Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01931/11.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/27/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TAXA DE PUBLICIDADE
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O princípio do inquisitório, com o objectivo último de busca da verdade material, reflecte-se nos poderes de cognição do juiz na delimitação fáctica, na natureza e limites do objecto do processo.
II - O ónus da prova do direito de liquidar taxa referente a afixação de um painel publicitário cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
III - Não estando demonstrada a impossibilidade de medir a área do painel publicitário com rigor, o não apuramento da dimensão exacta do mesmo será valorado contra quem incumbia a prova da dimensão do painel publicitário, enquanto pressuposto e facto constitutivo do direito a liquidar.
IV - A legitimação da actuação da administração tributária segundo juízos de elevada probabilidade resulta da violação pelo sujeito passivo de alguns dos seus deveres legais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:EP..., S.A.
Recorrido 1:E..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

“EP – ..., S.A.”, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida em 21/02/2014, que julgou procedente a impugnação judicial interposta pela sociedade “E…, LDA.”, nipc 5…, com sede no Lugar …, V. N. de Famalicão, e, em consequência, anulou a liquidação impugnada.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Nos termos do artigo 100º/1 do CPPT é necessária uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
II. Conforme é mencionado pela sentença em crise, não restam dúvidas quanto à existência do painel publicitário em questão.
III. Aliás a própria impugnante o admite, tal como está mais do que provada não só por testemunhos, mas ainda pelas fotografias constantes do processo administrativo.
IV. Mas note-se que a quantificação do facto tributário, no caso concreto a dimensão do painel publicitário, não foi colocada em causa pela impugnante, nem no recurso hierárquico, nem na impugnação judicial.
V. A nosso ver, não era à entidade impugnada que incumbia o ónus de provar que não se tinha enganado na quantificação da taxa.
VI. Por outro lado, o facto de uma das testemunhas da impugnada, o Sr. H…, ter explicado que não teve possibilidades de se aproximar do painel e que atribuiu ao mesmo medidas aproximadas, não é suficiente para se concluir que as dimensões do painel não eram as constantes do acto de liquidação da impugnada.
VII. Obviamente, estando o painel em terreno particular, não podia o oficial de inspeção e apoio da EP invadir o mesmo para tirar, com fita métrica, as medidas.
VIII. Mas obviamente que a sua experiência na função, tal como foi por ele referido no seu depoimento, lhe permite aferir com grau seguro as dimensões de um painel publicitário quando vê um.
IX. De qualquer forma, do facto de a testemunha em causa ter dito que não se pode aproximar do mesmo e que calculou as medidas por aproximação, não se pode extrair uma fundada dúvida de que o mesmo foi incorretamente medido.
X. Por outro lado, como a dimensão do painel não foi colocada em causa ao longo do processo administrativo (nem na petição de impugnação), não teve oportunidade a impugnada de solicitar que, antes que o painel em causa fosse removido, lhe fosse permitida a entrada no terreno para tirar as medidas com o maior rigor possível.
XI. De acordo com o n.º 3 do artigo 100.º do CPPT, ao impugnante é que incumbia o ónus da prova de erro ou de manifesto excesso na quantificação da matéria tributável.
XII. Mas note-se que, conforme depoimento da testemunha apresentada pela impugnante, o painel até teria 10m x 3m, e não os 8m x 3m mencionados na liquidação.
XIII. Ou seja, caso estivesse errada a dimensão contabilizada, o que não se concede, essa teria sido calculada não em excesso, mas por defeito.
XIV. Acresce que a norma citada exige que o excesso seja manifesto, ou seja, não basta uma pequena diferença mas um “manifesto excesso”.
XV. Não sendo exigido, ao contrário do constante na sentença em crise, que o valor fosse aferido com certeza e não por aproximação.
****
A Recorrida E…, Lda. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª- A recorrente não cumpriu o ónus de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impusesse decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida, sendo que incumbia à recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de ter podido transcrever os excertos que considerasse relevantes, sendo que não deu satisfação a tal ónus que lhe está imposto por lei;
2ª- Assim, nos termos do artigo 640º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a) do Código do Processo Civil, aplicável por força do estatuído no artigo 2º do CPPT, deve ser rejeitado o presente recurso, por inadmissibilidade do mesmo quanto à matéria de facto impugnada;
3ª- A recorrente não logrou provar os factos em que fez assentar a liquidação da taxa em apreço;
4ª- O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária recai sobre quem os invoque;
5ª- O estatuído no nº 3 do artigo 100º do CPPT, a que a recorrente se atém nas suas doutas alegações, diz respeito apenas à quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, o que não ocorre no caso dos presentes autos;
6ª- A recorrente faz uma errada interpretação do que consta da carta de fls. 35 do P.A. e enuncia factos, como se de factos verdadeiros se tratassem, sem que o douto Tribunal ‘a quo’ se tivesse pronunciado sobre os mesmos (e sem que a tal estivesse obrigado, pois nem sequer foram alegados);
7ª- Conforme já decidido pelo STA, a “EP-..., S.A.” não dispõe de competência para liquidar a taxa impugnada, encontrando-se assim a decisão por esta tomada ferida do vício de incompetência absoluta;
8ª- Depois da entrada em vigor da Lei 97/88, a entidade impugnada deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das Câmaras Municipais nos termos do disposto no artigo 2º, nº 2 da citada Lei;
9ª- Assim, a impugnação em apreço deve ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência anulada a liquidação posta em causa;
10ª- A entidade impugnada não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante para prova dos factos pertinentes relativos aos pressupostos da liquidação da taxa em causa, nem fundamentou tal omissão;
11ª- É certo que a entidade impugnada “não está obrigada em sede de procedimento a atender e a produzir a prova nos exactos termos em que é requerida”, mas está obrigada a ouvir as testemunhas arroladas pelo interessado se este impugna factos que constituem um pressuposto do acto a proferir e o processo administrativo não contém prova (plena) dos mesmos factos;
12ª- Uma vez suscitada, em sede de recurso hierárquico, a questão da falta de audição efectiva da interessada por falta de inquirição das testemunhas arroladas, importava antes de mais apreciar tal vício, o que a impugnada não fez;
13ª- Como ensinam Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa em anotação ao artigo 60º da LGT, (Op. cit) “De harmonia com o preceituado no nº 6 deste art. 60º, se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão. A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts. 58º da L.G.T. e 104º do C.P.A.)”;
14ª- Se em sede de recurso hierárquico e decisão for desfavorável, “o sujeito que recorreu deve ser notificado do projecto de decisão para exercer o seu direito de audição, oralmente ou por escrito”, como ensina Joaquim Freitas da Rocha (op. cit.);
15ª- No caso em apreço verifica-se violação do direito de audição consagrado no artigo 60º da LGT, pelo que deve ser revogada a douta sentença recorrida, no que tange a esta matéria.
NESTES TERMOS, e nos mais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida. Para o caso, sem conceder, de V.Exas. concederem provimento ao presente recurso, deve então a douta sentença ser revogada e ser julgada totalmente procedente a impugnação com os fundamentos invocados, com todas as consequências legais, assim se fazendo inteira e sã J U S T I Ç A!
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 253 a 256 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações.
Subsidiariamente, a entidade recorrida ampliou o âmbito do recurso, na eventualidade de ser concedido provimento ao mesmo, solicitando seja a impugnação julgada procedente com os fundamentos invocados.
Assim, as questões suscitadas resumem-se em apreciar o erro de julgamento em que incorreu a decisão da matéria de facto, no concernente à quantificação do facto tributário e ao ónus da prova.
Subsidiariamente, caberá apreciar o erro de julgamento no que concerne à competência da entidade recorrida para a liquidação da taxa impugnada; bem assim a existência de vício de violação do direito de audição.



III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
A) A 23.09.2010, os serviços de fiscalização da EP – ... verificaram na EN 114 ao KM 48,450 E, a existência de painéis de publicidade implantada pertencente a “E…, LDA.”, visível da variante à N3 e EN114 – Circular Urbana D. Luís I – Rua O, sem que tivesse obtido prévia autorização daquela entidade - cfr. Processo Administrativo (PA.) – aqui dado como reproduzido para todos os efeitos legais;
B) A 4.05.2011, foi a impugnante notificada, nos seguintes termos:
Assunto: ACÇÃO DE FISCALIZAÇÃO – LEGALIZAÇÃO DE PUBLICIDADE
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO DE TAXA (…).
Na sequência da nossa carta (…), da qual não obtivemos resposta e no âmbito dos serviços de fiscalização desta empresa, verificámos que a publicidade mantém-se implantada no local supra-referido, pertença de V. Ex.ª e susceptível de ser autorizada pela EP – ..., S.A..
De referir que a publicidade está sujeita ao licenciamento por parte da respetiva Autarquia, com prévia autorização da entidade com jurisdição sobre o local onde a publicidade for afixada, no caso presente, a EP, S.A..
Efetivamente, nos termos do disposto na alínea j), do n.º 1, do Art.º 15º, do Decreto-lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, com a actualização introduzida pelo Decreto-lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, “pela implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, por cada metro quadrado ou fracção dos mesmos - € 56.79”, tem a EP a faculdade de autorizar a colocação de publicidade cobrando a respectiva taxa.
Dado o exposto, fica V. Exª notificado para efectuar o pagamento da taxa no valor de 1.362,96, correspondente a (1 painel, com as dimensões de 1,8,0 m x 3,0 m) = 24m2 x €56,79, (…).
Concede-se, igualmente, (…), o prazo de 10 dias, (…), para V. Exª, querendo, alegar por escrito o que tiver por conveniente, (…).
O Director da Delegação Regional
(…).” – cfr. fls. 45 e 46 do PA., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
C) A 25.05.2011, a impugnante apresentou requerimento escrito – cfr. fls. 43 e 44 do PA. – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – ressaltando o seguinte:
(…).
Acusamos a recepção dos três ofícios acima mencionados, pelo que, aproveitamos para informar que esta empresa apenas é responsável pela produção da imagem que os painéis exibem, sendo a respectiva legalização junto das entidades competentes já é da responsabilidade de Luís Miguel Araújo Mesquita, conforme documento que anexamos.
(…).”;
D) A 7.07.2011, foi a impugnante notificada pela EP. – cfr. fls. 39 a 40 do PA., aqui dadas como reproduzidas para os devidos efeitos legais – ressaltando o seguinte:
(…).
Em referência à carta de V. Ex.ª de 23.04.2011, cumpre-me informar o seguinte: O painel de publicidade em questão contém publicidade cujo responsável é a empresa “E…, Lda.”, conforme é referido na carta enviada, pelo que consideramos ser esta firma a responsável pela sua colocação.
(…).
Em face do referido (…), assiste razão à EP – ..., S.A., ao pretender cobrar a taxa relativamente à publicidade afixada na sua área de jurisdição relativa às Estradas da Rede Rodoviária Nacional.
Assim, venho reiterar na íntegra, o teor da nossa carta n.º 41499 de 04.05.2011
(…).
O Director da Delegação Regional (…).”;
E) A 9.08.2011, O Director da Delegação Regional da “EP – ..., S.A.”, decidiu-se pela manutenção da taxa de publicidade – cfr. fls. 28 a 31 do PA., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, ressaltando o seguinte:
(…).
Em referência à carta de V. Ex.ª recebida em 01.08.2011, cumpre-me informar o seguinte:
1. Se a empresa E…, Lda não é responsável pela publicidade em apreço como é que se explica que o painel esteja identificado, no local, com uma pequena placa com a inscrição “PROPRIEDADE DE E…”, conforme se pode ver das fotografias anexas:
2. Se a empresa E…, Lda não é responsável pelo licenciamento da publicidade (ponto 5) afixada como é que sabe se a Câmara Municipal a licenciou (ponto 12)
3. (…);
4. A empresa “E…, Lda” até pode ter contratado a “firma” “L…” para colocar o painel de suporte à publicidade em apreço (conforme declaração anexa à carta de 23.04.2011), mas isso não quer dizer que o painel seja da sua propriedade (ver fotografias anexas);
5. A empresa “E…, Lda” afirma ser falso ter colocado o painel em causa, com as dimensões constantes da notificação que recebeu, mas o que é facto e que esta Delegação Regional nunca afirmou tal coisa, apenas disse e reitera considerar essa empresa como responsável pela colocação da publicidade em apreço, tendo ainda estimado as dimensões do painel (8,0 m x 3,0 m);
6. (…).
Em face do referido (…), assiste razão à EP – ..., S.A., ao pretender cobrar a taxa relativamente à publicidade afixada na sua área de jurisdição relativa às Estradas da Rede Rodoviária Nacional.
Assim, venho reiterar o teor da nossa carta n.º 41499 de 04.05.2011 e da carta n.º 61709 de 07.07.2011. (…).”.
F) A impugnante interpôs recurso hierárquico - cfr. fls. 16 a 21 do PA., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
G) A 21.09.2011, foi o recurso indeferido – cfr. fls. 4 a 7, aqui dadas como reproduzidas.
H) O painel publicitário é pertença da “E…, Lda.”.
*
Factos não provados:
1. O painel publicitário tem as dimensões de 8m. x 3m., num total de 24 m2 de área.
*
Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos e informações juntos ao processo administrativo, referidos em cada uma das alíneas dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
O tribunal teve, ainda, em consideração os depoimentos das testemunhas R…, C… e H…, todos trabalhadores da EP., os quais prestaram um depoimento claro e desinteressado, que não foi contaminado pelo vínculo laboral que detêm com a impugnada, merecendo a credibilidade do tribunal.
Assim, a testemunha R…, engenheiro civil, que colabora na parte da fiscalização, referiu ter visto a identificação da “E…” no painel e que, perante a posição desta em negar a sua propriedade, diligenciou junto da Câmara Municipal de Santarém que lhe confirmou que o painel era da “E…”.
Por seu turno, a testemunha C… responsável pela fiscalização, referiu como decorre normalmente as acções de fiscalização, concretizando, que neste caso, a testemunha H… foi ao local e que o painel fazia publicidade ao “C…” e que na estrutura tinha uma placa da “E…”.
Por sua vez, a testemunha H…, oficial de inspecção e apoio da EP, explicou como decorreu a inspecção em causa nos autos. Referiu ter visto a identificação da “E…” no painel. Esclareceu, ainda, que quanto às dimensões do painel deu medidas aproximadas, uma vez que não tinha possibilidades de se aproximar do painel.
Por outro lado, a testemunha L…, prospetor não mereceu a credibilidade do tribunal pela forma comprometida e pouco espontânea com que prestou o seu depoimento, num esforço de se vincular à versão apresentada pela impugnante, sua entidade patronal.
Sendo certo que, a alegada circunstância de ter sido contratado pela impugnante para colocação do painel publicitário, conforme se extrai da declaração por si assinada junto ao PA, não exime a “E…” da responsabilidade pelo pagamento da taxa, reforçando, aliás, o entendimento de que o painel é sua propriedade, pois, só, assim, poderia dar ordens para a sua colocação.

2. O Direito

No seu recurso, sustenta a recorrente que a quantificação do facto tributário, no caso concreto a dimensão do painel publicitário, não foi colocada em causa pela impugnante, nem no recurso hierárquico, nem na impugnação judicial.
Por outro lado, como a dimensão do painel não foi colocada em causa ao longo do processo administrativo (nem na petição de impugnação), não teve oportunidade a impugnada de solicitar que, antes que o painel em causa fosse removido, lhe fosse permitida a entrada no terreno para tirar as medidas com o maior rigor possível.
Não obstante, a sentença recorrida discriminou nos “factos não provados”:
“O painel publicitário tem as dimensões de 8m. x 3m., num total de 24 m2 de área.”
Neste contexto e como ponto de partida, impõe-se citar J. L. Saldanha Sanches, in “O Ónus da Prova no Processo Fiscal”, publicado em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 340/342, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa:
O processo contencioso fiscal, enquanto forma de tutela dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos contribuintes, tem como objectivo a obtenção da verdade material.
A obtenção da verdade material como fim do processo fiscal impõe a estruturação do contencioso fiscal sob a predominância do princípio do inquisitório, ou, numa formulação corporizada em diferentes soluções legais, do princípio da investigação, o que se vai reflectir imediatamente nos poderes de cognição do juiz na delimitação fáctica do processo, na natureza e limites do objecto do processo.
O juiz fiscal não está, assim, limitado pelas alegações fácticas das partes nem pelos vícios do acto por estas alegados.
A existência de um ónus da prova subjectivo é incompatível com a existência dos poderes-deveres do juiz e da Administração. A situação processual desta vai ter efeitos decisivos na determinação dos factos de que o tribunal deve tomar conhecimento, favoráveis ou desfavoráveis para o contribuinte, devido ao princípio da aquisição processual.
A admissão do princípio da verdade material como objectivo do procedimento da Administração para atingir o acto tributário não pode ser mantida isolada do problema do ónus da prova no processo contencioso.
O escrutínio judicial deverá, pois, centrar-se na questão de verificar se a Administração fez prova plena dos pressupostos da pretensão processual e se existe correspondência entre os factos que logrou provar e o facto tipo contido na previsão legal.
A lei fiscal prevê em numerosos casos a possibilidade de a Administração proceder à tributação segundo avaliações que têm necessariamente de ser reconduzidas, não à certeza para além de toda a dúvida razoável da sentença judicial, mas a uma actuação segundo juízos de probabilidade que terá necessariamente de ser elevada. A legitimação deste comportamento administrativo resulta da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais.
Embora sem muita clareza, resulta do artigo 43.º da petição inicial que a impugnante afirmou expressamente: «(…) reafirma-se ser totalmente falso ter a impugnante colocado um painel publicitário com as dimensões constantes da notificação da “EP”»; face a essa alegação, o tribunal recorrido, utilizando os seus poderes de cognição, procedeu a inquirição de testemunhas e fundamentou, da seguinte forma, a factualidade não provada: a testemunha H…, oficial de inspecção e apoio da EP, explicou como decorreu a inspecção em causa nos autos. Referiu ter visto a identificação da “E…” no painel. Esclareceu, ainda, que quanto às dimensões do painel deu medidas aproximadas, uma vez que não tinha possibilidades de se aproximar do painel.
Assim, tendo em vista o objectivo de busca da verdade material e com base no princípio do inquisitório (cfr. artigos 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - CPPT e 99.º da Lei Geral Tributária - LGT), não vislumbramos qualquer irregularidade no julgamento efectuado em primeira instância.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso deve-se considerar mais vincado no actual artigo 640, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção resultante da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios constantes do processo que, em sua opinião, impunham decisão, sobre o ponto da matéria de facto impugnado, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Não obstante o que acaba de ser referido, e porque a recorrente coloca também essa questão, importa averiguar se a decisão recorrida violou normas sobre a repartição do ónus da prova.
Vejamos normas com relevância e o que estabelecem:
“Artigo 100.º - CPPT
Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos
1. Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
2. Em caso da quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.
3. O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de na impugnação judicial o impugnante demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”.
“Artigo 74.º - LGT
Ónus da prova
1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
2- Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.
3- Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.
Produzida a respectiva prova, e sempre que dela resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
Na verdade, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.° 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.
E, na verdade, é o que se passa na situação em análise, pois que a regra contida naquele n.º 1 do artigo 100.º do CPPT mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74.º, n.º 1 da LGT (idêntica à regra prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Portanto, aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova à Administração, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele n.º 1, justificarem a anulação do acto.
Comentando o antigo artigo do Código de Processo Tributário (CPT) – 121.º, escrevem Alfredo de Sousa e José Paixão in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4ª Edição, págs. 275 e seguintes:
“(…) afigura-se-nos irrecusável, por o mesmo exprimir um princípio estruturante não só do processo contencioso tributário como do processo administrativo tributário, que a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário deve implicar que a administração fiscal se abstenha, quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do imposto.
É a consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio in dubio pro fisco que, na prática, era acatado no regime anterior à Reforma Fiscal (CIRS e CIRC).
O preceito em anotação, todavia, carece de aprofundado esforço interpretativo, a fim de se aferir do seu correcto alcance.
A prova produzida de que há-de resultar a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário há-de ser, não só a prova aduzida pelas partes, como também e sobretudo a prova que ao juiz se impõe diligenciar.
Com efeito, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerarem úteis ao apuramento da verdade. (…)
A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se fundada, se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. (…)
Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida”.
Ora, apresenta-se-nos evidente que o ónus da prova, no caso concreto, do facto constitutivo do direito da recorrente recai sobre si, pois foi a EP- ..., S.A. que invocou o direito de liquidar uma taxa pela afixação de painel publicitário – cfr. o citado artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
É verdade, que a recorrente provou a existência do facto tributário, a existência do painel publicitário.
Contudo, não provou a dimensão do painel publicitário. Relembra-se que na fundamentação da decisão da matéria de facto se refere: a testemunha H…, oficial de inspecção e apoio da EP, explicou como decorreu a inspecção em causa nos autos. Referiu ter visto a identificação da “E…” no painel. Esclareceu, ainda, que quanto às dimensões do painel deu medidas aproximadas, uma vez que não tinha possibilidades de se aproximar do painel.
Sem o cumprimento do ónus pela recorrente de indicação rigorosa de meios probatórios, mostra-se, dos elementos expressos na decisão da matéria de facto, suficientemente fundamentado o facto não provado: a dimensão/área do painel publicitário; dado que, da instrução, ficamos sem saber, exactamente, quais as suas medidas para efeito de cálculo de eventual taxa devida.
Terminando com os ensinamentos com que iniciámos, aplicados ao caso em apreço, diremos que a predominância do princípio do inquisitório (cfr. artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT) se reflectiu no comportamento do juiz a quo, tendo verificado que a EP – ..., S.A. não fez prova dos pressupostos da pretensão processual, não existindo total correspondência entre os factos que logrou provar e o facto tipo contido na previsão legal.
Efectivamente, observada a norma constante da alínea j) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, chamada à colação pela recorrente e constituindo o suporte jurídico da liquidação da taxa impugnada – “Sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença são as seguintes: (…) j) Pela implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, por cada metro quadrado ou fracção dos mesmos - €56,79.” – verifica-se a relevância fulcral do facto “área” contido na norma.
Logo, como se decidiu na sentença recorrida: «(…) conforme se extrai dos factos provados e não provados não conseguiu a “EP” demonstrar a área da publicidade implantada, conforme lhe competia. Faltando, assim, um dos pressupostos de facto que justifiquem a liquidação. Na verdade, o valor da liquidação é o produto da multiplicação da área da publicidade implantada e do valor do m2 (€56,79). Ora, não bastaria à impugnada aferir o valor por aproximação, mas antes calculá-lo com certeza, o que não foi feito, conforme foi referido pela testemunha que se deslocou ao local, razão pela qual se deu como não provada a matéria elencada em 1. dos factos não provados e não resultou provado o real valor da área do painel publicitário.
Ora, as regras do ónus da prova ganham relevância quando o juiz é colocado perante um “non liquet” nas questões de facto, caso em que terá de decidir contra quem cabe a respectiva prova (…). Assim, o non liquet tem que ser valorado contra aquele a quem incumbia a prova da dimensão do painel publicitário (enquanto pressuposto e facto constitutivo do direito a liquidar), in casu, à “EP”. (…)»
Nesta conformidade, na situação em crise, o acto de liquidação não envolve um juízo subjectivo sobre a realidade dos factos, nem havia necessidade de recurso a indícios, presunções ou cálculo por aproximação, pois tal pressupunha a ausência de colaboração do contribuinte, que não se mostra minimamente evidenciada nos autos.
Não está demonstrado ser impossível medir a área do painel publicitário com rigor; logo, não se apresenta legitimada uma actuação segundo juízos de elevada probabilidade. Reiteramos que a legitimação deste comportamento administrativo resulta da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais.
É para este tipo de situações (falta de colaboração do contribuinte) que está previsto legalmente o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação a cargo do sujeito passivo e não na situação em análise, como defende a recorrente (cfr. conclusão XI das alegações de recurso) – cfr. artigo 100.º, n.º 3 do CPPT e artigo 74.º, n.º 3 da LGT.
Impondo-se a manutenção do julgamento efectuado pelo tribunal a quo, fica prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito do recurso solicitada subsidiariamente pela entidade recorrida, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC.

Conclusão/Sumário

I - O princípio do inquisitório, com o objectivo último de busca da verdade material, reflecte-se nos poderes de cognição do juiz na delimitação fáctica, na natureza e limites do objecto do processo.
II - O ónus da prova do direito de liquidar taxa referente a afixação de um painel publicitário cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
III - Não estando demonstrada a impossibilidade de medir a área do painel publicitário com rigor, o não apuramento da dimensão exacta do mesmo será valorado contra quem incumbia a prova da dimensão do painel publicitário, enquanto pressuposto e facto constitutivo do direito a liquidar.
IV - A legitimação da actuação da administração tributária segundo juízos de elevada probabilidade resulta da violação pelo sujeito passivo de alguns dos seus deveres legais.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 27 de Novembro de 2014.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves