Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03755/04-Aveiro
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
D.L. Nº 248-A/2002, DE 14-11.
OBRIGAÇÃO DE JUROS.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, desde que estejam em causa factos com interesse para a decisão de causa que não tenham sido contemplados na decisão posto em crise.
II) O D.L. nº 248-A/2002 de 14-11 só se aplica às dívidas ainda não pagas à data da sua entrada em vigor.
III) Ora, no caso em análise, o probatório informa que as dívidas das contribuições à Segurança Social foram pagas em Setembro e Outubro de 2002, portanto em data anterior a 15/11/2002, data da entrada em vigor do diploma em apreciação, o que retira qualquer virtualidade à pretensão da Recorrente, sendo que não se vislumbra fundamento para qualquer interpretação enunciativa, isto é, a determinação duma regra por processos lógicos, muito menos nos termos propostos pela Recorrente - permitindo o art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, que fosse dispensado o pagamento de juros relativamente a dívidas cujo capital viesse a ser pago até 31 de Dezembro de 2002, por maioria de razão o teria de permitir relativamente a juros cujo respectivo capital, na altura da entrada em vigor daquela norma, já tivesse sido pago -, quando é manifesto que o legislador nunca ponderou tal matéria, nem a mesma tem sentido no âmbito do diploma em causa pelas razões já apontadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fábrica..., Lda.
Recorrido 1:IGFSS
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“Fábrica…, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 27-01-2014, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações de juros de mora decorrentes de atraso no pagamento de contribuições à Segurança Social, relativas aos meses de Março de 2001, Abril de 2001, Julho a Dezembro de 2001 e Janeiro a Agosto de 2002, no montante global de € 6.033,17.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 200-209), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
a) Tendo em consideração, por um lado, o que foi alegado na p.i. da Impugnação Judicial e, por outro lado, os concretos elementos probatórios que constam nos autos, a ora Recorrente não se conforma com a matéria de facto que, na Sentença recorrida, foi dada como provada e não provada.
b) Atendendo ao teor dos documentos que, sob os nºs 1, 2 e 3, foram juntos com a p.i., o ponto de facto nº 1 («Em 24/04/2003, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, foram emitidas as seguintes Liquidações de Juros de Mora respeitantes a dívidas de contribuições da Impugnante à Segurança Social dos meses de Março de 2001 a Janeiro de 2002, no montante global de €3.033,17, cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a PI, fls. 17/19 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido») não poderia ter sido dado como provado nos termos em que o foi.
c) Desses documentos resulta que as Liquidações de Juros de Mora em causa referem-se aos meses de Março de 2001, Abril de 2001, Julho de 2001, Agosto de 2001, Setembro de 2001, Outubro de 2001, Novembro de 2001, Dezembro de 2001, Janeiro de 2002, Fevereiro de 2002, Março de 2002, Abril de 2002, Maio de 2002, Junho de 2002, Julho de 2002 e Agosto de 2002, e não aos meses de “Março de 2001 a Janeiro de 2002”, conforme erradamente consta na Sentença recorrida.
d) Ainda nos termos desses documentos, o montante global dessas Liquidações de Juros de Mora cifra-se em € 6.033,17, e não em “3.033,17”, conforme também erradamente consta da Sentença recorrida.
e) Termos em que deve a decisão proferida sobre a matéria de facto ser alterada, dela passando a constar, em substituição do acima mencionado ponto nº 1 dos factos provados, o seguinte: Em 24/04/2003, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, foram emitidas Liquidações de Juros de Mora respeitantes a dívidas de contribuições da Impugnante à Segurança Social dos meses de Março de 2001, Abril de 2001, Julho de 2001, Agosto de 2001, Setembro de 2001, Outubro de 2001, Novembro de 2001, Dezembro de 2001, Janeiro de 2002, Fevereiro de 2002, Março de 2002, Abril de 2002, Maio de 2002, Junho de 2002, Julho de 2002 e Agosto de 2002, no montante global de € 6.033,17, cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a PI, fls. 17/19 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
f) Contrariamente ao que consta na Sentença recorrida, o DL 248-A/02, de 14/11, não é apenas aplicável “às dívidas de natureza fiscal ainda não pagas à data da sua entrada em vigor e que viessem a ser pagas até 31.12.02”.
g) Do texto da norma do art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, resulta claramente que o pagamento, no todo ou em parte, do capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002, determina, na parte correspondente, a dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios, não tendo o legislador feito qualquer distinção quanto ao facto de esse capital em dívida ser pago antes ou depois da entrada em vigor do referido diploma legal.
h) Na previsão da referida norma cabem, pois, todas as situações em que o pagamento do capital em dívida tenha sido feito até 31/12/02.
i) O legislador do DL 248-A/02, de 14/11, não determinou que apenas o pagamento do capital em dívida que fosse efectuado depois da sua entrada em vigor e até 31/12/02 (prazo que acabaria por ser prorrogado para 03/01/03), é que determinaria, na parte correspondente, a dispensa dos juros.
j) Consequentemente, o sentido que se encontra subjacente às liquidações impugnadas e à Sentença recorrida – exclusão da dispensa de pagamento os juros em dívida referentes a contribuições pagas até 15/11/02 –, por não encontrar na letra do art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, não pode ser feito valer (art. 9º-2 do CC).
k) Da aplicação dos elementos gerais da hermenêutica jurídica resulta que seria ilógico que o legislador dispensasse do pagamento dos juros em dívida os contribuintes que tivessem pago o capital em dívida depois da entrada em vigor daquele diploma, mas já não dispensasse aqueles que, nessa altura, já tivessem pago esse capital, embora continuassem a dever os juros.
l) Também dos elementos lógicos da interpretação decorre que o legislador do DL 248-A/02, de 14/11, quis dispensar do pagamento dos juros em dívida, na parte correspondente, todos aqueles que, em 31 de Dezembro de 2002, tivessem pago o respectivo capital em dívida, no todo ou em parte, independentemente de esse pagamento ser feito antes ou depois da entrada em vigor daquele diploma.
m) Ainda que se entendesse que o referido sentido não resulta do texto da norma de uma forma clara e directa (como efectivamente resulta), então sempre se chegaria a esse mesmo sentido através de uma interpretação enunciativa.
n) Na verdade, permitindo o art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, que fosse dispensado o pagamento de juros relativamente a dívidas cujo capital viesse a ser pago até 31 de Dezembro de 2002, por maioria de razão o teria de permitir relativamente a juros cujo respectivo capital, na altura da entrada em vigor daquela norma, já tivesse sido pago – a lei que permite o mais também permite o menos (“a miori ad minus”).
o) A Sentença recorrida interpretou erradamente a norma do art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, norma essa que deveria ter sido interpretada e aplicada com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a Impugnação deduzida pela ora Recorrente, tudo com verificação das demais consequências legais, como é de direito e de JUSTIÇA!”

O recorrido IGFSS, I.P. não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 221 a 225 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento de facto e apreciar se a obrigação de juros, das liquidações identificadas nos autos devem ter-se por extintas ao abrigo do D.L. nº 248-A/2002, de 14-11.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Em 24/04/2003, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, foram emitidas as seguintes Liquidações de Juros de Mora respeitantes a dívidas de contribuições da Impugnante à Segurança Social dos meses de Março de 2001 a Janeiro de 2002, no montante global de €3.033,17, cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a
PI, fls. 17/19 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;

2. Em 28/04/2003, a Impugnante foi notificada, via fax do ofício n.º 954 do IGFSS, bem como do “Documento de emissão prévia n.º 708402, cfr. docs. 4 e 5 juntos com a PI, fls. 20/2 1 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Do documento de emissão prévia consta que a Impugnante devia proceder ao pagamento da quantia €1 1.171,24, referente a juros de mora e contribuições, cfr. teor doc. 5 junto com a P1, fls. 21 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Em 29/04/2003, a Impugnante apresentou requerimento juntos do IGFSS, solicitando a emissão de guias para pagamento do montante de €5.138,1 1, do período Fevereiro de 2002 a Janeiro de 2003, tendo ainda invocado a inexigibilidade dos demais juros por entender que à data da entrada em vigor do DL n.º 248/02, 14/11, já se encontravam pagas as respectivas contribuições, cfr. teor do doc. 6 junto com a PI, fls. 23 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. Em 05/05/2003, mediante oficio n.º 4599, o IGFSS, Delegação de Aveiro, respondeu ao requerimento referido em 4., informando a Impugnante de que esta não poderia beneficiar da dispensa de pagamento dos juros de mora, porquanto já havia liquidado o capital em dívida (referente a contribuições), em data anterior à entrada em vigor do DL n. ° 248/02, 14/11, cfr. teor do doc. 7 junto com a PI, fls. 22 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. As contribuições referidas em 1. foram integralmente pagas em Setembro e Outubro de 2002 [admitido por acordo das partes e sustentado ainda pelos docs. 14 a 18 da P1, fls. 55/59 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido];
7. A presente impugnação foi intentada em 15/09/2003 no Tribunal Tributário de 1.ª instância de Aveiro, cfr. fls. 1 dos autos.
*
III.2 FACTOS NÃO PROVADOS
Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
*
III.3 MOTIVAÇÃO
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados - art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos — art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) - identificados em cada um dos factos provados.”
3.2 DE DIREITO
Na matéria das suas cinco primeiras conclusões do recurso, a recorrente questiona a decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da recorrente, tendo em consideração, por um lado, o que foi alegado na p.i. da Impugnação Judicial e, por outro lado, os concretos elementos probatórios que constam nos autos, a ora Recorrente não se conforma com a matéria de facto que, na Sentença recorrida, foi dada como provada e não provada, pois que, atendendo ao teor dos documentos que, sob os nºs 1, 2 e 3, foram juntos com a p.i., o ponto de facto nº 1 («Em 24/04/2003, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, foram emitidas as seguintes Liquidações de Juros de Mora respeitantes a dívidas de contribuições da Impugnante à Segurança Social dos meses de Março de 2001 a Janeiro de 2002, no montante global de €3.033,17, cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a PI, fls. 17/19 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido») não poderia ter sido dado como provado nos termos em que o foi, na medida em que desses documentos resulta que as Liquidações de Juros de Mora em causa referem-se aos meses de Março de 2001, Abril de 2001, Julho de 2001, Agosto de 2001, Setembro de 2001, Outubro de 2001, Novembro de 2001, Dezembro de 2001, Janeiro de 2002, Fevereiro de 2002, Março de 2002, Abril de 2002, Maio de 2002, Junho de 2002, Julho de 2002 e Agosto de 2002, e não aos meses de “Março de 2001 a Janeiro de 2002”, conforme erradamente consta na Sentença recorrida, além de que nos termos desses documentos, o montante global dessas Liquidações de Juros de Mora cifra-se em € 6.033,17, e não em “3.033,17”, conforme também erradamente consta da Sentença recorrida, o que significa que a decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser alterada, dela passando a constar, em substituição do acima mencionado ponto nº 1 dos factos provados, o seguinte: Em 24/04/2003, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, foram emitidas Liquidações de Juros de Mora respeitantes a dívidas de contribuições da Impugnante à Segurança Social dos meses de Março de 2001, Abril de 2001, Julho de 2001, Agosto de 2001, Setembro de 2001, Outubro de 2001, Novembro de 2001, Dezembro de 2001, Janeiro de 2002, Fevereiro de 2002, Março de 2002, Abril de 2002, Maio de 2002, Junho de 2002, Julho de 2002 e Agosto de 2002, no montante global de € 6.033,17, cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a PI, fls. 17/19 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

Assim sendo, e na medida em que tem total pertinência a crítica da Recorrente neste domínio e por constarem dos autos todos os elementos que permitem a este tribunal reapreciar a questão de facto em apreço, decide-se, ao abrigo do artigo 712º do CPC (actual art. 662º), aplicável ex vi artigo 1º c) do CPPT, alterar o ponto nº 1 dos factos provados, o qual passará a ter seguinte redacção:
1. Em 24/04/2003, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, foram emitidas Liquidações de Juros de Mora respeitantes a dívidas de contribuições da Impugnante à Segurança Social dos meses de Março de 2001, Abril de 2001, Julho de 2001, Agosto de 2001, Setembro de 2001, Outubro de 2001, Novembro de 2001, Dezembro de 2001, Janeiro de 2002, Fevereiro de 2002, Março de 2002, Abril de 2002, Maio de 2002, Junho de 2002, Julho de 2002 e Agosto de 2002, no montante global de € 6.033,17, cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com a PI, a fls. 17/19 dos autos.

A Recorrente insiste depois que, contrariamente ao que consta na Sentença recorrida, o DL 248-A/02, de 14/11, não é apenas aplicável “às dívidas de natureza fiscal ainda não pagas à data da sua entrada em vigor e que viessem a ser pagas até 31.12.02” e do texto da norma do art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, resulta claramente que o pagamento, no todo ou em parte, do capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002, determina, na parte correspondente, a dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios, não tendo o legislador feito qualquer distinção quanto ao facto de esse capital em dívida ser pago antes ou depois da entrada em vigor do referido diploma legal, ou seja, na previsão da referida norma cabem, pois, todas as situações em que o pagamento do capital em dívida tenha sido feito até 31/12/02, pois que o legislador do DL 248-A/02, de 14/11, não determinou que apenas o pagamento do capital em dívida que fosse efectuado depois da sua entrada em vigor e até 31/12/02 (prazo que acabaria por ser prorrogado para 03/01/03), é que determinaria, na parte correspondente, a dispensa dos juros, de modo que, o sentido que se encontra subjacente às liquidações impugnadas e à Sentença recorrida – exclusão da dispensa de pagamento os juros em dívida referentes a contribuições pagas até 15/11/02 –, por não encontrar na letra do art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, não pode ser feito valer (art. 9º-2 do CC) e da aplicação dos elementos gerais da hermenêutica jurídica resulta que seria ilógico que o legislador dispensasse do pagamento dos juros em dívida os contribuintes que tivessem pago o capital em dívida depois da entrada em vigor daquele diploma, mas já não dispensasse aqueles que, nessa altura, já tivessem pago esse capital, embora continuassem a dever os juros, além de que também dos elementos lógicos da interpretação decorre que o legislador do DL 248-A/02, de 14/11, quis dispensar do pagamento dos juros em dívida, na parte correspondente, todos aqueles que, em 31 de Dezembro de 2002, tivessem pago o respectivo capital em dívida, no todo ou em parte, independentemente de esse pagamento ser feito antes ou depois da entrada em vigor daquele diploma.
Ainda que se entendesse que o referido sentido não resulta do texto da norma de uma forma clara e directa (como efectivamente resulta), então sempre se chegaria a esse mesmo sentido através de uma interpretação enunciativa, dado que, na verdade, permitindo o art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, que fosse dispensado o pagamento de juros relativamente a dívidas cujo capital viesse a ser pago até 31 de Dezembro de 2002, por maioria de razão o teria de permitir relativamente a juros cujo respectivo capital, na altura da entrada em vigor daquela norma, já tivesse sido pago – a lei que permite o mais também permite o menos (“a miori ad minus”), pelo que, a Sentença recorrida interpretou erradamente a norma do art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, norma essa que deveria ter sido interpretada e aplicada com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.

Que dizer?
O D.L. nº 248-A/2002, de 14/11, aprovou um regime excepcional de regularização de dívidas fiscais e à segurança social, promovendo a luta contra a fraude e evasão fiscais e contributivas.
Com relevância para o caso em apreço, ressaltam os seguintes normativos do referido decreto-lei:
«Artigo 1.º
Objecto
1 - As dívidas de natureza fiscal cujo prazo legal de cobrança termine até 31 de Dezembro de 2002 poderão ser objecto de regularização nos termos constantes do presente diploma.
2 - O presente diploma aplica-se a todos as dívidas referidas no número anterior que sejam declaradas no acto do pagamento, ainda que desconhecidas da administração fiscal.
Artigo 2.º
Pagamento integral das dívidas e reduções
1 - O pagamento, no todo ou em parte, do capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002 determina, na parte correspondente, dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios.
2 - O pagamento efectuado nos termos do número anterior em processo de execução fiscal determina, na parte correspondente, a redução das custas a 1% (...)
Artigo 9°
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.»
No preâmbulo do diploma a que respeitam a normas acima descritas, aponta que:
“…
Aprova um regime excepcional de regularização de dívidas fiscais e à segurança social
A luta contra a fraude e evasão fiscais e contributivas constitui objectivo fundamental do XV Governo Constitucional.
Nesse sentido, foi aprovada legislação que impede a concessão, suspende ou extingue benefícios fiscais, designadamente em face de situações de incumprimento de dívidas tributárias e à segurança social e sempre que se cometam infracções graves nestes domínios.
Entre os múltiplos benefícios que podem ser afectados destacam-se, desde logo, aqueles que se relacionam com o IRS, como, por exemplo, as contas poupança-habitação, os planos de poupança reforma/educação e os planos poupança em acções. No âmbito do IRC destacam-se todos os créditos fiscais ao investimento e as isenções à reorganização empresarial, bem como os benefícios de natureza contratual ou relacionados com as zonas francas, para além das isenções em matéria de imposto municipal, da sisa e contribuição autárquica.
Neste contexto, o Governo concede, através do presente decreto-lei, uma faculdade excepcional de regularização das situações contributivas, a qual pressupõe o pagamento das dívidas fiscais e à segurança social até 31 de Dezembro de 2002, quer se trate de dívidas já detectadas pela respectivas administrações quer autodenunciadas voluntariamente pelos contribuintes.
O quadro de medidas de regularização consagrado por este diploma visa dotar os contribuintes de condições amplamente favoráveis à satisfação integral das suas dívidas e à reparação de infracções conexas, evitando as consequências da falta de cumprimento, permitindo-lhes continuar a ter acesso aos benefícios fiscais que, de outro modo, seriam perdidos. …”
Com este pano de fundo, e apesar do esforço de alegação, é manifesto que a pretensão da Recorrente está condenada ao insucesso.
Efectivamente, como se refere no próprio preâmbulo, está em causa uma faculdade excepcional de regularização das situações contributivas, a qual pressupõe o pagamento das dívidas fiscais e à segurança social até 31 de Dezembro de 2002, quer se trate de dívidas já detectadas pela respectivas administrações quer autodenunciadas voluntariamente pelos contribuintes.
Por outro lado, como é evidente, as dívidas em causa são dívidas de capital, na medida em que o que está em causa é o encaixe que tal pode proporcionar ao Estado, pois que, como aponta o art. 2º nº 1 “o pagamento, no todo ou em parte, do capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002 determina, na parte correspondente, dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios”, ou seja, a partir do momento em que a contrapartida para o contribuinte é a dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios, o pressuposto é a liquidação da dívida de capital.
Sendo assim, como é, a situação da Recorrente não pode ser contemplada neste domínio, porquanto, na data da entrada em vigor do diploma em apreço, não existia qualquer dívida de capital em função do exposto pela Recorrente.
Por outro lado, a argumentação da Recorrente traduz-se apenas na total inversão dos princípios que devem presidir à análise desta matéria, olvidando que o diploma apenas dispõe para o futuro, de modo que, é a Recorrente que pretende fazer uma distinção que o legislador nunca quis fazer.
Na verdade, estando em causa a obtenção/recuperação de receita, através da aludida faculdade excepcional de regularização das situações contributivas, que sentido teria este diploma, em situações como a da Recorrente, em que se traduziria, pura e simplesmente, na dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios.
Assim, como bem refere a decisão recorrida, com apoio no Ac. da Relação do Porto de 03-12-2003, Proc. nº 2061/03, www.dgsi.pt, “… Do Decreto Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro, quer atendendo à mens legislatoris, quer à mens legis quer finalmente do seu significado literal possível … resulta inequivocamente que esse diploma é aplicável apenas às dívidas de natureza fiscal, ainda não pagas à data da sua entrada em vigor e que viessem a ser pagas até 31.12.02. Não é aplicável às dívidas pagas anteriormente à entrada em vigor do diploma como aquela que temos em vista nos autos. …
O diploma em causa é confessadamente ius singulare, um normativo excepcional ditado por conhecidas razões para diminuir o défice das contas públicas, que não consente aplicação analógica, cfr. art.º 11 do Código Civil. A letra da lei traduz o espírito e a finalidade da sua criação pelo que é desnecessária qualquer interpretação extensiva.
Se a solução legislativa é discutível, e temos tão só em vista o estrito âmbito jurídico em que nos movemos, também não é aceitável uma interpretação que, querendo afastar uma solução legislativa que classifica de chocante, acaba por consagrar uma solução e conduzir a uma decisão sem apoio legal. …”
Ora, no caso em análise, o probatório informa que as dívidas das contribuições à Segurança Social foram pagas em Setembro e Outubro de 2002, portanto em data anterior a 15/11/2002, data da entrada em vigor do diploma em apreciação, o que retira qualquer virtualidade à pretensão da Recorrente, sendo que não se vislumbra fundamento para qualquer interpretação enunciativa, isto é, a determinação duma regra por processos lógicos, muito menos nos termos propostos pela Recorrente - permitindo o art. 2º-1 do DL 248-A/02, de 14/11, que fosse dispensado o pagamento de juros relativamente a dívidas cujo capital viesse a ser pago até 31 de Dezembro de 2002, por maioria de razão o teria de permitir relativamente a juros cujo respectivo capital, na altura da entrada em vigor daquela norma, já tivesse sido pago -, quando é manifesto que o legislador nunca ponderou tal matéria, nem a mesma tem sentido no âmbito do diploma em causa pelas razões já apontadas.
É claro que a Recorrente poderá sempre dizer que tal representa um tratamento diferente dos contribuintes, mas tal situação não é inédita, sendo que a mesma penaliza, antes de mais, os contribuintes que cumprem escrupulosamente as suas obrigações, o que nem sequer é o caso da Recorrente, que também não cumpriu as suas obrigações em tempo oportuno, situação que esteve na origem dos juros de mora que a mesma pretende afastar pela aplicação do diploma apontado nos autos.
No entanto, como já ficou dito, o que está em causa é uma faculdade excepcional ditada por conhecidas razões para diminuir o défice das contas públicas, o que quer dizer que só faz sentido a consideração de dívidas de capital em função do encaixe que tal pode proporcionar ao Estado, de modo que, a situação da Recorrente não pode ser contemplada neste domínio, porquanto, na data da entrada em vigor do diploma em apreço, não existia qualquer dívida de capital, não sendo a sua situação, por qualquer forma, contemplada pelo diploma em análise nos autos.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 14 de Julho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves