Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00173/06.9BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Vital Lopes
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA.
FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS.
Sumário:I - A falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e importa a nulidade da sentença, se tiverem sido alegados factos que não tenha sido dados como provados nem como não provados e que possam relevar para a decisão da causa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A... e mulher, Ana..., recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação adicional de IRS do ano de 2002, no montante de 5.431,85€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, os Recorrentes apresentaram alegações e formularam as seguintes «Conclusões:

I. A decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia.
II. Para o caso de assim se não entender, há erro de julgamento nos termos do n.º 2 do art.º 660.º do CPC na medida em que o juiz não resolveu as questões submetidas à sua apreciação.
III. O Tribunal a quo violou o disposto no art.º 653.º do CPC na medida em que da decisão proferida não declara quais os factos com relevância para a decisão da questão material controvertida – para a decisão de mérito da causa - que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados.
IV. O Tribunal a quo violou o disposto no art.º 653.º do CPC na medida em que da decisão proferida não consta terem sido analisadas, criteriosamente, as provas, nem especifica quais os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção.
V. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre os fundamentos alegados para a pretensão – ilegalidade por preterição de formalidades essenciais e ilegalidade por inexistência do facto tributário – nem sobre quaisquer outros.
VI. O tribunal a quo não julga o mérito da causa nem procurou apurar a verdade material dos factos.
VII. O acto tributário impugnado é ilegal por preterição de formalidades essenciais porque não se mostra fundamentado, isto é, não demonstra o iter cognoscitivo que conduz á conclusão que a quantia transferida da sociedade para a conta pessoal dos impugnantes não teve como causa o reembolso de quantias por estes pagas por conta e em nome da sociedade mas constitui um rendimento – um acréscimo da capacidade contributiva dos impugnantes;
VIII. O acto tributário impugnado é ilegal por preterição de formalidades essenciais porque não se mostra provado nos autos que a quantia reembolsada pela sociedade aos impugnantes constitui um rendimento destes sujeito a tributação em sede de IRS;
IX. O acto tributário impugnado é ilegal por erro sobre os pressupostos de facto e de direito que conduzem a inexistência de facto tributário.
X. A quantia de € 25.638,21 que saiu dos cofres da sociedade e entrou na conta pessoal dos impugnantes destinou-se a reembolsar – reintegrar o seu património - das quantias entregues a Auto S… Lda por conta e em nome da sociedade, conforme alegado na p.i e provado pelos documentos com ela juntos ( Doc. 2 a 13).
Nos termos expostos e noutros que V.Exas, doutamente, suprirão deve ser concedido provimento ao recurso revogando-se a Decisão recorrida com todas as consequências legais.

A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso deve improceder.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.


2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelos Recorrentes, são essencialmente as seguintes as questões que importa conhecer: i) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; ii) Violação do disposto no art.º653.º do CPC por falta de especificação dos factos provados e não provados relevantes para a decisão da causa e por falta de apreciação crítica das provas; iii) Se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da alegada falta de fundamentação do acto impugnado e inexistência do facto tributário.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1. Os Impugnantes são sócios da sociedade “B... - Gabinete de Contabilidade, Lda, pessoa colectiva n.° 5…, com sede na Rua…, Bragança
2. A liquidação a que os autos se reportam teve origem numa acção de fiscalização aos Impugnantes desencadeada em cumprimento das ordens de serviço n.°s OI200300398 e OI200500397 de 10/10/2005;
3. Daquela acção resultou a elaboração do relatório datado de 2/1/2006, que consta de fls. 6 a 110 do PA, que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque:
“CAPÍTULO II - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável//No decurso de uma acção de inspecção à firma B..., Lda, NIF 5…, aos anos de 2002 e 2003, constatou-se o seguinte: //A - Através de confronto entre extractos bancários da conta n.° 0297903-000-001, do Banco B.., e os registos contabilísticos da referida empresa (B..., Lda, NIF 5…), verificou-se que existiram vários cheques que saíram daquela conta e que não foram reflectidos na contabilidade da empresa.// B - Entre os cheques que se encontram na situação acima descrita, verificou-se que foram emitidos a favor do sujeito passivo, A... (aqui impugnante), os seguintes, dos quais se juntam cópias (...) // TOTAL 2002 (valor) 87.188,03 (…)// C - Consultadas as declarações de IRS modelo 3 apresentadas pelo sujeito passivo, referentes aos anos de 2002 e 2003, assim como o anexo J das declarações anuais para os mesmos anos, verifica-se que estes valores não se encontram declarados (anexo III// De acordo com a informação já referenciada enviada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, conclui-se que o sujeito passivo suportou despesas por conta da empresa no montante de € 19.720,65 em 2002 (...) despesas estas contabilizadas na conta 25 - sócios da firma B... Lda, tendo esta conta sido saldada no final de cada um dos anos, resultando assim, o valor a tributar das importâncias dos respectivos cheques deduzidos daquelas despesas. // D - Em face dos elementos disponíveis e nos termos do n.° 1 do artigo 2° do CIRS, as importâncias de € 67.461,38 para o ano de 2002 (...) são consideradas rendimentos do trabalho dependente. (...) CAPÍTULO IX - Direito de audição - Fundamentação // 1. O sujeito passivo (...) refere que (...) não tendo sido consideradas despesas de investimento nos valores de € 25.638,21 em 2002 (...). Refere ainda que as despesas de investimento respeitam à compra de duas viaturas, as quais, conforme cópia dos cheques apresentados pelo sujeito passivo, foram pagas por este, mas pertencentes ao activo da empresa B.... Sendo, assim, o sujeito passivo diz-se no direito de ser ressarcido dos valores adiantados à firma. (...) // 2. Relativamente a estes pontos cumpre-nos referir, que as despesas correntes se encontram evidenciadas na conta 25.5.1 ( Sócio A...) da firma B..., e por isso consideradas, não se encontrando as despesas de investimento na contabilidade da referida firma. // Acresce ainda referir que a conta para pagamento das referidas viaturas, e que o sujeito passivo considera pessoal, se encontra em nome deste, de Ana... - sócio da B… - e de B… - Funcionária da B. (Anexo V) é ainda de salientar que na identificação dos cheques da referida conta e utilizados para pagamento das viaturas em questão, se encontra impresso o nome do sujeito passivo seguido da palavra contiva (...)” - cfr., também, fls. 60, 61, 62 e 103 do PA;
4. Impugnante, sócio gerente da sociedade B..., atenta a sua qualidade de sócio, procedeu a retiradas por conta de lucros nos montantes de € 41.829,17 no ano de 2002 estribadas na deliberação da Assembleia Geral datada de 30 de Setembro de 2001- fls. 59 e 67 do PA.
Cfr., para além daqueles que se indicaram, os documentos juntos aos autos e PA».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Tal como resulta das conclusões integradas pelas alegações, os Recorrentes invocam nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questões alegadas (Conclusão I e artigos 11.º e 25.º a 29.º, das doutas alegações).


A seu ver, a sentença não se pronunciou sobre a ilegalidade do acto impugnado assente na falta de fundamentação e inexistência de facto tributário.

As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no art.º615.º, do CPC.

Ocorre nulidade da sentença, designadamente, “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” – cf. n.º1 alínea d), daquele art.º615.º.

Não enferma de nulidade a sentença que não se ocupou de todos os argumentos esgrimidos pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias à decisão o pleito. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem.se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão” – cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, vol. V, Coimbra Editora, pág.143.

Não devem pois confundir-se “questões” a decidir com “argumentos” apresentados em defesa de uma determinada posição.

“Só existe omissão de pronúncia quando o juiz não conheceu de certas questões sobre as quais não podia deixar de se pronunciar. Não tem, porém, de apreciar todos os fundamentos de que as partes se servem para fazer valer o seu ponto de vista, ou seja, os argumentos e raciocínios expostos na defesa da tese de cada uma das partes que, embora possam ser consideradas “questões” em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz” – cf. Jorge Augusto Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, Almedina, 11ª edição (2014), a pág.401.

Descendo aos autos, logo se alcança que a sentença não deixou de conhecer da ilegalidade do acto impugnado assente na falta de fundamentação e na inexistência de facto tributário, o que fez nos seguintes termos:

«Do vício de violação de lei
Os impugnantes traduzem, essencialmente, este vicio, por o vicio de forma, designadamente por falta de fundamentação do procedimento de liquidação.
(Apesar dos impugnantes invocarem nos art.°s 18.°, 19.° e 20.º da PI que a Administração visa a prossecução do interesse público no respeito pelos interesses legalmente protegidos e dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, não concretiza nem indica as acções da AT que violariam esses princípios).
Qualquer decisão da Administração deve obedecer aos requisitos gerais dos actos administrativos, elencados no artº 121° do CPA. Entre esses conta-se a fundamentação de modo a que o destinatário do acto possa determinar com segurança o sentido, o alcance e o conteúdo dessa decisão. Por outro lado a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (art.° 77º, n° 1 da LGT 125.°, n.° 1 do CPA)
Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade contradição ou insuficiência não esclareça suficientemente a motivação do acto - Art.° 125.°, n° 2 do CPA.
A fundamentação exposta pela AT é clara, suficiente e congruente.
A fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão e deverá ser clara, suficiente e congruente.
Neste caso ela foi clara, porque permitiu que, através dos seus termos, se apreendesse com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu; suficiente, porque possibilitou aos Impugnantes um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e é congruente, porque a liquidação constituiu uma conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não existindo contradição entre os fundamentos e a decisão.
Ou seja, o acto de liquidação possibilitaria, se existissem, o diagnóstico das suas patologias, designadamente a apreciação de ofensas aos princípios ou leis em vigor - pelo que está fundamentada.
Por outro lado, e como sabemos é jurisprudência majoritária, para não dizer unânime (Cfr., Diogo Leite campos e outros, LGT comentada e anotada, a edição, pág. 381 e 382 e os Acds. Do STA que aí se citam) que este vício se considera sanado quando, apesar da falta de fundamentação cio acto o destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance. Da análise do articulado de Impugnação constatamos que os Impugnantes se aperceberam desse alcance, porque, desde logo, puderam esclarecidamente refutar toda a motivação da AT, e na qual fundamentou a liquidação em causa.

Da inexistência de facto tributário
A tese dos impugnantes é a de que a sociedade l3ricontivanor comprou uma viatura de matricula 93-27-SU, cuja factura foi paga pelo impugnante marido com fundos sacados da sua conta pessoal e que, sendo assim, o montante pago de 25.638,21 €, do qual foi reembolsado, não constitui um acréscimo patrimonial e portanto não constitui um rendimento sujeito a imposto.
Ora, a AT, numa correcta interpretação dois factos e de acordo com a posição tida pelo impugnante em sede de audiência prévia, não considerou aquele valor reportado a um reembolso porque as despesas correntes se encontram evidenciadas na conta 25.5.1 (Sócio A...) da firma B..., e por isso consideradas, no encontrou despesas de investimento na contabilidade da referida firma; porque a conta para pagamento da viatura, e que o Impugnante considera pessoal, se encontra em nome deste, de Ana... - sócia da B... e sua esposa - e de B… - Funcionária da B..., e no facto dos cheques utilizados para pagamento das viaturas em questão. se encontra impresso o nome do sujeito passivo seguido da palavra contiva.
Ou seja, pata além do próprio impugnante reconhecer que procedeu a retiradas por conta de lucros no montantes de €41.829,17, a AT não considerou como reembolso o montante em causa pelos motivos indicados e que se mostram plausíveis - pelo que a liquidação impugnada que considerou os rendimentos em causa como rendimentos de capitais, porque foram lucros da sociedade colocados à disposição do sócio/impugnante, não merece qualquer censura - cfr. Art.°s 5º, n.° 2, al. h) e 6.°, n.° 4 do CIRS».

Não deixou, pois, a sentença de conhecer das questões processuais suscitadas. Se o acto tributário impugnado é ilegal por inexistência de facto tributário como dizem os Recorrentes, na medida em que a Administração tributária considerou erroneamente como rendimento de capitais a quantia de 25.638,21€ com que a sociedade reembolsou o sócio gerente e ora Recorrente das despesas de investimento por ela efectuadas e por este pagas com fundos sacados da sua conta bancária pessoal (cf. art.º11.º das doutas alegações), e a sentença assim o não entendeu, tendo antes sufragado a posição da Administração tributária quanto à natureza de rendimento de tal quantia com base na fundamentação externada e levada ao probatório, é questão a apreciar em sede de eventual erro de julgamento, mas não constitui vício invalidante da sentença por omissão de pronúncia.

Improcede este segmento do recurso.

Outrossim, alegam os Recorrentes violação do disposto no art.º653.º, do CPC, na medida em que a sentença não discrimina quais os factos com relevância para a decisão da questão material controvertida (do mérito da causa), que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, nem especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (Conclusões III e IV das alegações).

Antes de mais, importa verificar se estamos perante uma nulidade da sentença, vício que, a proceder, implica a baixa do processo ao tribunal recorrido para suprir a nulidade.

Em processo civil, na acção declarativa com forma ordinária (Titulo II, Subtítulo I), que constitui a matriz para as restantes formas de processo, há uma cisão entre o julgamento de facto e o julgamento de direito.

O julgamento de facto tem lugar por meio de um acto em que o tribunal declara quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

Nos termos do disposto no n.º2 do art.º653.º, do CPC, “A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.

Em fase posterior, tem lugar o julgamento de direito, que se consubstancia na sentença, cuja estrutura consta do art.º659.º, do CPC.

No seu n.º1 se refere que “a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar”; e, no n.º2, que “seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.

Não se exige que o juiz discrimine, na sentença, os factos não provados, mas apenas os factos provados.

Todavia, em processo judicial tributário, não há uma separação nos actos em que tem lugar o julgamento de facto e o julgamento de direito.
No processo judicial tributário, é na sentença que se procede ao julgamento de facto e ao julgamento de direito. Por essa razão, desviando-se do disposto no art.º659.º, do CPC, estabelece o n.º2 do art.º123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que, na sentença, “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.

Ou seja, a discriminação de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados integra a estrutura da própria sentença, que é o acto em que se procede (também) ao julgamento de facto, contrariamente ao que sucede em processo civil.

Daí que a não descriminação dos factos provados e não provados seja susceptível de integrar nulidade da sentença, prevista no n.º1 do art.º125.º, do CPPT.

«A razão da exigência de indicação da matéria de facto não provada, além da provada, que não aparece no art. 659.º, n.º 2, do CPC, «está em que, no contencioso tributário, não há lugar à decisão da matéria de facto, por meio de acórdão ou despacho, próprios e autónomos, como acontece no processo civil - artº 653º nº 2 -, em que se exige a indicação dos "factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados". No contencioso tributário, é na própria sentença que se opera tal julgamento.
Aí, pois, a exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto. Compreende-se assim a não referência, no artº 659º do CPCivil, aos factos não provados pois que, ai, na sentença, não resta se não aplicar o direito aos factos provados, já que, como é óbvio, os não provados não interessam para o efeito.
É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da predita discriminação entre "a matéria provada da não provada"» (Jorge Lopes de Sousa, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora 2011, pág. 320 – citando a declaração de voto do Senhor Conselheiro Dr. Brandão de Pinho proferida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07, no processo n.º 0869/02, disponível em redacção integral in www.dgsi.pt).

Pois bem. Ressalta manifesto que o tribunal “a quo” não deu cumprimento a esse comando legal, posto que nenhuma alusão é feita, na sentença, à matéria de facto não provada.

No entanto, para que tal omissão constitua nulidade da sentença, nos termos do disposto no n.º1 do art.º125.º, do CPPT, é crucial que as partes tenham alegado factualidade relevante para a decisão da causa que deveria ter sido considerada no julgamento de facto e o não foi [cf. Ac. deste TCAN, de 15/11/2013, proferido no proc.º 00331/05.3BEMDL].

Ora, compulsados os autos, constata-se que a sentença fixou unicamente os quatro factos acima transcritos que, nuclearmente, dão conta da existência de uma acção de fiscalização com base na qual se apuraram os factos descritos no relatório que culminou a referida acção e reproduzidos, por extracto, no probatório da sentença; e da qualidade de sócio gerente do Recorrente da sociedade B....

Por outro lado, constata-se que os impugnantes, ora Recorrentes, alegaram matéria factual suportada documentalmente (cf. fls. 85 a 108) a partir da qual pretendiam retirar relevantes efeitos jurídicos favoráveis à sua pretensão anulatória do acto impugnado que a sentença, de todo, não ponderou em sede de julgamento de facto.

Essencialmente e tal como sublinham no artigo 4.º das alegações do recurso, pretendiam os Recorrentes que o tribunal ponderasse: “i. (Se) a sociedade comprou a Auto S… Lda a viatura de matrícula SU, conforme consta da factura n.º 2001 01 00399 do montante de 25.638,21 (cfr. doc. 4 junto com a p.i); ii. Se a sociedade é de facto legítima proprietária e possuidora da viatura matricula SU, cfr. consta do titulo de registo de propriedade (cfr. doc. 5 junto com a p.i); iii. Se a sociedade B… Lda registou, na sua contabilidade, a factura emitida pela Auto S…, Lda, como uma despesa de investimento (cfr., doc 6 junto com a p.i); iv. Se a factura emitida pela Auto S..., Lda com o n.º 2001 01 00399 do montante de 25.638,21 foi efectivamente paga pelo sócio gerente da sociedade adquirente, B..., Lda, com fundos sacados da sua conta pessoal (cfr. doc. 7, 8, 9 juntos com a p.i)”.

Ora, estes factos, afiguram-se relevantes para a apreciação do mérito da causa, porquanto, na linha argumentativa dos Recorrentes, permitiriam esclarecer se, afinal, a quantia de 25.638,21€ entregue pela sociedade B... ao impugnante o foi a título de rendimento (e por essa razão tributada em sede de imposto de rendimento na esfera jurídica dos impugnantes), ou o foi a título de reembolso do empréstimo, o que, a provar-se, na tese dos Recorrentes, levaria à anulação da liquidação por inexistência de facto tributário.

Como se vê, os Recorrentes alegaram factos relevantes para a decisão, que devem ser considerados no julgamento de facto, dando-os como provados ou não provados, analisando criticamente as provas apresentadas e especificando os fundamentos que foram decisivos para formar a convicção (cf. art.º653.º, n.º2, do CPC e 123.º, n.º2, do CPPT).

Como assim, tendo sido alegados factos relevantes para a decisão, considerando todas as soluções plausíveis da questão de direito, e devendo os mesmos ser tidos em conta na decisão, a falta de referenciação dos mesmos nos factos provados ou não provados integra a nulidade da sentença prevista no n.º1 do art.º125.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e declarar nula a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que não padeça da nulidade apontada, se nada mais a tal obstar.

Sem custas.

Porto, 15 de Janeiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro