Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00288/20.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:EXCESSO DE PENHORA; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE; INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS; QUESTÃO NOVA
Sumário:1. Num processo de execução fiscal, a existência de diversos ónus sobre o único bem existente no património do executado, não obsta a que o mesmo seja penhorado, se o executado não colocou em causa a existência da dívida.

2. A indisponibilidade dos créditos tributários (arts 8º, 30º, nº 2º e 3º, 36º, nº 4 da LGT, arts 103º, nº 2 e 165º, alínea i) da CRP), bem como o tratar-se do único bem existente no património do executado (artº 50º do CPPT) assim o impõem.

3. O princípio da adequação e da proporcionalidade, não se mostra, assim, violado com a realização da penhora (artigo 217º do CPPT).

4. Os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e, como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Fazenda Pública.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J. com o NIF(...), melhor identificado nos autos veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, deduzida nos termos do artigo 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e consequentemente manteve o ordem de penhora sobre o artigo urbano …, da freguesia de (…)(...), no processo de execução fiscal nº 0167201301014072 e aps., em que o aqui Recorrente é executado.


O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Qualquer ação executiva tem por desiderato essencial assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, maxime através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais ao referido devedor pertencentes, pois que , é o património do executado a garantia geral das suas obrigações (cfr. Artigo 50.º (com a epigrafe Garantia dos créditos tributários) da LEI GERAL TRIBUTÁRIA, DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro na redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31/03).
2. A penhora trata-se do acto fundamental do processo de execução de pagamento de quantia certa.
3. A nossa lei fiscal, em sede de acção executiva fiscal, consagra no artº 55º da Lei Geral Tributária os princípios os princípios da adequação e proporcionalidade.
4. Os princípios da adequação e proporcionalidade, obrigam a que o acto de apreensão de bens do executado deva limitar-se àqueles que sejam necessários à satisfação do crédito do exequente.
5. A AT deve actuar de acordo com o disposto nesse normativo logo aquando da apreensão de bens na acção executiva fiscal, sendo no referido momento que importa operar uma prognose do valor do produto arrecadável e do valor do quantum do mesmo que chegará, no final, às mãos do exequente, impondo-se então levar também em conta as garantias reais de terceiros.
6. Sendo a penhora uma «agressão» ao património do obrigado – seja ele devedor ou terceiro -, a afectação (e respectiva oneração) dos bens apreendidos às finalidades da acção executiva, a despeito de servir os interesses patrimoniais dos credores, não pode esquecer o interesse de o devedor (ou terceiro) não ser excessivamente onerado na fase da responsabilidade patrimonial.
7. A agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património.
8. Por força dos apontados princípios da proporcionalidade e da adequação, a penhora não pode ser objectivamente excessiva, não devendo consequentemente atingir bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam - porque não necessário - responder pela satisfação do crédito exequendo.
9. Ainda à luz dos mesmos princípios, nada justifica outrossim a apreensão de bens de devedor a solicitação de determinado credor quando, à partida, como é manifestamente o caso dos presentes autos, lícito é antever com segurança que da referida agressão do património do executado não resultará qualquer possibilidade de a pretensão do exequente ser satisfeita - na totalidade ou apenas parcialmente.
10. A sentença recorrida deu como improvável e seguro, atendendo à alínea a) do nº 1 do artº 250º do CPPT, que da penhora do imóvel pertencente ao executado/recorrente não resultará qualquer possibilidade de a pretensão da AT ser minimamente satisfeita, total ou em parte, isto é, com base nos elementos disponíveis, e caso a venda judicial ocorresse hoje, razoável é antecipar que do produto da venda nenhuma quantia sobrará para liquidar a divida exequenda, razão pela qual justamente não se “justifica” a realização da referida penhora do imóvel do recorrente que aqui se discute, impondo-se o seu cancelamento.
11. Restando à AT fazer a competente declaração de falhas, de acordo com a alínea a) do art.º 272 do CPPT.

Nestes termos, e nos melhores que V. Exas. superiormente se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a douta sentença recorrida, em conformidade conquanto antecede, ordenando-se o cancelamento da penhora realizada no imóvel do executado, correspondente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia e concelho de(...), e descrito na Conservatória Registo Predial de (...) sob o nº…, inscrita pela ap. … de 6/02/2020, tudo com as necessárias consequências legais.

Com o que, farão V. Exas., como sempre fazem, a esperada e acostumada JUSTIÇA.”

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, a folhas 65, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 657º, nº 4 do CPC ex vi artigo 281º do CPPT), vindo os autos à Secção do Contencioso Tributário deste TCAN para julgamento do recurso.


I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões - artigos 635º, nº4 e 639º CPC, ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT - é a de saber se a sentença recorrida errou ao concluir pela legalidade da penhora.

II. Fundamentação
II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

“(…)Factos provados
1. Correm termos no Serviço de Finanças de (...) os processos de execução fiscal n.º 0167201301014072 e aps., instaurados contra o Reclamante, para cobrança da quantia total de € 79.565,04 (cfr. fls. 16 e ss. dos autos em suporte físico);
2. Em 03-02-2020, no âmbito dos PEF indicados em 1. supra, foi penhorado ao Reclamante o artigo urbano … da freguesia de (...), com o valor patrimonial tributário de € 28.370,00, tendo a mesma sido notificada ao Autor em 19-02-2020 (fls. 18 v.º a 22 dos autos em suporte físico);
3. Sobre o prédio que antecede, além da penhora ali descrita, registada pela Ap. 2081 de 2020/02/06, encontram-se registados os seguintes ónus:
a) Ap. 1 de 1995/09/06 – ónus de eventual redução de doação;
b) Ap. 5 de 2004/07/22 – hipoteca legal para garantia do montante máximo de € 37.646,92, a favor da Segurança Social;
c) Ap. 4 de 2005/05/03 – hipoteca legal para garantia do montante máximo de € 9.751,18, a favor da Segurança Social;
d) Ap. 48 de 2007/12/03 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 8.610,69, a favor da Fazenda Nacional;
e) 15 de 2008/03/17 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 1.904,81, a favor da Fazenda Nacional;
f) Ap. 16 de 2008/03/17 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 2.715,20, a favor da Fazenda Nacional;
g) Ap. 17 de 2008/03/17 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 3.095,81, a favor da Fazenda Nacional;
h) Ap. 5 de 2008/08/18 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 1.808,35, a favor da Fazenda Nacional;
i) Ap. 4816 de 2009/06/23 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 562,62, a favor da Fazenda Nacional;
j) Ap. 3119 de 2012/09/20 – penhora para garantia de quantia exequenda de € 11.135,04, a favor do BANIF
k) Ap. 1922 de 2012/11/06 – hipoteca voluntária para garantia do montante máximo de € 30.000,00;
l) Ap. 26 de 2013/01/22 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 5.104,44, a favor da Fazenda Nacional;
m) Ap. 2529 de 2013/05/28 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 14.160,53, a favor da Fazenda Nacional;
n) 1987 de 2014/04/07 – hipoteca legal para garantia do montante máximo de € 71.835,31, a favor da Segurança Social;
o)Ap. 39 de 2017/01/13 – penhora para garantia da quantia exequenda de € 4.815,31, a favor da Fazenda Nacional (fls. 7 a 10 v.º do processo físico);
4. Em nome do Reclamante não existem outros imóveis, além do penhorado e identificado em 2. supra (cfr. informação de fls. 23 do processo físico não impugnada, sendo que o próprio Reclamante, na sua p.i., não indica a existência de quaisquer outros bens penhoráveis e no requerimento de apoio judiciário, que lhe veio a ser concedido, indica apenas um imóvel, com a designação de “casa de morada de família”);
5. A presente reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças de (...) por fax de 02-03-2020 (fls. 24 e ss. dos autos).

3.2. Factos não provados:
Não há factos não provados com interesse para a resolução da questão decidenda.

A decisão da matéria de facto foi tomada com base no exame crítico do conjunto dos documentos, não impugnados, que constam dos autos (e referidos em cada ponto).”


II. O Direito


II.1.1 O Recorrente inicia o seu desacordo com a sentença, alegando que os princípios da adequação e proporcionalidade obrigam a que o acto de penhora de bens se deva limitar àqueles que sejam necessários à satisfação do crédito do exequente. Que por força de tais princípios, nada justifica a apreensão de bens do devedor a solicitação do credor quando, à partida, lícito é antever que da agressão do património do executado não resultará qualquer possibilidade de a pretensão do exequente ser satisfeita – na totalidade ou apenas parcialmente. E que a sentença recorrida deu como improvável e seguro, atendendo à alínea a) nº 1 do art.º 250º do CPPT, que da penhora do imóvel não resultará qualquer possibilidade da pretensão da AT ser minimamente satisfeita, razão pela qual não se “justifica” a realização da referida penhora, impondo-se o seu cancelamento. [Conclusões 1ª a 10ª]

A fundamentação plasmada na sentença, agora recorrida, foi a seguinte: ” (…) Como se viu no probatório, o Executado ora Reclamante apenas possui o bem imóvel que foi penhorado nos PEF identificados. Sobre tal imóvel constam os ónus registados e descritos nas várias alíneas do ponto 3., entre os quais quatro hipotecas, para garantir valores de € 37.646,92, € 10.453,33, € 30.000,00 e € 71.835,31 e dez penhoras, para garantir valores de € 8.610,69, € 1.904,81, € 2.715,20, € 3.095,81, € 1.808,35, € 562,62, € 11.135,04, € 5.104,44, € 14.160,53 e € 4.815,31, para além da aqui em causa, que foi a última registada, para garantir o valor de € 79.565,04.
O valor patrimonial do imóvel é de € 28.370,00.
Se bem se interpreta a posição do Reclamante – que, não pode deixar de se referir, é deveras sui generis – este entende que a penhora em causa é desproporcional e desadequada, não por ter sido penhorado um bem com um valor excessivo face ao valor em dívida, mas, precisamente ao contrário, porque foi penhorado um bem, já excessivamente onerado e, como tal, com um valor que previsivelmente não poderia cobrir o da dívida exequenda.
Ora, tal tipo de argumentação, no limite, até pode pôr em causa o seu interesse em agir. Com efeito, o Reclamante não diz que não deve o valor da quantia exequenda, nem invoca possuir outros bens penhoráveis.
Isto significa que, não sendo o crédito tributário disponível (art. 30.º n.º 2 da LGT), existindo apenas o bem em causa no património do devedor, o qual é garantia geral dos créditos tributários (art. 50.º n.º 1 da LGT) e sendo proibida a moratória no pagamento das dívidas tributárias (art. 85.º n.º 3 do CPPT), findo o prazo posterior à citação sem ter sido efectuado o pagamento, a AT tinha mesmo que proceder à penhora do bem em causa (art. 215.º n.º 1 do CPPT).
Daqui resulta que, ainda que o bem tivesse um valor muito superior ao da dívida, sendo o único bem penhorável do executado, ainda assim não se poderia considerar haver desproporção, nos termos do art. 217.º do CPPT.
Por maioria de razão, nunca se poderia considerar haver desproporção se a situação fosse a inversa, isto é, se o bem penhorado tivesse um valor muitíssimo inferior ao da dívida exequenda – que é a situação dos autos.
É que, como se disse, nem se percebe o interesse e a argumentação do Reclamante nos presentes autos, já que em nada é prejudicado com a penhora do bem por parte da AT, a qual, por ser quase impossível a cobrança da dívida através da venda do bem, é quem fica, de facto, prejudicada no presente caso.”

E concordamos com o plasmado na sentença recorrida. Por um lado, de acordo com o disposto do artigo 30ª da Lei Geral Tributária (LGT), o crédito da Administração Tributária é um crédito indisponível. De acordo com o nº 2 daquele normativo, só se podem fixar condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. Ou seja, tal como resulta do disposto nos arts 8.º, desta Lei e 103.º, nº 2, e 165º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa (CRP), a renúncia total ou parcial dos créditos tributários, tendo a ver com a incidência dos mesmos terá de ser prevista em lei da Assembleia da República ou decreto-lei aprovado ao abrigo de autorização legislativa. Veja-se, nestes termos, a anotação ao artigo 30ª da LGT, in “Lei Geral Tributária, Anotada e comentada”, Diogo leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição 2012, pag 273. Assim é imposta ao sujeito passivo do crédito tributário a certeza de que terá de cumprir as suas obrigações tributárias, não podendo existir negociações quanto a elas. Tal foi reafirmado pelo n.º 3 aditado àquele artigo 30º pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que estipula: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Um afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários encontra-se, também, no artigo 36º, nº 3 da LGT que determina, por sua vez, a proibição da concessão de moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
Por outro lado, o bem penhorado é o único no património do devedor. Ora, nos termos do artigo 50ª, nº 1 da LGT, o património do devedor é garantia geral dos créditos tributários. Decorrerá, por isso, do exposto, como bem referiu a sentença, que nos termos do artigo 215º, nº 1 do CPPT, “findo o prazo posterior à citação sem ter sido efectuado o pagamento, procede-se à penhora.” Penhora, que no caso em análise apenas seria possível sobre o único bem do executado.
Ora, ao proceder à penhora, o vertido no artigo 217. º do CPPT foi inteiramente respeitado pela AT. De acordo com o artigo 217. ° do CPPT “A penhora será feita somente nos bens suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para o pagamento da execução, esta prosseguirá em outros bens”.
Por outro lado, estabelece o artigo 199.º, nº 4 do CPPT que: “Vale como garantia para os efeitos do n.º 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 6.”
Resulta, portanto, destas normas, e em homenagem ao princípio da proporcionalidade, que a penhora se deve limitar ao necessário para pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Este princípio determina, em primeiro lugar, que a penhora seja limitada a bens no valor suficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda, e, ainda, que a escolha dos bens a penhorar seja adequada a assegurar um mínimo de prejuízo ao executado, sem prejuízo do direito do exequente - cfr. Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, 2ª edição, página 93. Neste sentido, veja-se, ainda o aresto do STA de 19.09.2012, 0861/12.
Ora, do que vimos expondo, a penhora nos presentes autos não se pode considerar violadora de tal princípio. É que foi penhorado o único bem do património do executado, não vindo colocado em causa que a quantia exequenda é por si devida. É, pois de concluir, de todo o vertido que o singular raciocínio apresentado pelo Recorrente não pode colher, pelo que a decisão deve ser mantida nos seus exactos termos, quanto ao presente segmento.

II.1.2 Veio ainda o Recorrente, na conclusão 11 de recurso, invocar a declaração em falhas da dívida exequenda, nos termos do artigo 272, alínea a) do CPPT.
Desde já se sublinhe que a pretensão do Recorrente expressa na causa de pedir e pedido formulados na petição inicial, foi, como resulta sintetizado no primórdio do ponto 4 da sentença recorrida, se a penhora efectuada sobre o imóvel do Autor deve ser cancelada por ser ilegal em virtude de ser desadequada e desproporcional.”
E assim, a questão suscitada na p.i. foi configurada, enquadrada, e consequentemente, apreciada e decidida pelo Tribunal recorrido.
Ora, como resulta da norma do artigo 627º, nº 1 do CPC, anterior 676º, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Volume II, 2007, pág. 786.
Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre – neste preciso sentido vejam-se Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pág. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.

Também a jurisprudência é pacífica nesse sentido. Vejam-se, entre outros, a propósito da apreciação de questões novas, os seguintes Acórdãos: do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.03.2013, proc nº 0836/12; de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.)
Razão pela qual, pedindo-se a este TCAN a apreciação de uma questão nova, não se conhece do presente recurso, quanto a este segmento.

III. Decisão

Termos em que, acordam os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente

Porto, 10 de Setembro de 2020

Cristina Travassos Bento
Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes