Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01904/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Moura
Descritores:AJUDAS DE CUSTO; TRABALHADOR DESLOCADO NO ESTRANGEIRO; PRODUÇÃO DE PROVA
Sumário:Sendo duvidoso se o trabalhador foi contratado para trabalhar diretamente no estrangeiro, deve proceder-se a produção de prova que se esclareça esse assunto.
Recorrente:C.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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C., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2001, por entender que não lhe foi permitido produzir prova testemunhal, assim como por considerar que não se justifica a correção da liquidação de IRS, uma vez que recebeu ajudas de custo que não estão sujeitas a tributação.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A - A sentença tem lugar após ter sido produzida a prova indicada no processo, ou, quando, tendo sido indicada prova, por via de despacho fundamentado se entenda ser de dispensar a prestação de prova testemunhal;
B- Tendo sido indicada prova testemunhal, e estando em causa a prova da realização de despesas por parte do Impugnante enquanto deslocado no estrangeiro, e não tendo sido proferido despacho fundamentado a dispensar a produção de prova, a sentença proferida nestes termos padece de vício de omissão de pronúncia, e de nulidade por preterição do direito de defesa e de produção de prova contraditória, devendo em conformidade ser a mesma revogada, e sendo ordenada a baixa do processo à 1.ª instância para julgamento da matéria de facto;
C- O regime de domicílio profissional a que se reporta o Dec.-Lei 519-M/79, é privativo do contrato de emprego em funções públicas, sendo que o entendimento perfilhado pela Inspecção é o que decorre da aplicação do regime da contratação para a prestação de funções públicas, que é diverso do regime de contratação em sede privada;
D- No contrato de trabalho temporário, o local de trabalho e domicílio profissional do trabalhador é aquele que é definido no contrato de trabalho e que coincide no geral com a sede da empresa de trabalho temporário, sendo que, o contrato celebrado com esta se destina a satisfazer as necessidades da empresa de trabalho temporário, ou seja, a de poder dispensar de forma temporária mão de obra; Por tal facto, o local de trabalho de origem é sempre o da empresa de trabalho profissional, que é a empresa a quem o trabalhador presta trabalho, ainda que o venha a executar em lugar diverso;
E- Por tal facto, as ajudas de custo abonadas ao Impugnante destinam-se a suportar as despesas acrescidas que o trabalhador suporta por se encontrar a trabalhar em local diverso do seu domicilio profissional, nomeadamente, quando se encontra a satisfazer a obrigação de cedência temporária de mão de obra realizada pela Entidade Patronal;
F- As ajudas de custo, e seguindo a classificação do Dec.-Lei 579-M/79, podem revestir a comparticipação de uma concreta despesa- como a comparticipação em KM percorridos, ou em despesas de transportes, ou, como sucede com o trabalho no estrangeiro, com a atribuição de um valor máximo diário, e que corresponde à compensação das despesas acrescidas do trabalhador deslocado e que se destinam a compensar as despesas com a alimentação, tratamento de roupas, tempos de ócio, deslocação no exterior e outras que podem ser efectuadas e sem que o trabalhador tenha que apresentar o justificativo;
G - Nos presentes autos, as ajudas de custo destinaram-se a suportar as despesas pelo facto de o Impugnante estar a prestar trabalho no exterior para a entidade patronal portuguesa e em funções de natureza temporária;
H- A douta sentença viola o disposto nos Arts. 12º, 24º, e 26º da LCT, na redacção do Dec.-Lei n.146/99, não atentando ao concreto regime legal previsto nos Arts. 12º a 20º do mesmo diploma;
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento, e revogada a sentença em recurso, como é de JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, ordenando-se a produção de prova testemunhal.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se deve ser ordenada a produção de prova testemunhal, e, caso assim não se entenda apurar se o impugnante recebia ajudas de custo.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:
a) Na sequência de uma acção inspectiva levada a efeito á empresa "R., Lda.", tendo por objectivo o "controlo das remunerações pagar ao pessoal contratado e cedido, uma vez que parecia ser prática deste tipo de empresas, o pagamento de parte significativa de remunerações na forma de ajudas de custo e deslocações ( ... )" (cf. doc. de fls. 45 a 53 do PA).
b) Apurou-se, ainda, que no exercício de 2001, a empresa efectuou pagamentos a título de ajudas de custo, ao pessoal contratado em regime de trabalho temporário, no montante de 1.055,491,07, no qual se incluiu o impugnante (cf. relatório e fls. 43 do PA).
c) Efectivamente é dito em sede inspectiva que "Os pagamentos efectuados pela sociedade "R.", designada de “Ajudas de Custo” pagas a pessoal de trabalho temporário, no qual se inclui o contribuinte aqui em análise, destinam-se a compensar a deslocação do local de residência para o local de trabalho considerado "Domicilio Profissional" (cf. doc. de fls. 30 do PA).
d) E ainda dito que "(...) o facto de a sociedade "R." contabilizar diversos custos relativos a despesas com o "pessoal temporário ", no qual de inclui o contribuinte alvo desta inspecção, custos que dizem respeito a "deslocações e estadas ", "transportes ", "alimentação ", "portagens ". etc. Verifica-se, portanto, que as referidas despesas, são suportadas pela empresa "R." e não pelos trabalhadores (entre os quais se inclui o contribuinte alvo desta acção inspectiva) ... " (cf. doc. de fls. 30 do PA).
e) Em consequência daquela acção inspectiva foram efectuadas ao, ora, impugnante correcções ao IRS do ano de 2001, o que originou a liquidação nº 20044000680731, no montante de €2.901,67, com data limite de pagamento de 27/0912004 (cf. doc. de fls. 16/ 17 e 26 a 32 do PA).

Factos não provados
Não se provaram outros factos além dos supra indicados.
As demais asserções da douta petição inicial integram conclusões de facto/direito ou meras considerações pessoais do impugnante.
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Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar, alega o Recorrente que estando em causa demonstrar a realização de despesas enquanto deslocado no estrangeiro, deveria ter sido produzida prova testemunhal, mas sobre o assunto não foi proferido despacho fundamentado a dispensar a mesma. Conclui que a sentença proferida nestes termos padece de vício de omissão de pronúncia, e de nulidade por preterição do direito de defesa e de produção de prova contraditória, devendo em conformidade ser a mesma revogada, e sendo ordenada a baixa do processo à 1.ª instância para julgamento da matéria de facto.
Efetivamente compulsados os autos, verifica-se que não existiu qualquer tipo de pronúncia sobre a prova testemunhal, nem sequer foi ordenada a notificação das partes para apresentarem as suas alegações pré-sentenciais, o que já permitiria concluir que a prova testemunhal não seria realizada.
Ora, a sentença assinala que existe uma divergência entre o Impugnante e a Administração Tributária sobre a qualificação das quantias recebidas em 2001, por isso é necessário proceder à qualificação das verbas recebidas.
Nas págs. 7, 8 e 9, a sentença refere o seguinte:
A FP não põe em causa que o impugnante prestava trabalho no estrangeiro, nem sequer questiona a natureza do trabalho prestado, apenas questiona que os montantes atribuídos se destinassem a cobrir as alegadas despesas.
Por seu turno, o impugnante nestes autos não faz qualquer prova que os montantes que recebeu se destinavam a custear aquelas despesas.
De facto, limita-se o impugnante a reproduzir o texto legal e a tecer considerações sobre o que se deve entender no caso em apreço.
Não trouxe qualquer prova, documental ou testemunhal, que pudesse ser usada a seu favor.
Assim, o impugnante não provou que os montantes que recebia da sua entidade patronal visavam custear as despesas que efectuava enquanto estava deslocado no estrangeiro a trabalhar.
A AF visou contrariar a posição defendida pelo impugnante supra carreando para o processo elementos concludentes que permitem por em causa a factualidade que o impugnante pretende fazer vingar.
De acordo com o entendimento actual do princípio da legalidade administrativa, incumbe à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao destinatário, como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação, isto quando o acto por ela praticado tem por fundamento a existência do facto tributário e a sua quantificação.
Tem a administração o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que invoca (art. 74º, nº 1 da LGT).
Ora, a Administração Tributária concluiu que os montantes recebidos pelo impugnante da sua entidade patronal constituem complementos de vencimento, não tendo, assim, cumprido o seu dever funcional de instrução em sede de procedimento tributário.
Efectivamente, apurou que "Os pagamentos efectuados pela sociedade "R.", designados de "Ajudas de Custo" pagas a pessoal de trabalho temporário, no qual se inclui o contribuinte aqui em análise, destinam-se a compensar a deslocação do local de residência para o local de trabalho considerado “Domicilio Profissional”, e que "a sociedade "R." contabilizar diversos custos relativos a despesas com o ''pessoal temporário", no qual de inclui o contribuinte alvo desta inspecção, custos que dizem respeito a "deslocações e estadas ", "transportes", "alimentação ", ''portagens'', etc. Verifica-se, portanto, que as referidas despesas, são suportadas pela empresa “R.” e não pelos trabalhadores (entre os quais se inclui o contribuinte alvo desta acção inspectiva) …"
Face ao exposto a Administração Fiscal provou, como era seu ónus, que os montantes em causa não estavam conexionados com qualquer deslocação, mormente com despesas de alimentação, alojamento ou outras do impugnante ao serviço da entidade patronal enquanto esteve deslocado no estrangeiro, pois essas despesas eram pagas pela entidade patronal e devidamente contabilizadas como custos por aquela sociedade.».
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Refere a sentença recorrida que o Impugnante se limita a reproduzir o texto legal e a tecer considerações sobre o regime das ajudas de custo, não trazendo qualquer prova ao processo.
Ora, analisada a Petição Inicial, verifica-se que o Impugnante refere ser trabalhador de uma empresa de trabalho temporário, tendo o seu posto de trabalho fixo em Vila Nova de Famalicão e sempre que presta serviço no estrangeiro, fá-lo no âmbito deste contrato de trabalho para a área e âmbito de atuação da qual fica obrigado a prestar trabalho (pontos 3 e 4 da PI).
Mais refere que sempre teve a sua residência, núcleo de interesses e família em Portugal e quando não tem colocação no estrangeiro, tem que se apresentar no posto de trabalho da empresa (ponto 5 da PI).
A partir daqui, efetivamente o Impugnante discorre sobre o regime legal aplicável.
Compete então saber se o alegado nos pontos 3, 4 e 5, é suficiente para a produção de prova testemunhal, conforme pede o Impugnante, neste recurso.
Em primeiro lugar, cumpre referir que no processo não foi proferida nenhuma decisão a dispensar a prova testemunhal. Ou seja, não foi avaliado previamente à prolação de sentença, se era ou não necessária a produção de prova testemunhal ou se seria pertinente a junção de mais algum documento. Da mesma forma, também não foi proferido despacho a dispensar a produção de prova testemunhal, designadamente por a questão a tratar ser apenas de direito ou que os autos já forneciam todos os elementos para que fosse proferida uma decisão final.
Assim, elaborar sentença onde se diz que não foi efetuada prova, sem que tivesse sido dada a oportunidade de realizar a prova testemunhal, é algo contraditório e que não se pode acolher.
Diga-se, ainda, que é pacífico o facto de a Administração Tributária não colocar em questão que o Impugnante presta serviço no estrangeiro. Entende a AT que é, precisamente por prestar serviço no estrangeiro, que há ajudas de custo, por considerar que o Impugnante foi contratado para trabalhar no estrangeiro. Como tal, entende que a remuneração já contém a previsão de trabalho no estrangeiro, pelo que já deveria ter em atenção essa realidade. Daí que as designadas ajudas de custo são uma remuneração por o trabalhador se encontrar no estrangeiro e não ajudas de custo.
Por sua vez, o Impugnante diz que tem o seu posto de trabalho fixo em Vila Nova de Famalicão, que é a sede da empresa de trabalho temporário.
Ora, segundo o regime jurídico do trabalho temporário o trabalhador temporário celebra um contrato de trabalho com a empresa de trabalho temporário. Este regime manteve-se igual desde a aprovação deste tipo de contratos pelo Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de outubro, passando pelo regime posterior aprovado pela Lei n.º 19/2007, de 22 de maio (com as alterações dadas pelas Leis nºs 39/96, de 31 de agosto, 146/99, de 1 de setembro, e 99/2003, de 27 de agosto)], assim como pelo atual artigo 172.º do Código do Trabalho.
A sede da empresa de trabalho temporário situa-se em território nacional.
Assim, salvo melhor entendimento, deve ser apurada a factualidade relativa a este contrato, na medida em que cumpre saber se a remuneração acordada já previa a deslocação para o estrangeiro ou não e se as designadas ajudas de custo eram efetivamente pagas a esse título ou incorporavam a remuneração. Situação esta que cremos não ter ficado cabalmente esclarecida.
Para além disso, o pagamento de quantias mensais fixas ao trabalhador, não pode ser qualificado automaticamente como remuneração, mesmo que não sejam apresentadas faturas ou recibos de despesas concretas, na medida em que o trabalhador deslocado no estrangeiro tem despesas acrescidas, face às quais a remuneração base não seria suficiente para satisfazer.
No sentido de que o pagamento de quantias mensais fixas, só por si, não se podem considerar ajudas de custo, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13/02/2014, proferido no processo n.º 00237/06.9BEBRG (em www.dgsi.pt), cuja parte do sumário com interesse para a questão em apreço se transcreve:
2. O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo.
No mesmo sentido veja-se o Acórdão, igualmente, deste Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em de 07/06/2018, no processo n.º 01070/08.9BEBRG (e que pode ser lido em: www.dgsi.pt).
Considerando que o Impugnante arrola uma testemunha, afigura-se curial que a mesma seja inquirida de modo a esclarecer todo o enquadramento do pagamento que foi declarado como ajudas de custo.
Desta forma, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, considera-se insuficiente o apuramento da matéria de facto, pelo que a sentença deve ser anulada, para que a 1.ª instância efetue a indispensável prova, conforme acima assinalado.
Em face do exposto, o recurso merece provimento, na parte em que invoca a falta de produção de prova testemunhal, pelo que fica prejudicada a análise dos demais fundamentos do recurso.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

Sendo duvidoso se o trabalhador foi contratado para trabalhar diretamente no estrangeiro, deve proceder-se a produção de prova que esclareça esse assunto.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, para que seja realizada a pertinente produção de prova.
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Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça, por não ter contra-alegado.
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Porto, 14 de outubro de 2021.

Paulo Moura
Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos