Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00327/17.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:VENDA EM EXECUÇÃO - ENTREGA DE BENS.
Sumário:1. O vício de omissão de pronúncia manifesta-se quando o juiz não se pronuncia, de forma expressa ou implícita, sobre questões que devia apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. Do ponto de vista do controlo jurisdicional, o tribunal só pode sindicar o acto como resulta do seu teor expresso, não podendo o juiz analisar o acerto ou desacerto da decisão administrativa com base em requisitos que a AT não analisou.
3. A entrega dos bens adquiridos é efectuada com base no respetivo título de transmissão que define e delimita o bem que deve ser entregue ao adquirente. Essa entrega só pode recair sobre o bem que consta do título de transmissão e mais nenhum outro.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Revogada a sentença recorrida e o despacho reclamado
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

BANCO…, S.A., melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Penafiel que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do Chefe de Finanças proferido em 23/3/017 que indeferiu o pedido de “entrega das chaves do portão de entrada do terreno e das oprtas da habitação…” dela interpôs recurso, finalizando as alegações com a seguintes conclusões:

1. O Tribunal deveria ter julgado provado que:
a) Por e-mail de 01.03.2017 o banco requerente deu a conhecer à Chefe do Serviço de Finanças de Penafiel que o terreno vendido se encontra murado e vedado à entrada, com um portão, e nele está em construção um prédio, composto de moradia unifamiliar, tipologia T6, com volumetria considerável, em construção, com portas e janelas;
b) Que o banco requerente não tinha forma de aceder ao terreno, porquanto o mesmo tem um portão de entrada;
2. Tais factos resultam dos documentos probatórios apresentados pelo Recorrente, nomeadamente o doc. 6 junto com a reclamação e anteriormente enviado para o serviço de finanças por email de 01.03.2017, bem como as fotografias juntas em requerimento subsequente à reclamação, todos carreados para os autos, sem qualquer impugnação por parte da Autoridade Tributária;
3. Dos mesmos, resulta evidente que o prédio em questão se encontra vedado e fechado a cadeado, com um portão localizado na entrada do terreno, e que tem erigido um edifício de habitação;
4. Mesmo antes da penhora, a moradia localizada no terreno em questão já se encontrava em construção, bem como se encontrava o terreno vedado e com um portão na entrada;
5. No processo de execução fiscal, o Órgão de Execução Fiscal não se preocupou em conhecer a realidade física do imóvel penhorado, nomeadamente se existiam ou não chaves a apreender;
6. Se o tivesse feito, teria sido confrontado com a seguinte realidade: o prédio rústico está murado, vedado com uma cerca, com um portão de entrada, com cadeado e chave, já para não falar que no mesmo terreno foi edificada uma construção que naturalmente não passaria despercebida, pois como se aponta no relatório de avaliação disponibilizado pelo Recorrente, a moradia em construção tem uma volumetria considerável e apresenta uma tipologia T6, o que, aliás, resulta das fotografias juntas com a reclamação;
7. Há um manifesto erro no julgamento do Tribunal;
8. Não se compreende como é que o Tribunal considerou que as questões relativas à construção de muros de vedação do terreno, à existência de um portão de entrada no terreno fechado com cadeado, e do edifício de habitação não têm relevância para a questão a decidir nestes autos, alegando que esta apenas está relacionada com a ilegalidade do despacho que indeferiu a entrega efectiva do prédio;
9. A questão que o Recorrente, trouxe à discussão prende-se, precisamente, com a existência de muros de vedação e portão de entrada do terreno e de edifício em construção, que eram do conhecimento do Órgão de Execução Fiscal, e que, na prática, impossibilitam a tomada de posse pelo Recorrente;
10. A investidura na posse do imóvel efectiva-se pela entrega da documentação referente ao imóvel ou, caso o acesso ao mesmo esteja condicionado/impedido, pela entrega das chaves que permitam esse acesso;
11. Se o terreno não estivesse vedado nem com acesso condicionado, concretamente pela existência de um portão de entrada fechado a cadeado, poderíamos aceitar que o Recorrente teria sido investido na sua posse com o mero título de adjudicação;
12. Como alegado e demonstrado, o terreno em questão encontra-se vedado e sem possibilidade de acesso;
13. O Tribunal não poderia ter deixado de se pronunciar sobre as questões invocadas, com fundamento na sua irrelevância, pois as mesmas são o ponto fulcral da discussão nos presentes autos;
14. Do mesmo modo, o Tribunal não podia ter optado por não se pronunciar sobre o invocado no que respeita ao leilão electrónico;
15. Não obstante no edital de venda a descrição do bem a vender poder estar conforme com a descrição constante da informação predial da Conservatória do Registo Predial, e de acordo com a inscrição constante da caderneta predial do Serviço de Finanças, sendo portanto inegável que de ambas resulta que o bem penhorado no processo de execução fiscal encontra-se descrito como terreno de cultivo e bravio, a verdade é que a realidade física do imóvel é distinta, pois o terreno se apresenta murado e vedado com um portão de entrada e nele foi edificada uma moradia em construção;
16. Dos anúncios e editais deverão constar todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender;
17. O que não aconteceu no presente caso, tendo o órgão de execução fiscal actuado em violação do disposto nos artigos 6.°, n.° 2, al. f) do despacho n.° 12624/2015 e do artigo 2.° da Portaria n.° 219/2011, de 01 de Junho, aplicáveis por força do artigo 248.° do CPPT;
18. O Tribunal devia-se ter pronunciado quanto ao alegado relativamente a considerar a construção existente no prédio penhorado uma benfeitoria útil, que faz parte integrante do imóvel adjudicado, que não estando averbada a construção e, como tal, não podendo configurar um prédio urbano, não tem autonomia face ao terreno;
19. Se “para a ilegalidade do despacho reclamado só releva o prédio adquirido pelo reclamante”, como entende o Tribunal a quo, então é necessário considerar a realidade física do imóvel, pois é essa que o Recorrente tem que enfrentar, não podendo o Órgão de Execução Fiscal desobrigar-se das suas responsabilidades, desculpando-se com os termos descritos no título de transmissão que, conforme já alegado e comprovado, não estão de acordo com a realidade;
20. É ao Órgão de Execução Fiscal que cabe apurar a realidade física do imóvel e, portanto, é a ele que cabe diligenciar pela entrega efectiva do imóvel ao adquirente, sob pena de essa aquisição não produzir qualquer efeito útil;
21. Não tendo apreciado nenhuma das questões levantadas pelo Reclamante, por entender que não são relevantes para a decisão da causa, o Tribunal errou, pois só através do julgamento das questões enunciadas poderia ter concluído pela leglidade1ou ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal;
22. Dispõe o artigo 256.°, n.° 2 do CPPT que “o adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens», não aludindo à natureza da ocupação, abusiva ou não, pois que o que releva é que o adquirente não tenha acesso ao bem que adquiriu, por não lhe terem sido entregues as chaves do mesmo, como acontece no caso em apreço;
23. De acordo com o artigo 256.°, n.° 3 do CPPT, “o órgão de execução fiscal pode solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado ao adquirente”;
24. O Órgão de Execução Fiscal não fez nada para que o Recorrente tivesse acesso ao imóvel, recusando-se a proceder à entrega das chaves do portão de entrada;
25. Não se compreende como pode o Recorrente conhecer o detentor, de forma a identificá-lo, considerando que, conforme se tem vindo a alegar, não tem acesso ao interior do terreno;
26. Todas essas diligências competem ao Órgão de Execução Fiscal, que promove a execução e a venda, cabendo-lhe, nessa qualidade, investir o adquirente na posse do imóvel;
27. No artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa estão consagrados os princípios fundamentais por que se deve reger a actividade da Administração Pública, entre os mesmos surgindo o princípio da boa-fé (cfr. n.° 2);
28. A Administração Tributária, deve, no exercício das suas funções, actuar com respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da colaboração e da boa-fé, ponderando os valores fundamentais do direito, designadamente, a confiança suscitada pela sua actuação e o objectivo a alcançar;
29. O Recorrente tudo tentou, cumprindo as obrigações impostas pelo princípio da colaboração, para que a Administração tivesse todos os dados referentes à situação concreta;
30. A actuação do Órgão de Execução Fiscal, com os contornos descritos no processo, deve ter-se como violadora do princípio da boa-fé que preside à actividade administrativa, pois frustrou a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pelo Recorrente;
31. A violação pela Administração Pública de um dever procedimental segundo as regras da boa-fé, consubstancia um vício autónomo de violação de lei;
32. Ao abster-se de promover as diligências para investir o adquirente na posse, o serviço de finanças eximiu-se do cumprimento do dever que sobre si impende, decorrente do n° 2 do artigo 256° do CPPT, de entrega do imóvel ao adquirente, em violação do principio da boa fé, previsto no artigo 10.° do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 266.° da Constituição da Republica Portuguesa;
33. O Serviço de Finanças desconsiderou completamente a prova produzida, praticando um acto administrativo que, não só é desprovido de qualquer suporte fáctico, afirmando que o prédio rústico não tem portão, nem chaves, quando o Recorrente claramente demonstrou a sua notória existência, como é também desprovido de qualquer suporte legal;
34. O Órgão de Execução Fiscal suporta o seu acto administrativo, o que é confirmado pelo Tribunal Recorrido, na premissa de que quando se trata de um prédio rústico, se conclui, como se de uma presunção iure et de jure se tratasse, que não existe qualquer portão ou chaves a entregar;
35. A Administração Pública age, aqui, no exercício de poder público, logo, investida de Ius imperium, não lhe sendo mais aplicável o princípio da liberdade negocial, estando antes vinculada ao princípio da legalidade da administração, sendo apenas permitido à mesma praticar os actos que tenham estrito apoio legal;
36. Este acto administrativo não só é desprovido de qualquer fundamentação legal, pois a Autoridade Tributária em qualquer parte da sua decisão justifica em que norma baseia o seu indeferimento, como é desprovido de qualquer sentido lógico;
37. É facto notório, logo de conhecimento oficioso, quer do Órgão de Execução Fiscal, quer do Tribunal, decorrendo também das regras da experiência, que existem inúmeros prédios que têm natureza rústica e que, não obstante isso, têm vedações e portões de forma a impedir entrada de pessoas e animais indesejados, ou mesmo construções “clandestinas”;
38. O Serviço de Finanças praticou um acto administrativo desprovido de suporte legal, violando assim o principio da legalidade, previsto no artigo 3.° do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 266.° da Constituição da Republica Portuguesa.
39. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que sendo os factos alegados relevantes para a apreciação do despacho recorrido, impõem-se conceder provimento ao presente recurso, anular a sentença recorrida, e ordenar que os autos baixem à 1ª instância para ser julgado em conformidade.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber a se a sentença é nula por omissão de pronúncia se errou no julgamento da matéria de facto e de direito.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) O reclamante adquiriu, por adjudicação em processo de execução fiscal, pelo preço de €321.000,00, o prédio rústico denominado Vessada… e Campo… e Tapada…, situado no lugar…, com a área total descoberta de 30300M2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º 4…-Milhundos, atual freguesia de Penafiel, inscrito na matriz predial rústica 5…,da freguesia de Penafiel (fls. 9 a 15).

B) O título de transmissão foi emitido em 19/01/2017 (fls. 112 verso a 114).

C) Em 06/02/2017 foi emitida a certidão de cancelamento da penhora e dos registos dos direitos reais que caducam com a venda judicial do prédio referido em A) (fls. 113 a 114).

D) O título de adjudicação e o despacho de cancelamento de ónus e encargos do prédio vendido foram remetidos ao reclamante por carta registada com aviso de receção registada em 08/02/2017 e recebida em 09/02/2017 (fls. 112 verso a 115).

E) A aquisição do direito de propriedade referida em A) foi registada na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, a favor do reclamante, pela inscrição Ap. 3256 de 2017/02/09 (fls. 9 a 15).

F) O prédio foi averbado na matriz predial em nome do reclamante (fls. 15).

G) O teor do edital de venda e convocação de credores consta de fls. 61 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

H) O auto de adjudicação consta de fls. 102 e verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

I) No dia 17/02/2017, o executado M… recebeu a notificação que consta de fls. 103, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 103 e 104).

J) Em 22/02/2017, o reclamante apresentou o pedido que consta da metade inferior de fls. 206 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo o órgão de execução fiscal proferido, em 01/03/2016, a decisão que consta da metade superior dessa folha, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

K) Em 10/03/2017 o reclamante apresentou o requerimento que consta de fls. 123 verso e 124, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
L) O pedido constante deste requerimento foi indeferido pelo despacho de 23/03/2017, de fls. 143, com os fundamentos constantes da informação de fls. 143 verso e 144, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Com relevância para a decisão da causa, inexiste matéria de facto julgada não provada.
3.1.1 – Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos, conjugados com as regras da experiência.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa.
Aqui cumpre realçar que os factos invocados pelo reclamante relacionados com a construção do muro e do edifício erigido no prédio adquirido não foram julgados provados, nem não provados, por serem irrelevantes para a decisão da causa, conforme resultará da fundamentação de direito.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Correu termos no Serviço de Finanças de Penafiel o processo de execução fiscal n.º 1856201101007424 para cobrança de dívida de IRS no valor de € 34.055,60 no âmbito do qual foi efectuada a penhora do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Penafiel sob o artigo 5…, que teve origem no artigo 1… da extinta freguesia de Milhundos. O RECLAMANTE Banco reclamou créditos contra os executados garantidos por hipoteca registada sobre o imóvel penhorado. Efectuada a venda, foi aceite a proposta apresentada pelo Reclamante e cumpridas as demais formalidades, foi lavrado em 19/1/2017 título de transmissão ao Reclamante, ora Recorrente.

Em 10/3/2017 o adjudicatário, ora Recorrente, requereu a “entrega efectiva do imóvel livre de pessoas e bens, procedendo à entrega das chaves do portão e das portas da habitação, notificando o executado e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito de propriedade do adquirente”, uma vez que “no presente caso foi edificada uma habitação, que apesar de não se encontrar concluída, já dispõe de portas e janelas, e seguindo a jurisprudência, a venda em execução foi efectuada com o prédio em construção” (requerimento de fls. 123 dos autos).

O pedido foi indeferido por despacho de 23/3/2017, com adesão à informação efectuada pelos serviços.

Não se conformando com o mesmo, foi apresentada reclamação a que alude o art.º 276º do CPPT que o MMº juiz julgou improcedente com base nos seguintes fundamentos:
O RECLAMANTE não pede a entrega efetiva do prédio contra o detentor do prédio, nem invoca a recusa da entrega do prédio;
Os documentos foram entregues ao RECLAMANTE;
E quanto ao pedido de entrega das chaves, não tem razão no pedido porquanto tratando-se de prédio rústico não foram identificadas quaisquer chaves.

O RECORRENTE não se conforma com o assim decidido e nas conclusões de recurso suscita as seguintes questões:

A sentença é nula por omissão de omissão de pronúncia “sobre o invocado no leilão eletrónico” e sobre o não apuramento da realidade física do imóvel bem como quanto a considerar a construção existente no prédio penhorado como uma benfeitoria útil (Conclusões 14 e segs).
Erro de julgamento de facto (Conclusões 1 a 13)
O acto não está fundamentado (Conclusão 36).

Deixando para momento posterior a verificação do erro de julgamento de facto, começamos agora a nossa análise pela alegada omissão de pronúncia “sobre o invocado leilão eletrónico” e quanto à construção existente no prédio penhorado como uma benfeitoria útil.

É certo que o RECLAMANTE alega no requerimento inicial que a venda por leilão eletrónico deve obedecer ao despacho 12624/2015 e que o SF, pelo menos na altura em que promove “... a venda de um imóvel deveria fazer uma verificação à situação física do imóvel penhorado, não se bastando com a situação jurídica....”, matéria sobre a qual o MMº juiz não se pronunciou.

O vício de omissão de pronúncia manifesta-se quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.º 615º/1-d) CPC e 125º/1 do CPPT).

Na verdade, o MMº juiz não se pronunciou expressamente sobre o assunto, mas em vários pontos da sentença resulta implícito que não considerou a alegação relevante para a discussão da causa.

Tal resulta, por exemplo, da afirmação de que As questões suscitadas pelo reclamante relativas à construção dos muros de vedação do terreno e do edifício de habitação, bem como as alegadas questões relacionadas com o direito de propriedade sobre essas construções, por força da hipoteca que garantia o crédito reclamado, não relevam para a questão a decidir nestes autos.
Para estes autos e para a ilegalidade do despacho reclamado só releva o prédio adquirido pelo reclamante, nos exatos termos que constam do edital de venda do prédio, da descrição constante do instrumento de venda e da descrição existente no registo predial e na matriz do prédio adquirido.
Estes autos só podem ter por objeto a ilegalidade do despacho reclamado quanto à entrega efetivo do prédio rústico constante do título de transmissão. A ilegalidade do despacho não pode ter por objeto ou fundamento qualquer questão relacionada com a alegada existência dos muros de vedação e do edifício construído no prédio adquirido pelo reclamante, por não ser este o processo próprio para julgar a legalidade e a consequência das construções existentes no prédio vendido.”.

Claramente o MMº juiz fez o recorte do que estava em causa nos autos e considerou que toda a restante matéria alegada pelo Reclamante não tinha relevância para a decisão.
Ou seja, julgou pelo menos implicitamente, prejudicado o conhecimento da matéria alegada por ser irrelevante, o que afasta o vício de nulidade da sentença (1).

Mas ainda que não se entendesse ter havido pronúncia implícita, consideramos que a alegação não constitui efetivamente uma “questão a decidir” (2), pelo que sobre ela não tinha que recair pronúncia.

Com efeito, o RECLAMANTE insurge-se contra a alegada falta de “verificação” do prédio a vender, sugerindo que foi devido a essa omissão que o Banco adjudicatário se encontra na presente situação.
Mas isso não só não é verdade (3), como também – mesmo que fosse – não constitui fundamento de ilegalidade do despacho reclamado. Ou seja, configura uma questão, pelo que não tinha o MMª juiz que sobre ela se pronunciar.

Para além disso, do ponto de vista do controlo jurisdicional, o tribunal só pode sindicar o acto como resulta do seu teor expresso, não podendo o juiz analisar o acerto ou desacerto da decisão administrativa com base em requisitos que a AT não analisou (4), como é o caso.

Pela mesma razão, não tinha o MMº juiz que se pronunciar quanto a considerar a construção existente no prédio penhorado como uma benfeitoria útil, uma vez que tal facto não foi submetido ao órgão de execução fiscal e não constitui um vício do despacho reclamado.

Após a venda realizada no âmbito de execução fiscal, mostrando-se integralmente pago o preço, com os acréscimos, e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens devem ser adjudicados e entregues ao comprador, emitindo o órgão de execução fiscal o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço e se declara o cumprimento, ou a isenção, das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados (cfr. artº. 827º/1 do NCPC “ex vi” do artº. 2º/e), do CPPT).

No requerimento dirigido ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças o Requerente pediu “a entrega efectiva do imóvel ao adquirente, livre de pessoas e bens, procedendo à entrega das chaves do portão de entrada do terreno e das portas da habitação, notificando o executado e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito de propriedade do adquirente”.

O pedido foi indeferido porque o “Serviço de Finanças não penhorou nenhuma construção ou prédio urbano”, como se refere na informação que antecedeu o despacho de indeferimento do pedido formulado pelo adjudicatário.

Na reclamação contra o despacho, o Reclamante pede a “entrega efetiva do imóvel ao adquirente, livre de pessoas e bens, procedendo à entrega das chaves do portão de entrada do terreno, notificando o executado e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito de propriedade do adquirente”.

Não pedindo agora a entrega das chaves das portas da habitação, parece haver uma redução do pedido formulado perante o órgão de execução fiscal.
Contudo, também se poderá entender que tal redução é apenas aparente, porque pedindo a entrega do imóvel “livre de pessoas e bens” pretende também que as pessoas que eventualmente (dizemos eventualmente porque não sabemos sequer se há pessoas, ou mesmo habitação) ocupam a “habitação” sejam dela retiradas com a entrega das respetivas chaves.

Pelo menos parece ter sido esta interpretação que o MMº juiz "a quo" sufragou ao considerar nos autos “...estar em causa apenas e só a legalidade do despacho do órgão de execução fiscal de 23/03/2017 que indefere a entrega efetiva do prédio adquirido pelo reclamante, nos termos requeridos no seu pedido”.

Porém, como nas doutas conclusões o Recorrente alude, por vezes, apenas à entrega das chaves do portão de entrada (conclusões 11, 24, 34) e tendo em conta o conteúdo expresso do pedido formulado na reclamação, afigura-se-nos defensável que, no mínimo, o Reclamante/Recorrente pretende a entrega das chaves do portão, se as da habitação não lhe forem facultadas.

Ora, nos termos do art. 256/2-3 do CPPT (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010 de 31/12), o adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens, podendo o órgão de execução fiscal solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado ao adquirente.

Como vemos, a entrega dos bens adquiridos é efectuada com base no respetivo título de transmissão que define e delimita o bem que deve ser entregue ao adquirente. Essa entrega só pode recair sobre o bem que consta do título de transmissão e mais nenhum outro.

Assim, torna-se necessário saber qual o bem que o título de transmissão outorgou ao adquirente. No caso dos autos o mesmo é referente ao “prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Penafiel, sob o artigo 5…, que teve origem no artigo 1… da extinta freguesia de Milhundos, em nome de M… NIF: 1…. Está descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º 4..., na freguesia de Milhundos...”.

Foi este o prédio penhorado e foi este o prédio adjudicado ao RECORRENTE.

Todavia, no requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal não é o prédio assim identificado que o ora RECORRENTE pretende lhe seja entregue.

Se o prédio tem construções no seu interior, poder-se-á admitir que existe um erro sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado (cfr. art. 257º/1-a) CPPT). Este erro - e as suas consequências - não pode ser encarado como se não existisse, entregando-se ao adjudicatário um bem com caraterísticas diferentes do que lhe foi adjudicado.

Nessa perspectiva, o aditamento de factos requerido não tem qualquer interesse para a decisão.
Pretende o RECORRENTE que se julgue provado que
a) Por e-mail de 01.03.2017 o banco requerente deu a conhecer à Chefe do Serviço de Finanças de Penafiel que o terreno vendido se encontra murado e vedado à entrada, com um portão, e nele está em construção um prédio, composto de moradia unifamiliar, tipologia T6, com volumetria considerável, em construção, com portas e janelas;
b) Que o banco requerente não tinha forma de aceder ao terreno, porquanto o mesmo tem um portão de entrada;

Estes factos afiguram-se-nos totalmente irrelevantes para a decisão.
Em primeiro lugar porque o que está em causa é apenas a legalidade do despacho reclamado que indeferiu o pedido de “entrega efetiva do imóvel ao adquirente, livre de pessoas e bens, procedendo à entrega das chaves do portão de entrada do terreno e das portas da habitação, notificando o executado e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito de propriedade do adquirente”.

Em segundo lugar, não é objecto de discussão saber se o prédio adjudicado tem ou não habitação, ou habitações. O que se discute nos autos é apenas saber se pode ser deferido um pedido de entrega de uma realidade física que não lhe foi adjudicada.

Dir-se-á que para saber se a realidade física corresponde, ou não, à que foi adjudicada teremos de previamente confirmar se nela estão edificadas as construções referidas.

Não entendemos assim. Neste caso, é o próprio Requerente que peticiona a entrega de um bem com caraterísticas que não lhe foram adjudicadas, pelo que não se trata de saber se tais “caraterísticas” existem ou não, mas sim se pode ser deferida a entrega baseada num pedido que identifica um bem divergente do que consta no auto de penhora e respetivo título de transmissão.

Isto não significa que se estejam a ignorar as regras do n.º 2 e 3 do art. 256º do CPPT. Quer para a entrega do bem (n.º 2) quer para solicitar o auxílio das autoridades policiais para o mesmo efeito (n.º 3), o bem em causa só pode ser o bem com as caraterísticas descritas no auto de penhora e no título de transmissão.

É por isso que n.º 2 do art. 257º fala em “título de transmissão” e o n.º 3 do mesmo preceito fala em “bem adjudicado”. Embora não se utilizem as mesmas palavras, o conteúdo do título de transmissão e o bem adjudicado não podem deixar de coincidir. Em ambos os casos referem-se à mesma realidade.

Portanto, com a amplitude que o Recorrente requereu ao Serviço de Finanças – entrega das chaves do portão e da casa – o pedido não pode ser satisfeito.
E por isso, nem a sentença (com a interpretação que deu ao pedido) nem o despacho reclamado enfermam de qualquer ilegalidade.

No entanto, como acima referimos, admitimos que ao formular na petição de reclamação o pedido de que “se proceda à entrega efetiva do imóvel ao adquirente, livre de pessoas e bens, procedendo à entrega das chaves do portão de entrada do terreno, notificando o executado e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito de propriedade do adquirente”, conjugado com o teor das conclusões (11, 24 e 34) o Reclamante admite a entrega, apenas, das chaves do portão, algo como uma forma de pedido subsidiário que não expressou nem articulou corretamente.

Ora, mesmo que o prédio rústico esteja vedado por um muro com portão, que não estava descrito no auto de penhora nem no termo de transmissão, temos para nós que isso não é suficiente para descaraterizar a natureza rústica do prédio nem alterar a sua substância efetiva.

Sendo assim, o Serviço de Finanças não pode deixar de proceder à entrega do prédio rústico com entrega das chaves do portão, se ele existe, ou recurso ao auxílio das autoridades policiais para o mesmo fim, ao abrigo do disposto nos n.º 2 e 3 do art. 257º do CPPT.

De outro modo, bastaria erigir alguma barreira num prédio rústico para impedir que o legítimo proprietário dele tomasse posse efectiva, frustrando assim as legítimas expectativas do adquirente em execução fiscal.

Isto significa que a AT deverá providenciar apenas a entrega do prédio rústico, nos termos que o n.º 2 e 3 do art.º. 257º do CPPT autorizam e nada mais do que isso.

No que respeita à falta de fundamentação do despacho reclamado, trata-se de uma questão nova suscitada neste recurso. Mas visando o recurso a reapreciação da decisão de tribunal de grau hierárquico inferior, apenas pode ter por objecto questões decididas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer-se de questões novas suscitadas nas alegações, salvo se forem de conhecimento oficioso, o que ora não sucede (5).

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em revogar a sentença recorrida e bem assim o despacho reclamado, devendo a AT providenciar pela entrega do prédio rústico (e apenas o prédio rústico) adjudicado ao RECORRENTE em cumprimento do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 256º do CPPT.
Sem custas.
Porto, 23 de novembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

(1) Ac. do STA n.º 01109/12 de 07-11-2012 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - Porque só pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, tal nulidade não se verifica se o juiz evoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada.
II - A nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada. (o sublinhado é nosso).

(2) Ac. do TCAN n.º 01258/05.4BEVIS de 11-04-2014 (relator Pedro Nuno Pinto Vergueiro) Sumário: I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado. (sublinhado nosso)
(3) O Reclamante, ora Recorrente, não só não requereu a anulação da venda com base em erro sobre o objecto transmitido (art. 257º/1-a) CPPT), como esclarece na douta petição inicial que ““...o valor proposto teve em conta precisamente a situação física do imóvel, sobretudo a moradia nele edificada, ainda que inacabada, com 55% de obra concluída.
O que aliás corresponde, de acordo com o relatório de avaliação disponibilizado pelo Banco requerente, ao valor actual de mercado do imóvel considerando as edificações, sendo que, após conclusão da edificação, o valor do imóvel será de 492.000,00 Euros. Como é bom de ver, os 321.000,00 Euros oferecidos pelo Banco nunca poderiam ser pelo terreno de cultivo e bravio, qua ainda que se considere a área de 30.300m2 representaria um valor de € 10,60 Euros/m2, o que seria claramente um exagero para um terreno de cultivo bravio...” (fls. 6).

(4) Assim, ac. do TCAN n.º 02077/12.7BEPRT de 21-03-2013 Relatora: Catarina Almeida e Sousa IV. No caso do despacho reclamado, tendo a Administração Tributária considerado não estar provado qualquer um dos requisitos alternativos - existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de meios económicos para a prestar - indeferindo o pedido sem cuidar da verificação, in casu, do requisito cumulativo respeitante à responsabilidade do executado na insuficiência dos bens, o Tribunal só pode sindicar o acto tal como resulta do seu teor expresso.
V. Assim, não era legalmente admissível, nesta sede, ao Mmo. Juiz a quo analisar o acerto, ou desacerto, do despacho de indeferimento do pedido de isenção de garantia com base na análise da verificação de um requisito que a Administração jamais analisou – a (ir)responsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência dos bens, pois, como é sabido, o tribunal não pode substituir-se à AT, na medida em que tal representaria a prática de administração activa, o que, naturalmente, lhe está vedado.

(5) Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado – cf. Acórdão do STA de 13/11/2013, proferido no rec. nº 01460/13