Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00375/22.0BEALM
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
CONCURSO; CEJ;
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE/INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE;
Recorrente:AA
Recorrido 1:CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS (CEJ),
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar de Admissão Provisória a Concurso (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:julgar extinta a instância ao abrigo do artigo 277º/e) do NCPC, ex vi artigo 1° do CPTA, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
AA (1.ª Requerente), titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., residente na rua ..., ..., ..., ..., BB (2.ª Requerente), titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., residente na Avenida ..., ... ..., e CC (3.ª Requerente), titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., residente em Rua ..., ..., ... ..., ..., requereram a adoção de providência cautelar de admissão provisória a concurso, com pedido de decretamento provisório, para ingresso no ..., teórico-prática, para os tribunais judiciais, para o preenchimento de um total de 104 vagas, sendo 52 na magistratura judicial e 52 na magistratura do Ministério Publico, aberto por Despacho do Diretor do Centro de Estudos Judiciários, de 04/03/2022, nos termos contidos no referido Aviso n.° ...22, publicado em Diário da República, Série II, n.° 50/2022, de 11 de março, o que fazem contra o CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS (CEJ), com sede Largo ... ....
Posteriormente as Requerentes informaram dever prosseguir a ação para conhecimento do pedido formulado quanto à 1.ª Requerente AA, reconhecendo que a «continuidade da presente lide perdeu interesse para as Requerentes BB e CC» (cf. fls. 529 a 530 dos autos).
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi decidido assim:
a) Julgada extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide quanto às 2.ª e 3.ª Requerentes;
b) Indeferida a providência cautelar requerida pela 1.ª Requerente;
Desta vem interposto recurso pela 1º Requerente.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
A. A Recorrente sustentou no seu requerimento inicial que o ato administrativo que determinou a sua exclusão (a Lista Definitiva de Candidatos Admitidos e não Admitidos), é nulo por ofender o conteúdo essencial dos seguintes direitos fundamentais ou, no mínimo, anulável por com eles colidir: igualdade, liberdade de escolha de profissão e, ainda, proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18.º da CRP);
B. A montante deste ato, também os artigos 40.º e 145.º dos Estatutos da Magistratura Judicial e do Ministério Público, respetivamente, assim como a condição imposta pela alínea b) do n.º 2 do Aviso n.º 5170/2022, violam os princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de escolha à profissão.
C. Mais sustenta que a condição de ingresso vertida na alínea b) do n.º 2, conjugada com o ponto ii) da alínea c), ambas do Aviso n.º 5170/2022 – o qual disciplina, com natureza geral e abstrata, as condições de acesso ao ... – é ilegal por violação da alínea c) do artigo 5.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro (doravante “Lei de Ingresso”), circunstância que deve determinar a remoção da condição de exigência de mestrado ou doutoramento em área do Direito obtidos em universidade portuguesa, ou por graus académicos equivalentes reconhecidos em Portugal.
D. Na base de todos estes vícios está, como se depreende, uma constatação fundamental: a inexistência de motivos válidos ou atendíveis para a discriminação entre as licenciaturas “pré” e “pós” Bolonha, isto é, concluídas dentro ou fora do regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 74/2006.
E. Atento o seu impacto na análise sobre a verificação dos vícios identificados pela Recorrente – mormente os vícios relativos à ofensa de direitos fundamentais –, esta trata-se de uma questão absolutamente essencial para a boa decisão da causa, ainda que ao nível de uma apreciação meramente perfunctória.
F. Impunha-se, por conseguinte, que o Tribunal ad quo apreciasse esta questão com rigor e que, naturalmente, fundamentasse a sua decisão.
G. Sucede que, olhando apenas para a duração das licenciaturas “pré” e “pós” Bolonha, extraiu o Tribunal ad quo que é “natural” que o conteúdo destas licenciaturas seja diferente e que, por conseguinte, o legislador visou distinguir situações que não são equivalentes.
H. Ou seja, limitou-se este Tribunal a realizar um juízo conclusivo, segundo o qual a simples redução do tempo de licenciatura teve um impacto no seu conteúdo.
I. Contudo, a verdade é que para atingir esta conclusão é (ou seria) necessário percorrer um iter, ao qual a decisão recorrida não alude de maneira nenhuma.
J. Assim, não é possível aceder à motivação que conduziu o Tribunal a concluir – como concluiu – que o legislador visou distinguir situações que não são, na verdade, equivalentes (as licenciaturas “pré” e “pós” Bolonha).
K. Como é evidente, a simples constatação da diferença de duração entre as licenciaturas não é suscetível de cumprir com o dever de fundamentação. Sobretudo quando a Recorrente apresentou no seu requerimento inicial, a este respeito, diversos argumentos de direito sobre os quais a decisão recorrida nem sequer se debruça.
L. Destarte, por não permitir conhecer as razões de facto e/ou de direito em que fundamenta a sua decisão sobre o thema decidendum basilar dos presentes autos, é a sentença recorrida nula, de acordo com o disposto na alínea b) do número 1, do artigo 615.º do Código do Processo Civil (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).
M. A acrescer à nulidade supra invocada, verifica-se também na decisão recorrida um erro de julgamento no que concerne ao entendimento de que não se encontra preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.
N. A Recorrente apresentou argumentos suficientes para que o Tribunal considerasse provável, através do juízo perfunctório a que está adstrito, a procedência da ação principal.
O. Com efeito, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, em causa está um tratamento diferenciado entre licenciados em Direito, sem qualquer justificação objetiva para tal, sendo certo que, em rigor a licenciatura é única e o intérprete não pode distinguir onde a lei não distingue.
P. O Decreto-Lei n.º 74/2006 (que introduziu o designado “regime de Bolonha” em Portugal) considerou a duração excessiva das licenciaturas no nosso País (“formações artificialmente longas” como aí se refere) um “desperdício de recursos”.
Q. Desse modo, ao abrigo deste diploma, a licenciatura de Direito foi reduzida de 5 para 4 anos com o desiderato de evitar esse “desperdício de recursos”, sem colocar em causa a qualidade do ensino.
R. Donde decorre que, em casos como o da licenciatura em Direito, a reforma de Bolonha deu lugar uma reformulação dos planos curriculares onde foi aumentado o número de disciplinas lecionadas por semestre.
S. Não é certo, pois, em boa ciência, concluir que foi simplesmente eliminado um ano a esta licenciatura, quando o que sucedeu foi um mero reajuste do plano curricular.
T. A acrescer, em contraposição com a ideia de diferenciação entre as duas licenciaturas, o Quadro Nacional de Qualificações contido na Portaria n.º 782/2009 atribui a ambas mesmo nível de qualificações, ao passo que ao titular do grau de mestrado ou doutoramento corresponde a um nível superior (nível 7).
U. Uma vez que a “preocupação” com a diferenciação apenas iniciou em 2019, entre esta data e a data de conclusão das primeiras licenciaturas “pós” Bolonha, tiverem lugar diversos concursos para ingresso no CEJ, aos quais inúmeros titulares destas licenciaturas puderam aceder, pela via profissional, à profissão de Magistrado sem qualquer discriminação.
V. Por outro lado, se a questão se prende com os conteúdos das licenciaturas, e não com estritamente com a sua duração, a verdade é que nunca existiu uma uniformização de conteúdos das licenciaturas em Direito. Nem antes nem depois das alterações introduzidas pelo Processo de Bolonha.
W. Atingida a conclusão necessária de que a diferenciação entre as duas licenciaturas é injustificada e assente num mero preconceito e que, por conseguinte, os licenciados em Direito são iguais em competências e habilitações – na esteira, aliás, do recente entendimento do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (vd. Acórdão proferido a 24-11­2021, no âmbito do processo 17663/20.3T8LSB.L1-4) – torna-se evidente que tanto os artigos 40.º e 145.º dos Estatutos da Magistratura Judicial e do Ministério Público, respetivamente, como a condição imposta pela alínea b) do n.º 2 do Aviso n.º 5170/2022, violam os princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de escolha à profissão.
X. De onde resulta que também a decisão de exclusão da Recorrente com base naquele quadro é nula ou, pelo menos anulável (caso se entenda que a ofensa a estes princípios não atinge o seu conteúdo essencial, o que não se concede.
Y. A idêntica conclusão se chegaria pela via da violação do princípio da proporcionalidade, pois a opção pela diferenciação de licenciaturas não obedece a qualquer critério de razoabilidade nem é adequada a atingir um qualquer putativo interesse público assente na “filtragem” de candidatos admitidos a Concurso.
Z. Demonstrativo disso mesmo é o facto de a Recorrente ter logrado aprovação na prova escrita, sendo classificada à frente de muitos licenciados “pré” Bolonha que realizaram esta prova, o que permite aferir que o Recorrido faria um melhor serviço à Magistratura se concedesse a um leque o mais amplo possível de licenciados em Direito, com experiência profissional, a oportunidade demonstrar as suas qualidades e competências, assim aumentando a possibilidade de formar bons Magistrados.
AA. Assim, é manifesto que a decisão recorrida errou na apreciação do pressuposto fumus boni iuris e que o mesmo deveria ter sido dado por preenchido.
BB. Ao mesmo passo, também os restantes pressupostos para o decretamento de providência – sobre os quais o Tribunal ad quo não se debruçou – deveriam ter sido dados preenchidos.
CC. Impõe-se, assim, em conclusão, que a Sentença recorrida seja revogada e substituída por outra decisão judicial que defira a providência cautelar requerida e, em consequência, habilite a Recorrente a prosseguir o procedimento de ingresso no ... Curso de Formação bem como, mediante a necessária aprovação, a prosseguir este Curso até decisão final do processo principal.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, assim se alcançando a acostumada JUSTIÇA.

O Requerido juntou contra-alegações, concluindo:
1.Preliminarmente, por decisão sumária proferida nos presentes autos cautelares, datada de 16.º9.2022, foi deferido “o pedido de admissão à fase de avaliação curricular, nos termos requeridos, ou seja, de autorização de realização da prova oral pública já anteriormente agendada para o dia 20 de Setembro de 2022, pelas 14h30m”, na qual a Requerente, ora Recorrente, não logrou obter classificação igual ou superior a 10 valores, encontrando-se, por isso, excluída do concurso em causa (cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, pelo que se verifica a impossibilidade/inutilidade superveniente da lide, o que determina a extinção da instância, conforme resulta da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
2. Ainda previamente, em sede de contestação no âmbito da ação principal interposta pela ora Recorrente no Tribunal Administrativo de Braga sob processo n.º 1384/22.... foi invocada a falta de pressupostos processuais da ação principal (impropriedade do meio processual), porquanto a A., ora Recorrente, candidatou-se ao concurso de ingresso no curso de formação inicial, teórico-prática, para o preenchimento de um total de 104 vagas, sendo 52 na magistratura judicial e 52 na magistratura do Ministério Público, aberto por Despacho do Diretor do Centro de Estudos Judiciários, de 04.º3.2022, nos termos contidos no Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 50, de 11 de março de 2022, ao qual foram opositores 452 candidatos.
3. E dele foi excluída [notificação, ocorrida aquando da publicação da lista definitiva de candidatos admitidos e não admitidos, a 17 de maio de 2022, do ato administrativo praticado em 12 de maio de 2022 pelo Diretor-Adjunto do CEJ (em substituição do Diretor), que conclui pela inexistência de razões para alteração da exclusão da candidata, ora A.], tendo a providência cautelar dado entrada no Tribunal Administrativo Fiscal de Almada no dia 23 de maio de 2022 e a correspondente ação principal deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a 30 de agosto de 2022, sob a forma de ação administrativa.
4. Contrariamente ao entendimento da A., ora Recorrente, estamos no âmbito do contencioso dos procedimentos de massa, pelo que a ação principal deveria ter sido proposta no prazo de um mês e no tribunal da sede da entidade demanda (CEJ), nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do CPTA, pelo que se verifica a exceção dilatória inominada de falta de pressupostos processuais da ação principal, devido à inadequação da via processual empregue, impossível de convolação no meio processual adequado – o contencioso dos procedimentos em massa – por ter sido deduzida para além do prazo de um mês, o que, por sua vez, compromete, logo à partida, o presente recurso e, consequentemente, a inserção dos autos na área de jurisdição do Tribunal Central Administrativo Norte.
5. Posto isto, relativamente à invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente (cfr., aliás, reconhecido pela Recorrente).
6. Conforme se retira do exame da decisão recorrida e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto e de direito da sentença do Tribunal a quo foram indicados os elementos que foram utilizados para formar a convição do juiz, como a sua apreciação crítica, de forma a tornar possível conhecer as razões porque se decidiu no sentido em que foi e não noutro, relevando o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido ao decidir como decidiu.
7. Pelo que deve julgar-se improcedente a alegação da Recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme atrás mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, o que não se verifica.
8. Com efeito, compulsadas as conclusões formuladas pela Recorrente, resulta que as mesmas não vêm, em concreto, imputar à decisão sob recurso qualquer outro vício a não ser o supra referido, entendendo o Recorrido que a sentença recorrida não padece do mesmo nem de quaisquer outros vícios, tendo a Meritíssima Juiz a quo feito uma correta apreciação dos factos e aplicação dos normativos jurídicos subsumíveis ao caso vertente, verificando, com retidão e face ao pedido expressamente formulado pela Requerente, ora Recorrente, que não se encontram preenchidos os requisitos legais para concessão da providência requerida, no caso o requisito inerente ao fumus boni iuris.
9. Salientando-se, desde já, que considerando o espectro legal aplicável e a posição jurídico/factual da Requerente, ora Recorrente, a mesma não pode ser admitida ao concurso, sob pena de não se estar a cumprir a Lei e o anunciado para todos os candidatos no Aviso de abertura do concurso em causa.

10. De facto, no âmbito dos requisitos gerais de ingresso na formação inicial de magistrados e de admissão ao concurso, da alínea b) do n.º 2 do Aviso n.º 5170/2022 consta o seguinte:
“b) Possuir licenciatura em Direito de cinco anos ou de duração inferior, desde que seguida, neste caso, por mestrado ou doutoramento em área do Direito obtidos em universidade portuguesa, ou por graus académicos equivalentes reconhecidos em Portugal (artigo 5.º, alínea b), da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, conjugado com o artigo 40.º, alínea c), do EMJ e o artigo 146.º, alínea c), do EMP)”.
11. O artigo 5.º da Lei do CEJ estipula que:
São requisitos gerais de ingresso e formação inicial de magistrados e de admissão ao concurso:
a) Ser cidadão português ou cidadão dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal a quem seja reconhecido, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, o direito ao exercício das funções de magistrado;
b) Ser titular do grau de licenciado em Direito ou equivalente legal;
c) Ser titular do grau de mestre ou doutor ou equivalente legal, ou possuir experiência profissional na área forense ou em outras áreas conexas, relevante para o exercício das funções de magistrado, e de duração efetiva não inferior a cinco anos; e
d) Reunir os demais requisitos gerais de provimento em funções públicas.
12. E o artigo 111.º da mesma Lei veio esclarecer o seguinte:
1 - Os titulares do grau de licenciado em Direito conferido ao abrigo de organização de estudos anterior ao estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, ou equivalente legal podem concorrer com dispensa dos requisitos previstos na alínea c) do artigo 5.º.
2 - Aos candidatos que optem por beneficiar da dispensa prevista no número anterior são aplicadas as regras de concurso, ingresso e formação previstas para os candidatos que concorram com base na primeira parte da alínea c) do artigo 5.º.
(...).”
13. Por força da alteração introduzida aos Estatutos das Magistraturas Judicial e do Ministério Público (e para o que ora nos interessa a alínea c) do artigo 40.º e alínea c) do artigo 146.º, respetivamente), ficou expressamente consagrado que, para o exercício das funções de juiz de direito ou de magistrado do Ministério Público é necessário: uma licenciatura em Direito de cinco anos (licenciatura pré-Bolonha) ou de duração inferior (licenciatura pós-Bolonha) complementada por mestrado ou doutoramento em área do Direito obtidos em universidade portuguesa, ou grau académico equivalente reconhecido em Portugal (entendimento também sufragado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, cfr. deliberação tomada na sessão de 8 de fevereiro de 2021, junto sob doc. n.º 2 da oposição).
14. Nos mesmos artigos também se consagra na alínea d) que, para o exercício das funções de juiz de direito ou de magistrado do Ministério Público, também é necessário ter frequentado com aproveitamento os cursos e estágios de formação que, conforme o preceituado no artigo seguinte do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e do Estatuto do Ministério Público (EMP) decorrem no CEJ, nos termos do diploma que organiza este Centro.
15. Há, assim, uma interligação sistemática entre as normas da Lei do CEJ e dos Estatutos das Magistraturas que só podem ser lidas e interpretadas na coerência da unidade do sistema, com o sentido e alcance que lhes foi atribuído.
16.Com efeito, são aqueles Estatutos que enunciam os requisitos para exercer as funções de juiz de direito e que, na verdade, remetem para a frequência com aproveitamento do curso regulado na Lei n.º 2/2008.
(...)
Dito de outro modo, o EMP e o EMJ enunciam os requisitos de acesso à profissão, onde se inclui a frequência com aproveitamento dos cursos ou estágios de formação. Em concretização, o ingresso nestes cursos, através de concurso, e as atividades de formação, constam da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro. Assim, é este último diploma que deve respeitar os requisitos enunciados, em primeiro lugar, no EMP e no EMJ.
(A fls. 24, 26 e 27 da decisão recorrida).
17. O espectro legal aplicável é, assim, de cristalina clareza, quanto à exigência de uma licenciatura em Direito de 5 anos (pré-Bolonha) para permitir a candidatura sem ter mestrado na área do Direito ou de uma licenciatura em Direito de duração inferior (licenciatura pós-Bolonha) complementada por mestrado ou doutoramento em área do Direito.
18.O Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, que aprovou prova o regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, em desenvolvimento do disposto nos artigos 13.º a 15.º da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), bem como o disposto no n.º 4 do artigo 16.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto (estabelece as bases do financiamento do ensino superior), veio concretizar o denominado Processo de Bolonha, prevendo, nomeadamente, a redução da duração normal de um ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado no ensino universitário (...)
Ora, o certo é que se perspetiva a existência de candidatos que frequentaram cursos de direito com durações diversas e, como tal, com diferentes conteúdos. Naturalmente, que um curso de duração inferior não poderá ter o mesmo currículo que um curso de cinco anos, pelo que se admite que o legislador visou distinguir situações que não são, na verdade, equivalentes, contrariamente ao que parece propugnar a Requerente. Assim, aditou-se, em 2019, a exigência de mestrado ou doutoramento em Direito para aqueles que eram titulares de um curso de Direito inferior a 5 anos, porque posterior às alterações introduzidas pelo Processo de Bolonha, tal como concretizado pelo Decreto-Lei n.º 74/2006.
(A fls. 29 e 30 da decisão recorrida).
19. Esta foi uma opção legislativa da qual se pode discordar mas é a que efetivamente existe e que, sublinhe-se – no que concerne à via de acesso académica – desde 2008 vinha sendo aplicada sem reparos (licenciatura em Direito pré-Bolonha ou licenciatura em Direito pós-Bolonha complementada por mestrado ou doutoramento), sem que se tenham levantado vozes no sentido de se estar a dar tratamento desigual a candidatos: tratou-se de uma mera adaptação às concretas situações de licenciaturas pré e pós-Bolonha em face dos distintos conteúdos e duração.
20. As alterações dos Estatutos das Magistraturas Judicial e do Ministério Público, em vigor desde 1 de janeiro de 2020, originaram esta nova exigência: a necessidade de mestrado na área do Direito, no caso de não ser detentor de uma licenciatura em Direito de cinco anos, para se poder ser juiz ou magistrado do Ministério Público.
21. Tendo sido esse(s) requisito(s) que foi(ram) aplicado(s) aos candidatos que apresentaram candidatura, por qualquer das vias (via académica e via profissional), logo no primeiro concurso aberto depois dos novos Estatutos terem entrado em vigor: tudo de forma clara ficou, desde então, a constar do(s) Aviso(s) de abertura do(s) Concurso(s). “Donde, à data da publicação do aviso n.º 5170/2022 já estavam em vigor, há quase três anos, os artigos 40.º do EMJ e 145.º do EMP, pelo que não podia a 1.ª Requerente legitimamente ter a expectativa de ingressar na profissão sem preencher os requisitos legalmente previstos para o efeito.” (cfr. fls. 5 da decisão recorrida).
22. De facto, o CEJ não pode deixar de ler as normas dos Estatutos, de forma sistemática, com a Lei do CEJ, pois não seria concebível em caso algum que se admitissem candidaturas para uma função que, quando chegasse o momento de passar à jurisdição dos Conselhos Superiores, não permitisse a sua admissão como juiz ou magistrado do Ministério Público, por falta de requisitos: ser auditor de justiça não é um fim em si, o fim a alcançar é o exercício das funções de magistrado.
23. Toda a argumentação da Recorrente no sentido da sua discriminação por ter uma licenciatura inferior a 5 anos resulta em considerações que não podem ser atendidas: o Recorrido no processo de candidatura não discrimina candidatos, limita-se a aplicar os critérios e as exigências que o legislador vai definindo, tendo sempre em vista o interesse público.
24. Face ao exposto, resulta claro que o quadro legal aplicável não está formulado de molde a sustentar o alegado pela Recorrente e que o Recorrido respeitou todos os imperativos legais e constitucionais, pelo que, nessa medida, é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal, com vista à impugnação do despacho de exclusão da candidatura apresentada pela Recorrente ao concurso de ingresso no curso de formação inicial, teórico-prática, para preenchimento de um total de 104 vagas, sendo 52 na magistratura judicial e 52 na magistratura do Ministério público, aberto pelo Aviso n.º 5170/2022, publicado em Diário da República, Série II, n.º 50, de 11 de março de 2022, e do disposto na alínea b) do n.º 2 do mesmo Aviso.
25. Assim, é manifesto que a decisão recorrida não errou na apreciação do pressuposto fumus boni iuris (nos termos nela melhor fundamentados de facto e de direito), sendo inteiramente evidente a improcedência da ação principal, não se dando por verificado o referido requisito.
26. Ora, não se dando por verificado o requisito do fumus boni iuris, não tinha o Tribunal a quo de se debruçar sobre os restantes pressupostos previstos no artigo 120.º do CPTA, como alega a Recorrente no ponto BB. das conclusões de recurso, porquanto se tratam de pressupostos de verificação cumulativa (e sempre se dirá que não se encontram preenchidos, conforme alegado pelo Requerido, ora Recorrido, nos artigos 2.º a 55.º da sua oposição, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos).
27. Não se encontram, assim, preenchidos, os requisitos previstos no artigo 120.º do CPTA, como fundamento do decretamento da providência, por se considerar, pelos motivos apontados, ser o ato sub judice válido e legal e, nessa medida, inteiramente evidente a improcedência da ação principal.
28. Face ao exposto, a sentença recorrida não enferma de qualquer vício, tendo feito uma correta apreciação dos factos e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso em concreto.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantida a douta sentença recorrida.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A) A 1.ª Requerente AA ingressou no Curso de Direito no ano letivo de 2005/2006 concluindo a licenciatura em 23 de julho de 2009 (cf. documento n.° 2 junto com o requerimento inicial (RI) a fls. 84 a 86 dos autos);
B) Em setembro de 2009, a Primeira Requerente inscreveu-se na Ordem dos Advogados como Advogada Estagiária, tendo terminado o período de estágio em julho de 2013 (cf. documento n.° 3 junto com o RI a fls. 87 dos autos);
C) Em setembro de 2020, a 1.ª Requerente suspendeu a inscrição como advogada (cf. documento n.º 3 junto com o RI a fls. 87 dos autos);
D) A 1.ª Requerente encontra-se matriculada no ..., da Universidade ... (cf. documento n.º 4 junto com o RI a fls. 88 dos autos);
E) A 2.ª Requerente BB concluiu a licenciatura em Direito em 10/11/2008 (cf. documento n.º 5 junto com o RI a fls. 89 dos autos);
F) A 2.ª Requerente concluiu o 1.º ano do curso de mestrado em Direito dos Contratos e das Empresas, na Universidade ..., no ano letivo 2009/2010 (cf. documento n.º 6 junto com o RI a fls. 90 a 92 dos autos);
G) Desde 23/12/2011, a 2.ª Requerente encontra-se inscrita como advogada (cf. documento n.º 7 junto ao RI a fls. 93 dos autos);
H) A 3.ª Requerente CC concluiu o curso de Direito em 13/07/2011 (cf. documento n.º 8 junto com o RI a fls. 94 e 95 dos autos);
I) A 3.ª Requerente exerce funções de Técnica Superior, tendo uma relação jurídica de emprego público com o T..., I.P., com a categoria de “Inspetora de Jogos” da carreira de “Inspetor Superior de Jogos” (cf. documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o RI de fls. 96 dos autos);
J) Desde 01/09/2021, a 3.ª Requerente encontra-se em regime de comissão de serviço no cargo de Assessora do Gabinete de Apoio aos Magistrados Judiciais do Tribunal Judicial da Comarca ... (cf. documento n.º 9 junto com o RI de fls. 96 dos autos);
MAIS SE PROVOU QUE:
K) Em 08/02/2021, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais deliberou o seguinte:
«Por ofício de 13 de janeiro, o Exmo. Senhor Diretor do Centro de Estudos Judiciários, Juiz Conselheiro DD veio solicitar a apreciação deste Conselho quanto à interpretação e repercussão das alterações introduzidas pela Lei n.° 67/2019, de 27 de agosto, no Estatuto dos Magistrados Judiciais, no que concerne aos requisitos de ingresso no CEJ, estando desde logo em causa a análise e articulação das alterações introduzidas no artigo 40.° do EMJ com o regime previsto no artigo 5.° da Lei n.° 2/2008, de 14 de janeiro (cfr. documento em anexo).
Vejamos.
O Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.° 21/85, de 30.07, com sucessivas alterações até à redação dada pela Lei n.° 114/2017, de 29.12, determinava no artigo 40.° que os requisitos de nomeação para o exercício das funções de juiz de direito eram os seguintes:
“a) Ser cidadão português;
b) Estar no pleno gozo dos direitos políticos e civis;
c) Possuir licenciatura em Direito, obtida em universidade portuguesa ou validada em Portugal;
d) Ter frequentado com aproveitamento os cursos e estágios de formação;
e) Satisfazer os demais requisitos estabelecidos na lei para a nomeação de funcionários do Estado.”
Por sua vez, a Lei n.° 2/2008, de 14.01 (Lei do CEJ), determina, no artigo 5.°, que
constituem requisitos gerais de ingresso e formação de magistrados no Centro de Estudos Judiciários:
“a) Ser cidadão português ou cidadão dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal a quem seja reconhecido, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, o direito ao exercício das funções de magistrado;
b) Ser titular do grau de licenciado em Direito ou equivalente legal;
c) Ser titular do grau de mestre ou doutor ou equivalente legal, ou possuir experiência profissional na área forense ou em outras áreas conexas, relevante para o exercício das funções de magistrado, e de duração efetiva não inferior a cinco anos; e
d) Reunir os demais requisitos gerais de provimento em funções públicas.”.
E o seu artigo 111.° clarifica que “Os titulares do grau de licenciado em Direito conferido ao abrigo de organização de estudos anterior ao estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 74/2006, de 24 de Março, ou equivalente legal podem concorrer com dispensados requisitos previstos na alínea c) do artigo 5.°” (n.° 1) e que “Aos candidatos que optem por beneficiar da dispensa prevista no número anterior são aplicadas as regras de concurso, ingresso e formação previstas para os candidatos que concorram com base na primeira parte da alínea c) do artigo 5.°” (n° 2).
Todavia, por força das alterações introduzidas no EMJ pela Lei n.° 67/2019, de 27.08, as alíneas c) e e) do artigo 40.° deste Estatuto (subsidiariamente aplicável aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais por força do disposto n.° 3 artigo 3.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) passaram a ter a seguinte redação:
“c) Possuir licenciatura em Direito de cinco anos ou ao abrigo do Decreto-Lei n.° 74/2006, de 24 de março, na sua redação atual, seguida de mestrado ou doutoramento em área do Direito obtidos em universidade portuguesa, ou grau académico equivalente reconhecido em Portugal”;
e) Satisfazer os demais requisitos gerais estabelecidos na lei para o provimento de lugares em funções públicas”.
Ou seja, no que respeita à alínea c), que agora nos importa, ficou expressamente consagrado que é necessário: ou uma licenciatura pré-Bolonha em Direito (“de 5 anos”) ou, no caso de licenciatura pós-Bolonha de duração inferior (cfr. DL n.° 74/2006, de 24.03), que esta seja complementada por mestrado ou doutoramento em área do Direito obtidos em universidade portuguesa, ou grau académico equivalente reconhecido em Portugal.
O que nos remete para o Decreto-Lei n.° 74/2006, de 24.03, que aprovou o regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, segundo o qual “O grau de mestre é conferido numa especialidade, podendo, quando necessário, as especialidades ser desdobradas em áreas de especialização” (art.° 15.° n.° 2), sendo essas especialidades fixadas em cada estabelecimento de ensino superior pelo seu órgão legal e estatutariamente competente (art.° 16.° n.° 1), enquanto “O grau de doutor é conferido num ramo do conhecimento ou numa sua especialidade”, sendo que esses ramos do conhecimento e especialidades são fixados pelo órgão legal e estatutariamente competente (art.°s 28.° e 29.°).
Deste modo, para a nomeação como juiz de direito – e, por conseguinte, para o ingresso na magistratura através do Centro de Estudos Judiciários, quer através da “via da habilitação académica” quer da “via profissional” – passou a exigir-se o grau de mestre ou de doutor, ou o respetivo equivalente legal, salvo se o candidato for licenciado em Direito ao abrigo de organização de estudos anterior ao estabelecido pelo DL n.° 74/2006 ou equivalente legal, caso em que esse requisito é dispensado. E exige-se que esse mestrado e doutoramento sejam obtidos em “área do direito”.
O que impõe a interpretação da norma do EMJ e a concretização do conceito “área do direito” à luz dos cânones gerais da interpretação das leis consagrados no artigo 9.° do Código Civil, segundo o qual “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n° 1).
A letra da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas também o seu limite, pois não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (n.° 2), sendo que “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” (n.° 3).
Ou seja, uma interpretação completa da lei não se basta com a simples apreensão literal do seu texto [1], sendo necessária a ponderação de elementos lógicos, doutrinalmente considerados de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
No caso, o elemento histórico – que compreende todos os dados relacionados com a história do preceito, entre eles os trabalhos preparatórios relativos à Proposta de lei 122/XIII/3.ª GOV[2] – permite constatar que a alteração introduzida (no sentido de que o mestrado ou o doutoramento devem ser numa “área do direito”) foi fruto de propostas apresentadas por vários partidos (PS, PSD e CDS-PP) e do Parecer do Conselho Superior da Magistratura aprovado em sessão Plenária de 12/06/2018 e remetido à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias em 19/06/2018, do qual consta o seguinte:
«Art.° 40.°
Requisitos para o ingresso
Alínea c) – propõe-se aditamento do segmento “em área do Direito”.
Nota: pretende-se acautelar que o mestrado ou doutoramento habilitador ao abrigo do Decreto-lei n.° 74/2006 corresponda ao desenvolvimento de conhecimentos jurídicos.
Sugere-se ainda a menção às sucessivas alterações ao Decreto-lei n° 74/2006.».
Proposta que, como se vê, foi acolhida pelo legislador, determinando a redação final da norma, o que revela a intenção de acautelar que o mestrado ou o doutoramento habilitador ao abrigo do Decreto-Lei n.º 74/2006 corresponda ao “desenvolvimento de conhecimentos jurídicos”.
O que permite concluir que os graus de mestre e de doutor têm de ser fruto de cursos de mestrado e de doutoramento com conteúdo jurídico, ainda que nada aponte no sentido da necessidade de eles terem cariz ou índole exclusivamente jurídica.
Tal é corroborado pelo elemento sistemático, atento o conceito de ramos do conhecimento jurídico ou “ramos de direito”, entendido como “várias partes ou divisões do direito objetivo, diferenciadas em função da matéria que as normas jurídicas regulam”, cada um com “um espírito próprio, um conjunto de princípios gerais privativos”[3], numa divisão em “ramos” feita “para comodidade e benefício do estudo (investigação) e do ensino do Direito (pedagogia) (...) de forma especializada”[4], pois que a expressão “áreas de direito” tem subjacente a mesma lógica de identificação/separação de matérias e conhecimentos jurídicos.
Por conseguinte, a interpretação da norma contida na alínea c) do artigo 40.° do EMJ não pode deixar de ser no sentido de que o mestrado e o doutoramento devem incidir sobre áreas jurídicas ou que impliquem o estudo do Direito, ou áreas que não sendo estritamente jurídicas impliquem uma componente maioritariamente jurídica (como pode acontecer, designadamente, com determinadas áreas da fiscalidade e da contabilidade).
Por tal razão, caso o mestrado ou o doutoramento não tenham carácter exclusivamente jurídico, importa que as estruturas do respetivo ciclo de estudos (art.°s 20.° e 31.° do DL n.° 74/2006) tenham envolvido, de forma prevalente, conhecimentos e conteúdos de natureza jurídica, a aferir casuisticamente à luz da carga e peso das componentes jurídicas dos respetivos cursos e, cumulativamente, do teor da dissertação, trabalho de projeto ou relatório final no caso de mestrados, e do texto da tese no caso de doutoramentos.
Termos em que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais delibera proceder à seguinte interpretação do disposto no artigo 40.° do EMJ no que toca aos requisitos para a nomeação como juiz de direito dos tribunais administrativos e fiscais, e, por conseguinte, para o ingresso no CEJ para formação como magistrado judicial:
O mestrado e o doutoramento a que se refere a alínea c) do artigo 40.° do EMJ devem incidir sobre áreas jurídicas ou sobre áreas que não sendo estritamente jurídicas impliquem uma componente maioritariamente jurídica. Neste segundo caso, é necessário que as estruturas do respetivo ciclo de estudos tenham envolvido, de forma prevalente, conhecimentos e conteúdos de natureza jurídica, o que deve ser aferido casuisticamente à luz da carga e peso das componentes jurídicas dos respetivos cursos e, cumulativamente, do teor da dissertação, trabalho de projeto ou relatório final no caso de mestrados, e do teor da tese no caso de doutoramentos. (...).” (cf. documento junto com a oposição de fls. 173 a 179 dos autos);
L) Em 15/02/2022, foi publicado, no Diário da República n.º 32/2022, 2.a série, o Despacho n.º ...22, da Ministra da Justiça, que autoriza a abertura de concurso de ingresso para o preenchimento de 104 lugares de auditor de justiça, fixando o número de vagas a preencher em cada magistratura, judicial e do Ministério Público;
M) Em 11/03/2022, foi publicado, no Diário da República, Série II, n.º 50/2022, o aviso n.º 5170/2022, pelo qual se publicita o Concurso de ingresso no ..., teórico-prática, para os tribunais judiciais, para o preenchimento de um total de 104 vagas, sendo 52 na magistratura judicial e 52 na magistratura do Ministério Publico, aberto por Despacho do Diretor do Centro de Estudos Judiciários, Juiz Conselheiro DD, de 04/03/2022, de cujo teor se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«(...)
2 - Os requisitos gerais de ingresso na formação inicial de magistrados e de admissão ao concurso são os seguintes:
a) Ser cidadão português ou cidadão dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, a quem seja reconhecido, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, o direito ao exercício das funções de magistrado;
b) Possuir licenciatura em Direito de cinco anos ou de duração inferior, desde que seguida, neste caso, por mestrado ou doutoramento em área do Direito obtidos em universidade portuguesa, ou por graus académicos equivalentes reconhecidos em Portugal (artigo 5.°, alínea b), da Lei n.° 2/2008, de 14 de janeiro, conjugado com o artigo 40.°, alínea c), do EMJ e o artigo 146.°, alínea c), do EMP);
c) Consoante a via de admissão:
i) Via académica - o requisito da alínea b);
ii) Via profissional - o requisito da alínea b), acrescido da circunstância de possuir experiência profissional, na área forense ou em outras áreas conexas, relevante para o exercício das funções de magistrado, de duração efetiva não inferior a cinco anos;
d) Reunir os demais requisitos gerais de provimento em funções públicas (artigo 17.°, n.° 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). (...)»
N) As Requerentes candidataram-se ao concurso referido na alínea anterior pela via profissional, para prestação da prova escrita em matéria Penal, dando origem às candidaturas:
- Com o n.° 154, referente à 1.ª Requerente AA
- Com o n.° 346, referente à 2.ª Requerente BB; e
- Com o n.° 67, referente à 3.ª Requerente CC (cf. processos administrativos juntos aos autos);
O) Em 04/05/2022, foi publicada a Lista Provisória de Candidatos Admitidos e Excluídos à prova escrita, na qual se prevê a exclusão das Requerentes “por não preencherem] os requisitos exigidos na alínea b) do n.° 2 do Aviso n.° ...22" (cf. fls. 236 a 325 [39 a 59], 326 a 434 [47 a 67] e 435 a 505 [19 a 39] dos autos);
P) As Requerentes apresentaram reclamação para o Diretor do CEJ (cf. documentos n.°s 11 a 13 juntos com o RI a fls. 98 a 104 dos autos; cf. fls. 236 a 325 [61 a 63], 326 a 434 [69 a 83] e 435 a 505 [41 a 46] dos autos);
Q) Em 12/05/2022, o Diretor Adjunto do CEJ indeferiu as reclamações apresentadas pelas Requerentes (cf. documentos n.°s 11 a 13 juntos com o RI a fls. 98 a 104 dos autos; cf. fls. 236 a 325 [66 a 67], 326 a 434 [84 a 86] e 435 a 505 [47 a 48] dos autos);
R) Em 17/05/2022, o Diretor Adjunto do CEJ fez publicar a lista definitiva de candidatos admitidos e não admitidos ao ..., teórico-prática, para os tribunais judiciais, na qual as Requerentes constam como não admitidas «por não preencher os requisitos exigidos na alínea b) do n.º 23 do Aviso n.º 5170/2022, de 11 de Março» (cf. documento n.° 1 junto com o RI a fls. 62 a 83 dos autos; cf. fls. 236 a 325 [69 a 90] dos autos);
S) Em 23/05/2022, as Requerentes apresentaram o requerimento inicial que deu origem aos presentes autos (cf. fls. 1 a 3 dos autos);
T) As Requerentes AA, BB e CC obtiveram 11,100, 5,600 e 2,420 valores, respetivamente, na prova escrita de Penal, via profissional (cf. requerimento de fls. 523 dos autos e pauta com o resultado das provas escritas pela via profissional).
X
Ao abrigo do artigo 662º do CPC adita-se a seguinte factualidade:
U) Por decisão sumária proferida nos presentes autos cautelares, datada de 19/9/2022, foi deferido “o pedido de admissão à fase de avaliação curricular, nos termos requeridos, ou seja, de autorização de realização da prova oral pública já anteriormente agendada para o dia 20 de Setembro de 2022, pelas 14h30m”;
V) A Requerente não logrou obter classificação igual ou superior a 10 valores na referida prova de avaliação curricular, sendo por este facto excluída do procedimento em causa, pelo que, e consequentemente, não consta da “Lista dos/as candidatos/as convocados/as para a realização dos Exames Psicológicos para o 39.º Curso de Formação de Magistrados para os Tribunais Judiciais”, publicitada no sítio da Internet do Requerido:
https://cej.justica.gov.pt/Portals/30/Ficheiros/ingresso/nas magistraturas/tribunais judiciais/39 cursodocs/39candidatospsicologicossnome.pdf?ver=IzCHwvCdrFfT-xwkD2KKg%3d%3d
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que acolheu a leitura do Requerido.
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos,
Questão prévia
Da impossibilidade/inutilidade superveniente da lide -
Decorre dos autos que a ora recorrente, por decisão sumária proferida nos mesmos, foi admitida à fase de avaliação curricular, nos termos requeridos, ou seja, foi autorizada a realizar a prova oral pública anteriormente agendada para o dia 20 de setembro de 2022, pelas 14h30m.
Sucede que a Requerente/Recorrente não logrou obter classificação igual ou superior a 10 valores na referida prova de avaliação curricular, sendo por este facto excluída do procedimento em causa (cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro), pelo que, e consequentemente, não consta da “Lista dos/as candidatos/as convocados/as para a realização dos Exames Psicológicos para o 39.º Curso de Formação de Magistrados para os Tribunais Judiciais”, publicitada no sítio da Internet do Requerido, a saber:
https://cej.justica.gov.pt/Portals/30/Ficheiros/ingresso/nas magistraturas/tribunais judiciais/39 cursodocs/39candidatospsicologicossnome.pdf?ver=IzCHwvCdrFfT-xwkD2KKg%3d%3d.
Tal lista foi aprovada em reunião dos Presidentes dos Júris de Seleção das provas orais e das provas de avaliação curricular, realizada a 27/9/2022, após a realização das provas orais e das provas de avaliação curricular.
O Requerido apela, antes de mais, à extinção da instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.
Cremos que lhe assiste razão.
Sobre esta temática, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo entende que só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica e que, por ser assim, não se pode considerar actividade inútil o prosseguimento do processo quando ele se destine a expurgar da ordem jurídica um acto ilegal e a proporcionar a tutela efectiva dos direitos daqueles a quem o mesmo atinge. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua, com a necessária segurança, que o provimento do recurso em nada pode beneficiar o recorrente - Acórdãos de 18/1/01, Proc. ...6.727, de 30/9/97, Proc. ...8.858, de 23/9/99, Proc. ...2.048, de 19/12/00, Proc. ...6.306 e de 29/05/2002, Proc. ...7.745, entre outros.
Ora, este é precisamente o caso posto, conforme resulta dos autos.

Como decorre do artigo 2º/2 do CPTA, a utilidade de uma acção judicial afere-se pelo efeito jurídico que o autor pretende com ela obter.
A utilidade da lide está, pois, correlacionada com a possibilidade de obtenção de efeitos úteis, pelo que a sua extinção, com base em inutilidade superveniente, só deverá ser declarada quando se possa concluir que o prosseguimento da acção não trará quaisquer consequências benéficas para o autor.
Tal declaração postula e pressupõe que o julgador possa efectuar um juízo apodítico acerca da total inutilidade superveniente da lide.
A inutilidade superveniente da lide tem, pois, a ver com a perda de interesse em agir, ou seja, com a perda da necessidade do processo para obter o pedido. O que equivale a dizer que tal inutilidade se dá, se e quando o efeito jurídico pretendido através do processo foi plenamente alcançado durante a instância.
A inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, ocorrerá sempre que, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do respectivo processo, configurando-se como um modo anormal de extinção da instância, por cotejo com a causa dita normal, traduzida na prolação de uma sentença de mérito (cfr. Alberto dos Reis, em Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, págs. 364 e seguintes e Lebre de Freitas, em Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 512). Ou seja, existe impossibilidade/inutilidade superveniente da lide sempre que se verifica uma ocorrência factual que inviabiliza a produção de efeitos jurídicos que o requerente esperava alcançar com a procedência da providência; o mesmo é dizer que a impossibilidade/inutilidade superveniente da lide se verifica quando por facto ocorrido na pendência da instância a pretensão do autor/requerente não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo.
Voltando à situação vertente, temos que os autos atestam que, por determinação do Tribunal a quo - decisão sumária datada de 19/9/2022 - foi a aqui recorrente admitida à fase de avaliação curricular, nos termos requeridos, ou seja, autorizada a realizar a prova oral pública já agendada para o dia 20 de setembro de 2022, pelas 14h30m;
Sucede que a Requerente/Recorrente nessa prova não logrou obter classificação igual ou superior a 10 valores, sendo por esse facto excluída do procedimento em causa (cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro); consequentemente já não consta da “Lista dos/as candidatos/as convocados/as para a realização dos Exames Psicológicos para o 39.º Curso de Formação de Magistrados para os Tribunais Judiciais”, publicitada no sítio da Internet do Requerido:
https://cej.justica.gov.pt/Portals/30/Ficheiros/ingresso/nas magistraturas/tribunais judiciais/39 cursodocs/39candidatospsicologicossnome.pdf?ver=IzCHwvCdrFfT-xwkD2KKg%3d%3d , Lista, essa, aprovada em reunião dos Presidentes dos Júris de Seleção das provas orais e das provas de avaliação curricular, realizada a 27/9/2022, após a realização das provas orais e das provas de avaliação curricular.
Falta, pois, um dos requisitos para a Requerente poder aceder ao pretendido concurso o que torna inútil a apreciação do mérito da providência.
Tal equivale a dizer que se mostra verificada a impossibilidade/inutilidade superveniente da lide, determinante da extinção da instância, conforme emana do preceituado na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
Em suma,
-Decorre do processo que o efeito que a Requerente/Recorrente pretende obter com a procedência da providência já não poderá ser conseguido, face à sua exclusão do procedimento em causa - alínea b) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro -, pelo que, e consequentemente, não consta da “Lista dos/as candidatos/as convocados/as para a realização dos Exames Psicológicos para o 39.º Curso de Formação de Magistrados para os Tribunais Judiciais”, publicitada no sítio da Internet do Requerido;
-O que significa que a Requerente/Recorrente não logrará obter, através da presente lide, a satisfação do pedido que conforma o seu objecto;
-Tal equivale a dizer que se impõe a extinção da instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide;
-A extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do esquema da providência/pretensão requerida, sendo que num e noutro caso a solução do litígio deixa de interessar;
-Este modo de terminar com a lide consubstancia-se naquilo a que a doutrina designa por “modo anormal de extinção da instância”, visto que a causa de extinção natural/normal é a decisão de mérito;
-O tribunal só pode julgar extinta a instância por essa causa (inutilidade/impossibilidade da lide) se estiver em condições de emitir um juízo apodítico acerca da ocorrência superveniente da inutilidade, já que esta modalidade de extinção da instância exige a certeza absoluta da inutilidade a declarar, o que ora sucede;
-Repete-se, conforme decorre do artigo 2º/2 do CPTA, a utilidade de uma acção judicial afere-se pelo efeito jurídico que o autor pretende com ela obter;
-Tendo perdido pertinência e utilidade a providência, nos termos do artigo 277º/e) do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA, impõe-se a extinção da lide.
DECISÃO
Termos em que, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide, se julga extinta a instância ao abrigo do artigo 277º/e) do NCPC, ex vi artigo 1° do CPTA.
Custas pela Recorrente com o mínimo de taxa de justiça.
Notifique e DN.


Porto, 25/11/2022
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro