Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00754/11.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
III) Tal significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência, sendo que tal situação não se estende para lá do momento acima apontado, ou seja, em sede de contestação, a AT tem de enumerar os tais factos concretos que evidenciam o apontado exercício de funções de gerente por parte do ora Recorrente.
IV) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
V) A partir do momento em que o probatório comporta um conjunto de elementos, relacionados com os documentos apresentados pela Recorrente que permitem apreender que o ora Recorrido praticou actos em representação da sociedade originária devedora, nomeadamente os que ficaram descritos no probatório, situação que permite estabelecer, como se disse, um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade, tem de entender-se que ficou demonstrada a prática por parte do ora Recorrido de actos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Decisão:Concedido provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 28-03-2012, que julgou procedente a pretensão deduzida por M...na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal n.º 0396200801025104 e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Esposende, originariamente instaurada contra a sociedade “Construções J... Unipessoal, Lda.”, e contra ele revertida, por dívidas de IRC dos exercícios de 2005 e de 2006 e de IVA dos exercícios de 2004 a 2006 e juros compensatórios, no valor global de € 563.773,87.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 148-160), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. Respeitando a questão dos autos apenas à prova do exercício efectivo da gerência da sociedade por banda do recorrido, a douta decisão em recurso errou no julgamento da matéria de facto e de direito, deixando de apreciar e julgar elementos de factos que constavam dos autos e violando o artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT.
2. Para a FP, compulsada a p.i. dos autos, o recorrido pretendia afastar a sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dividas da sociedade porquanto a AF não tinha demonstrado o exercício, de facto, da gerência da sociedade pelo recorrido – vide, designadamente, artigos 19º a 23º, da p.i.
3. A questão a dirimir respeitava à ausência de prova produzida sobre o exercício de facto da gerência em sede de reversão do PEF e, em consequência, respeitava ao ónus de prova da AF - não ao ónus de alegação da AF para efeito de reversão do PEF.
4. Respeitando a questão ao ónus de prova da AF, a douta decisão em recurso errou no julgamento da matéria de facto uma vez que da matéria de facto provada podia e devia constar o seguinte:
os tributos em dívida no PEF e melhor identificados no ponto D), dos factos provados, da douta decisão em recurso, resultaram de acção inspectiva à situação tributária da sociedade;
os documentos apresentados pela FP, em sede de contestação, referidos no ponto L), dos factos provados, da douta decisão em recurso, dizem respeito, todos, a documentos dessa acção inspectiva.
5. Tratava-se de matéria de facto não controvertida porquanto o recorrido identificou, no artigo 4º da sua p.i., os tributos em divida como provenientes de acção inspectiva e a FP, na sua contestação, apresentou documentos vários dessa acção inspectiva.
6. A circunstancia dos tributos objecto do PEF terem sido fixados em sede de acção inspectiva na qual, além do mais, o recorrido participou em nome e no interesse da sociedade, como gerente desta, (a) demonstravam que a FP não procedera, em sede contestação, a uma fundamentação à posteriori do despacho de reversão – entendeu a FP e, continua a FP a entender, que a questão a dirimir respeita ao ónus de prova e não ao ónus de alegação – e (b) afastavam a renuncia do recorrido à gerência datada de 17 de Abril de 2006, levada a registo em 30 de Julho de 2008, demonstrado a aplicabilidade do fundamento de direito do despacho de reversão (artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT).
7. Em sede de contestação, a FP não procedeu à fundamentação à posteriori do despacho de reversão, porquanto,
8. Efectuada que foi a reversão do PEF ao abrigo do artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT e aceite que foi pelo recorrido aquele fundamento legal para efeito de reversão, perante a alegação do recorrido de que a AF não teria cumprido o seu ónus de prova, foi oferecida contestação pela qual se admitiu a eventual imperfeição do despacho de reversão e se juntaram documentos.
9. Eventual imperfeição do despacho de reversão decorrente da eventual circunstância do seu autor não se ter expressado da melhor forma,
10. Eventual imperfeição esta do despacho de reversão, que não impedia a FP de demonstrar, isto é, provar, em sede judicial, a alegação de que o recorrido tinha exercido a gerência da sociedade e que constava do despacho de reversão nos termos seguintes – passa-se a transcrever:
Quanto ao revertido M…, a dívida exequenda respeita a IRC dos anos de 2005 e 2006 e IVA dos anos de 2004, 2005 e parte do ano de 2006, no valor de 563 773,87 €, períodos em que exerceu a gerência da sociedade.
11. Ainda, a circunstancia dos tributos objecto do PEF terem sido fixados em sede de acção inspectiva na qual, além do mais, o recorrido participou em nome e no interesse da sociedade, como gerente desta, também permitia afastar a renúncia do recorrido à gerência, datada de 17 de Abril de 2006, levada a registo em 30 de Julho de 2008, demonstrando a aplicabilidade do artigo 24º, nº1, alínea b), LGT – fundamento de direito do despacho de reversão.
12. Conforme ponto C), dos factos provados, da douta decisão em recurso, em 3 de Julho de 2008, pela AP 1/20080703, foi levado a registo, na competente Conservatória do Registo Comercial, relativamente ao recorrido, a cessação de funções de gerência da sociedade, em virtude de renuncia datada de 17 de Abril de 2006, todavia, os documentos que acompanharam a contestação e referidos no ponto L), dos factos provados, da douta decisão em recurso, demonstravam que o recorrido
tinha assinado documentos em 2004, 2007 e 2008, na qualidade de gerente da sociedade, vinculando-a;
tinha prestado declarações, na qualidade de gerente da sociedade, quanto a acontecimentos da vida da sociedade ocorridos em 2004, 2005, 2006 e 2007, vinculando a sociedade pelas declarações que prestou;
tinha requerido, no início do ano de 2008, na qualidade de gerente da sociedade, em nome e no interesse desta, revisão da matéria colectável fixada com recurso a método indirecto em sede de acção inspectiva.
13. O efectivo exercício da gerência da sociedade por banda do recorrido, em 2004, 2005, 2006, 2007 e inicio de 2008, demonstrado pelos documentos referidos no ponto L), dos factos provados, da douta decisão em recurso, permitiam julgar da reversão do PEF efectuada ao abrigo do artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT.
14. Ao abrigo desta disposição legal, o gerente responde subsidiariamente pelo pagamento das dividas tributárias da sociedade quando, os respectivos tributos nasceram no seu período de gerência, o prazo para pagamento desses tributos terminou no seu período de gerência e, a presunção de culpa do gerente na falta de pagamento dos referidos tributos, não foi por ele ilidida pela prova do contrário.
15. No caso concreto dos autos, importa o exercício da gerência pelo recorrido, em 2004, 2005, 2006 (anos de formação dos tributos) e 2008 (ano de pagamento dos tributos) uma vez que por despacho de reversão foi imputada ao recorrido a responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos tributos de IRC, de 2005 e 2006, e de IVA, de 2004, 2005 e 2006, cujos prazo de pagamento terminaram em 12 de Junho de 2008 (IRC, 2005), 1 de Agosto de 2008 (IVA, 2004, 2005 e 2006) e 21 de Agosto de 2008 (IRC, 2006).
16. Detendo o recorrido, desde Outubro de 2002, a titularidade do cargo de gerente da sociedade; tendo o recorrido, ao longo dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e inicio de 2008 praticado actos vários na qualidade de gerente da sociedade e, tendo a sociedade sido declarada insolvente no inicio do ano de 2009, então, para a FP, era - e continua a ser - razoável presumir que o recorrido sempre exerceu, de direito e de facto, as funções de gerente da sociedade, uma vez que,
17. Pela regra da experiência comum, na falta de motivos atendíveis de negação do exercício do cargo, aquele que, detendo a titularidade do cargo de gerente, exerce, de facto, esse cargo ao longo de cerca de 5 anos consecutivos (2004, 2005, 2006, 2007 e inicio de 2008) também o exerceu nos dois anos imediatamente anteriores àquele período de 5 anos (2002 e 2003) e nos doze meses imediatamente posteriores a esse período, até ao fim de vida da sociedade (insolvência em 2009).
18. Para a FP, o Tribunal podia e pode presumir o efectivo exercício da gerência.
19. Trata-se de presunção judicial, competindo à AF, em juízo, demonstrar elementos de facto susceptíveis de permitirem a conclusão séria e razoável do efectivo exercício da gerência.
20. Cumprido que foi, pela AF, o seu ónus de alegação no despacho de reversão e cumprido que foi, pela AF, o seu ónus de prova em sede de oposição à execução fiscal, podia e devia ter sido presumido o efectivo exercício da gerência, mantendo-se a responsabilidade subsidiária do recorrido por resultar da lei a sua ausência de culpa na falta de pagamento (presunção legal) pelo que a douta decisão em recurso violou o artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT.
Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs.Exas. deve o presente recurso obter provimento, revogando-se a douta decisão em recurso.”

O recorrido M...não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público teve vista nos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em apreciar o julgamento da matéria de facto e em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Com relevo para a decisão a proferir, pelos documentos e processo de execução fiscal juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade, a qual se passa a subordinar às seguintes alíneas:
A)
A sociedade por quotas com a firma “CONSTRUÇÕES J... UNIPESSOAL, LDA.”, titular do cartão de pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Avenida…, Forjães, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Esposende sob o n.º 1396/20030121, exerceu a actividade de construção de edifícios (CAE 45211), registando-se, para efeitos de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas no regime geral de tributação, e, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal.
(Facto não controvertido; cfr. também relatório da Inspecção Tributária junto pela Representante da Fazenda Pública a fls. 52 e 53 dos autos e Certidão de fls. 231 e seguintes do processo de execução fiscal apenso aos autos)
B)
Em 21.01.2003, pela Ap. 04/20030121, é efectuada a inscrição n.º 1 na matrícula n. ° 1396/20030121 da Conservatória do Registo Comercial de Esposende, com indicação da nomeação do ora Oponente como Administrador da sociedade referida em A) por deliberação de 11.10.2002.
(Cfr. Certidão de fls. 131 e seguintes do processo de execução fiscal apenso aos autos)
C)
Em 03.07.2008, pela Ap. 1/20080703, é efectuado Averbamento 1 na matricula n.º 1396/20030121 da Conservatória do Registo Comercial de Esposende, com indicação da cessação de funções do ora Oponente como Administrador da sociedade referida em A), por renúncia datada de 17.04.2006.
(idem)
D)

Com base em certidões de relaxe extraídas pela DGCI - Justiça Tributária, foram instaurados contra a sociedade referida em A) os seguintes processos de execução fiscal:

E)
Em 28.04.2009, no âmbito do processo de insolvência de pessoa colectiva que correu termos no 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Esposende sob o n.º 201/09.6TBEPS, na qual figuravam como insolvente a sociedade referida em A) e como credor a Direcção-Geral dos Impostos e outros, foi proferido despacho de encerramento por insuficiência de bens a que alude o artigo 232. ° do CIRE, não sendo apreendidos quaisquer bens por serem inexistentes.
(cfr. oficio nº 2418053, de 10,11.2010, do Tribunal Judicial de Esposende e certidão de sentença, a fls. 127-130 do processo de execução fiscal apenso aos autos)
F)
Em 09.12.2010, foi lavrado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Esposende despacho de projecto de decisão para efeitos de reversão de execução nos processos referidos em D), com o seguinte teor: «Proc. n.º 093620081025104 e apensos // PROJECTO DE DECISAO // O presente processo foi instaurado contra a sociedade CONSTRUÇÕES J... UNIPESSOAL LDA, NIPC 5…, COM SEDE NA Av…. Forjães, Esposende, por dividas de IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006 e IRC dos anos de 2005 e de 2006, no valor global de €613.352,66 e acrescidos. // Ora, atendendo aos pressupostos assinalados (com x): // X - Não são conhecidos bens penhoráveis à executada. Foi declarada insolvência no Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, processo 210/09.6TBEPS, em 27 de Fevereiro de 2009. Em 28 de Abril de 2009 houve decisão judicial de encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens. // X - Exerceram o cargo de gerente: // De 21.01.2003 até 17.04.2006 – M…, NIF 1…, // - E…, NIF 2…. // A partir de 17.04.2006 – E…, NIF 2…. // X - Nos termos do artigo 32.º da Lei Geral Tributária incumbia-lhes o cumprimento dos deveres tributários da executada. // X - Os factos constitutivos das dividas ocorreram no período em que exerceu o cargo de gerente, E…. // Uma vez que M...renunciou à gerência da firma em 17.04.2006, há uma parte dos factos constitutivos das dividas que ocorreram fora do seu período de gerência, conforme consta do anexo da notificação para o exercício de audição prévia a efectuar. // X - O prazo legal de pagamento/entrega precludiu no período de exercício dos cargos, não existindo prova de que a falta de pagamento não lhes deva ser imputada. // Assim, é minha intenção decidir pela reversão da execução contra os identificados responsáveis subsidiários. // Assiste-lhes o direito de audição, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 e 60.º da Lei Geral Tributária, fixando-se em dez dias o prazo para esse efeito. 1/Serviço de Finanças de Esposende, 9 de Dezembro de 2010. // O Chefe do Serviço de Finanças, // assinatura ilegível // (Mário …)»
(Cfr. fls. 134 do processo de execução fiscal apenso aos autos)
G)
Em 10.12.2010 o Serviço de Finanças de Esposende remete notificação do projecto de despacho referido em H), para efeitos de audição prévia, endereçado ao ora Oponente, por carta registada com aviso de recepção, sob o n.º de registo postal RM 6156 5961 2 PT, sendo o respectivo aviso de recepção assinado em 14.12.2010 por A….
(Cfr. fls. 139-141 do processo de execução fiscal apenso aos autos)
H)
Em 21.02.2011, é lavrado pelo chefe do Serviço de Finanças de Esposende despacho de reversão do ora Oponente, com o seguinte teor: «Por se verificar inexistência de bens penhoráveis da sociedade Construções J... Unipessoal Lda., foi proferido despacho para audição prévia dos responsáveis subsidiários M..., residente em Rua…- Vila Chá - Esposende e E..., residente na Rua … - Esposende, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 23.º e do art.º, 60.º da Lei Geral Tributária, // As notificações foram efectuadas Por cartas registadas em 1.12.2010, // A carta de E... veio devolvida com a indicação de não reclamado. // Até esta data nada disseram nos autos. // A identificação dos responsáveis subsidiários tem par suporte certidão da Conservatória do registo Comercial de Esposende, documento onde consta como gerente da sociedade o acima identificado e teve em conta o período temporal em que o cargo foi exercido, tendo o projecto de reversão tido isso em conta. // Quanto ao revertido M..., a divida exequenda respeita a IRC dos anos de 2005 e 2006 e de IVA dos anos de 2004. 2005 e parte do ano de 2006, no valor de 536.773,87 €, períodos em que exerceu a gerência da sociedade. // Quanto ao revertido E..., a divida exequenda respeita a IRC dos anos de 2005 e 2006 e IVA dos anos 2004, 2005 e 2006 no valor de 643.352,66 €, períodos em que exerceu a gerência da sociedade. // “O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes condições: // a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; // b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”, // Daí que será requisito da reversão “chamamento à execução dos responsáveis subsidiários”, não só a inexistência ou insuficiência de bens do originário devedor e seus sucessores como também dos responsáveis solidários, corno resulta do n.º 2 do art.º 23.º da Lei Geral Tributária. // Dos autos resulta, de forma inequívoca, que a sociedade devedora originária não possui bens susceptíveis de penhora. // Por outro lado, a qualidade de gerente ou de administrador de sociedade por quotas ou por acções adquire-se por deliberação dos sócios ou accionistas, derramada no contrato social ou tomada em assembleia-geral, formalizada em acta, nos termos do art.º 252º, n.º 2 ou 3 91.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, sendo tais actos de registo obrigatório nos termos do artºs. 3.º, alínea m) e 15.º, n.º 1 do Código de Registo Comercial. // A responsabilidade subsidiaria é uma figura típica do direito fiscal que tem por finalidade a cobrança de créditos do Estado, no caso dos sujeitos passivos originários os não terem pago no Prazo de cobrança voluntária ou coerciva, serem chamados à execução os responsáveis pela gerência ou administração. // Converte-se, assim, em definitivo, o despacho de reversão relativamente aos gerentes M… e E.... // Proceda-se à respectiva citação pessoal conforme previsto no art.º 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário. // Esposende, 21 de Fevereiro de 2011. O Chefe do Serviço de Finanças, // [assinatura ilegível // (Mário…)»
(Cfr. fls. 142 do processo de execução fiscal apenso aos autos)
I)
Em 22.02.2011 o Serviço de Finanças de Esposende expede citação de reversão, com cópia do despacho referido em H), endereçado ao ora Oponente, por carta registada com aviso de recepção, sob o n.º de registo postal RM 6156 9373 8 P1, sendo o respectivo aviso de recepção assinado em 23.02.2011 por A….
(Cfr. fls. 143-150 do processo de execução fiscal apenso aos autos)
J)
Em 28.02.2011 o Chefe do Serviço de Finanças de Esposende expede o oficio n.º 1117, endereçado ao ora Oponente, por correio registado sob o n. ° RM 7210 8823 1 PT, com vista à comunicação a que alude o artigo 241. ° do Código de Processo Civil.
(Cfr. fls. 139-141 do processo de execução fiscal apenso aos autos)
K)
A presente oposição deu entrada no serviço de Finanças de Esposende em 25.03.2011.
(Cfr. carimbo aposto sobre a petição inicial, a fls. 4 dos autos)
L)
Já na pendência da presente oposição, em sede de contestação, veio a Fazenda Pública juntar os seguintes documentos;
- Cópia do contrato de subempreitada n.º 911 596/BPC/01 1/2004, onde consta a assinatura do ora Oponente como legal representante da sociedade referida em A);
- Cópia das ordens de serviço do procedimento de Inspecção Tributária e das notificações nele remetidas à sociedade referida em A), todas elas assinadas pelo ora Oponente, na qualidade de legal representante da mesma;
- Cópia do auto de declarações constante do mesmo procedimento de Inspecção Tributária, do ora Oponente, na qualidade de legal representante da sociedade referida em A);
- Requerimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos resultante do Relatório de Inspecção Tributária, assinado pelo ora Oponente, em nome da sociedade referida em A).
(Cfr. fls. 35-94 dos autos)
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os demais, sendo com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos o alegado exercício efectivo de funções de gerência por parte do ora Oponente.
*
3. MOTIVAÇÃO
A convicção deste tribunal com referência aos factos dados como assentes resulta da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos, não impugnados, constantes dos articulados das partes, conforme remissão efectuada em cada uma das alíneas do probatório.
Não olvida este Tribunal o referido em L), mas tais elementos constituem fundamentação à posteriori. A Administração Fiscal teve oportunidade de se pronunciar e melhor provar ao longo do procedimento que finalizou com o despacho de reversão.”
«»
3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, a questão essencial suscitada pela recorrente resume-se, em suma, em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.


No entanto, antes disso, cumpre notar que na matéria das suas conclusões 4. e 5. do recurso, a recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da recorrente, respeitando a questão ao ónus de prova da AF, a douta decisão em recurso errou no julgamento da matéria de facto uma vez que da matéria de facto provada podia e devia constar o seguinte:
- os tributos em dívida no PEF e melhor identificados no ponto D), dos factos provados, da douta decisão em recurso, resultaram de acção inspectiva à situação tributária da sociedade;
- os documentos apresentados pela FP, em sede de contestação, referidos no ponto L), dos factos provados, da douta decisão em recurso, dizem respeito, todos, a documentos dessa acção inspectiva.
Tratava-se de matéria de facto não controvertida porquanto o recorrido identificou, no artigo 4º da sua p.i., os tributos em divida como provenientes de acção inspectiva e a FP, na sua contestação, apresentou documentos vários dessa acção inspectiva.
No entanto, é manifesto que a realidade em apreço não tem qualquer relevância nesta sede, pois que o probatório consagra já os elementos relacionados, numa primeira linha de análise, com a matéria que enquadra o despacho de reversão e depois, numa segunda fase, a realidade apontada pela Recorrente já no âmbito da presente oposição, de modo que, os factos apontados pela Recorrente não apresentam qualquer relevância probatório neste âmbito, impondo-se, no entanto, em função dos poderes deste Tribunal, em termos de reapreciação da matéria de facto, ao abrigo do artigo 712º do CPC (actual art. 612º), eliminar a matéria vertida nos factos não provados, pelo seu carácter totalmente conclusivo, não sendo aceitável este tipo de análise, do qual resulta, no fundo, a solução antecipada da matéria em discussão nos autos.


A partir daqui, cumpre notar que na sentença recorrida, foi entendido, além do mais, que:
“…
A divida exequenda foi apurada em sede de acção inspectiva efectuada ã devedora originária em Março de 2008. O termo do prazo de pagamento das dívidas tributarias exequendas ocorreu em 12.06.2008 (IRC de 2005), 01.08.2008 (IVA de 2004 a 2006) e 21,08.2008 (IRC de 2006) - cfr. ponto E) do probatório e fls. 14 a 86 do processo de execução fiscal apenso aos autos. E, de acordo com os dados constantes do Registo Comercial, no que em concreto tange à matrícula da sociedade executada, o ora Oponente assumiu-se como gerente daquela desde a respectiva constituição, em conjunto com E..., até 17.04.2006, data em que renunciou à gerência.
Sendo certo que a renúncia à gerência por parte do Oponente apenas foi levada a registo em 03.07.2008 [cfr. pontos B) e C) dos factos provados].
Ora, a declaração de renúncia não produz efeitos contra terceiros enquanto não for registada - artigos 3º, alínea m), e 14.º, n.º 1, ambos do Código de Registo Comercial, Certo é que, em bom rigor, no caso dos autos, não obstante o facto tributário ter ocorrido no período de gerência (nominal) do ora Oponente, a dívida venceu-se de pois de ele ter renunciado à gerência da sociedade e, tirando o caso do IRC de 2005, mesmo após a data do registo de tal renúncia. Pelo que a alínea que, em boa verdade, deveria ter recorrido a Administração Tributaria para promover a reversão, era a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributaria, e não a alínea b) - com os corolários instrutórios para a Administração Fiscal que se deixaram relevados adrede. Isso mesmo se deixa, desde já, estabelecido.
De todo o modo, pressuposto seminal a verificar-se necessariamente para que a reversão pudesse operar, quer pela alínea a), quer pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, era que a Administração Tributaria lograsse fazer prova que o ora Oponente exerceu, de facto, as funções de gerente da sociedade.
Ora, sendo manifesta a verificação do segundo dos pressupostos aludidos, atentos os factos dados por provados nas alíneas E), F) e H) do probatório - de resto, nem tal é posto em causa pelo Oponente na sua petição inicial -, resta agora indagar do
preenchimento efectivo do primeiro requisito. Isto é: importa agora aferir se a
Administração Tributaria terá logrado demonstrar, aquando da decisão de reversão, o
exercício de funções de facto por parte do ora Oponente.

Como se constata quer do projecto de decisão, quer do despacho de reversão propriamente ditos [cfr. pontos F) e H) dos factos assentes], a Administração Fiscal bastou-se com a alusão à nomeação do Oponente para o exercício de funções de gerência durante um período de tempo (parcialmente) coincidente com os factos que originaram as dívidas tributárias.
Certo é que não existe nenhuma presunção legal do exercício de facto da gerência. As presunções legais são as ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (cfr. artigo 349. ° do Código Civil Português). E não há qualquer norma legal que estabeleça qualquer presunção do exercício de facto da gerência. O que no artigo 24. °, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributaria se presume é a imputação subjectiva da falta de pagamento a quem exercia a gerência de facto no período correspondente. Pelo que não existe, designadamente, suporte legal para concluir que o facto de alguém ter sido nomeado gerente (a gerência de direito») faz presumir legalmente o «exercício de facto» dessa gerência.
No entanto, e tal como afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.03.2009 (processo n.º 0709/08), cujo relator foi o Juiz Conselheiro Pimenta do Vale, disponível em http://www.dsi.pt/jsta, pode o facto de alguém ter sido nomeado gerente servir de base a uma presunção judicial desse exercício quando, através das regras da experiência e dos ensinamentos da observação empírica dos factos, for de concluir por uma forte probabilidade de tal gerência ter, de facto, sido exercida.
Ora, o facto de o ora Oponente ter declarado perante oficial público (nomeadamente na escritura da constituição da sociedade) que se designa ou aceita a designação para o cargo de gerente e providenciar pelo registo desse acto, constitui indício de que pretende, de facto, exercer essa gerência. Até porque quem ali o declara sabe que o está a fazer publicamente e para valer, não apenas perante os sócios, mas também perante terceiros. E se desde então não voltou pata infirmar o que atrás declarou, bem sabendo que, por acto seu, lhe pode ser imputada essa qualidade, é possível deduzir que a sua inércia se deve a ter efectivamente assumido as anunciadas funções.
Em todo o caso, relevarão adicionalmente os elementos de que a Administração Fiscal disponha ou aqueles a que tenha acesso. Até porque, tal como decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28.07.2007 (processo n.º 01132/06) e de 11.04.2007 (040/07 — este relatado pelo Juiz Conselheiro António Calhau), não existindo qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função, e mesmo que daquela (gerência nominal) se infira a gerência efectiva ou de facto, tal presunção, não estando prevista na lei, é meramente judicial, findando-se nas regras de experiência.
Ora, quanto a este tipo de presunções, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova. E pela mesma razão não se pode afirmar que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito. Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. De facto, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350. °, n.º 1 do Código Civil), não podendo o juiz «C..) inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a urna presunção legal.», como se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 11.03.2010, proferido no processo n.º 00349/05,6BEBRG (Relator: Juiz Desembargador Francisco Rothes), integralmente disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.
Daí que, como se concluiu nos arestos citados, em casos como o dos presentes autos, quando a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. De tal sorte que, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Ora, o despacho em apreço nada concretizou com respeito ao exercício efectivo de funções. E só mais tarde, em sede de contestação nos presentes autos, é que veio a Administração Tributaria referir e concretizar indícios desse exercício efectivo de funções de gerência da sociedade originariamente devedora, apurados em momento anterior, designadamente em sede de Inspecção Tributaria, seja pela assinatura aposta como legal representante da devedora no contrato de subempreitada n.º 911 596/BC/0 11/2004, seja pela assinatura e recepção das ordens de serviço do sobredito serviço inspectivo, seja pela prestação de declarações naquele procedimento em nome e em representação da sociedade referida em A), seja ainda por, finalmente, ter deduzido, em nome da empresa, pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos [cfr. ponto L) do probatório].
Sucede, porém, que, não obstante impender sobre o tribunal um dever de apuramento da verdade material, o dever de oficiosamente averiguar os factos tendentes ao apuramento da gerência efectiva apenas será legítimo quando tais factos constem do próprio despacho de reversão, como se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 08.04.2010, proferido no processo n.º 00351/05.SBEBRG (Relator: Juiz Desembargador Francisco Rothes).
Assim, querendo ver apreciadas por este Tribunal tais indícios, a Administração Fiscal teria de os verter no despacho de reversão, dado que não pode pretender, a posteriori, fundamentar aquele despacho. Na verdade, a Administração Fiscal teve oportunidade de se pronunciar e melhor provar ao longo do procedimento que finalizou com o despacho de reversão tais indícios. Sendo certo que, de acordo com jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, não é «(..) sequer de admitir a fundamentação a posterior dos actos administrativos, ou seja, aquela que vier a ser efectuada depois de praticado o acto.», Hoc sensu, vide, inter alia, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 06.01.2005, proferido no processo n.º 00439/04, cuja Relatora foi a Juiz Desembargadora Magda Geraldes, integralmente disponível em http://www.dsi.jtca,
E, porque assim, competindo à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação, aquando do despacho de reversão, dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, nomeadamente o exercício de facto de funções de gerente por parte do ora Oponente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. …”.

Nas alegações, a Recorrente aponta que a circunstância dos tributos objecto do PEF terem sido fixados em sede de acção inspectiva na qual, além do mais, o recorrido participou em nome e no interesse da sociedade, como gerente desta, (a) demonstravam que a FP não procedera, em sede contestação, a uma fundamentação à posteriori do despacho de reversão – entendeu a FP e, continua a FP a entender, que a questão a dirimir respeita ao ónus de prova e não ao ónus de alegação - e (b) afastavam a renúncia do recorrido à gerência datada de 17 de Abril de 2006, levada a registo em 30 de Julho de 2008, demonstrado a aplicabilidade do fundamento de direito do despacho de reversão (artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT), sendo que em sede de contestação, a FP não procedeu à fundamentação à posteriori do despacho de reversão, porquanto, efectuada que foi a reversão do PEF ao abrigo do artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT e aceite que foi pelo recorrido aquele fundamento legal para efeito de reversão, perante a alegação do recorrido de que a AF não teria cumprido o seu ónus de prova, foi oferecida contestação pela qual se admitiu a eventual imperfeição do despacho de reversão e se juntaram documentos, verificando-se que eventual imperfeição do despacho de reversão, não impedia a FP de demonstrar, isto é, provar, em sede judicial, a alegação de que o recorrido tinha exercido a gerência da sociedade e que constava do despacho de reversão, matéria que se verificou nos termos dos documentos referidos no ponto L), na medida em que, no caso concreto dos autos, importa o exercício da gerência pelo recorrido, em 2004, 2005, 2006 (anos de formação dos tributos) e 2008 (ano de pagamento dos tributos) uma vez que por despacho de reversão foi imputada ao recorrido a responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos tributos de IRC, de 2005 e 2006, e de IVA, de 2004, 2005 e 2006, cujos prazo de pagamento terminaram em 12 de Junho de 2008 (IRC, 2005), 1 de Agosto de 2008 (IVA, 2004, 2005 e 2006) e 21 de Agosto de 2008 (IRC, 2006).
Assim, detendo o recorrido, desde Outubro de 2002, a titularidade do cargo de gerente da sociedade; tendo o recorrido, ao longo dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e inicio de 2008 praticado actos vários na qualidade de gerente da sociedade e, tendo a sociedade sido declarada insolvente no inicio do ano de 2009, então, para a FP, era - e continua a ser - razoável presumir que o recorrido sempre exerceu, de direito e de facto, as funções de gerente da sociedade, uma vez que, pela regra da experiência comum, na falta de motivos atendíveis de negação do exercício do cargo, aquele que, detendo a titularidade do cargo de gerente, exerce, de facto, esse cargo ao longo de cerca de 5 anos consecutivos (2004, 2005, 2006, 2007 e inicio de 2008) também o exerceu nos dois anos imediatamente anteriores àquele período de 5 anos (2002 e 2003) e nos doze meses imediatamente posteriores a esse período, até ao fim de vida da sociedade (insolvência em 2009).
Cumprido que foi, pela AF, o seu ónus de alegação no despacho de reversão e cumprido que foi, pela AF, o seu ónus de prova em sede de oposição à execução fiscal, podia e devia ter sido presumido o efectivo exercício da gerência, mantendo-se a responsabilidade subsidiária do recorrido por resultar da lei a sua ausência de culpa na falta de pagamento (presunção legal) pelo que a douta decisão em recurso violou o artigo 24º, nº1, alínea b), da LGT.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de IRC de 2005 e 2006 e de IVA, de 2004, 2005 e 2006, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Antes de avançar, crê-se pertinente aludir ao exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.

A partir daqui, e independentemente da análise que venha ser feita da questão suscitada nos autos, não pode acompanhar-se a decisão recorrida quando, no âmbito do seu discurso, aponta que o despacho de reversão é omisso em relação à gerência de facto, defendendo que “querendo ver apreciadas por este Tribunal tais indícios, a Administração Fiscal teria de os verter no despacho de reversão, dado que não pode pretender, a posteriori, fundamentar aquele despacho”, o que implicou a desconsideração da matéria alegada em sede de contestação pela FP, fazendo do despacho de reversão e seu enquadramento o centro da análise da questão da gerência de facto.

Ora, como se colhe do aresto agora descrito, que traduz jurisprudência do Pleno do S.T.A., não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.

Por outro lado, não pode deixar de notar-se na leitura da decisão recorrida uma certa oscilação na análise desenvolvida, navegando entre a questão da fundamentação do despacho de reversão e a matéria da gerência de facto enquanto pressuposto da reversão, ficando a sensação de que não lhe basta que o acto contenha as razões de facto e de direito de que a decisão brotou, quer que as razões mostrem que a decisão é boa - o que confunde a forma com o fundo, muito embora a decisão final tenha sido no sentido da falta do aludido pressuposto, o que redundou na extinção da execução.

Ora, e por maioria de razão, não estando em causa a fundamentação do despacho de reversão, em função da doutrina vertida no aresto descrito, tem de conceder-se pleno abrigo ao exposto pelo Recorrente quando refere que perante a alegação do recorrido de que a AF não teria cumprido o seu ónus de prova, foi oferecida contestação pela qual se admitiu a eventual imperfeição do despacho de reversão e se juntaram documentos, ou seja, questionada já em sede de oposição a gerência efetiva, é admissível que na contestação a F.P. tome posição contrariando a argumentação expendida e oferecendo provas, como decorre da atribuição de tal faculdade ao oponente e do princípio da igualdade de faculdades e meios processuais.

Pois bem, a leitura da contestação permite dizer que a FP pretendeu discutir tal questão, apontando vários elementos que o Tribunal não deixou de considerar em termos de probatório, mas que depois desconsiderou na análise da questão essencial em discussão nos autos.
Assim, não pode acolher-se a posição assumida pelo Tribunal a quo, no sentido de que do despacho de reversão nada consta sobre a gerência de facto e que tal impede a sua posterior discussão, pois que, como se referiu, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, sendo que do despacho de reversão e dos elementos para quais o mesmo remete acaba por vir afirmado que o ora Recorrido era gerente de facto.

A partir daqui, considerando a realidade vertida no probatório, é ponto assente que o ora Recorrido subscreveu o contrato de subempreitada n.º 911 596/BPC/01 1/2004, sendo que aí consta a assinatura do ora Oponente como legal representante da sociedade referida em A) e bem assim que o mesmo assinou na qualidade de legal representante da mesma sociedade as ordens de serviço do procedimento de Inspecção Tributária e das notificações nele remetidas à sociedade, sem olvidar o auto de declarações constante do mesmo procedimento de Inspecção Tributária, do ora Oponente, na qualidade de legal representante da sociedade referida em A) e ainda o requerimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos resultante do Relatório de Inspecção Tributária, assinado pelo ora Oponente, em nome da sociedade referida em A).

Desde logo, e numa primeira linha de análise, temos de ter presente que a presunção a que alude o art. 11º nº 3 do Código do Registo Comercial tem o seu efeito limitado à situação jurídica e não abrange a situação fáctica que lhe subjaz no que diz respeito ao efectivo exercício dos poderes correspondentes à detenção da posição jurídica de gerente.

Depois, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o ora Recorrida ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade.

Com efeito, para além da nomeação do ora Oponente como Administrador da sociedade referida em A) por deliberação de 11.10.2002 e sem prejuízo de em 03.07.2008, pela Ap. 1/20080703, ter sido efectuado Averbamento 1 na matricula n.º 1396/20030121 da Conservatória do Registo Comercial de Esposende, com indicação da cessação de funções do ora Oponente como Administrador da sociedade referida em A), por renúncia datada de 17.04.2006, sendo que, como ficou dito, aquilo que releva é a situação fáctica que lhe subjaz no que diz respeito ao efectivo exercício dos poderes correspondentes à detenção da posição jurídica de gerente, é indiscutível que os elementos acima alinhados permitem aludir a um fio condutor que confere total virtualidade ao exposto pela Recorrente, na medida em que os elementos descritos, que traduzem o total comprometimento do ora Recorrido com a actividade da sociedade, dão cabal consistência à afirmação da Recorrente
Nestas condições, temos alguém nomeado como gerente, e que apesar de ter renunciado ao exercício de tais funções, aparece na qualidade de legal representante da mesma no âmbito dos elementos acima assinalados, o que implica uma total noção da vida da sociedade, solidificando de forma clara o fio condutor acima assinalado.
Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta um conjunto de elementos, relacionados com os documentos apresentados pela Recorrente que permitem apreender que o ora Recorrido praticou actos em representação da sociedade originária devedora, nomeadamente os que ficaram descritos no probatório, situação que permite estabelecer, como se disse, um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade, o que significa que tem de entender-se que ficou demonstrada a prática por parte do ora Recorrido de actos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma.

Diga-se ainda que tais elementos são suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto, o que impõe a conclusão de que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso, com a consequente improcedência da presente oposição, dado que, a matéria vertida no presente recurso era o único fundamento deste processo de oposição.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a presente oposição à execução fiscal.
Custas pelo Recorrido.
Notifique-se. D.N..
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves