa efectiva — ver, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra, 4ª ed., 1987, pag. 588: “Em regra, a culpa não se presume (cfr. art. 487º, nº 1). Mas há casos de presunção legal de culpa (cfr., como ex., os arts. 491º, 492º, 493º e 503º, 3). Nestes casos, a presunção cede, nos termos do nº 2, provando-se que houve culpa do lesado. A responsabilidade há-de basear-se, portanto, na culpa efectiva do agente, segundo a regra geral do artigo 487º.”.

Nas palavras de Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, Petrony, 2001, 5ª ed., pag. 268, “O art. 570, nº 2 não impede, sem mais, o concurso da culpa efectiva com a culpa presumida. O que ele prevê é uma situação de exclusividade, em termos de alternativa: que a causa do acidente se há-de buscar ou na culpa presumida de um, ou na efectiva de outro preferindo esta àquela. Nem poderia ser de outra maneira: entre a certeza (culpa efectiva) e o sempre possível salto no desconhecido que é a presunção de culpa, a lei opta pela certeza”.

Na verdade, como bem verte este Autor na obra citada (pag. 269), “Só quando os danos foram devidos totalmente a culpa do lesado, porque o seu acto foi a causa adequada, suficiente e única do evento, não restando qualquer possibilidade de imputação dele também ao réu, é que vale o nº 2 do art. 570º”.

No presente caso, a existência, em meio da estrada, de uma tampa de saneamento deslocada do seu local originário, não sinalizada, não é de todo indiferente à produção dos danos em termos de causalidade adequada, já que se o Réu ora Recorrente tivesse adoptado um comportamento de eliminação do obstáculo, o acidente não teria ocorrido ou, na impossibilidade imediata de tal, tivesse sinalizado o obstáculo à circulação viária, poderia o acidente não ter ocorrido.

Resulta de todo o exposto que existe concorrência de culpas na produção do acidente dos autos.

Perante as suas circunstâncias, a culpa do lesado, ainda que decorrente da violação das referidas normas estradais e de um comportamento que denota uma censurável falta de prudência e de cuidado, não exclui, a nosso ver, a responsabilidade do Réu ora Recorrente na produção do acidente, sobre quem impende um dever de manutenção das estradas sob a sua jurisdição em condições que permitam a sua utilização em segurança de harmonia com as normas legais e regulamentares aplicáveis.

Pelas razões supra apontadas, a responsabilidade do Réu fica substancialmente reduzida, pelo que ponderando a gravidade da culpa de ambas as partes, as consequências do acidente e o peso relativo das respectivas condutas na sua produção, tal como determina o já citado artigo 570º do CC, afigura-se-nos como razoável a distribuição de culpas entre o Autor (artigo 571º e 592º a 594º, todos do CC) e o Réu numa percentagem de 50%.

Procedem, assim, parcialmente, os fundamentos do recurso.

III.DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a) revoga-se a decisão recorrida, na parte impugnada;

b) Condena-se o Réu ora Recorrente a pagar à Autora a quantia de €3.762,00 (três mil setecentos e sessenta e dois euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Notifique e D.N..

Porto, 20 de Maio de 2016

Ass.: Helder Vieira

Ass.: Alexandra Alendouro

Ass.: João Beato
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(1) Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
(2) Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
(3) Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.