Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01453/14.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/03/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PRESCRIÇÃO; INTERRUPÇÃO
Sumário:1- A prescrição interrompe-se pela citação (ou notificação judicial) e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo que, regra geral, conta-se a partir do ato interruptivo (artigos 323.º/1 e 326.º/1 do CPC).
Estabelece o artigo 327.º n.º1, que se a interrupção resultar, nomeadamente de citação, os efeitos da interrupção prolongam-se até ao julgamento da causa, só começando a correr o novo prazo com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo.
Em síntese, o prazo de prescrição interrompe-se com a citação do réu, inutilizando-se todo o prazo que entretanto tenha decorrido (artigos 323.º/1 e 326.º/1 do C. Civ);

2 - A ação sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas está sujeita a um prazo de “prescrição” de três anos nos termos do artº 498º/1 do Código Civil.
Após a interrupção, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a “decisão que puser termos ao processo (artº 327º nº 1 do Código Civil).

3 – Efetivamente, nos termos do n.º 1 do art. 498.º do CC "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso".
Mais refere a este respeito o art. 323.º, n.º 1 do CPC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Já o art. 326.º, n.º 1 do CPC prevê que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.” *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E. e Outra
Recorrido 1:EP - Estradas de Portugal, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
E. e Outra, no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentaram contra a EP - Estradas de Portugal, S.A. tendente, em síntese, à condenação desta no pagamento de indemnização no valor de 29.946€, e ao reconhecimento de que os autores, mercê do ato de licitações e subsequentes adjudicações eram titulares do crédito emergente da ocupação de terreno no prédio da verba n.º 9 e demolição do referido prédio urbano que ali existia, descrito sob o artigo 40.º; mais se declarando indevida, abusiva e lesiva a ocupação de terreno efetuada pela Demandada, inconformados com a Sentença proferida em 13 de dezembro de 2020, que julgou verificada a exceção perentória de prescrição, vieram interpor recurso jurisdicional da mesma para esta instância, a qual foi proferida em primeira instância, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso, apresentadas em 3 de fevereiro de 2020, as seguintes conclusões:
“I. Considerou o tribunal a quo como provado que “correu termos no Tribunal Judicial de (...) o processo de inventário, com o n.º 18/05.7TBAMR, instaurado em 2005, por óbito de A. (pai do Autor da presente ação), falecido em 24.02.2002, cumulado posteriormente com o do cônjuge J., falecida em 19.04.2008 na pendência daquele (…).”
II. Em 10.11.2010, no âmbito do Processo de Inventário identificado no Ponto 1 foi homologada por sentença a partilha de bens, nos seguintes termos: “(…) Nestes autos de inventário por óbito de A. e J., homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de partilha junta aos autos, adjudicando aos interessados os quinhões que naquele, expressa e respetivamente, lhes foram atribuídos. (…)” [Cfr. certidão extraída do processo n.º 18/05.7TBAMR, junta com a PI (fls. 33 do suporte físico dos autos)].
III. Em 02.07.2014, a Autora instaurou a presente ação administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (Cfr. documentos de fls. 1 e 2 do suporte físico dos autos).”
IV. Nas suas conclusões entende, assim, o Tribunal a quo que “assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que, no limite, os Autores tomaram conhecimento em 10.11.2010 do pretenso direito à indemnização que peticionam no âmbito da presente ação de responsabilidade civil extracontratual pela prática do alegado ato ilícito (Ponto 3. da matéria fáctica).
V. Deste modo, tendo os Autores tido conhecimento do direito à indemnização em 10.11.2010, é manifesto que o prazo legal de 3 (três) anos para efeitos da propositura de uma eventual ação de responsabilidade civil extracontratual contra a Ré – com o respetivo término em 10.11.2013 – há muito se encontra expirado, pelo que se encontra prescrito o direito de indemnização dos Autores.
VI. Não podem, no entanto, os Autores, concordar com tal posição, uma vez que, existe matéria nos autos suficiente para comprovar a interrupção do prazo prescrição e consequentemente, conforme se irá demonstrar, a ação deu entrada dentro do prazo legal.
Senão vejamos,
VII. O tribunal a quo deveria ter dado como provado que os Autores em 2012 “intentaram no Tribunal Judicial de (...), por entenderem ser o competente, ação idêntica a esta: mesma causa de pedir e mesmo pedido. O Ex.mo Juiz daquele tribunal, porém, declarou, ao abrigo do artº 4º, nº 1, al. g) do ETAF, o Tribunal Judicial de (...) absolutamente incompetente em razão da matéria para os termos dessa ação, decretando, por consequência, a absolvição da instância (art.s 105º, nº 1, 288º, nº 1, al. a), 494º, al. a), CPC)”.
VIII. Tudo conforme alegado na Petição inicial apresentada pelos Autores no seu quesito 63. (Cfr. Quesito 63 da Petição Inicial dos Autores que se dá por integralmente reproduzido). Para além do mais,
IX. Resulta da contestação apresentada pela Ré Estada de Portugal, conforme a mesma confessa que “correu termos no tribunal Judicial de (...), na Seção Única, sob o nº 216/12.7TBAMR, processo com objeto e partes identificas às dos presentes autos, tendo a EP sido absolvida da instância por deferimento da exceção da incompetência territorial”. Ora,
X. Conforme certidão que se junta para os devidos efeitos legais (Cfr. Certidão judicial – cujo teor se dá por integralmente reproduzido), a Ré, Estradas de Portugal foi citada da identificada ação em 24-04-2012, conforme notificação de via postal.
XI. Ora, tendo sido a Ré, Estradas de Portugal, citada em 24-04-2012 o prazo dos Autores interrompeu-se nessa altura por via da citação. Mais,
XII. Conforme indicado pela Ré Estradas de Portugal, por requerimento junto aos autos, datado de 16 de julho de 2015, a sentença do processo n.º 216/12.7TBAMR que correu termos no tribunal Judicial de (...), na Seção Única, transitou em julgado em 7/09/2012 (juntando, para o efeito, a sentença relativamente ao processo supra mencionado, indicando inclusive que tal sentença não foi objeto de recurso).
XIII. Ora a sentença do citado processo n.º 216/12.7TBAMR, já se encontra junta nos presentes autos. Ora,
XIV. Face a tais informações, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a sentença do processo n.º 216/12.7TBAMR que correu termos no tribunal Judicial de (...), na Seção Única, transitou em julgado em 7/09/2012. Assim,
XV. Após o trânsito em julgado da decisão (após 07/09/2012), iniciou-se um novo prazo de 3 anos.
XVI. Nesta medida, o prazo dos Autores só terminaria em 7/09/2015.
XVII. Ora, esta provado que os Autores deram entrada da ação em 02.07.2014, ou seja, ainda dentro do prazo legal. Assim,
XVIII. Não só a ação de responsabilidade civil foi mencionada pela Ré Estadas de Portugal na sua contestação, como foi junta a sentença nos respetivos autos com o requerimento da Estradas de Portugal datado de 16 de julho de 2015. Ora,
XIX. O prazo de prescrição, está sujeito a interrupção e a suspensão.
XX. A diferença, entre suspensão e interrupção da prescrição, consiste no facto de a suspensão, ocorrer por força de lei, (artigoº 318º a 322 º do Código Civil), independentemente da vontade do credor, enquanto na interrupção, impõe-se, uma conduta deste destinada a tal fim (artigoº 323º e 325º do Código Civil).
XXI. A interrupção, verificada que seja, inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando, contudo, e em princípio, a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 327.º - art. 326.º.
XXII. E, quanto a saber em que momento começará a correr novo prazo prescricional, esse momento será naturalmente aquele em que a eficácia da causa interruptiva cessar.
XXIII. O novo prazo prescricional apenas começa a correr, por conseguinte, com o trânsito em julgado da sentença que ponha termo ao processo (suspendendo-se assim os efeitos interruptivos da prescrição) com a citação, notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento àquele contra quem o direito pode ser exercido de que contra ele foi interposta uma ação para fazer valer tal direito (art.º 327.°, n.º 1 CC);
XXIV. Vindo a lei, desde logo, a estabelecer um regime especial – o da interrupção duradoura do prazo da prescrição – no mencionado art. 327.º nº 1, prescrevendo que: “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
XXV. Da invocação da prescrição pelo tribunal a quo, resultou a necessidade de juntar aos presente autos, cópia da Petição inicial do invocado processo n.º 216/12.7TBAMR, que correu termos no tribunal judicial de (...), assim como da prova da citação da Ré Estradas de Portugal. Tudo conforme certidão judicial que se junta para os devidos efeitos legais.
XXVI. Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
XXVII. No caso em concreto, o saneador sentença introduziu a necessidade de comprovação da citação e data da citação da Ré Estradas de Portugal, de forma a comprovar o início da interrupção do prazo prescricional.
XXVIII. Violou, pois, a sentença recorrida, o disposto no nº 1 do art. 498º do C. Civil, por lhe conferir uma interpretação que não é conforme com a sua redação e com o sentido da norma e com a jurisprudência existente.
XXIX. Deve assim ser alterada a douta sentença recorrida julgando-se improcedente a invocada exceção de prescrição.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V/Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, alterada a douta sentença recorrida em conformidade e com as legais consequências, com o que se fará sã e inteira Justiça!”.”

A aqui Recorrida/Estradas de Portugal veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 6 de março de 2020, nas quais se concluiu:
“I. O artigo 498.º/1 do Código Civil estabelece que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
II. Todos os alegados factos e danos foram conhecidos dos Autores nas datas em que eles próprios os situam (2002/2003), ou, o mais tardar, em 2005/2006 (data da consignação da obra e da afixação de edital para realização de inquérito administrativo à obra”, já que na freguesia de (...) ((...)) que é a freguesia onde foram realizadas as obras sobre os imóveis em referência nos autos (originariamente propriedade dos pais e sogros do Autor e Autora, respetivamente) e atenta a envergadura e natureza da obra realizada pela Ré Estradas de Portugal em articulação com a interveniente C.M. de (...), à luz das regras de experiência comum, tais circunstâncias dificilmente seriam alheias/desconhecidas dos Autores.
III. Note-se ainda que, conforme considerado provado, em 27.01.2010, no âmbito do supra identificado processo judicial, foi lavrada ata de conferência de interessados, onde estiveram presentes os ora Autores, tendo estes licitado, entre outros, os bens relacionados nas verbas n.º 7 e 9, mais precisamente, o “crédito da herança do direito e ação a intentar contra o Instituto de Estradas e/ou Município de (...) e/ou Freguesia de (...), por ocupação de terreno no prédio da verba n.º 9 e demolição de urbano para habitação que ali existia, inscrito na matriz sob o artigo 40; e ainda o prédio rústico denominado “Campo da horta ou Fonte Coberta”.
IV. Tendo ainda sido dado como provado que, em 10.11.2010 foi homologada a respetiva sentença de partilha de bens onde os ora Autores intervieram e tiveram conhecimento dos factos e efeitos dali resultantes.
V. Pelo que, no limite, os Autores tomaram conhecimento em 10.11.2010 do pretenso direito à indemnização que peticionam no âmbito da presente ação de responsabilidade civil extracontratual pela prática do alegado ato ilícito.
VI. Ora qualquer uma das datas permite-nos concluir a prescrição pois a presente ação apenas deu entrada em juízo em 2014, isto é, bem após ter expirado o indicado prazo de 3 anos referido no artigo 498.º do C.C.
VII. Deste modo, tendo os Autores, quanto muito, tido conhecimento do direito à indemnização em 10.11.2010, quando os Autores intentaram, em 02.07.2014, a presente ação administrativa comum neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, o direito de indemnização encontrava-se já prescrito.
VIII. Termos em que corretamente decidiu a sentença julgando procedente e provada a exceção perentória (artigo 493.º/3) do C.P.C.) invocada, absolvendo a R. do pedido.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA.”
O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 12 de março de 2020.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 17 de abril de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar se se mostram preenchidos os pressupostos tendentes à declarada prescrição do direito.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada e não provada:
1. Correu termos no Tribunal Judicial de (...) o processo de inventário, com o n.º 18/05.7TBAMR, instaurado em 2005, por óbito de A. (pai do Autor da presente ação), falecido em 24.02.2002, cumulado posteriormente com o do cônjuge J., falecida em 19.04.2008 na pendência daquele, onde foram tomas as seguintes declarações:
“(…) Que a inventariada J. faleceu no dia 19.04.2008, no Lugar do Monte, (...), (...), onde residia, no estado de viúva de A., ele falecido em 24.02.2002 casados que foram em primeiras e únicas núpcias de ambos, sob o regime de comunhão geral de bens, não tendo por óbito deste ainda sido feitas partilhas, e os bens a partilhas são comuns do casal.
(...)
Como herdeiros sucedem-lhes os quatro filhos, a saber:
1- (…)
2- E., casado no regime de comunhão de adquiridos com M., residentes em lugar do Monte, (...), (...)

(…) RELAÇÃO DE BENS
(…)
Verba n.º 7
Crédito da herança do direito e ação a intentar contra o Instituto de Estrada e/ou Município de (...) e/ou Freguesia de (...), por ocupação de terreno no prédio da verba n.º 9 e demolição de urbano para habitação que ali existia, inscrito na matriz sob o artigo 40, no valor de 1000 euros.
(…)
Verba n.º 9
Prédio rústico denominado “Campo da (...)”, cultura arvense de regadio e videiras em ramada, sito no lugar de Fonte Coberta, da dita freguesia de (...), a confrontar do norte com Estrada Nacional, do nascente com caminho, do sul com V. e do poente com A., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 11.º, descrito na Conservatória sob o número 5775, inscrito a favor do autor da herança pela inscrição 15.498, L. G-22, fls. 65, com o valor tributável e atribuído de 319,33 euros.
(…)” [Cfr. documento 1 junto com a Petição Inicial (aqui dado como integralmente reproduzido)];
2. Em 27.01.2010, no âmbito do Processo de Inventário referido em 1. teve lugar a Conferência de Interessados, lavrando-se a competente ata, da qual se evidencia o seguinte:
“(…)
PRESENTES
(…)
Interessado: E.
Interessado: M.
(…)
Seguidamente, por todos os interessados presentes e representados foi dito que se encontravam preparados para licitações, pelo que se passaram a efetuar as mesmas, com observância do formalismo legal, e que obtiveram o seguinte resultado:
(…)
Os bens imóveis constantes da relação de bens de fls. 380 a seguir discriminados:
Verba n.º 7 (sete) -, pelo valor de € 1.100,00 (mil e cem euros);
(…)
Verba n.º 9 (nove) -, pelo valor de € 30.000,00 (trinta mil euros)
(…)
Foram licitados pelo interessado E. e mulher M..
(…)
Findas as licitações o Meritíssimo Juiz adjudicou os bens licitados aos respetivos licitantes e os doados aos respetivos donatários, ordenando a notificação dos ilustres mandatários presentes para os fins do disposto no artigo 1373.º do CPC. (…)”
[cfr. certidão extraída do processo n.º 18/05.7TBAMR junta à Petição Inicial (PI), de fls. 25 a 27 do suporte físico dos autos];
3. Em 10.11.2010, no âmbito do Processo de Inventário identificado no Ponto 1 foi homologada por sentença a partilha de bens, nos seguintes termos:
“(…)
Nestes autos de inventário por óbito de A. e J., homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de partilha junta aos autos, adjudicando aos interessados os quinhões que naquele, expressa e respetivamente, lhes foram atribuídos.
(…)” [Cfr. certidão extraída do processo n.º 18/05.7TBAMR, junta com a PI (fls. 33 do suporte físico dos autos)];
4. Em 02.07.2014, a Autora instaurou a presente ação administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (Cfr. documentos de fls. 1 e 2 do suporte físico dos autos).
5. De acordo com a certidão judicial junta aos Autos, no âmbito do Proc.º n.º 216/12.7TBAMR que correu termos no tribunal Judicial de (...), relativamente ao qual a Estradas de Portugal foi citada em 24-04-2012, foi proferida Sentença em 08.06.2012 de incompetência material daquele Tribunal, a qual transitou em julgado em 07.09.2012 (Facto introduzido nesta instância, nos termos do nº 1 do Artº 662º CPC)

IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“Da prescrição do direito de indemnização
(...)
Na presente ação, a Ré EP Estradas de Portugal, S.A. e o interveniente Município de (...) alegam que as obras de intervenção foram realizadas com o conhecimento de todos os proprietários dos terrenos afetados, não tendo sido apresentada qualquer reclamação sobre esta intervenção.
Mais concretamente, a Interveniente referiu que “todos os alegados factos e danos foram conhecidos dos Autores nas datas em que eles próprios os situam (2002/2003), ou, o mais tardar, em 2005/2006 (data da consignação da obra e da afixação de edital para realização de inquérito administrativo à obra”. Por conseguinte, “entre a data em que os Autores tiveram conhecimento do alegado e pseudodireito e a data da citação dos aqui demandado e chamado, decorreram mais de três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze e catorze anos”, ocorrendo, assim, a prescrição do direito de indemnização.
Porém, os Autores discordam diametralmente deste entendimento, considerando que a ação dos presentes autos é uma ação de reivindicação do direito de propriedade e, como tal, não prescreve pelo decurso do tempo.
Cumpre, pois, analisar e decidir.
O instituto da prescrição visa punir a inércia do titular do direito em exercê-lo em tempo útil, bem como tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas, mediante a exigência da sua consolidação em prazos razoáveis (veja-se, neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 02.12.2004, no processo 0145/04 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 26.10.2016, no processo 00209/05.0BEBRG, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Prescreve o n.º 1 do artigo 298.º do Código Civil: “Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
Quanto aos efeitos da prescrição, estabelece o artigo 304.º n.º 1 do Código Civil que “completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”.
Pelo recurso a este instituto não há uma extinção do direito tout court, todavia o direito de exigir (obrigação civil) fica reduzido a um direito de pretender (obrigação natural).
Assim, a prescrição carece de ser invocada judicialmente por aquele a quem aproveita ou pelo seu representante, Cfr. artigo 303.° do Código Civil, e constitui, uma exceção perentória que não pode ser oficiosamente conhecida ou suprida pelo Tribunal, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Dispõe a Lei 67/2007, de 31 de dezembro, o diploma que regula o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, no seu n.º5: “O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”
Por sua vez, o artigo 498.º n.º 1 do Código Civil estabelece que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.”
Nos termos do artigo 323.º n.º 1 do citado diploma “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, sendo que o n.º4 deste normativo prescreve que “é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
A generalidade da nossa doutrina e jurisprudência tem entendido que o lesado tem “conhecimento do direito que lhe compete” a partir do momento em que tem a perceção empírica dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnização, sendo que “este conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, ou seja, que foi praticado um ato que lhe causou danos, ou melhor ainda, que o lesado esteja em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato como gerador da responsabilidade civil e seja percetível que sofreu danos em consequência dele.” (neste sentido, ver Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 22.06.2017, no âmbito do proc.º n.º 08572/12, acessível em www.dgsi.pt. Veja-se, ainda, sobre a questão, entre outros, os Acórdãos do STA de 04.12.2002 (Processo n.º 01203/02), de 07.05.2003 (Processo n.º 01067/02), de 06.07.2004 (Processo n.º 0597/04 e o Acórdão do STJ de 18.04.2002, publicado na Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, ano X, T. II, 2002, pág. 35, o acórdão desse mesmo Tribunal de 23.06.2016, proc.º n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1 e a doutrina aí referida, acessível no sítio www.dgsi.pt, podendo, ainda sobre esta temática, consultar-se RUI PINTO, in “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas: comentários à luz da jurisprudência, AAFDL, 2017, pág. 352 e segs.).
Regressando ao caso sub judice.
Resulta dos autos que correu termos, no Tribunal Judicial de (...), o processo de inventário n.º 18/05.7TBAMR, por óbito dos pais e sogros dos Autores E. e M., respetivamente (Cfr. Ponto 1. da matéria fáctica).
Por outro lado, se dúvidas houvesse sobre a data em que os ora Autores tomaram conhecimento sobre o alegado direito de indemnização decorrente das obras realizadas pela Ré sobre os terrenos propriedade dos originários proprietários (e que foram posteriormente transmitidos por via sucessória para a esfera jurídica dos Autores), essas dúvidas dissipam-se com os factos que resultam provados nos pontos 2. e 3. da matéria fáctica
Senão, vejamos:
Com efeito, resulta provado dos autos que em 27.01.2010, no âmbito do supra identificado processo judicial, foi lavrada ata de conferência de interessados, onde estiveram presentes os ora Autores, tendo estes licitado, entre outros, os bens relacionados nas verbas n.º 7 e 9, mais precisamente, o “crédito da herança do direito e ação a intentar contra o Instituto de Estradas e/ou Município de (...) e/ou Freguesia de (...), por ocupação de terreno no prédio da verba n.º 9 e demolição de urbano para habitação que ali existia, inscrito na matriz sob o artigo 40; e ainda o prédio rústico denominado “Campo da (…)” (Cfr. Ponto 2. da matéria fáctica)
No mais, resulta ainda provado que, em 10.11.2010 foi homologada a respetiva sentença de partilha de bens onde os ora Autores intervieram e tiveram conhecimento dos factos e efeitos dali resultantes.
Sem prescindir, sempre se diria que, residindo os Autores na freguesia de (...) ((...)) – sem qualquer registo de mudança de morada -, precisamente na mesma freguesia onde foram realizadas as obras sobre os imóveis em referência nos autos (originariamente propriedade dos pais e sogros do Autor e Autora, respetivamente) e atenta a envergadura e natureza da obra realizada pela Ré Estradas de Portugal em articulação com a interveniente C.M. de (...), à luz das regras de experiência comum, tais circunstâncias dificilmente seriam alheias/desconhecidas dos Autores.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que, no limite, os Autores tomaram conhecimento em 10.11.2010 do pretenso direito à indemnização que peticionam no âmbito da presente ação de responsabilidade civil extracontratual pela prática do alegado ato ilícito (Ponto 3. da matéria fáctica).
Assim, e conforme acima já referido, o prazo de prescrição do direito de indemnização previsto no artigo 489.º do Código Civil conta-se a partir do momento em que o lesado tem a perceção empírica dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnização (neste sentido, ver Acórdão do TCAN de 07.02.2019, proferido no âmbito do processo 287/15.4BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt) pelo que conta-se o prazo prescricional desde essa data, in casu, 10.11.2010 – data em que os Autores tomaram conhecimento da sentença que homologou a partilha de bens (onde consta o crédito da herança do direito e ação a intentar contra o Instituto de Estradas e/ou Município de (...) e/ou Freguesia de (...) por ocupação de terreno no prédio da verba n.º 9 e demolição de urbano para habitação que ali existia- cfr. Ponto 3. da matéria fática assente.
Deste modo, tendo os Autores tido conhecimento do direito à indemnização em 10.11.2010, é manifesto que o prazo legal de 3 (três) anos para efeitos da propositura de uma eventual ação de responsabilidade civil extracontratual contra a Ré – com o respetivo término em 10.11.2013 – há muito se encontra expirado, pelo que se encontra prescrito o direito de indemnização dos Autores.
Ora, quando os Autores intentaram, em 02.07.2014, a presente ação administrativa comum neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (Ponto 4. da matéria fáctica) o direito de indemnização encontrava-se, pois, prescrito.
Em face do exposto, é totalmente procedente a invocada exceção de prescrição e, em consequência, são absolvidos a Ré e Interveniente do pedido.

Vejamos:
Apreciemos então a declarada Prescrição.
Importa desde logo dar como provado que os aqui Recorrentes intentaram anteriormente ação idêntica na Instância Local de (...) do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (Proc.º nº 216/12.7BEMR), tendo aquele Tribunal em 08/06/2012 julgado “o Tribunal Judicial de (...) absolutamente incompetente em razão da matéria para os termos desta Ação”, “em face do preceituado no Artº 4º , nº 1, al. g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, decisão que não foi objeto de Recurso e transitou em julgado, como resulta da certidão judicial junta aos Autos (Novel facto introduzido no local próprio como facto 5, nos termos do nº 1 do Artº 662º CPC).

Assim, tendo os Aqui Recorrentes reclamado os seus alegados créditos no referido processo, tal circunstância constituiu manifestamente a intenção de exercer o seu direito, o que determinou a interrupção do prazo de prescrição.

Com efeito, como resulta do Acórdão deste TCAN, de 05/06/2015, no Processo n.º 00156/13BEMDL, “(…) A prescrição interrompe-se pela citação (ou notificação judicial) e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo que, regra geral, conta-se a partir do ato interruptivo (artigos 323.º/1 e 326.º/1 do CPC). Contudo, o artigo 327.º estabelece os seguintes desvios a esta regra geral: (n.º1) se a interrupção resultar, nomeadamente de citação, os efeitos da interrupção prolongam-se até ao julgamento da causa, só começando a correr o novo prazo com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo; (n.º 2) porém, se a causa terminar por um motivo formal (desistência, absolvição ou deserção da instância), funciona a regra do artigo 326.º/1, ou seja, o novo prazo de prescrição reinicia-se a partir do ato interruptivo; (n.º 3) só assim não acontecendo quando o réu for absolvido da instância por motivo não imputável ao titular do direito e o prazo de prescrição tiver terminado na pendência da ação ou vier a terminar nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão, caso em que não se considera completada a prescrição antes de findarem esses dois meses (seguimos de perto o enunciado cristalino de Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, 2.ª ed., 131)”.

Em síntese, o prazo de prescrição interrompe-se com a citação do réu, inutilizando-se todo o prazo que entretanto tenha decorrido (artigos 323.º/1 e 326.º/1 do C. Civ);

Como resulta igualmente sumariado no Acórdão do STA, de 14/04/2010, no Recurso n.º 0751/07, “(…) A ação sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas prevista no DL 48.051, de 21/11/1967, em regra está sujeita a um prazo de “prescrição” de três anos nos termos do artº 498º/1 do Código Civil, para onde remete o nº 2 do artº 71º da LPTA.
(...)
Após a interrupção, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a “decisão que puser termos ao processo (artº 327º nº 1 do Código Civil)”.

Em qualquer dos casos, estabelece o n.º 1 do art. 498.º do CC que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso".
Mais refere a este respeito o art. 323.º, n.º 1 do CPC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Já o art. 326.º, n.º 1 do CPC prevê que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.”

Resulta ainda do art. 327.º n.º 1 do CPC que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”

Vejamos então todos os pressupostos de facto que aqui relevam.
Efetivamente, o prazo de prescrição do direito de indemnização previsto no artigo 489.º do Código Civil conta-se a partir do momento em que o lesado tem a perceção dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnização (Cfr. Acórdão do TCAS de 07.02.2019 – Procº nº 287/15.4BELSB), pelo que o prazo prescricional será contado na situação em apreciação, a partir de 10.11.2010, data em que os Autores tomaram conhecimento da sentença que homologou a partilha de bens, o que aliás é admitido pela Entidade Recorrida.

Assim, tendo os Autores tido conhecimento do direito à indemnização em 10.11.2010, aparentemente o prazo prescricional de 3 anos para efeitos da propositura de ação de responsabilidade civil extracontratual contra a Ré terminaria 10.11.2013, o que significa que tendo a presente Ação sido apresentada em 02.07.2014, já o correspondente direito se mostraria prescrito.

Acontece que os aqui Recorrentes já em 2012 haviam intentado Ação “(...) no Tribunal Judicial de Amares, por entenderem ser o competente, ação idêntica a esta: mesma causa de pedir e mesmo pedido. O Ex.mo Juiz daquele tribunal, porém, declarou, ao abrigo do artº 4º, nº 1, al. g) do ETAF, o Tribunal Judicial de Amares absolutamente incompetente em razão da matéria para os termos dessa ação, decretando, por consequência, a absolvição da instância (art.s 105º, nº 1, 288º, nº 1, al. a), 494º, al. a), CPC)” (Cfr. Artº 63 da Petição Inicial)

Aliás, incontornavelmente, a própria Entidade Demandada o reconheceu, ao afirmar que “correu termos no tribunal Judicial de Amares, na Seção Única, sob o nº 216/12.7TBAMR, processo com objeto e partes identificas às dos presentes autos, tendo a EP sido absolvida da instância por deferimento da exceção da incompetência (...)”.

Correspondentemente consta de certidão judicial junta entretanto aos Autos, que a EP - Estradas de Portugal foi citada na referida ação em 24-04-2012, em face do que o prazo prescricional se interrompeu nessa data, sendo que a referida decisão (Proc.º nº 216/12.7TBAMR) transitou em julgado em 7/09/2012, como a Estradas de Portugal expressamente reconhece.

Assim, tendo o prazo prescricional estado interrompido até esta dada (7/09/2012), reiniciou-se a sua contagem na referida data, o que determinaria que o prazo para intentar Ação nos TAF só terminaria em 7/09/2015, em face do que tendo a presenta Ação sido apresentada em 02.07.2014, mostra-se a mesma perfeitamente tempestiva.

Na realidade, como resulta sumariado no Acórdão deste TCAN nº 1493/17.2BEPRT, de 15-03-2019 “O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através da citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito, pois, para que o efeito interruptivo opere, não basta a prática de ato ou qualquer outro facto em que direta ou indiretamente se demonstre a intenção de exercer o direito, posto é também que esse facto chegue ao conhecimento do(s) efetivamente obrigado(s) em virtude de, sendo o ato interruptivo meramente pessoal, só haver interrupção da prescrição quando a afirmação do exercício do direito for levada efetivamente ao conhecimento do(s) obrigado(s) por via judicial”.

É pois pacífico quer na doutrina quer na jurisprudência que a interrupção do prazo de prescrição inutiliza o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo, no caso, a partir do trânsito em julgado de anterior decisão (artigo 326º, n.º 1 e 327º, nº 1, do Código Civil).

Efetivamente, determinam os referidos normativos que se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327º, n.º 1, do Código Civil). Neste sentido, entre outros, Carlos Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, 2.ª ed., 131).

No caso em apreço, o prazo de prescrição de 3 anos iniciou-se originariamente assim a partir de 10.11.2010, data em que os Autores tomaram conhecimento da sentença que homologou a partilha de bens, interrompendo-se com a citação do réu para a primeira ação, intentada no Tribunal Judicial de (...), o que ocorreu em 24.04.2012. Esta interrupção inutilizou todo o prazo de prescrição que entretanto tinha decorrido.

Como se viu já, nos termos do disposto no artigo 323.º/1 do C. Civ., a interrupção da prescrição exige a prática de um ato judicial de citação ou notificação, ato esse que, por natureza, é recipiendo e cujo destinatário não pode ser outro senão o obrigado. Por outras palavras, a interrupção da prescrição “exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito” (cfr. Pires de Lima/ Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., 291), pressuposto aqui claramente preenchido, pois que, quer as partes, quer o pedido e a causa de pedir são idênticas em ambas as Ações.

Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.06.2001 (Pleno) recurso 34237:
“Por via do disposto nos artºs. 323° nº. 1, e 327º nº. 1, do Cód. Civil, a prescrição do direito de indemnização interrompe-se com a notificação da Administração para o recurso contencioso, não começando a correr novo prazo enquanto não passar em julgado a decisão que ponha termo ao processo, seja ela de fundo ou de forma.”

Portanto, o prazo de prescrição, de 3 anos, interrompeu-se em 24.04.2012 com a citação da Estadas de Portugal para o processo n.º 216/12.7TBAMR, inutilizando-se todo o prazo até aí decorrido.

Entretanto, pôs termo a esse processo, a sentença que absolveu o réu, Estrada de Portugal ora demandado da instância por incompetência material do tribunal, pondo assim termo ao processo, decisão esta que transitou em julgado em 7.09.2012.

Só a partir daqui se reinicia a contagem do prazo de prescrição, de 3 anos, porque o prazo anterior, dada a interrupção operada com a citação, ficou todo inutilizado.

Só faz sentido pois reiniciar-se o prazo de prescrição quando os autores tiverem a possibilidade de voltar a exercer o seu direito, de acordo, aliás, com o disposto em termos gerais no artigo 306º do CC, com a epígrafe “Início do curso da prescrição”: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.

O autor só pode exercer de novo o seu direito quando sabe seguramente que o processo anterior onde pretendeu exercer o seu direito, terminou com trânsito em julgado.

Daí que o n.º 1 do Artº 327º CC estabeleça a regra de que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo a processo.”

Aqui chegados, importa sublinhar que a admissão da certidão judicial da decisão do tribunal de Amares que determinou a interrupção do prazo prescricional assenta no estatuído no nº 1 do Artº 651º CPC que estabelece, designadamente, que no Recurso Jurisdicional “as partes podem juntar documentos às alegações (...) no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”, circunstância que é aqui patente.

Em face do que supra ficou expendido e resumindo esquemática e cronologicamente tudo quanto se afirmou, resulta que:
a) Os Autores tomaram conhecimento do direito à indemnização em 10.11.2010;
b) A EP - Estradas de Portugal foi citada da originária Ação apresentada no Tribunal de Amares em 24-04-2012;
c) O Tribunal de Amares (Proc.º nº 216/12.7BEMR), decidiu em 08/06/2012 julgar “o Tribunal Judicial de Amares absolutamente incompetente em razão da matéria para os termos desta Ação”,
c) A referida decisão de incompetência material proferida no Tribunal de Amares, transitou em julgado em 07/09/2012;
d) A presente Ação foi intentada no TAF de Braga em 02.07.2014

É assim patente que quando a presente Ação foi apresentada no TAF de Braga (02.07.2014) ainda não tinham decorrido os 3 anos do prazo prescricional resultante da interrupção do prazo verificada pela apresentação da Ação no Tribunal de Amares, decisão que transitou em julgado em 07.09.2012, em face do que se julgará improcedente a declarada exceção de prescrição.

DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogar a decisão recorrida, julgar improcedente a exceção de prescrição, mais se determinando a baixa dos Autos ao Tribunal de 1ª Instância para que aí possa prosseguir a sua normal tramitação, atento o aqui decidido, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Entidade Recorrida.

Porto, 3 de julho de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Rogério Martins (Em substituição)