Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02066/14.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:LIQUIDAÇÃO VS NOTIFICAÇÃO, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, NOTA DE FIXAÇÃO DO IMPOSTO, VÍCIO DE INCOMPETÊNCIA, DELEGAÇÃO DE PODERES, RATIFICAÇÃO, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua eventual irregularidade não afecta a validade deste, mas a sua eficácia.

II - Fundamentação do acto tributário e notificação da fundamentação são realidades distintas e com consequências diversas: a falta da primeira leva à anulação do acto por vício de forma, sendo que a falta da segunda constitui irregularidade sanável que não inquina a validade do acto.

III - A incompetência pode definir-se como o vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão.

IV - Perante a prática de um acto administrativo por órgão desprovido de competência para tal, pode o titular do órgão competente promover a sua ratificação-sanação, acto administrativo secundário destinado à sanação do vício gerador da ilegalidade do acto administrativo principal.

V - A ratificação/sanação é o acto pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia, removendo, assim, da ordem jurídica um acto ilegal e substituindo-o por um acto válido.

VI - Em caso de incompetência, o poder de ratificar o acto cabe ao órgão competente para a sua prática (cfr. o n.º 3 do artigo 137.º do CPA) e esta, em princípio, retroage os seus efeitos à data dos actos a que respeitam (cfr. o n.º 4 do artigo 137.º do CPA).

VII - A falta de competência para a prática do acto fere-o de anulabilidade, encontrando-se tal vício sanado ab initio, mercê da retroacção de efeitos da ratificação praticada pelo órgão competente.

VIII - A falta da menção, a menção incorrecta ou irregular de delegação de poderes no acto, não acarreta a invalidade deste, constituindo mera irregularidade.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C., Lda., NIPC (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 24/05/2018, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de IVA, referente aos anos de 2010 e 2011, acrescido de juros compensatórios, no montante global de €117.195,20.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. As liquidações impugnadas são correções com recurso a métodos indiretos remetendo para o artigo 90.º do CIVA conforme resulta expressamente das próprias liquidações identificadas no ponto 11 dos factos provados e constam dos documentos 1 a 12 da pi para as quais se remete e se dá por integralmente reproduzidas.
B. Padecem de fundamentação de facto e de direito, violando o art.77.º da LGT, porquanto inexiste fundamentação desde logo de facto para essa correção.
C. A douta sentença recorrida enviesa a análise porquanto ao invés de analisar o pedido identificado “NULIDADE DAS LIQUIDAÇÕES”, analisa não a fundamentação das liquidações mas das notificações. É verdade que a Impugnante alegou a falta de fundamentação das liquidações notificadas e impugnadas e não das notificações das liquidações, o que são argumentos e pedidos totalmente diferentes, com enquadramentos jurídicos completamente distintos e consequências jurídicas também muito diversas.
D. Sendo certo que estas liquidações apesar de estarem expressamente fundamentadas de direito com base no artigo 90.º do CIVA não estão fundamentadas de facto.
E. Por essa razão equivale a falta de fundamentação, ou seja ao vício do artigo 77.º da LGT.
F. O ato tributário atacado pela Impugnante/Recorrente é o ato de liquidação que refere expressamente uma norma jurídica – o art.90.º do CIVA, com referência à correção por métodos indiretos.
G. Não haveria qualquer pedido a fazer nos termos do art.37.º do CPPT porquanto a liquidação é expressa e inequívoca quando fundamenta a liquidação adicional na correção com recurso a métodos indiretos.
H. O artigo 37.º do CPPT não tem qualquer aplicação in casu dado que não se trata da validade das notificações mas da fundamentação do próprio ato de liquidação stricto sensu.
I. Pelo exposto, a AT com recurso a métodos indiretos – como resulta da fundamentação expressa das liquidações impugnadas – apenas poderia liquidar IVA até ao valor constante nas notas de fixação, e posteriormente confirmado pela decisão proferida no procedimento de revisão, ou seja:
J. IVA de 1006T - 465,73€ e não 1.772,43€
K. IVA 1009T – 489,01€ e não 4.996,76€
L. IVA 1012T - 489,02€ e não 59.247,42€
M. IVA 1103T – 436,15€ e não 38.480,30€
N. IVA 1106T – 436,15€ e não 589,04€
O. IVA 1109T - 436,15€ e não 885,93€
P. Ainda pelo exposto, o IVA corretamente liquidado seria de 1.308,45€ relativo ao ano de 2011 (1.º, 2.º e 3.º Trimestres) e não de 39.955,27€ conforme foi ilegalmente liquidado.
Q. Donde resulta que a AT liquidou a mais, de forma ilegal, o valor de 103.219,97€, pelo que devem ser anuladas as liquidações impugnadas, revogando-se a sentença recorrida pois que interpretou erradamente os factos e aplicou mal o direito ao caso em concreto.
R. É a fundamentação de direito expressa pela AT na própria liquidação que atribui ao contribuinte a razão que leva à anulação dessas liquidações, pelo que se impõe seja determinada a anulação dessas liquidações e bem assim das liquidações dos correspondentes juros compensatórios pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, como é de INTEIRA JUSTIÇA!
S. Necessariamente sempre teria de concluir-se estar verificada a violação do direito à revisão do ato de fixação com recurso a métodos indiretos, pois a AT recusou discutir esses valores e períodos em sede do pedido de revisão apresentado pela Impugnante, conforme resulta do procedimento administrativo junto aos autos.
T. Estas liquidações não têm qualquer fundamentação de facto ou de direito que sustente essas correções nem tão pouco no Relatório de Inspeção.
U. O Relatório de Inspeção não tem anexo qualquer nota de fixação a fixar os valores das liquidações que se impugnam e que seriam da competência do diretor de finanças da área da sede do contribuinte, violando o art.90.º, n.º 1 e 2 do CIVA;
V. O contribuinte foi impedido de discutir em sede de comissão de revisão o IVA que viria a ser liquidado para os anos de 2010 e 2011 com o argumento que não se tratava de aplicação de métodos indiretos, ao contrário do que defendeu no seu pedido de revisão.
W. O Relatório de Inspeção que deveria suportar as subsequentes liquidações padece de nulidade por falta de fundamentação de direito.
X. As 2 notas de fixação existentes anexas ao Relatório padecem do vício de falta de fundamentação e de incompetência do autor do ato para essa fixação;
Y. O facto 12 dos factos provados deverá ter a seguinte redação:
«12. As liquidações referidas em 11 resultaram de correções com recurso a métodos indiretos conforme liquidações juntas no PA e documentos 1, 3, 5, 7, 9 e 11».
Z. A seguir ao ponto 12 e antes do ponto 13 deve ser acrescentado o seguinte facto com relevo para a boa decisão da causa:
«12 A – A data de emissão das liquidações referidas no ponto 11 é 25/02/2014».
AA. A data de emissão das liquidações importa desde logo porquanto as liquidações foram emitidas em 25/02/2014, data em que não existia qualquer nota de fixação emitida por órgão competente e as únicas notas de fixação que existiam teria sido ratificadas, de acordo com a sentença recorrida, em 14 de Março de 2014, ou seja em data posterior à emissão da liquidação.
BB. Ora a nota de fixação esgota-se quando é emitida a liquidação, não venha depois dizer-se que estando já na rua uma liquidação que é emitida com base em nota de liquidação elaborada por quem não tinha poderes, uma vez ratificada tem a virtualidade de legitimar liquidações já emitidas.
CC. Aliás o autor do ato como bem resulta da contestação da fazenda pública, à data em que assina e apõe o carimbo na nota de fixação, bem sabia que não tinha competência por força da subdelegação que invocava para a prática desse ato e sabia-o pois sabia que o Diretor que a tinha conferido se tinha aposentado.
DD. Por outro lado é manifesto que não é possível ratificar notas de fixação inexistentes.
EE. Ora se todas as liquidações foram emitidas expressamente com recurso a métodos indiretos e para a maioria das quais inexiste notas de fixação, não há qualquer despacho publicado em Diário da República que tenha a virtualidade de ratificar um ato inexistente.
FF. As liquidações de IVA feitas com recurso a métodos indiretos sem notas de fixação são nulas e de nenhum efeito.
GG. Inexistem atos de fixação das quantias posteriormente liquidadas em sede de IVA para os anos de 2010 e 2011.
HH. Pelo exposto, as liquidações agora impugnadas são nulas por violação designadamente do art.77.º da LGT, 87.º a 90.º da LGT, art.90.º do CIVA, artigo 91.º da LGT.
II. Impõe-se a revogação da sentença recorrida, julgando-se a impugnação judicial procedente e em consequência ordenando-se a anulação das liquidações, assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA o que se requer.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, julgando inverificados os vícios de falta de fundamentação das liquidações, da nota de fixação do imposto e da notificação do Relatório de Inspecção Tributária; de violação do direito à revisão do acto de fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos; de incompetência do autor do acto para a fixação do imposto e inexistência de acto de fixação do imposto efectivamente liquidado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados
1. A Impugnante exerce desde 01 de junho de 2010 como atividade principal a “Actividade de cuidados para crianças, sem alojamento” – cfr. fls. 19 verso do processo administrativo apenso;
2. A Impugnante foi objeto de inspeção tributária, a qual se iniciou a 13 de junho de 2013 e terminou a 21 de agosto de 2013, com âmbito inicialmente em IVA e IRC e depois de âmbito global para os exercícios de 2010 e 2011 – cfr. fls. 19 verso do processo administrativo apenso;
3. A 06 de novembro de 2013 foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls 17 a 35 do processo administrativo apenso;
4. Pelo ofício 74829/0504 de 20 de novembro de 2013 foi a Impugnante notificada do Relatório de Inspeção Tributária – cfr. fls. 55 a 58 do processo administrativo apenso;
5. A 31 de dezembro de 2013 a Impugnante apresentou pedido de revisão, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 59 a 62 do processo administrativo apenso;
6. A 31 de janeiro de 2014 foi lavrada ata de reunião de peritos, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e do qual resulta que não houve acordo entre peritos – cfr. fls. 64 do processo administrativo apenso;
7. A 05 de fevereiro de 2014 foi apresentado parecer do perito do contribuinte, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor – cfr. fls. 65 verso do processo administrativo apenso;
8. A 05 de fevereiro de 2014 foi apresentado parecer do perito da Administração Tributária, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor – cfr. fls. 66 a 67 verso do processo administrativo apenso;
9. A 14 de fevereiro de 2014 foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 68 a 69 verso do processo administrativo apenso;
10. Pelo ofício 10122/0208, datado de 14 de fevereiro foi a Impugnante notificada do indeferimento do pedido de revisão – cfr. fls. 70 e 71 do processo administrativo apenso;
11. No seguimento da Inspeção Tributária, foram emitidas as:
a. Liquidações adicionais nº 14006049 e 14006050, no valor, respetivamente de € 1.772,43 e € 288,81 referente a IVA de 1006T e juros compensatórios;
b. Liquidações adicionais nº 14006051 e 14006052, no valor, respetivamente de € 4.996,76 e € 595,23 referente a IVA de 1009T e juros compensatórios;
c. Liquidações adicionais nº 14006053 e 14006054, no valor, respetivamente, de € 59.247,42 e € 6.460,40 referente a IVA de 1012T e juros compensatórios;
d. Liquidações adicionais nº 14006055 e 14006056, no valor, respetivamente, de € 34.480,30 e € 3.816,40, referente a IVA de 1103T e juros compensatórios;
e. Liquidações adicionais nº 14006057 e 14006058, no valor, respetivamente, de € 589,04 e € 52,48, referente a IVA de 1106T, referente a 1106T e juros compensatórios;
f. Liquidações adicionais nº 14006059 e 14006060, no valor, respetivamente, de € 885,93 e € 70,00, referente a IVA de 1109T e juros compensatórios;
- Cfr. documentos juntos com petição inicial, constantes de fls. 26 a 38 do processo físico;
12. As liquidações referidas em 11 resultaram de correções aritméticas em sede de apuramento de IVA e correções com recurso a métodos indiretos – cfr. fls. 17 a 35 do processo administrativo apenso;
13. A data limite de pagamento de pagamento das liquidações referidas em 11 ocorreu a 30 de abril de 2014 – cfr. fls. 26 a 38 do processo físico;
14. A 19 de novembro [de 2013] foram emitidas Notas de Fixação, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 53 e 54 do processo administrativo apenso;
15. A 01 de setembro de 2013 foi nomeado Diretor de Finanças … – cfr. documento 1 constante de fls. 103 a 107 do processo físico;
16. A 27 de fevereiro de 2014 foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças, cujo teor se considera integralmente reproduzido – cfr. documento de 2 constante de fls. 109 a 113 do processo físico;
17. A petição inicial deu entrada no TAF do Porto a 2 de setembro de 2014 – cfr. fls. 2 do processo físico.
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Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
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Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base unicamente nos documentos e informações constantes do processo.”

2. O Direito

Comecemos pela impugnação da decisão da matéria de facto efectuada pela Recorrente, uma vez que defende que o facto 12 dos factos provados deverá ter a seguinte redacção:
«12. As liquidações referidas em 11 resultaram de correções com recurso a métodos indiretos conforme liquidações juntas no PA e documentos 1, 3, 5, 7, 9 e 11».
Sustenta, ainda, que a seguir ao ponto 12 e antes do ponto 13 deve ser acrescentado o seguinte facto com relevo para a boa decisão da causa:
«12 A – A data de emissão das liquidações referidas no ponto 11 é 25/02/2014».
Quanto ao julgamento da matéria de facto, importa ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto – cfr. artigo 640.º do CPC - porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640.º do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 640.º do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre integralmente com o referido ónus, pois que, embora indique a matéria de facto que pretendia ver incluída no probatório e a que considera incorrectamente julgada, cumprindo desse modo o primeiro dos ónus que lhe é imposto na lei, já o mesmo não acontece quanto ao segundo ónus.
Nos presentes autos, somente foi produzida prova documental, assumindo especial importância os documentos ínsitos no processo administrativo.
No que tange ao solicitado aditamento ao probatório, através do ponto 12 A, a Recorrente não indica qualquer meio probatório que sustente que as liquidações referidas no ponto 11 do probatório foram emitidas em 25/02/2014. De modo que, não tendo a Recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.
Relativamente ao facto vertido no ponto 12, que a Recorrente pretende ver alterado, existe uma indicação genérica para as liquidações juntas no processo administrativo, sem identificar um a um os documentos que sustentarão que as liquidações resultaram somente de correcções com recurso a métodos indirectos; o que, mais uma vez, na perspectiva já assinalada, inviabiliza a análise que se imporia no sentido pretendido.
Por outro lado, tendo ainda em vista a alteração do ponto 12, a Recorrente indica expressamente os documentos n.º 1, 3, 5, 7, 9 e 11 juntos com a petição inicial, desta feita concretizando a prova documental.
Ora, o ponto 12 da decisão da matéria de facto apresenta a seguinte redacção: «As liquidações referidas em 11 resultaram de correções aritméticas em sede de apuramento de IVA e correções com recurso a métodos indiretos – cfr. fls. 17 a 35 do processo administrativo apenso».
Tal matéria mostra-se motivada com base na fundamentação constante do relatório de inspecção tributária, a que correspondem as folhas 17 a 35 do processo administrativo apenso aos autos, de onde resulta, realmente, que foram efectuadas correcções aritméticas, mas também correcções com recurso a métodos indirectos.
Sustenta, todavia, a Recorrente que as liquidações mencionadas no ponto 11 do probatório não resultaram de correcções aritméticas e de correcções com recurso a métodos indirectos. Pelo contrário, as liquidações aí identificadas e impugnadas resultaram apenas e só de correcções com recurso a métodos indirectos, apoiando-se a Recorrente no texto expresso dos documentos n.º 1, 3, 5, 7, 9 e 11 juntos com a petição inicial.
Acontece que estes documentos indicados pela Recorrente não consubstanciam as próprias liquidações, mas somente as notificações das mesmas.
Nesta conformidade, contendo o relatório inspectivo a fundamentação das liquidações que foram efectivamente emitidas, que foi mantida e confirmada na decisão final que recaiu sobre o procedimento de revisão quanto à fixação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos, consideramos correcto o julgamento desta matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, na medida em que se apresenta a matéria vertida no ponto 12 fundada nas folhas que correspondem à decisão final que recaiu sobre as conclusões do relatório de inspecção tributária. – cfr. fls. 17 a 35 do processo administrativo.
Acresce que o processo administrativo tem ínsita informação referente a todas as liquidações de IVA e dos respectivos juros compensatórios, integralmente emitidas em 15/02/2014 – cfr. fls. 13 e 14 do PA. Os valores destas liquidações correspondem aos montantes que constam das notificações que foram posteriormente elaboradas em 25/02/2014 (cfr. documentos 1 a 12 anexos à petição inicial), sendo, igualmente, consentâneos com as quantias mencionadas na decisão final do procedimento de revisão (cfr. fls. 68 a 69 verso do PA), que manteve as propostas no relatório de inspecção tributária quanto às correcções obtidas por recurso a métodos indirectos (cfr. fls. 17 a 35 do PA), e com as notas de fixação do imposto com base nas correcções realizadas com recurso a métodos indirectos (cfr. fls. 53 e 54 do PA), sendo as liquidações de IVA resultantes do apuramento com base na adição das correcções aritméticas com as correcções efectuadas por avaliação indirecta (cfr. fls. 13 do PA).
Por tudo o exposto, indefere-se o pedido de alteração do probatório e rejeita-se o pedido de aditamento à decisão da matéria de facto, nos moldes formulados pela Recorrente.

A Recorrente não se conforma com o julgamento “a quo”, começando por se insurgir contra a decisão, por esta ter concluído que as liquidações não enfermam do vício de falta de fundamentação e ter considerado aplicável o disposto no artigo 37.º do CPPT.
Defende a Recorrente serem as próprias liquidações que padecem de fundamentação de facto, apesar de estarem expressamente fundamentadas de direito com base no artigo 90.º do CIVA, violando o artigo 77.º da LGT, e não ter o artigo 37.º do CPPT qualquer aplicação in casu, dado que não se trata da validade das notificações, mas da fundamentação do próprio acto de liquidação stricto sensu.
Acrescenta que a sentença recorrida enviesou a análise, porquanto, ao invés de analisar o pedido identificado “NULIDADE DAS LIQUIDAÇÕES”, analisou, não a fundamentação das liquidações, mas das notificações. A Impugnante alegou a falta de fundamentação das liquidações notificadas e impugnadas e não das notificações das liquidações, o que são argumentos e pedidos totalmente diferentes, com enquadramentos jurídicos completamente distintos e consequências jurídicas também muito diversas.
Vejamos como decidiu esta questão a sentença recorrida:
«(…) Da Nulidade das liquidações por falta de fundamentação
Alegou a Impugnante falta de fundamentação das liquidações impugnadas, dado que em todas as notificações é referido ter sido liquidado o montante de imposto com recurso a métodos indiretos nos termos do artigo 90º do CIVA.
Sobre tal alegação, cita-se o acórdão proferido a 04 de maio de 2006, proferido pelo TCAN, no qual consta:
“(…), cumpre salientar que é sobeja a doutrina e a jurisprudência no sentido de que a falta ou irregularidade da notificação não afecta a validade do acto tributário notificado, mas tão só a sua eficácia - Vide, na doutrina, VIEIRA DE ANDRADE, in “O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 58, PAULO FERREIRA DA CUNHA, in “O Procedimento Administrativo”, pág. 194, FREITAS DO AMARAL in "Lições de Direito Administrativo", III vol., ed. 1989, pág.277 e segs. e SÉRVULO CORREIA, in, "Noções de Direito Administrativo", I vol.pág.318, e segs. Na jurisprudência, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 28/10/92, no Recurso nº 005616, publ. em Apêndice ao D.R. de 24.3.95, pág. 211, e os Acórdãos do STA de 12/12/01, no Proc. nº 26529, de 24/01/02 no Proc. nº 26367, de 24/04/02, no Proc nº 26636 e de 30/04/03, no Proc. nº 01640/02; Os acórdãos do TCA de 17/10/00, no Proc. nº 1078/98, de 12/11/02, no Proc. nº 7002/02, de 17/12/03, no Proc. nº 05478/01, de 4/7/00, no Proc. nº 1639/99, de 22/6/99, no Proc. nº 1736/99, de 29/6/99, no Proc. nº 2032/99 e o Ac. do Tribunal Constitucional de 08/10/96 in D.R., 2ª série, de 13/12/96.
Na verdade, não pode esquecer-se que são realidades jurídicas bem distintas a fundamentação do acto tributário da liquidação e a fundamentação que consta do respectivo acto de notificação: - enquanto aquele é a resolução definitiva e executória da Administração sobre a aplicação de uma norma tributária material num caso concreto, este é o acto de comunicação, externo ao acto tributário, pelo qual o particular toma conhecimento do acto tributário notificado. Tal notificação não constitui mais que um acto complementar que apenas assegura a plena eficácia do acto comunicando. Por isso, a falta ou insuficiência da fundamentação da notificação apenas contende com a eficácia do acto notificado, isto é, com a aptidão do acto para produzir imediatamente os efeitos que dele normalmente decorrem, e não já com a legalidade do próprio acto tributário que através da notificação é comunicado.
Porque a insuficiente fundamentação do acto de notificação não implica, sequer, que tenha havido falta de fundamentação do acto de liquidação, aquela irregularidade não pode constituir vício invalidante deste acto e, como tal, não pode causar a anulação deste por vício de preterição de formalidade de fundamentação imposta por lei. Assim, como a maioria da jurisprudência tem entendido e resulta do artigo 22º do CPT (a que corresponde o actual artigo 37º do CPPT), a falta de notificação da fundamentação da liquidação apenas autoriza que o interessado requeira a sua notificação ou passagem de certidão que a contenha.
Assim sendo considerado, caso a Impugnante entendesse que se verificava insuficiente fundamentação do ato de notificação, deveria ter recorrido nos termos do artigo 37º do CPPT a emissão da fundamentação das liquidações de IVA aqui impugnadas.
Porém, como bem refere a Impugnante no artigo 9 da petição inicial “no entanto, o relatório de inspecção tributária, quer na notificação que a acompanha, quer no relatório, parecer e despacho de sancionamento apuram, para a totalidade do exercício de 2010 o valor de € 1.443,78 e para a totalidade do exercício de 2011, o valor de € 1.744,59 com recurso a métodos indirectos.”
Como tal, quanto a este ponto improcede a impugnação. (…)»
É verdade que a Recorrente invocou como vício das liquidações a falta de fundamentação, não tendo alegado a falta de fundamentação das notificações. Todavia, para afirmar a verificação desse vício imputado às próprias liquidações, considera e apoia-se nas notificações que recebeu e nos termos delas constantes.
Ora, como já referimos supra, as liquidações de IVA e juros compensatórios foram emitidas em 15/02/2014 e as notificações onde se reproduziram essas liquidações foram efectuadas em 25/02/2014 – cfr. o texto das notificações e a informação das próprias liquidações adicionais constante a fls. 13 e 14 do processo administrativo.
Note-se que os presentes actos de liquidação surgem como consequência natural de um procedimento inspectivo (cfr. pontos 2, 3, e 4 do probatório), sendo no relatório de inspecção tributária que consta a fundamentação destas posteriores liquidações. Aliás, como foi efectuado pedido de revisão quanto à determinação de parte da matéria tributável, a obtida por métodos indirectos, é da decisão final do procedimento de revisão que consta a fundamentação das liquidações nessa parte (cfr. pontos 5 a 10 do probatório).
É, por isso, legítimo afirmar que se devem ter por fundamentadas as liquidações fundadas em correcções derivadas do relatório da inspecção quando de tal relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação.
É que para saber se o acto de liquidação está ou não fundamentado não pode o julgador alhear-se do relatório da inspecção, pois este é o culminar de um procedimento que o procedimento liquidatário comporta, visando a procura da verdadeira situação tributária do contribuinte e a sua efectiva comprovação.
In casu, o procedimento em causa culminou com actos de liquidação consentâneos com a motivação do relatório de inspecção e da decisão final do procedimento de revisão. Decorre do relatório inspectivo a necessidade de efectuar correcções aritméticas (cfr. no seu capítulo III as correcções de IVA dos anos de 2010 e 2011) e também correcções por recurso a métodos indirectos (cfr. o seu capítulo IV e no seu capítulo V a quantificação do IVA de 2010 e 2011). Somente quanto às correcções por avaliação indirecta foi legalmente possível efectuar pedido de revisão, todavia, foram mantidas, em decisão final de 14/02/2014 (cfr. ponto 10 da decisão da matéria de facto).
Foi com base em toda esta motivação constante das decisões finais do procedimento inspectivo e do procedimento de revisão que foram emitidas as liquidações de IVA indicadas a fls. 13 do PA, resultando o seu apuramento da soma das correcções aritméticas com as correcções com recurso a métodos indirectos. Daí, reiteramos, ser verdadeiro o facto vertido no ponto 12 do probatório - as liquidações resultaram de correcções aritméticas em sede de apuramento de IVA e correcções com recurso a métodos indirectos.
Aqui chegados, observa-se que a notificação efectuada em 25/02/2014 é que gerou confusão, pois, apesar de esclarecer que as liquidações adicionais foram feitas com base em correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, acrescentou que o foi com recurso a métodos indirectos, nos termos do artigo 90.º do Código do IVA.
Ora, em boa verdade, não existe qualquer discrepância ou erro em relação ao apurado pela fiscalização, dado que as correcções à matéria tributável foram realizadas com recurso a métodos indirectos, mas somente em parte, como vimos. Da concatenação de todos os elementos dos autos e que são do conhecimento da Recorrente, resulta que as liquidações adicionais também se basearam nas correcções obtidas por métodos indirectos, mas não só (grande parte assenta nas correcções aritméticas vertidas no relatório de inspecção tributária).
O eventual equívoco quanto à totalidade dos valores ter sido obtida por métodos indirectos surge inovatoriamente nas notificações das liquidações e é por esse motivo que o tribunal recorrido desloca a questão da falta de fundamentação para as notificações, a nosso ver, de forma adequada.
Efectivamente, a fundamentação dos actos de liquidação em apreço surge clara, suficiente, congruente, contextual e contemporânea dos mesmos, através das decisões finais dos procedimentos de inspecção e de revisão.
Como alerta a Recorrente, o artigo 37.º do CPPT só tem a ver com a notificação dos actos tributários, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que, no âmbito desse artigo 37.°, a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado.
No entanto, resulta claro que a existir qualquer imperfeição ou insuficiência, ela residirá nas notificações (que não especificam que só parcialmente as liquidações adicionais foram efectuadas com recurso a métodos indirectos) e não nos actos de liquidação de IVA notificados.
É nossa convicção que o lapso da Recorrente se encontra no facto de considerar que as notificações que recepcionou são as próprias liquidações stricto sensu. Isso mostrou-se indiciário no aditamento que pretendeu fazer à decisão da matéria de facto, pois as notificações é que foram elaboradas em 25/02/2014 (as liquidações em apreço foram emitidas em 15/02/2014).
Aqui chegados, podemos concluir que grande parte do objecto do recurso se mostra condenado ao insucesso.
Isto porque, de seguida, a Recorrente continua a fazer depender os vícios que encontrou da circunstância de entender que os documentos n.º 1 a 12 juntos com a petição inicial consubstanciam as próprias liquidações impugnadas.
Assim, não se conforma com a sentença recorrida que não descortinou qualquer violação do direito à revisão do acto de fixação com recurso a métodos indirectos.
Insurge-se contra essa decisão por afirmar que a AT recusou discutir os valores e períodos que se mostram vertidos nas notificações em sede do pedido de revisão apresentado pela Impugnante, conforme resulta do procedimento administrativo junto aos autos.
Ao contrário do que pugna a Recorrente, as liquidações notificadas têm a fundamentação de facto e de direito que sustenta as correcções com base no Relatório de Inspecção e nas decisões finais dos procedimentos inspectivos e de revisão. E o Relatório de Inspecção tem anexo nota de fixação a apurar os valores das liquidações que se sustentam nas correcções obtidas por métodos indirectos.
Portanto, o contribuinte não foi impedido de discutir, em sede de comissão de revisão, o IVA que viria a ser liquidado para os anos de 2010 e 2011, dado que foi submetida a essa comissão a parte dos valores apurada com base na aplicação de métodos indirectos (e só esses, não as correcções aritméticas) – cfr. pontos 5 a 10 da decisão da matéria de facto.
Neste sentido decidiu a sentença impugnada, que também nesta parte é confirmada:
«(…) Da violação do direito à revisão do ato de fixação com recurso a métodos indiretos
Alegou a Impugnante que viu frustrado o seu direito à revisão do ato de fixação por métodos indiretos, uma vez que aí, apenas lhe foi permitido a discutir a quantia de € 1.443,76 referente a 2010 e € 1.744,59 referente a 2011.
Primeiramente refere-se que se acha estranho que seja invocado primeiramente falta de fundamentação da liquidação e depois se refira que tal liquidação resulta unicamente de utilização de métodos indiretos e depois se faça constar da petição inicial que (repetindo-se o supra referido) “no entanto, o relatório de inspecção tributária, quer na notificação que a acompanha, quer no relatório, parecer e despacho de sancionamento apuram, para a totalidade do exercício de 2010 o valor de € 1.443,78 e para a totalidade do exercício de 2011, o valor de € 1.744,59 com recurso a métodos indirectos.”
Ou seja, retira-se da própria petição de impugnação que a Impugnante tinha perfeito conhecimento do montante de IVA liquidado com utilização de métodos indiretos.
Em segundo lugar, como se conclui, dos factos considerados provados, a Impugnante exerceu cabalmente o seu direito de pedir a revisão do ato de fixação com recurso a métodos indiretos.
Como tal não foi vedado à Impugnante a possibilidade de discutir em sede de comissão de revisão a liquidação referente à parte fixada com métodos indiretos – que tal como referido na petição inicial no artigo 17º, “o Recurso a métodos indiretos, como forma de avaliação diversa do normal apuramento de impostos permite ao contribuinte uma garantia adicional de defesa – o recurso a uma comissão de revisão, conforme previsto no artigo 91º da LGT”.
Assim sendo, também quanto a esta alegação improcede a impugnação. (…)»
De igual forma, o Relatório de Inspecção que suporta as subsequentes liquidações não padece de nulidade por falta de fundamentação de direito, como bem concluiu a sentença recorrida:
«(…) Por ser idêntica a alegação neste ponto ao que já foi apreciado em sede de nulidade da fundamentação da notificação da liquidação, apenas se refere que é vasta a doutrina e a jurisprudência no sentido de que a falta ou irregularidade da notificação não afeta a validade do ato tributário notificado, mas tão só a sua eficácia. Assim sendo, caso a Impugnante considerasse que haveria falta de qualquer elemento na notificação, deveria ter recorrido ao mecanismo previsto no artigo 37º do CPPT. (…)»
O cerne do problema reside na distinção entre as deficiências da notificação e as do próprio acto de liquidação. O artigo 37.°, n.º 1, do CPPT permite a sanação de deficiências dos actos de notificação, sendo que a notificação deficiente do acto de liquidação, podendo determinar a ineficácia do acto notificando, é insusceptível de produzir a sua invalidade, por não ter a ver com o próprio acto e com os seus pressupostos. A notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua eventual irregularidade não afecta a validade deste, mas a sua eficácia. A notificação de um acto tributário é um acto exterior a este, o que significa que os vícios que, eventualmente, afectem a respectiva notificação levam à invalidade da mesma e à consequente ineficácia do acto notificado, mas não afectam a validade do acto tributário. Fundamentação do acto tributário e notificação da fundamentação são realidades distintas e com consequências diversas: a falta da primeira leva à anulação do acto por vício de forma, sendo que a falta da segunda constitui irregularidade sanável que não inquina a validade do acto – cfr., neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão deste TCA Norte, de 18/05/2017, proferido no âmbito do processo n.º 3681/04-Aveiro.
Nesta conformidade, a fundamentação vertida nas conclusões do relatório inspectivo é consentânea com as subsequentes notas de fixação do imposto e liquidações emitidas, dado que somente parte das mesmas se funda em correcções com recurso a métodos indirectos.
A fundamentação deve ser tida como um todo. Logo, analisada a fundamentação constante do relatório de inspecção tributária, o respectivo despacho de concordância e da decisão final do procedimento de revisão, verificamos que ela esclarece de forma totalmente perceptível ao abrigo de que factos e normas [artigo 90.º do CIVA] foram efectuadas as correcções (parte) com recurso a métodos indirectos, as subsequentes notas de fixação do imposto e as liquidações emitidas em 15/02/2014.
Também aqui recuperamos o vertido na decisão recorrida quanto à desnecessidade de a nota de fixação do imposto incluir a parte das correcções aritméticas:
«(…) Como facilmente se constata, não é exigida nas correções meramente aritméticas a existência de ato de fixação – ou nota de fixação.
O que existe é uma liquidação, na qual são tidos em consideração os documentos contabilísticos juntos ou não pelo contribuinte e aceites ou não pela Administração Tributária. Algo que não acontece com a utilização de métodos indiretos pois tal utilização é apenas legalmente possível quando o apuramento da matéria coletável através de correções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização.
Assim, em tais casos de avaliação da matéria tributável, esta é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária dispuser, de entre os indicados no CIVA, daí a necessidade de se proceder à sua fixação. (…)»
Relembramos que as liquidações foram emitidas com recurso a métodos indirectos, mas também com recurso a métodos directos (correcções aritméticas), não existindo, assim, qualquer desarticulação ou dissonância entre as mesmas e a sua fundamentação. Quando muito, como vimos, o acto de notificação poderá induzir em erro, por permitir, eventualmente, inferir que o recurso a métodos indirectos se refere à totalidade das liquidações e à globalidade de cada uma dela. Todavia, reiteramos, tal irregularidade, a existir, não terá qualquer influência na validade das próprias liquidações em apreço.

Por último, a Recorrente continua a não se conformar com o julgamento recorrido, no que respeita às duas notas de fixação do imposto, insistindo que padecem do vício de incompetência do autor do acto para essa fixação.
Antes de mais, o que já ficou dito tem como consequência existirem todas as notas de fixação de imposto que deviam realmente existir na ordem jurídica, pois a 19/11/2013 foram emitidas as notas de fixação referentes às únicas correcções com recurso a métodos indirectos, uma referente a 2010 e outra relativa ao ano de 2011 – cfr. ponto 14 da decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, somente cabe apreciar o facto de as notas de fixação terem sido assinadas em 19/11/2013 por… , por delegação do Director de Finanças, delegação esta publicada no DR n.º 101, II Série, de 19/09/2006.
Vejamos, mais uma vez, a sentença recorrida a este propósito:
«(…) Da nulidade da nota de fixação – por falta de competência legal do autor do ato
Como resulta dos factos considerados provados a Nota de Fixação foi assinada por …., o qual segundo a Impugnante não teria competência delegada.
Ora, de acordo com despacho proferido pelo Diretor de Finanças, publicado no DR, nº 52, 2ª série de 14 de março de 2014 foram ratificados todos os atos praticados, entre outros, por quem assinou as Notas de Fixação, desde 01 de setembro de 2013.
Não se desconhece que existe o dever do delegado ou subdelegado, na prática dos atos delegados, de mencionar a delegação ou subdelegação, o que implica ainda a identificação do órgão delegante. Porém, a falta de menção, ou na presença de menção incorreta, a validade do ato não é afetada (é uma mera irregularidade), não podendo apenas os interessados serem prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da delegação ou subdelegação, nomeadamente no que respeite à utilização de garantias graciosas ou contenciosas.
Ora, tal não se verificou de todo na presente situação, pelo que improcede também neste ponto a Impugnação. (…)»
Portanto, as únicas notas de fixação de imposto que existiam (e que deviam existir, como vimos) foram ratificadas em 27/02/2014, cuja publicação no DR ocorreu em 14/03/2014 – cfr. ponto 16 do probatório.
Alega a Recorrente que o foram já em data posterior à emissão das liquidações, entendendo que a nota de fixação se esgota quando emitida a liquidação – cfr. conclusões BB e CC das alegações de recurso.
Tal objecção não tem qualquer razão jurídica de ser, dado que em caso de incompetência, o poder de ratificar o acto cabe ao órgão competente para a sua prática (cfr. o n.º 3 do artigo 137.º do CPA) e a ratificação, em princípio, retroage os seus efeitos à data dos actos a que respeitam (cfr. o n.º 4 do artigo 137.º do CPA).
Nestes termos, produzindo um efeito ex tunc, equivale à supressão da ilegalidade que vicia o acto, removendo, assim, da ordem jurídica um acto ilegal e substituindo-o por um acto válido.
Em suma, a Recorrente reafirma que as liquidações são nulas por terem sido proferidas por quem não tinha competência para a prática do acto, uma vez que o despacho de delegação de competências, que confere competência a Manuel Moreira da Silva - delegado, é proferido em data em que o delegante já havia cessado as suas funções.
O Acórdão do TCA Sul, de 10/07/2014, proferido no âmbito do processo n.º 7512/14, já tratou caso semelhante, da seguinte forma:
“(…) A incompetência pode definir-se como o vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão (cfr. M. Caetano, Manual de D. Administrativo, Almedina, 1991, I, pág.499 e seg.; D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, 2010, pág.387 e seg.; ac.T.C.A.Sul-1ª.Secção, 17/6/2004, proc.2976/99).
A competência é conceptualizada como um conjunto de poderes funcionais que a lei confere a um órgão para a prossecução das atribuições da pessoa colectiva pública que integra, assumindo-se como a pedra basilar e de vanguarda do princípio geral da legalidade administrativa. Em consequência, a competência só pode ser definida por lei ou regulamento, sendo imodificável, irrenunciável e inalienável (artº.29, C.P. Administrativo). Não obstante, a crescente flexibilidade da actividade administrativa, fruto da subsidiariedade da actuação dos poderes públicos na sociedade, tem determinado o legislador na adopção de cláusulas gerais de delegação de poderes, afastando um modelo rígido, fechado e inflexível de ordenação da competência de um órgão. Nesse sentido, o C. P. Administrativo institui, no seu artº.35, uma genérica delegabilidade de poderes, confiando nas mãos dos órgãos administrativos a concreta definição de quais, dentro da habilitação legal, gozam de determinada competência. No universo normativo tributário, tal cláusula geral encontra-se prevista no artº.62, da L.G. Tributária (cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2ª.edição, pág.604 e seg.; Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, 2003, págs.862 e seg.; Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª.edição, págs.190 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª.edição, 2012, pág.536 e seg.).
Refira-se, ainda, que, perante a prática de um acto administrativo por órgão desprovido de competência para tal, pode o titular do órgão competente promover a sua ratificação-sanação, acto administrativo secundário destinado à sanação do vício gerador da ilegalidade do acto administrativo principal (cfr. D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, 2010, pág.268 e 269; Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª.edição, págs.662 e seg.). (…)
Antes de mais, diremos que a incompetência do órgão que profere a decisão do procedimento constitui um vício susceptível de conduzir à anulação do acto, pois só ocorre o vício de nulidade, no que para o presente processo interessa, nos casos de usurpação de poder e de prática de actos administrativos estranhos às atribuições do órgão que decidir o procedimento (cfr.artº.133, nº.2, als.a) e b), do C.P.A.).
Por outras palavras, os vícios do acto administrativo-tributário são, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a nulidade do mesmo quando se verifique a falta de qualquer dos seus elementos essenciais (v.g. autor do acto; destinatário do acto; fim público do acto; acto viciado por usurpação de poder) ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/8/2012, proc.5814/12; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.328 e seg.). (…)”
Assim, embora em 19/11/2013 a delegação de competências mencionada nos actos já não se encontrar válida, tendo sido praticados actos de fixação de imposto que enfermavam de vício de incompetência, o certo é que o, entretanto, Director de Finanças proferiu despacho, publicado no DR, n.º 52, 2ª série de 14 de Março de 2014, onde ratificou todos os actos praticados, entre outros, por quem assinou as Notas de Fixação, desde 01 de Setembro de 2013. Esta ratificação retroagiu os seus efeitos a 19/11/2013, isto é, à data dos actos a que respeitam.
A falta de competência para a prática do acto fere-o de anulabilidade, encontrando-se, porém, tal vício sanado ab initio, mercê da retroacção de efeitos da ratificação praticada pelo órgão competente.
Assim sendo, como refere a sentença recorrida, resta a indicação incorrecta da publicação da delegação de poderes no DR n.º 101, II Série, de 19/09/2006.
Como se decidiu no tribunal recorrido, a menção incorrecta de delegação de poderes equivale à falta de menção da sua existência.
Aliás, na nova versão do artigo 38.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que actualmente corresponde ao artigo 48.º no CPA/2015, já se afirma:
«1. O órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação.
2.A falta de menção da delegação ou subdelegação no acto praticado ao seu abrigo, ou a menção incorrecta da sua inexistência e do seu conteúdo, não afecta a validade do acto, mas os interessados não podem ser prejudicados nos exercícios dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação».
Mas a verdade é que já antes da entrada em vigor da nova redacção do CPA, em relação a esta norma, a doutrina e a jurisprudência já vinham entendendo que a falta da menção de delegação de poderes no acto, não acarreta a invalidade deste, constituindo antes uma mera irregularidade.
É, pois, jurisprudência, desde há muito consolidada do STA, que a falta de menção do uso de delegação de poderes se degrada em formalidade não essencial (irrelevante) desde que não tenha afectado nem prejudicado o direito ao respectivo recurso contencioso [v., entre outros, Ac. de 21/03/85, rec. 17869, in Acórdãos Doutrinais 287, pág. 1176 e segs, Ac. de 23/10/97, rec. 38.607, Ac. de 24/04/2001, rec. 039895, Ac. de 30/01/2002, rec. 46135].
Esta jurisprudência é apoiada pela doutrina (cfr. FREITAS DO AMARAL, colaboração de LINO TORGAL, em “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 252, onde se escreveu - “Por ocultarem elementos que dificultam a sua integral compreensão pelo destinatário ou destinatários, são irregulares os actos que, praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes, não mencionem a existência dessas delegações ou subdelegações”; v, também, pág. 418; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, JP GONÇALVES, JP AMORIM, ob. cit., pág. 583).
No caso dos autos, a Recorrente não ficou afectada no direito de recorrer, pois impugnou contenciosamente os actos que considerou lesivos dos seus direitos. Nenhum prejuízo lhe adveio, assim, da omissão daquela referência, pelo que tal formalidade se degradou em não essencial, não determinando qualquer invalidade dos actos.
No mesmo sentido, entre muitos outros, se pronunciou o Acórdão do STA, de 06/03/2008, in rec. n.º 0928/07, ao referir: «In casu», não se duvida que o autor do acto dispunha de poderes delegados para o praticar, tendo meramente sucedido que, ao arrepio do disposto no art. 38º do CPA, essa sua qualidade não foi mencionada no despacho. Todavia, a irregularidade assim acontecida mostra-se completamente irrelevante, pois ela não impediu a recorrente de perceber a definitividade inerente ao acto e de logo o acometer na ordem contenciosa, como deveras se impunha. Ora, este STA tem constantemente dito que a ofensa do disposto naquele art. 38º constitui um dos casos de degradação de uma formalidade em não essencial, sendo impotente para causar a anulabilidade do acto se o interessado não viu tolhido, por isso, o seu direito de recorrer (cfr., v.g., os acórdãos de 21/3/85, de 23/10/97, de 24/4/2001, de 30/1/2002 e de 21/1/2003, proferidos, respectivamente, nos recs. ns.º 17.869, 38.607, 39.895, 46.135 e 44.491).
Por isso, no seguimento de jurisprudência consolidada, o Pleno do STA decidiu que “A falta de menção da delegação no acto praticado ao seu abrigo não acarreta a invalidade deste, constituindo mera irregularidade formal, abrindo-se ao interessado a possibilidade de exercer, nos prazos legais, os meios de impugnação processualmente adequados aos actos praticados sob tal regime” [Acórdão do Pleno, de 15/11/2001, no rec. 43061].
No caso dos autos, a Recorrente não ficou afectada no direito de recorrer, pois impugnou contenciosamente os actos; constituindo, portanto, a incorrecta indicação da delegação de poderes mera irregularidade formal, sem qualquer efeito invalidante nos actos tributários.
Sem necessidade de mais amplas considerações, improcedem todas as conclusões das alegações de recurso, sendo de negar provimento ao mesmo, confirmando-se a decisão recorrida.

Conclusão/Sumário

I - A notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua eventual irregularidade não afecta a validade deste, mas a sua eficácia.
II - Fundamentação do acto tributário e notificação da fundamentação são realidades distintas e com consequências diversas: a falta da primeira leva à anulação do acto por vício de forma, sendo que a falta da segunda constitui irregularidade sanável que não inquina a validade do acto.
III - A incompetência pode definir-se como o vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão.
IV - Perante a prática de um acto administrativo por órgão desprovido de competência para tal, pode o titular do órgão competente promover a sua ratificação-sanação, acto administrativo secundário destinado à sanação do vício gerador da ilegalidade do acto administrativo principal.
V - A ratificação/sanação é o acto pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia, removendo, assim, da ordem jurídica um acto ilegal e substituindo-o por um acto válido.
VI - Em caso de incompetência, o poder de ratificar o acto cabe ao órgão competente para a sua prática (cfr. o n.º 3 do artigo 137.º do CPA) e esta, em princípio, retroage os seus efeitos à data dos actos a que respeitam (cfr. o n.º 4 do artigo 137.º do CPA).
VII - A falta de competência para a prática do acto fere-o de anulabilidade, encontrando-se tal vício sanado ab initio, mercê da retroacção de efeitos da ratificação praticada pelo órgão competente.
VIII - A falta da menção, a menção incorrecta ou irregular de delegação de poderes no acto, não acarreta a invalidade deste, constituindo mera irregularidade.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 23 de Janeiro de 2020


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