Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00222/19.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCEDIMENTO DE CONSULTA PRÉVIA, PROCESSO DE CONTENCIOSO PRÉ CONTRATUAL, ARTIGO 55º DO CCP
Sumário:I-A alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP não poderá ser percebida tendo em consideração apenas a sua literalidade, ou seja, para se verificar uma situação de impedimento não basta que exista uma qualquer situação de assessoria ou apoio técnico da qual resulte um mero risco de uma atuação desigual, pois é necessário, antes, que seja objeto da devida determinação do seu significado e do modo da sua aplicação, no sentido de se demonstrar a existência de uma concreta situação de desigualdade e posição de melhor valia da proposta do concorrente que assessorou ou prestou apoio na elaboração das peças do procedimento que compõem esse mesmo procedimento ao qual concorreu ou pretende concorrer;

I.1-a perceção da alínea i), n.º 1 do art.º 55º como uma proibição absoluta sem possibilidade de ponderação casuística restringiria o campo de obtenção de colaboração para as entidades adjudicantes dela necessitadas;

I.2-na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.

II-O artigo 55º do CCP estabelece e delineia um catálogo fechado de motivos suscetíveis de darem origem à exclusão dos concorrentes, pelo que aplicar-se como causa de exclusão o n.º 2 do artigo 16º da Lei 31/2009, resultaria contrário ao previsto no CCP. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R., Lda
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...) e outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
R., Lda., com sede na Rua (...), (...), Pessoa Coletiva n.º (...), Concorrente no Procedimento de Consulta Prévia para Aquisição de Serviços de “Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)” instaurou PROCESSO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL Contra o MUNICÍPIO DE (...), com sede na Praça (…), indicando como Contrainteressadas: C., Lda., com sede na Rua (...), (...), (...) e P., S.A., com sede na Alameda (…), (…), defendendo a procedência da acção e, em consequência, que deve a proposta da Contrainteressada C. ser declarada ilegal, por violação do CCP, e das peças do Programa do Concurso e, consequentemente que deve a mesma ser excluída do procedimento;
Em consequência deve ser anulada a decisão de adjudicação da proposta da Contrainteressada C., deve ser anulado o contrato de aquisição de serviços que eventualmente tenha sido celebrado entre o Réu e a Contrainteressada C., com fundamento na invalidade dos actos procedimentais que fundamentaram a sua celebração.
Pediu ainda a condenação do Réu a proferir uma decisão de adjudicação que recaia sobre a sua proposta.
Por decisão proferida pelo TAF de Viseu foi julgada improcedente a acção e absolvida dos pedidos a entidade Demandada.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, A Autora formulou as seguintes conclusões:
A. A sentença recorrida enferma de erro na fixação da matéria de facto e de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.
B. No artigo 17.° da Petição Inicial, a Recorrente alegou que a Contrainteressada e Adjudicatária "C. foi a autora do Projeto de Execução da obra a acompanhar e fiscalizar no âmbito do presente procedimento", acrescentando que este facto se encontrava referido na página 3 do Relatório Final do procedimento.
C. Tal facto foi expressamente admitido pelo Recorrido na Contestação quando afirmou o seguinte: "Encontra-se, ainda, inserido na plataforma como Anexo D e Anexo E, respetivamente, o projeto de execução da empreitada de "Reestruturação" (que foi elaborado pela C., Lda. há mais de 1 ano para o concurso de empreitada da obra pública "Reestruturação") e os elementos da proposta da entidade a quem foi adjudicada tal empreitada (...)" (sublinhado nosso).
D. Resulta da leitura da PI e da Contestação que estes dois factos, mais do que pertinentes, mostram-se essenciais para unia decisão sobre o mérito da causa.
E. O facto alegado pela Recorrente de que a Contrainteressada e Adjudicatária C. foi a autora do Projeto de Execução relativo à empreitada que lhe competia fiscalizar no âmbito do presente procedimento foi admitido expressamente pelo Recorrido.
F. Do mesmo modo foi alegado expressamente pelo Réu e não impugnado pela Recorrente, que o referido Projeto de Execução integrava as peças do procedimento como "Anexo D".
G. A não consideração destes factos na matéria provada constitui uma omissão relevante e que, naturalmente, tem efeitos diretos sobre a decisão do mérito da causa.
H. Assim, devem ser aduzidos à enunciação dos Factos Provados os seguintes factos:
· A Contrainteressada e Adjudicatária C., Lda. foi a autora do Projeto de Execução da empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)".
· O Projeto de Execução da empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)" integra as peças do procedimento, colocado em crise na presente ação, de "Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)" como Anexo D.
I. Acresce ainda que no artigo 18.° da PI a Recorrente alegou que o facto de a Contrainteressada C. ter tido uma intervenção direta na elaboração do Projeto de Execução da obra a fiscalizar, constitui um elemento essencial para a prestação dos serviços objeto do contrato.
J. Nos artigos 11.° a 13.° da PI, a Recorrente especifica que o objeto da prestação de serviços pela Contrainteressada C., concretiza-se na verificação do exato cumprimento do Projeto de Execução.
K. E, no pressuposto de que o autor do Projeto de Execução tem um conhecimento desse projeto mais aprofundado do que todos os restantes concorrentes, a Recorrente no artigo 19.° da PI conclui que este facto coloca a Contrainteressada C. numa posição de vantagem sobre todos os restantes concorrentes.
L. A Recorrida pretensamente impugna esta alegação de conflito de interesses através do disposto no capítulo B.2) do Relatório Final da Avaliação de Propostas.
M. Contudo, uma análise da fundamentação da PI e dos argumentos referidos no Relatório Final leva-nos a concluir que de facto o Recorrido não impugnou estes factos alegados pela Recorrente.
N. Efetivamente, o Recorrido relativamente à alegação da Recorrente de que o facto de ter elaborado o Projeto de Execução da empreitada, que constitui um elemento essencial para a prestação de serviços do presente procedimento, coloca a Contrainteressada C. numa posição de vantagem sobre todos os restantes concorrentes, limita-se a referir "que não é imputado à C. qualquer posição concreta de vantagem que pudesse falsear as condições normais de concorrência do procedimento em crise".
O. Pelo que deve ser também considerado como provado o seguinte facto alegado pela Recorrente:
· O facto de ter elaborado o projeto de execução da empreitada coloca a Adjudicatária C. numa posição de vantagem sobre todos os restantes concorrentes.
P. Nos artigos 23.° a 30.° da PI, a Recorrente fundamenta a existência de um conflito de interesses pelo facto de a Contrainteressada C., enquanto entidade responsável pela fiscalização, ter de se pronunciar sobre situações e propostas relacionadas com a modificação objetiva do contrato.
Q. E de a Contrainteressada C., por efeito de uma eventual necessidade de implementação de modificações objetivas do contrato, poder ser responsabilizada por eventuais erros de projeto que lhe sejam imputáveis enquanto autora do projeto.
R. Ora, a realidade é que tanto o Relatório Final do Júri do Procedimento, como a Contestação do Recorrido, como a sentença recorrida nada referem quanto ao conflito de interesses no exercício de poderes de fiscalização pela Contrainteressada C., limitando-se analisar este aspeto à luz do alegado no capítulo "iii. A impossibilidade legal da CGTA executar os serviços".
S. Nada referindo quanto à situação de a Contrainteressada ter de se pronunciar sobre os erros do projeto de que foi autora.
T. Pelo que os factos alegados pela recorrente nos artigos 24.°, 25.° e 26.° terão que se dar como provados, até porque os mesmos resultam dos poderes de fiscalização do dono da obra que seriam conferidos pelo Recorrido à Contrainteressada C..
U. Neste contexto, devem ser dados como provados os seguintes factos:
· De acordo com o disposto na Cláusula 19.a do Caderno de Encargos do procedimento é da responsabilidade do adjudicatário informar sobre a situação dos trabalhos complementares, apresentar respetiva proposta, bem como pareceres sobre propostas apresentadas pelo empreiteiro.
· O adjudicatário terá de se pronunciar sobre as situações de modificação objetiva do contrato, designadamente aquelas que resultem do suprimento de erros e omissões do Projeto de Execução da empreitada.
V. Acrescente-se que estes factos, ainda que pudessem eventualmente estar impugnados pelo Recorrido, o que não se verificou, resultam do disposto no Caderno de Encargos e ainda das disposições legais aplicáveis aos poderes de conformação da relação contratual do contraente público que este pode delegar em entidades terceiras.
W. Relativamente à impugnação da adjudicação pela Recorrente, refira-se que, embora não constem da enunciação dos Factos Provados, o Tribunal a quo admitiu expressamente que a Adjudicatária foi a autora do Projeto de Execução da empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)", cuja fiscalização constitui o objeto do presente procedimento para a aquisição de Serviços de "Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)".
X. E o Tribunal a quo admitiu ainda que o projeto de execução da empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)" faz parte integrante do procedimento de Consulta Prévia colocado em crise como Anexo D.
Y. Sobre esta questão, refira-se que o artigo 55.° do Código dos Contratos Públicos refere na alínea i) do n.° 1 que "Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: (... ) i) Tenham, a qualquer título, prestado, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento que lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência".
Z. Ora, da leitura da fundamentação da sentença recorrida mostra-se claro que o projeto de execução:
· Foi elaborado pela Adjudicatária C., e que
· O referido projeto de execução faz parte integrante das peças do procedimento colocado em crise pela Recorrente na presente ação integrada no Anexo D.
AA. No sentido de preencher todos os requisitos previstos na alínea i) do n.° 1 do artigo 55.°, no artigo 15.° da PI a Recorrente alegou que "o conhecimento das peças do projeto era essencial para a elaboração da proposta dos concorrentes".
BB. Acrescentando no artigo 16.° da PI que "a proposta a elaborar pelos concorrentes (...) apenas poderia ser elaborada através do conhecimento da empreitada a fiscalizar o qual apenas poderia ser obtido através do respetivo projeto de execução".
CC. Concluindo a Recorrente no artigo 19.° da PI que estas circunstâncias colocaram a Contrainteressada CIGA numa posição de vantagem sobre todos os restantes concorrentes, o que tal circunstância violou as condições normais da concorrência (artigo 20.° da PI).
DD. Quer isto dizer que em termos legais, na presente ação encontram-se preenchidos todos os requisitos previstos na citada alínea i) do n.° 1 do artigo 55.° do CCP, a saber:
· A concorrente Contrainteressada C. foi a autora do Projeto de Execução;
· O Projeto de Execução integrava as peças do procedimento no Anexo D;
· A Recorrente alegou que o conhecimento do Projeto de Execução era um elemento essencial para a elaboração da proposta pelos concorrentes, sem que tal facto fosse impugnado;
· A Recorrente alegou ainda que o facto de a Contrainteressada C. ter sido a autora do Projeto de Execução a colocou numa posição de especial vantagem no procedimento e que tal facto violou as condições normais de concorrência, sem que tal facto fosse impugnado.
EE. Estes factos referidos na sentença recorrida apenas podem ter como consequência legal o reconhecimento da verificação de um impedimento da Contrainteressada C. ser concorrente no presente procedimento de Consulta Prévia.
FF. Este impedimento é claro, objetivo e encontra-se expressamente previsto no CCP, não dependendo por isso, adicionalmente, da verificação da violação de quaisquer princípios da contratação pública.
GG. Restava por isso ao Tribunal a quo aplicar a Lei, como lhe competia, fazendo assim respeitar dois dos princípios fundamentais não apenas da contratação pública, mas de toda a atividade administrativa, o Princípio da Igualdade e o Princípio da Concorrência.
HH. É que, contrariamente à posição defendida pelo Recorrido, posição que foi acolhida pelo Tribunal a quo, o Princípio da Concorrência não assenta na circunstancia de haver muitos concorrentes, mas essencialmente na obrigatoriedade de os concorrentes estarem todos em situação de igualdade na elaboração das suas propostas.
II. Acrescente-se ainda que o artigo 55-A.° do CCP prevê a possibilidade de relevação de alguns dos impedimentos previstos no artigo 55.° n.° 1, concretamente no que se refere às alíneas d) e e) e ainda relativamente às alíneas b), c), g), h) ou 1).
JJ. No entanto, relativamente à alínea i), o legislador não prevê a possibilidade de qualquer avaliação ou ponderação da relevância dos impedimentos por parte do julgador.
KK. E a realidade é que a Contrainteressada C. efetivamente elaborou o Projeto de Execução que integra as peças do procedimento colocado em crise como Anexo D e que este facto a colocou em vantagem sobre os restantes concorrentes, considerando o conhecimento privilegiado que detinha de uma das peças essenciais do procedimento.
LL. Ao afirmar na sentença recorrida que o facto de a Contrainteressada C. ter elaborado uma das peças fundamentais que integram o do procedimento não lhe confere "uma concreta posição de vantagem que falseasse as condições normais de concorrência do procedimento de Consulta Prévia em crise" o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da matéria de facto e aplicação da lei.
MM. Podendo mesmo afirmar-se que, ao concluir que "não se verifica a alegada violação de lei invocada pela A., por não existir impedimento da C. nos termos da alínea i), do n.° 1 do artigo 55.° do CCP", o Tribunal a quo decidiu contra legem.
NN. Acresce que a Recorrente não pode deixar de manifestar a sua estupefação pela relevância dada pelo Tribunal a quo aos autores citados pelo Recorrido, em matéria sem relação com a presente ação e, do mesmo modo, à posição do InCI, por contraposição à forma como desvalorizou as recomendações do Tribunal de Contas sobre esta matéria em concreto.
OO. Do mesmo modo, a jurisprudência citada pelo Tribunal a quo, designadamente o Acórdão do STA de 12.03.2015, só numa interpretação muito extensiva poderia ser aplicada na presente ação, uma vez que o que está em causa nos presentes autos é a verificação de um impedimento legalmente previsto no CCP e não uma avaliação genérica da violação do Princípio da Concorrência.
PP. Ou seja, para o Tribunal a quo, parecem relevar as posições da doutrina que, numa interpretação forçada, podem ser eventualmente concordantes com a decisão impugnada, valendo até a posição sobre matérias paralelas manifestada pelo regulador, o InCI, mas desvaloriza-se de forma aligeirada a posição clara e concreta manifestada precisamente sobre a matéria dos autos pelo Tribunal de Contas, que é o órgão jurisdicional com a competência de fiscalizar a correta realização da despesa pública.
QQ. Deve por isso considera-se preenchidos, relativamente à Contrainteressada CTGF, os requisitos de impedimento previstos na alínea i) do n.° 1 do artigo 55.° do CCP.
RR. Acresce ainda que o n.° 1 do artigo 55.° prevê um outro impedimento, quando refere na alínea k) que "não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: k) Estejam abrangidas por conflitos de interesses que não possam ser eficazmente corrigidos por outras medidas menos gravosas que a exclusão".
SS. Ora, um dos poderes mais relevantes dos contraentes públicos, é o poder de conformação da relação contratual, previsto no artigo 302.° do CCP, salientando-se de entre estes o poder de "fiscalizar o modo de execução do contrato" previsto na alínea b) deste artigo.
TT. O n.°4 do artigo 305.° do CCP prevê que "as tarefas da fiscalização podem ser parcial ou totalmente delegadas em (...) entidades públicas ou privadas especializadas", acrescentando o n.° 5 do artigo 305.° que "à relação entre o contraente público e as entidades públicas ou privadas referidas no número anterior são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras próprias da delegação de poderes constantes do Código do Procedimento Administrativo".
UU. Nos termos do artigo 69.° n.° 1 alínea a) do CPA "(...) quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos: a) Quando nele tenham interesse (...)".
VV. Com base nas duas normas citadas, pode afirmar-se que ambas são taxativas na proibição de que alguém que esteja abrangido por um conflito de interesses tenha uma intervenção num contrato público, especialmente quando está em causa a Fiscalização que implica o exercício de poderes públicos delegados.
WW. Ora, conforme se alcança do artigo 1.° do Caderno de Encargos do Procedimento, este tem por objeto a aquisição de serviços de Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)".
XX. Encontra-se admitido na sentença recorrida que a Contrainteressada e Adjudicatária C. foi a autora do Projeto de Execução da empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)", cuja Fiscalização constitui o objeto do procedimento para a aquisição de Serviços de "Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)", colocado em crise nos presentes autos.
YY. Resulta do Caderno de Encargos, concretamente do disposto na Cláusula 19.ª, que uma das responsabilidades que recai sobre a Fiscalização é "informar sobre a situação dos trabalhos complementares, apresentar respetiva proposta, bem como pareceres sobre propostas apresentadas pelo empreiteiro".
ZZ. Os trabalhos complementares têm um regime de responsabilidade especifico previsto no artigo 378.° do CCP, referindo o n.° 6 deste artigo que ((caso os erros ou omissões decorram do incumprimento de obrigações assumidas por terceiros perante o dono da obra: a) Deve o dono da obra exercer obrigatoriamente o direito que lhe assiste de ser indemnizado por parte destes terceiros".
AAA. Ora isto significa que, sendo a Contrainteressada e Adjudicatária C. a autora do Projeto de Execução que nos termos do procedimento lhe compete fiscalizar, a C. deve pronunciar-se e informar sobre os trabalhos complementares que possam verificar-se no decorrer da empreitada e ainda sobre as propostas apresentadas pelo empreiteiro nesta matéria.
BBB. Neste contexto, a Contrainteressada C. enquanto Adjudicatária do procedimento aqui colocado em crise, terá de pronunciar-se sobre eventuais desconformidades ou erros e omissões do projeto de que é autora, que se verifiquem durante a execução da empreitada.
CCC. Sendo que subsiste a possibilidade de que esses erros e omissões possam ser da responsabilidade da Contrainteressada C. e que, consequentemente possa recair sobre a Contrainteressada a obrigação de indemnizar o Recorrido Município de (...) ou o empreiteiro pelos prejuízos resultantes dos erros e omissões do projeto.
DDD. Ora o facto de uma entidade em quem foram delegados os poderes públicos de Fiscalização do modo de execução de um contrato público ter de se pronunciar sobre questões sobre as quais pode vir a ser responsabilizada, consubstancia de forma clara um impedimento previsto no artigo 69.°n.° 1 alínea a) do CPA e, simultaneamente, uma situação de impedimento e conflito de interesses conforme previsto na alínea k) do n.° 1 do artigo 55.° do CCP.
EEE. Pelo que a C. está numa situação de conflito de interesses relativamente à execução de um conjunto de obrigações integradas no contrato de aquisição de serviços de Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) ­Subsistema de (...)".
FFF. Uma vez que a Contrainteressada C. é a autora do Projeto de Execução da empreitada de "Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) - Subsistema de (...)" e pode ser responsabilizada pelos erros de projeto que se venham a verificar no decurso da Fiscalização da empreitada.
GGG. Isto porque, conforme a Recorrente alega no artigo 39.° da PI, em termos práticos a Contrainteressada C. no âmbito da execução do contrato relativamente ao procedimento colocado em crise encontra-se também a fiscalizar as suas responsabilidades próprias enquanto Autora do Projeto de Execução, responsabilidade essa que lhe é atribuída pelo artigo 378.° do CCP.
HHH. O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo relativo ao processo n.°048035, de 01-10-2003, refere o seguinte:
I. "Em conformidade com o princípio da transparência, que constitui uma garantia preventiva da imparcialidade, os órgãos da Administração devem actuar por forma a darem de si mesma uma imagem de objectividade, isenção e equidistância dos interesses em presença, de modo a projectar para o exterior um sentimento de confiança.
II. É ilegal a adjudicação de uma empreitada para construção duma barragem feita a concorrente cuja proposta incluía um projecto-base da autoria da empresa que realizou para o dono da obra os estudos de preparação do próprio concurso (definição geral da obra, estimativa orçamental, peças escritas e desenhadas do caderno de encargos, etc). que é apresentada nessa proposta corno a responsável pela elaboração do projecto definitivo de execução, e que, já depois de aberto o concurso, face a pedidos de esclarecimento de alguns concorrentes, interveio a solicitação do dono da obra para corrigir erros em peças do concurso.
III. Nessas circunstâncias, releva o simples perigo ou risco um comportamento de favor, não sendo necessária a demonstração de que se verificou, em concreto, uma actuação parcial com reflexos no acto de adjudicação - sem prejuízo de os recorridos fazerem a prova de que o resultado decisório do concurso seria inelutavelmente esse" (sublinhado nosso)".
III. Ou seja, na avaliação do STA, a participação de uma empresa na elaboração de um "projeto base" (refira-se que em termos de detalhe o projeto base é bastante inferior ao projeto de execução), constitui um impedimento à adjudicação da execução da empreitada ao concorrente que elaborou o referido projeto base.
JJJ. Mas o STA acrescenta ainda que a avaliação deste impedimento se faz com base em critérios objetivos, não estando em causa a avaliação em concreto dessa intervenção, nem a demonstração de uma atuação parcial com efeitos sobre a adjudicação.
KKK. A posição do STA não pode merecer qualquer reparo uma vez que a verificação de qualquer impedimento tem de assentar numa análise factual e objetiva e não em critérios subjetivos que avaliem o eventual comportamento do agente.
LLL. E muito menos se pode aceitar que o Tribunal a quo admitindo que existe um impedimento concreto no exercício da Fiscalização, releve este impedimento pelo facto de a Fiscalização ser apenas uma das componentes (porventura será a mais importante) do contrato.
MMM. Finalmente, nos termos da cláusula 23.ado Caderno de Encargos, a equipa de Fiscalização a constituir pelo Adjudicatário deve incluir um Diretor de Fiscalização, pelo que recai sobre a Contrainteressada C. a obrigação de nomear um Diretor de Fiscalização.
NNN. Sobre esta questão salientamos os seguintes artigos que a Contrainteressada e o Recorrido têm obrigatoriamente que respeitar: a alínea a) do artigo 3.° da Lei n.°31/2009, de 3 de julho, define por "«Assistência técnica», os serviços a prestar pelo autor de projeto ao dono da obra, ou seu representante, sem prejuízo do cumprimento de outras obrigações legais ou contratuais que lhe incumbam, que visam, designadamente, o esclarecimento de dúvidas de interpretação do projeto e das suas peças, a prestação de informações e esclarecimentos a concorrentes e empreiteiro, exclusivamente através do dono da obra, e ainda o apoio ao dono da obra na apreciação e comparação de soluções, documentos técnicos e propostas".
OOO. A alínea f) do citado artigo 3.° que define como "«Diretor de fiscalização de obra», o técnico, habilitado nos termos da presente lei, a quem incumbe assegurar a verificação da execução da obra em conformidade com o projeto de execução (... ) e ainda o desempenho das competências previstas no Código dos Contratos Públicos, em sede de obra pública;
PPP. A alínea d) do artigo 16.° da Lei n° 31/2009 que refere que o Diretor de Fiscalização deve "Requerer, sempre que tal seja necessário para assegurar a conformidade da obra que executa ao projeto de execução ou ao cumprimento das normas legais ou regulamentares em vigor, a assistência técnica ao coordenador de projeto com intervenção dos autores de projeto, ficando também obrigado a proceder ao registo desse facto e das respetivas circunstâncias no livro de obra, bem como das solicitações de assistência técnica que tenham sido efetuadas pelo diretor de obra".
QQQ. A alínea d) do artigo 14.°, que refere que esta obrigação de requerer a intervenção do projetista na execução da empreitada recai também sobre o Diretor de Obra.
RRR. Com base neste enquadramento jurídico e contratual, verifica-se que a Contrainteressada C., enquanto autora do Projeto de Execução encontra-se obrigada a prestar Assistência Técnica ao projeto durante a fase de execução da obra sempre que tal lhe for solicitado pelo Diretor de Fiscalização ou pelo Diretor de Obra.
SSS. Se a Contrainteressada C. está obrigada a prestar assistência ao projeto em obra, temos de concluir que, enquanto autora do Projeto de Execução e no cumprimento das suas obrigações de prestação de Assistência Técnica ao projeto, a Contrainteressada C. tem intervenção na execução da empreitada.
TTT. Ora, o n.° 2 do artigo 16.° da Lei n.° 31/2009, vem estabelecer mais um impedimento que recai sobre a Contrainteressada C., na medida em que refere que "não pode exercer funções como diretor de fiscalização de obra qualquer pessoa que integre o quadro de pessoal da empresa responsável pela execução da obra ou de qualquer outra empresa que tenha intervenção na execução da obra".
UUU. Ou seja, nenhum elemento que integre o quadro de pessoal da Contrainteressada C. pode ser nomeado Diretor de Fiscalização, na medida em que a C. enquanto projetista e no âmbito das obrigações de Assistência Técnica ao projeto, tem intervenção na execução da obra estando por isso impedida de executar a aquisição de serviços adjudicada.
VVV. Sendo absolutamente incompreensível e inaceitável a fundamentação da sentença recorrida para desvalorizar este impedimento de que estamos "apenas" perante uma contraordenação da responsabilidade do IMPIC, como se o Recorrido pudesse aceitar a nomeação de um Diretor de Fiscalização em violação de lei expressa.
WWW. Pelo contrário, estamos perante um impedimento legal e objetivo, que vincula o Recorrido e a Contrainteressada CAGA com o objetivo de afastar eventuais conflitos de interesses entre a Fiscalização da Obra e o Projetista.
XXX. Finalmente, a Recorrente não poderia de uma vez mais citar as decisões do Tribunal de Contas, sob cuja jurisdição o Município se encontra, que no Relatório de Auditoria 5/2004, refere a propósito da acumulação da qualidade de autora do projeto e de entidade fiscalizadora da empreitada, como Recomendação à entidade auditada que esta "deverá, ainda, implementar a separação absoluta entre a elaboração dos projetos de empreitadas e a respetiva fiscalização" .
YYY. E ainda a posição do Tribunal de Contas, referida no Relatório de Auditoria n.° 36/2005, também a propósito da intervenção de um autor do projeto como entidade fiscalizadora refere que "apesar da especialização e experiência acumulada da F., observaram-se algumas deficiências nas prestações de serviços, verificando-se também que a concentração de funções de projetista, entidade fiscalizadora da execução e gestora dos processos administrativos e de controlo não contribuiu para uma maior evidência dessas deficiências nem para a responsabilização dos intervenientes" (sublinhado nosso).
ZZZ. Face à letra da lei mostra-se claro que a confusão entre entidade fiscalizadora e entidade autora do projeto constitui não apenas uma violação dos princípios da concorrência e da igualdade, mas traduz igualmente uma situação de conflito de interesses, para além de violar as recomendações do Tribunal de Contas, em termos de implementação de medidas de boa gestão pública, de correta realização de despesa pública e da defesa do interesse público.
AAAA. Ao concluir pela improcedência do pedido formulado pela Recorrente, a sentença recorrida violou, nomeadamente, as disposições contidas nas alíneas i) e k) do artigo 55.° do Código dos Contratos Públicos e o n.° 2 do artigo 16.° da Lei n.° 31/2009, de 3 de julho.
Termos em que,
Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida e proferida Acórdão que julgue a ação procedente, excluindo do procedimento a proposta da Contrainteressada C., Lda., anulando a decisão de adjudicação a esta proposta proferida pelo Recorrido e proferindo uma decisão de adjudicação da proposta da Recorrente, assim se fazendo
JUSTIÇA.
O Réu/Município juntou contra-alegações, concluindo:
A. A sentença recorrida não merece qualquer censura por ter feito uma correta decomposição legal do caso concreto, assim como uma irrepreensível subsunção dos factos provados ao normativo legal aplicável, sendo de concluir pela não revogação da douta decisão que julgou improcedente a ação de contencioso pré-contratual, absolvendo o Réu, ora Recorrido, dos pedidos formulados pela Autora.
B. Vem a Recorrente, no seu recurso, mais uma vez alegar com o já expendido em sede de 1.ª instância, numa tentativa vã de imputar à douta sentença recorrida erros na fixação da matéria de facto e de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, que não ocorrem.
C. O alegado pela Recorrente para fundamentar o seu pedido e, bem assim, o recurso ora apresentado, demonstra-se desprovido de fundamentação de facto e de direito, o que foi demonstrado pela douta sentença recorrida. Vejamos,
D. Nos presentes autos, a Recorrente veio colocar em crise o concurso público de consulta prévia para aquisição de serviços de fiscalização, gestão de qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança – adjudicada à contrainteressada C. –, serviços esses que incidem sobre a empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...)-Subsistema de (...) – adjudicada à , S.A.
E. Continua a Recorrente a insistir na ideia que a contrainteressada C. vai executar o mencionado projeto de execução da empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) – Subsistema de (...) (doravante apenas Reestruturação), o que mais não é que totalmente errado.
F. A empreitada de Reestruturação, tal como decorre do facto provado em 12), foi adjudicada à A., S.A., sendo que o mencionado projeto de execução foi uma das peças do procedimento desse procedimento de empreitada (art.º 40º, n.º 1, al. c) e n.º 1 do art.º 43º do CCP) e não do procedimento de consulta prévia em crise (art.º 40º, n.º 1, al. b) do CCP).
G. As peças do procedimento que compõem a Consulta Prévia em crise são o Convite (fls. 22 a 32 do PA) e o Caderno de Encargos (fls. 33 a 41 do PA), os quais foram elaborados pelo ora Recorrido e não foram do conhecimento prévio de qualquer entidade, muito menos da contrainteressada C., não tendo essa entidade ou qualquer outra conhecimento prévio acerca das características estruturais e funcionais da prestação de serviço em causa nos presentes autos, e que estão especificadas nas Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos (Cláusulas 17.ª e seguintes – fls. 38 e ss do PA), as quais definem todos os aspetos da execução do contrato, apenas submetendo à concorrência o aspeto avaliação do preço, como previsto no ponto 19.1 do Convite (fls. 27 do PA).
H. O mencionado projeto de execução não constituiu aspeto da execução do contrato pretendido celebrar na decorrência do procedimento em crise, nem constituiu atributo das propostas apresentadas nesse procedimento, por não ter sido critério, aspeto ou fator de avaliação/ponderação considerado pela entidade adjudicante, tendo apenas sido inserido na plataforma de contratação pública como referência orientadora sobre a obra adjudicada à A., S.A., pelo que o conhecimento de tal projeto não se configura(va) essencial para a elaboração das propostas dos convidados, uma vez que o caderno de encargos já definia todos os aspetos da execução do contrato.
I. Ao contrário do que alega a Recorrente, em lado algum da sentença recorrida é referido que o mencionado projeto de execução faz parte integrante das peças do procedimento de consulta prévia em crise. Veja-se o que fundamenta a douta sentença recorrida a págs. 14 e 15.
J. Não tem qualquer aplicabilidade o Acórdão do STA de 01/10/2003, proferido no âmbito do Proc. n.º 048035, invocado pela Recorrente, porquanto, para além de ter sido proferido à luz do DL n.º 55/99, 02/03, refere-se a questão controvertida resultante de ser sido adjudicada uma empreitada para construção de barragem a concorrente que elaborou os estudos de preparação do próprio concurso a que concorreu e ganhou. O que nada tem de idêntico ao caso dos autos: a contrainteressada C. não elaborou qualquer estudo de preparação do próprio concurso a que foi convidada e ganhou.
K. A alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP não poderá ser percebida tendo em consideração apenas a sua literalidade, ou seja, para se verificar uma situação de impedimento não basta que exista uma qualquer situação de assessoria ou apoio técnico da qual resulte um mero risco de uma atuação desigual, pois é necessário, antes, que seja objeto da devida determinação do seu significado e do modo da sua aplicação, no sentido de se demonstrar a existência de uma concreta situação de desigualdade e posição de melhor valia da proposta do concorrente que assessorou ou prestou apoio na elaboração das peças do procedimento que compõem esse mesmo procedimento ao qual concorreu ou pretende concorrer.
L. A perceção da alínea i), n.º 1 do art.º 55º como uma proibição absoluta sem possibilidade de ponderação casuística restringiria o campo de obtenção de colaboração para as entidades adjudicantes dela necessitadas, como refere Margarida Olazabal Cabral (pág. 169-170 do “O artigo 55.º, alínea j) do Código dos Contratos Públicos: mais vale ser do que parecer”, na Revista dos Contratos Públicos, N.º 1), sob pena de coartar a atividade desenvolvida por entidades que possuem diversas valências, em particular nos domínios da arquitetura e da engenharia, reduzindo drasticamente o seu âmbito de intervenção no processo em que são especializadas, sem qualquer vantagem para o interesse público, pelo que se percebe mais vantajoso sob o ponto de vista da qualidade do serviço e da responsabilização, como aliás refere o InCI (pág. 189 do Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado, 2015, 5.ª Edição, Almedina, do Autor Jorge Andrade da Silva, em anotação à alínea j) do n.º 1 do art.º 55º do CCP).
M. Estes entendimentos seguem o sentido firmado pelo direito e jurisprudência comunitária (cfr. Ac. Fabricom do TJUE, de 03.03.2005, Procs. n.ºs C-21/03 e C-34/03; Ac. Deloitte Business Advisory do TJUE, Proc. n.º T-195/05; Ac. Serrantoni do TJUE, Proc. n.º C-376/08) – ou não fosse o DL n.º 18/2008, de 29/01 fruto da transposição de várias diretivas comunitárias – e, bem assim, o direito e jurisprudência portuguesa, salientando-se os Acórdãos do STA de 11/01/2009 (proc. n.º 851/10) e de 12/03/2015 (proc. n.º 01469/14), e os Acórdãos do TCAS de 30/09/2010 (proc. n.º 651/10) e de 03/02/2011 (proc. n.º 6545/10), que perfilham uma solução de apreciação casuística da alínea i), n.º 1 do art.º 55º do CCP.
N. O Ac. do STA de 12/03/2015, proc. n.º 01469/14, possui e elenca referências, pressupostos e considerandos que servem de apoio e sustentação à situação dos autos e encontro da solução jurídica do presente litígio, pondo em evidência particularidades que devem ser tidas em linha de conta na apreciação e julgamento deste tipo de matérias, no sentido de que “só perante as circunstâncias concretas do caso se deverá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo fundar-se o juízo neste sentido em mera presunção decorrente daquele melhor conhecimento da obra (…).”, fundamentando nos seguintes termos: “Relativamente à questão da automaticidade da aplicação da alínea j) do artigo 55.º, [atual alínea i) do n.º 1 do art.º 55º] não há como refutar que era criticada, mas não negada por alguma doutrina, que nela reconhecia uma clara opção legislativa, não muito consentânea com o que lhes parecia ser a orientação do TJUE, e, de todo o modo, com a qual não concordavam inteiramente. Em particular quando aplicável à situação tipificada na alínea j) (vide Margarida Olazabal Cabral, “O artigo 55.º, alínea j), do Código dos Contratos Públicos: mais vale ser do que parecer”, in Revista dos Contratos Públicos, n.º 1, Janeiro-Abril 2011, pp. 128 e ss), e, de igual forma, a outras situações igualmente ricas e complexas, como aquela em que se verifica a participação simultânea de empresas em relação de grupo no mesmo procedimento adjudicatório (Rodrigo Esteves de Oliveira, “Os princípios gerais”, cit., pp. 98-9), riqueza e complexidade a justificar porventura um tratamento casuístico dos vários casos que se vão surgindo. // Independentemente do mérito ou demérito das críticas, o que é importante agora afirmar é que, pelo menos até 2012, o teor do artigo 55.º, alínea j), apontava claramente para a sua operatividade automática (“Também por essa desconfiança o legislador terá optado por ser ele mesmo a estabelecer uma regra ‘cega’ de proibição, sem abertura aparente às circunstâncias concretas do caso”; “Ou seja, ao contrário da solução constante do artigo 55.º, alínea j), do CCP, que, literalmente, configura um impedimento automático, para o qual é suficiente a prova da assessoria ou apoio técnico, a solução constante da jurisprudência comunitária assenta numa espécie de inversão do ónus da prova e num procedimento contraditório: à entidade adjudicante ou aos outros concorrentes cabe demonstrar o facto da assessoria ou do apoio técnico, ao concorrente a quem é imputado tal facto cabe, por sua vez, demonstrar, em incidente procedimental, que «nas circunstâncias do caso concreto, a experiência [que adquiriu] não pode ter falseado a concorrência”; respectivamente, Margarida Olazabal Cabral, ob. cit., p. 133, e Rodrigo Esteves de Oliveira,
“Os princípios gerais”, cit., p. 98). // (…) // O legislador nacional, porventura sensível a essas críticas doutrinais e a uma certa orientação jurisprudencial que se estava a firmar, veio, através do DL n.º 149/2012, de 12 de Julho, aditar o inciso final que actualmente consta da alínea j) do artigo 55.º: “que lhes confira vantagem que falseie as condições normais da concorrência”. Este acrescento, que aponta no sentido da quebra do automatismo da aplicação desta alínea. Só é possível considerar impedido um candidato ou concorrente se a situação suspeita permitir um juízo positivo de que, por via dela, está constituído numa situação de vantagem relativamente ao universo de concorrentes potenciais que falseie as condições normais da concorrência. Exigência que, colocando-se para a situação típica expressamente prevista, obriga a um escrutínio ainda mais severo quando no impedimento se pretender fazer caber situações de informação privilegiada lícita não expressamente contempladas. O que justifica a analogia é a necessidade de prevenir, na situação não prevista, os mesmos resultados lesivos para os princípios fundamentais do acesso aos mercados públicos que ditou a previsão legislativa. O ónus da argumentação e prova da ocorrência da lesão ou perigo de lesão para esses bens protegidos é aqui particularmente intenso.
O. Sem prejuízo da consideração de que contrainteressada C. não elaborou qualquer estudo de preparação/peças do procedimento do concurso em crise, atente-se no que diz Pedro Daniel S. N. Inês, “Os Princípios da Contratação Pública: O Princípio da Concorrência”, in CEDIPRE Online n. º 34, pág. 90 e seguintes: “Importa sublinhar que no âmbito da garantia da Imparcialidade, o que está em causa é prevenir situações de risco de atuações parciais da administração no procedimento, visando que este seja transparente e salvaguarde a Igualdade de Tratamento de todos os concorrentes (cfr. art.º 9.º e 69.º do CPA). // Já uma interpretação que salvaguarde o valor da concorrência (máxima concorrência possível), tenderá a permitir a participação, exceto se se provar a existência de uma situação de vantagem que falseie as condições de igualdade entre concorrentes. // Neste sentido, alega-se que a proibição, em qualquer circunstância, que a pessoa que efetuou certos trabalhos preparatórios participe em procedimentos adjudicatórios é manifestamente desproporcionada. // Nestes casos, a Igualdade de Tratamento entre os operadores económicos encontra-se salvaguardada, desde que exista um processo em que se aprecie, casuística e concretamente, se o facto de efetuar determinados trabalhos preparatórios conferiu à pessoa que prestou assessoria na elaboração das peças, uma vantagem competitiva em relação aos restantes concorrentes, configurando-se como uma medida menos restritiva e mais adequada e necessária aos fins que as normas da contratação pública visam assegurar, designadamente a igualdade concorrencial. // Somos da opinião, salvo o devido respeito, que esta segunda via se afigura como a mais equilibrada, ponderando todos os interesses em questão, na medida em que exclui situações em que as pessoas que participaram nos trabalhos preparatórios, fiquem automaticamente excluídas do procedimento, sem que lhes seja dada a oportunidade de demonstrarem, casuisticamente, que, nas circunstâncias do caso concreto, a sua participação e a experiência por ela adquirida, não constitui qualquer risco para falsear a concorrência entre os concorrentes. // Tal interpretação vai na linha da conclusão retirada do Ac. La Cascina do TJUE (Proc. n.º C-226/04), em que o Tribunal esclarece de modo inequívoco, que o legislador comunitário somente impede os legisladores dos EM´s de criar novas causas de exclusão no que concerne à honestidade profissional, à solvabilidade ou à fiabilidade. Nos restantes casos, como a situação em estudo, concedeu considerável margem de manobra aos EM´s que podem furtar-se à aplicação dessas causas de exclusão, optando pela mais ampla participação nos processos de adjudicação. // Em suma, ao contrário do entendimento da maioria da jurisprudência portuguesa ao tempo (v.g., Ac. STA, 09.04.2002, Proc. 48035 e Ac. TCAN, 16.11.2006, Proc. 545/05.6) que entendia que, nestes casos, a solução mais conforme aos princípios da igualdade, transparência e imparcialidade, seria a da exclusão automática e imediata), o TJUE entendeu que, nestes casos apenas há motivo para impedimento se conferir ao operador económico uma “vantagem competitiva” que falseie as condições normais da concorrência (entendimento em conformidade com o plasmado no art.º 55.º j) do CCP). // Ou seja, entendeu-se pugnar por uma não exclusão imediata e automática da proposta da pessoa do assessor que auxiliou a entidade adjudicante na elaboração das peças, não se aplicando, sem mais, no caso português o art.º 55.º/j) do CCP e no caso do Direito Comunitário, o art.º 57.º/4 f) da Diretiva “clássica”. Deve, pois, ser dada a oportunidade a essa pessoa, de provar que não tinha sido privilegiado, de demonstrar que não retirou “vantagens competitivas/ilegítimas”, mas apenas uma colaboração avulsa, de provar que, no caso concreto, a experiência acumulada não conduziria a falsear a concorrência. // (…) // Deste modo, quando o critério de adjudicação for o preço, devemos optar por um entendimento mais favorável ao Princípio da Concorrência, da Igualdade de Tratamento (não discriminação) e da Transparência (…) através da inversão do ónus da prova, excluindo-se uma proibição absoluta.
P. Neste sentido, veja-se a declaração a que se refere a alínea a), n.º 1 do art.º 81.º do CCP que a contrainteressada C. veio apresentar no procedimento de Consulta Prévia, junta a fls. 46 e verso do PA.
Q. Pelo que, como fundamenta a douta sentença recorrida, a pág. 16, quanto ao alegado vício de violação de lei por impedimento da CGTA nos termos da alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP: “(…) a Autora nada invoca de factual que impute à C. uma concreta posição de vantagem que falseasse as condições normais de concorrência do procedimento de Consulta Prévia em crise, não bastando uma mera alegação nos moldes em que a A o faz. Pelo que, não se verifica a alegada violação de lei invocada pela A, por não existir impedimento da C. nos termos da alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP.
R. E, dizer como alega a Recorrente na sua conclusão OO) é deitar por terra a posição que tanto assevera nos presentes autos, pois está a admitir que o princípio da concorrência não se mostra violado – que não está –, o que equivale a dizer que não existe qualquer impedimento nos termos da alínea i), n.º 1 do art.º 55º.
S. Quanto ao alegado vício de violação de lei por conflito de interesses da CGTA nos termos da alínea k), do n.º 1 do art.º 55º, fundamenta a douta sentença recorrida (vd. pág. 19) que, tendo em presença o conceito de conflito de interesses definido no art.º 1º-A, n.ºs 3 e 4 do CCP: “(…), verifica-se que a C. não é dirigente ou trabalhador do Município, nem é prestador de serviço que aja em nome do Município e que tenha participado na preparação e condução do procedimento de Consulta Prévia, ou que pudesse influenciar os resultados do mesmo, ou que tivesse, direta ou indiretamente, um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a imparcialidade e independência do Município no contexto do referido procedimento, nada sendo invocado pela Autora que assim sustente. // Pelo que, não se verifica qualquer conflito de interesses, porquanto o conflito de interesse a que se refere a alínea k) do n.º 1 do art.º 55º do CCP não tem qualquer conjugação com o art.º 378º do CCP, pois são planos distintos.
T. Veja-se, igualmente, a definição de conflito de interesses dada pela Diretiva 2014/24/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014, no seu art.º 24º, segunda parte: “O conceito de conflito de interesses engloba, no mínimo, qualquer situação em que os membros do pessoal da autoridade adjudicante ou de um prestador de serviços que age em nome da autoridade adjudicante, que participem na condução do procedimento de contratação ou que possam influenciar os resultados do mesmo, têm direta ou indiretamente um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a sua imparcialidade e independência no contexto do procedimento de adjudicação”.
U. O sentido do que é um conflito de interesses no âmbito da contratação pública surge igualmente referenciada no considerando 16 da Diretiva 2014/24/EU, o qual induz uma intenção de alertar as entidades adjudicantes para os conflitos de interesses, de modo a que sejam evitadas distorções nos procedimentos de contratação pública, devendo para isso recorrer aos meios possíveis de que disponham na legislação nacional, como os que já resultam do art.º 69º e ss. do CPA, assim como em matéria de obrigações declarativas e de comunicação dos membros do júri e demais intervenientes no processo de avaliação de propostas, designadamente peritos, de acordo com o previsto art.º 67º, n.º 5 do CCP e do anexo XIII ao CCP, o que foi feito no procedimento em crise (vd. fls. 16 a 20 do PA).
V. Tal como constatou a douta sentença recorrida, a Recorrente nunca concretizou, de facto, em que medida é que a contrainteressada C. poderia estar numa posição que lhe conferisse vantagem sobre os restantes convidados, pois todos tiveram o mesmo prazo para elaborar e apresentar as respetivas propostas e, bem assim, para analisar as peças do procedimento que compõem a Consulta Prévia em crise, o Convite (fls. 22 a 32 do PA) e o Caderno de Encargos (fls. 33 a 41 do PA), peças que definem todos os aspetos da execução do contrato, apenas submetendo à concorrência o aspeto avaliação do preço, como previsto no ponto 19.1 do Convite (fls. 27 do PA).
W. Labora em erro a Recorrente com o alegado nas conclusões SS), TT) e UU), uma vez que no procedimento contratual em crise não está em causa um procedimento de delegação de poderes (à luz do art.º 305º, n.º 4 do CCP), porquanto este rege-se e constitui-se nos termos previstos no CPA (art.º 44º a 50º do CPA) e não mediante um procedimento concursal regulado pelo CCP. Ou seja,
X. Não está em causa um procedimento com vista à emissão de um ato administrativo de delegação de poderes decisórios, mas antes um procedimento com vista à celebração de um contrato administrativo (de aquisição de serviços), tratando-se de planos/procedimentos distintos: i) numa delegação de poderes, de acordo com o n.º 5 do art.º 44º do CPA, o delegado assume a posição de delegante, agindo como tal no que concerne ao poderes que lhe forem delegados, existindo equiparação das posições e respetivas decisões tomadas, sendo que a delegação de poderes dá-se por ato e vontade da entidade delegante (art.º 44º, n.º 1 do CPA), não se lhe aplicando os princípios que regem a contratação pública, nomeadamente os princípios da concorrência e igualdade de tratamento, na formação do ato de “seleção” da pessoa/órgão sobre quem irão ser delegados poderes; ii) num procedimento concursal e subsequente contrato celebrado, estamos perante um procedimento que se inicia com uma decisão de contratar e inerente autorização de despesa (art.º 36º do CCP), com vista à constituição de uma relação entre quem manda fazer e quem faz, mediante uma contraprestação, onde existe o exercício de prerrogativas de autoridade por parte de quem manda fazer no confronto com quem faz, com planos de responsabilidade e responsabilização diferentes, configurando uma situação regulada por princípios da contratação pública, nomeadamente os princípios da concorrência e igualdade de tratamento.
Y. No procedimento em crise, a contrainteressada C. não se encontra no exercício de poderes públicos, não tendo qualquer intervenção na instrução do procedimento concursal em crise, nem na tomada da decisão impugnada, e nem se encontrará no exercício de poderes públicos no contrato celebrado na sequência do procedimento em crise.
Z. Invoca a Recorrente, ainda, para fundamentar a existência de uma situação de conflito de interesse nos termos da alínea k) do n.º 1 do art.º 55º, o art.º 378º do CCP (vd. conclusão ZZ) do recurso da Recorrente). Contudo, tais normativos não têm conjugação entre si.
AA. Na situação hipotética – por isso, incerta e abstrata – de serem detetados erros ou omissões na empreitada de obras públicas de Reestruturação e, consequente, exista a necessidade de trabalhos complementares, o plano de responsabilização é diferenciada consoante quem os tenha cometido. E, caso existam erros ou omissões que decorram do incumprimento de obrigações de conceção assumidas por terceiros perante o dono da obra Município, o plano de responsabilização é de cariz indemnizatório, cujo direito assistirá ao dono da obra e ao empreiteiro, que ficará subrogado no direito que o dono da obra tenha para com esse terceiro, sendo da responsabilidade do dono obra, e não desse terceiro, a realização dos trabalhos complementares consequentes. O que nada tem a ver com qualquer conflito de interesses!
BB. Esse art.º 378º do CCP refere-se, também, a situações em que o empreiteiro tem obrigação de elaborar o projeto de execução, e a consequente responsabilidade que daí advém. O que nada tem a ver com o caso dos autos.
CC. Quanto ao alegado vício de violação de lei por a C. estar em situação de impossibilidade legal de executar os serviços, com fundamento n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, de 03/07, veja-se a fundamentação da douta sentença recorrida a págs. 21 a 23.
DD. O art.º 55º do CCP estabelece e delineia um catálogo fechado de motivos suscetíveis de darem origem à exclusão dos concorrentes, pelo que aplicar-se como causa de exclusão o n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, resultaria contrário ao previsto no CCP.
EE. Quando o n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, de 03/07 menciona que “qualquer outra empresa que tenha intervenção na execução da obra (…).” refere-se a subempreitadas ou casos de cessão da posição contratual, pois serão as empresas nessas concretas posições que terão intervenção na execução da obra, por assumirem uma posição de empreiteiro na realização dos trabalhos em obra.
FF. Quanto aos relatórios de auditoria do Tribunal de Contas novamente citados pela Recorrente, pronunciou-se o tribunal a quo nos seguintes termos: “as recomendações formuladas pelo Tribunal de Contas invocadas pela Autora, apenas têm aplicabilidade a esses casos concretos, analisando concretas situações contratuais objeto de auditoria que teve por finalidade a verificação da gestão financeira, acompanhamento e controlo da execução de contratos adjudicados a empresa totalmente participada pela entidade pública adjudicante, e aos quais foram apontadas deficiências e ineficiências na execução contratual não tendo, portanto, força legal aplicável a outros casos por serem proferidas em consideração às concretas circunstâncias financeiras e de controlo da execução contratual desses casos concretos, visando uma maior eficiência e eficácia na execução desses contratos e não de outros.
GG. Bem andou a douta sentença recorrida ao ter decidido da forma como fez, pois nenhum outro resultado se impunha, não padecendo, portanto, de qualquer erro que lhe vem imputada pelo Recorrente.
Termos em que, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por nenhuma censura merecer, com o que se fará JUSTIÇA.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1) O MUNICÍPIO DE (...) lançou um procedimento de Consulta Prévia para contratação da Aquisição de Serviços de “Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) – Subsistema de (...) – cfr. pa.
2) A sociedade R., Lda. apresentou uma proposta no referido concurso, a qual no Relatório Final ficou ordenada em segundo lugar.
3) Apresentaram propostas no Concurso os seguintes Concorrentes:
a) C. –, Lda.
b) P, S.A.
c) R., Lda.
4) O Júri do Concurso propôs a admissão das propostas de todos os concorrentes.
5) A Autora exerceu o direito de audiência prévia, defendendo a exclusão da proposta da Concorrente C..
6) Resulta do Relatório Final que o Júri do Procedimento procedeu à ordenação das propostas e propôs a adjudicação da aquisição de serviços à proposta da agora Contrainteressada C.
, Lda. – cfr. doc n.º 1 e pa.
7) Tendo o Município no seguimento daquela proposta, adjudicado a aquisição de serviços à proposta da Contrainteressada C. , Lda. - conforme comunicação que se junta como doc. n.º 2 e pa.
8) O Relatório Final do júri foi presente a reunião ordinária de Câmara Municipal realizada em 29/04/2019 (fls. 250 e verso do PA), tendo aquele Relatório Final e decisão de adjudicação sido notificados às convidadas do procedimento de Consulta Prévia em 06/05/2019, através da plataforma electrónica de tramitação do procedimento (fls. verso 278).
9) A minuta do contrato foi aprovada e disponibilizada em 29/05/2019 (vd. última entrada do fluxo do procedimento da plataforma AGINGOV – fls. 279 do PA).
10) À data da citação do Réu para os termos da presente ação (considerou-se citado em 13/06/2019, data da assinatura do aviso de receção), o contrato não havia sido outorgado.
11) O ajuste direto adjudicado, em 06/11/2017, à C. , Lda (doravante apenas C.) teve por objecto a Aquisição de Serviço para Elaboração da Análise de Custo - Benefício e Estudo de Viabilidade Financeira no Âmbito da Candidatura Apresentar ao Aviso 12-2017-26 (publicado em 21-11-2017 no site base.gov).
12) O contrato celebrado com a empresa A., SA (publicado em 14-01-2019 no site base.gov, com contrato celebrado em 22/11/2018 – Contrato n.º 7-EOP/2018), cujo procedimento de empreitada de obras públicas foi aberto por Anúncio n.º 1439/2018, publicado em Diário da República, II Série, n.º 52, de 14/03/2018, tem por objeto a execução da empreitada de Restruturação dos sistemas de tratamento de águas residuais do concelho de (...) – Subsistema de (...), co-financiada através do POSEUR (POSEUR-03-2012-FC-000789).
O Tribunal esclareceu: Todos os factos, com interesse para a decisão da causa, constantes do presente processo, foram objecto de análise concreta, sendo que a convição do tribunal, quanto aos factos provados, se formou com base no teor dos documentos juntos aos autos pelas partes e do processo administrativo, bem como pelo confronto das posições das partes assumidas nos respetivos articulados, não se provando os que não constam da factualidade descrita.

DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que não acolheu a leitura da Autora.
Na óptica desta, aqui Recorrente, ela padece de erro de julgamento de facto e de direito.
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, atente-se no seu discurso fundamentador:
Na presente ação peticiona a Autora, que i) a proposta da contrainteressada C. seja declarada ilegal, com fundamento em violação do CCP e das peças do Programa do Concurso e, consequentemente, seja aquela excluída do procedimento; ii) e seja anulada a decisão de adjudicação da proposta da contrainteressada C.; iii) e seja anulado o contrato de aquisição de serviços que eventualmente tenha sido celebrado entre o Réu a contrainteressada C., com fundamento na invalidade dos autos procedimentais que fundamentaram a sua celebração; iv) e seja o Réu condenado a proferir decisão de adjudicação que recai sobre a proposta da Autora R..

Para o efeito, alega a autora que a decisão de adjudicação enferma de vícios que determinam a exclusão da contrainteressada CGTA e o relatório do Júri do Procedimento enferma de vícios que afetam a legalidade da decisão tomada pela Ré.

Vejamos:

Do alegado vício de violação de lei.
i) O impedimento da CGTA.

Alega a este propósito a autora que conforme se encontra definido nas Cláusulas 1.ª e 17.ª do Caderno de Encargos, o presente procedimento tem por objeto a Aquisição de Serviços de “Fiscalização, Gestão da Qualidade, Controlo Ambiental e Coordenação de Segurança da Empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) – Subsistema de (...).
O objeto da aquisição de serviços que resulta do presente procedimento é, assim, a fiscalização de uma empreitada de obra pública, incluindo também a gestão da qualidade, o controlo ambiental e a coordenação de segurança.
Resulta do artigo 19.º do Caderno de Encargos que de entre as obrigações que recaem sobre o adjudicatário incluem-se a verificação do “exato cumprimento do projeto e das suas alterações, do contrato (…)”.
Sendo que este “projeto” se refere ao projeto de execução da empreitada e que, embora formalmente as peças do presente procedimento não incluam o projeto de execução da empreitada a fiscalizar, o conhecimento destas peças do projeto era essencial para a elaboração da proposta dos concorrentes.
A proposta a elaborar pelos concorrentes no presente procedimento apenas poderia ser elaborada através do conhecimento da empreitada a fiscalizar o qual apenas poderia ser obtido através do respetivo projeto de execução.
Ora, conforme se encontra referido na página 3 do Relatório Final, a C. foi a autora do projeto de execução da obra a acompanhar e fiscalizar no âmbito do presente procedimento.
Neste contexto, a adjudicatária C. teve uma intervenção direta na elaboração do projeto de execução da obra a fiscalizar, o qual constitui um elemento essencial para a prestação dos serviços objeto do contrato.
O que coloca a adjudicatária C. numa posição de vantagem sobre todos os restantes concorrentes, uma vez que foi esta Contrainteressada que elaborou o projeto de execução da empreitada.
Este contexto contratual estabelecido entre a Contrainteressada C. e o Réu coloca aquela numa situação de vantagem relativamente a todos os restantes concorrentes, circunstância que se traduz numa violação das condições normais de concorrência.
Defende, assim, a autora que esta circunstância determina a existência de um impedimento da C., nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, pelo que a respetiva proposta deve ser excluída, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, cominação que desde já se requere.

Ora, a alínea i) do n.º 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos determina que não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento as entidades que “tenham, a qualquer título, prestado, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento que lhes confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência”.
Refere o Relatório Final que “(…) aquela alínea i) não poderá ser percebida tendo em consideração apenas a sua literalidade, ou seja, para se verificar uma situação de impedimento não basta que exista uma qualquer situação de assessoria ou apoio técnico da qual resulte um mero risco de uma atuação desigual, é necessário, antes, que seja objeto da devida determinação do seu significado e do modo da sua aplicação, no sentido de se demonstrar a existência de uma concreta situação de desigualdade e posição de melhor valia da proposta do concorrente que assessorou ou prestou apoio na elaboração das peças do procedimento que compõem esse mesmo procedimento ao qual concorreu ou pretende concorrer.”
Mais, refere Margarida Olazabal Cabral (pág. 169-170 do O artigo 55.º, línea j) do Código dos Contratos Públicos: mais vale ser do que parecer, na Revista dos Contratos Públicos, N.º 1), a aplicação da alínea i) do n.º 1 do art.º 55º como uma proibição absoluta sem possibilidade de ponderação casuística das situações, além de fomentar uma prática de camuflagem da intervenção que procura atingir, restringiria o campo de obtenção daquela colaboração para as entidades adjudicantes dela necessitadas, sendo que “do estrito ponto de vista da tutela da transparência, o país fica bem melhor servido com a norma que resulta do direito europeu: a aplicação casuística, e o apelo a todas as circunstâncias do caso, permitem a quem acredite que a sua colaboração com a entidade adjudicante não lhe trará uma situação de vantagem prestar apoio técnico ou assessoria tranquilamente, e sem dissimulações, demonstrando ao júri e à entidade adjudicante que o pode fazer.
Assim como manifestado pelo InCI (pág. 189 do Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado, 2015, 5.ª Edição, Almedina, do Autor Jorge Andrade da Silva, em anotação à alínea j) do n.º 1 do art.º 55º do CCP): “(…) a aplicação indiscriminada, a qualquer procedimento, da disposição da alínea j) do n.º 1 [actual alínea i) do n.º 1 do art.º 55º] pode coactar a actividade desenvolvida por aquelas entidades que possuem diversas valências, em particular nos domínios da arquitectura e da engenharia, reduzindo drasticamente o seu âmbito de intervenção no processo em que são especializadas, sem qualquer vantagem para o interesse público. Com efeito, parece bastante vantajoso, quer quanto à qualidade do serviço, quer quanto à responsabilização, que uma entidade que tenha prestado, por exemplo, serviços de elaboração de planos directores municipais ou instrumentos de planeamento urbanístico, estudos geotécnicos ou estudos de impacte ambiental, possa ser contratada para elaborar projecto de execução de uma obra que se desenvolva nos terrenos abrangidos por aqueles serviços.
A empreitada de obras públicas de “Reestruturação” adjudicada à A., S.A., tinha como uma das peças do procedimento o projecto de execução a que alude a A (que corresponde ao Anexo D inserido na plataforma electrónica onde tramitou o procedimento de Consulta Prévia em crise).
A elaboração desse projecto de execução havia sido adjudicada à C. mediante procedimento de ajuste directo de Aquisição de Serviço para Elaboração da Análise de Custo - Benefício e Estudo de Viabilidade Financeira no Âmbito da Candidatura Apresentar ao Aviso 12-2017-26.
O resultado desse serviço prestado pela C. passou a ser pertença do Réu, passando este a ser o responsável pelo projecto de execução e, portanto, a assumir a posição de projectista, assumindo a responsabilidade que eventualmente decorra por facto a si imputável ou que decorra por facto imputável a terceiro (tendo aqui direito a exigir indemnização a esse terceiro – vd. art.º 378º do CCP) e que, eventualmente, venham a originar modificações contratuais.
É à A., S.A. quem incumbe observar, cumprir e executar tal projecto de execução (assim como os demais elementos da proposta que apresentou ao procedimento de empreitada, e aos quais se vinculou), em obediência ao contrato n.º 7-EOP/2018 celebrado em 22/11/2018 para com o Município ora Réu.
O procedimento de Consulta Prévia em causa tem por objeto a fiscalização, gestão da qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”, pelo que não está apenas em causa a “fiscalização” de um projeto de execução, mas também dos restantes elementos que compõem aquela obra pública, de acordo com o previsto nas Cláusulas 17ª, 19ª, 20ª, 21ª e 22ª do CE (fls. 38 e ss do PA), referentes à proposta apresentada pela A., S.A. no procedimento de empreitada e aos quais se vinculou.
Deste modo, não se vislumbra qual a situação de impedimento em que, concretamente, se encontra a C. para com o procedimento de Consulta Prévia, dado o projeto de execução ser apenas um dos elementos a ter em conta na prestação do serviço de fiscalização, gestão da qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”.
Sendo que, o adjudicatário do procedimento de Consulta Prévia não terá qualquer poder decisório e de representação do dono da obra em matéria de modificação, resolução ou revogação do contrato consequente de procedimento, de acordo com o previsto no n.º 3 do art. 344.º do CCP.
Acresce que, quanto à qualidade do serviço e quanto à responsabilização, não se vislumbra que impedimento possa existir na situação de a C. preste serviços de fiscalização, gestão da qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”.
Veja-se o decidido por Acórdão do STA de 12/03/2015 (Proc. n.º 01469/14), que à questão controvertida de saber se, no âmbito de um procedimento pré-contratual conducente à celebração de um contrato unicamente destinado à correção de defeitos e anomalias resultantes da execução de uma obra anterior, pode ou não ser excluída a proposta apresentada pelo empreiteiro que executou a obra inicial, com fundamento no disposto no artigo 146.º, n.º 2, alínea c), e por força do artigo 55.º, alínea j) do CCP (do CCP anterior à alteração promovida pelo DL n.º 111-B/2017, de 31/08, atualmente correspondente à alínea i) do n.º 1 do art.º 55º), veio aquele Acórdão responder que tal proposta não poderia ser excluída, pois “só perante as circunstâncias concretas do caso se deverá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo fundar-se o juízo neste sentido em mera presunção decorrente daquele melhor conhecimento da obra cujas anomalias e defeitos se pretende corrigir.
“Atentemos nas seguintes palavras de Rodrigo Esteves de Oliveira: “(…) a proibição ou limitação de acesso dos operadores económicos aos procedimentos de contratação pública, que é um sector dominado pelo paradigma da concorrência e que tem no mercado o seu suporte, suscita, quase por natureza, diríamos, questões juridicamente delicadas. Se mais não fosse, porque o tal princípio da concorrência não é de sentido único, apontando, a um tempo, para a maior concorrência possível (arvorando-se num princípio «favor participationis») e, a outro, para uma concorrência sã, sem condições que a falseiem. Ali, portanto, o princípio será um obstáculo à instituição de barreiras jurídicas de acesso à contratação pública, aqui, pode ser o seu fundamento” (“Empresas em relação de grupo e contratação pública”, in Revista de Contratos Públicos, n.º 2, Maio-Agosto 2011, p. 90).”
Com base no exposto, e considerando especificamente a ratio da alínea i) do artigo 55.º, diríamos que o bem por ela protegido é também o da concorrência efetiva e sã, pelo que a exclusão das entidades em relação às quais se verifique uma das situações aí previstas não pode ser vista como uma exceção, antes como uma concretização do princípio da concorrência nesta particular formulação.
Ora, a Autora nada invoca de factual que impute à C. uma concreta posição de vantagem que falseasse as condições normais de concorrência do procedimento de Consulta Prévia em crise, não bastando uma mera alegação nos moldes em que a A o faz.
Pelo que, não se verifica a alegada violação de lei invocada pela A, por não existir impedimento da C. nos termos da alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP.

ii) Do alegado conflito de interesses da C.
A este propósito alega a autora que enquanto responsável pela fiscalização da empreitada, recaem sobre a adjudicatária um conjunto de obrigações relacionadas com a execução da empreitada.
De entre estas obrigações ressalta, pela sua relevância no controlo de custos das empreitadas de obras públicas, o acompanhamento da gestão da empreitada particularmente no que se refere às modificações objetivas do contrato.
Na prática, isto significa que as entidades fiscalizadoras são responsáveis pela análise e pela elaboração de pareceres técnicos sobre as modificações objetivas dos contratos de empreitada de obra pública que fiscalizam.
Naturalmente esta obrigação encontra-se também prevista nas peças do presente procedimento, concretamente na Cláusula 19.ª do Caderno de Encargos que refere ser responsabilidade do adjudicatário “informar sobre a situação dos trabalhos complementares, apresentar respetiva proposta, bem como pareceres sobre propostas apresentadas pelo empreiteiro”.
Quer isto dizer que no âmbito do presente procedimento o adjudicatário terá que se pronunciar sobre as situações de modificação objetiva do contrato, designadamente aquelas que resultem do suprimento de erros e omissões do projeto.
Importa aqui salientar que no atual regime da execução dos trabalhos complementares, o autor do projeto pode mesmo vir a ser responsabilizado pelos erros e omissões do projeto, nos termos previstos no artigo 378.º do CCP.
Efetivamente, no caso de se verificarem trabalhos complementares que se destinem ao suprimento de erros e omissões do projeto, caso estes erros e omissões decorram do incumprimento de obrigações de conceção assumidas por terceiros, o dono da obra deve “exercer obrigatoriamente o direito que lhe assiste de ser indemnizado por parte desses terceiros”, nos termos da alínea a) do n.º 6 do referido artigo 378.º do CCP.
Argumenta a autora que, considerando que constitui uma obrigação contratual do adjudicatário, prevista no Caderno de Encargos, a elaboração de pareceres sobre as propostas de execução de trabalhos complementares apresentadas pelo empreiteiro (cfr. Cláusula 19.ª do CE), existe um claro conflito de interesses da C. relativamente a esta matéria.
Na medida em que enquanto autora do projeto de execução pode ser responsabilizada pelos trabalhos complementares que se destinem ao suprimento de erros e omissões do projeto.
A alínea k) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP determina que não podem ser concorrentes as entidades que “estejam abrangidas por conflitos de interesses que não possam ser eficazmente corrigidos por outras medidas menos gravosas que a exclusão”.
No caso presente não se descortina outra medida apta a impedir o conflito de interesses da adjudicatária C. na análise dos trabalhos complementares que se venham a verificar durante a execução da empreitada, que não seja a sua exclusão da C. do concurso, não sendo possível afastar este conflito de interesses através das medidas previstas no n.º 2 do artigo 55.º do CCP.
Defende que, estando a C. em situação de conflito de interesses deve a sua proposta ser excluída, nos termos previstos na alínea c) e m) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.
Ora, o artigo 55.º, n.º 1, alínea k) do CCP estipula o seguinte: “Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: Estejam abrangidas por conflitos de interesses que não possam ser eficazmente corrigidos por outras medidas menos gravosas que a exclusão;”.
Dispõe o n.º 2 do mesmo art.º 55º que “Para efeitos do disposto na alínea k) do número anterior, podem ser ponderadas, como medidas menos gravosas que a exclusão, designadamente, a substituição de membros do júri ou de peritos que prestem apoio ao júri, a instituição de sistemas de reconfirmação de análises, apreciações ou aferições técnicas, ou a proibição de o concorrente recorrer a um determinado subcontratado.
Sendo que, a definição de conflito de interesses, para os termos do CCP, é o que se encontra plasmada nos n.ºs 3 e 4 do art.º 1º-A, que dizem o seguinte:
3 - Sem prejuízo da aplicação das garantias de imparcialidade previstas no Código do Procedimento Administrativo, as entidades adjudicantes devem adotar as medidas adequadas para impedir, identificar e resolver eficazmente os conflitos de interesses que surjam na condução dos procedimentos de formação de contratos públicos, de modo a evitar qualquer distorção da concorrência e garantir a igualdade de tratamento dos operadores económicos.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se conflito de interesses qualquer situação em que o dirigente ou o trabalhador de uma entidade adjudicante ou de um prestador de serviços que age em nome da entidade adjudicante, que participe na preparação e na condução do procedimento de formação de contrato público ou que possa influenciar os resultados do mesmo, tem direta ou indiretamente um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a sua imparcialidade e independência no contexto do referido procedimento.

Assim, verificar-se-á um conflito de interesses quando alguém que, tendo vínculo de emprego público (trabalhador ou dirigente) com uma entidade adjudicante ou seja prestador de serviço que aja em nome da entidade adjudicante, possa comprometer a imparcialidade e independência desta no contexto de determinado procedimento concursal que tal entidade conduz, por aquele alguém ter, direta ou indiretamente, interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal num desfecho do procedimento a seu favor, nomeadamente por possuir ligações a entidade oponente a tal procedimento concursal.
Neste sentido, por forma a verificar da existência de situações que possam configurar conflito de interesses, os membros do júri e todos os demais intervenientes no processo de avaliação de propostas, designadamente peritos, antes do início de funções subscrevem declaração de inexistência de conflitos de interesses, conforme modelo previsto no anexo xiii ao CCP, de acordo com o seu art.º 67º, n.º 5, resultando, assim, em conjugação com o nº 2 do art.º 55º, que o conflito de interesse verificar-se-á relativamente aos intervenientes no processo de avaliação de propostas e não relativamente àqueles que sejam oponentes a procedimento concursal e venham apresentar proposta que será objeto de avaliação realizada por aqueles intervenientes.
Assim, de acordo com o conceito de conflito de interesses do CCP, verifica-se que a C. não é dirigente ou trabalhador do Município, nem é prestador de serviço que aja em nome do Município e que tenha participado na preparação e condução do procedimento de Consulta Prévia, ou que pudesse influenciar os resultados do mesmo, ou que tivesse, direta ou indiretamente, um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a imparcialidade e independência do Município no contexto do referido procedimento, nada sendo invocado pela Autora que assim sustente.
Pelo que, não se verifica qualquer conflito de interesses, porquanto o conflito de interesse a que se refere a alínea k) do n.º 1 do art.º 55º do CCP não tem qualquer conjugação com o art.º 378º do CCP, pois são planos distintos.

iii) A impossibilidade Legal da CGTA Executar os Serviços.
Alega a autora que nos termos do disposto na cláusula 23.ª do CE, a equipa a constituir pelo adjudicatário no âmbito da prestação de serviços integra um “Diretor da Fiscalização (Engenheiro Civil – Sénior) ”.
Nos termos do disposto na alínea f) do artigo 3.º da Lei n.º 31/2009, o Diretor de Fiscalização de obra é “o técnico, habilitado nos termos da presente lei, a quem incumbe assegurar a verificação da execução da obra em conformidade com o projeto de execução e, quando aplicável, o cumprimento das condições da licença ou da comunicação prévia, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, e ainda o desempenho das competências previstas no Código dos Contratos Públicos, em sede de obra pública”.
Nos termos do artigo 16.º do mesmo diploma, compete ao Diretor de Fiscalização da obra “assegurar a verificação da execução da obra em conformidade com o projeto de execução, e o cumprimento das condições da licença ou admissão, em sede de procedimento administrativo ou contratual público, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor”.
Esta norma assume na presente ação uma dupla relevância negativa quanto à admissibilidade da proposta da adjudicatária C..
Por um lado e considerando que a C. foi a autora do projeto de execução da empreitada a fiscalizar, resulta claro o impedimento previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, conforme atrás já se referiu.
Contudo e por outro lado, esta norma evidencia o conflito de interesses intrínseco, inerente à prestação de serviços pela C., na medida em que esta empresa estaria a fiscalizar as suas responsabilidades próprias relacionadas enquanto entidade responsável pela autoria do projeto.
Ora, para evitar estes impedimentos em termos concorrenciais, de conflito de interesses e defesa do interesse público, o n.º 2 do artigo 16.º da referida Lei n.º 31/2009 refere explicitamente que “não pode exercer funções como diretor de fiscalização de obra qualquer pessoa que integre o quadro de pessoal da empresa responsável pela execução da obra ou de qualquer outra empresa que tenha intervenção na execução da obra, incluindo o seu diretor” (sublinhado nosso).
Importa salientar que numa empreitada de obra pública, o projetista tem sempre uma intervenção na execução da obra.
De facto, na alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 31/2009, define-se como Assistência Técnica “os serviços a prestar pelo autor de projeto ao dono da obra, ou seu representante, sem prejuízo do cumprimento de outras obrigações legais ou contratuais que lhe incumbam, que visam, designadamente, o esclarecimento de dúvidas de interpretação do projeto e das suas peças, a prestação de informações e esclarecimentos a concorrentes e empreiteiro, exclusivamente através do dono da obra, e ainda o apoio ao dono da obra na apreciação e comparação de soluções, documentos técnicos e propostas”.
Isto significa que a adjudicatária C., enquanto autora do projeto de execução da empreitada a fiscalizar no âmbito da aquisição de serviços objeto do presente procedimento, acumula as responsabilidades de prestar à entidade adjudicante assistência técnica ao projeto, competindo-lhe por isso legalmente as seguintes obrigações:
a) Esclarecer dúvidas de interpretação do projeto e das suas peças;
b) Prestar informações e esclarecimentos aos concorrentes e ao empreiteiro;
c) Apoiar o dono da obra na apreciação e comparação de soluções, documentos técnicos e propostas.

Este enquadramento legal das obrigações da C. enquanto autora do projeto vem reforçar as evidências da verificação dos impedimentos relativamente à apresentação de uma proposta no presente procedimento.
Desde logo porque a C. na medida em que tem uma intervenção muito relevante na execução da obra enquanto projetista, está legalmente impedida de cumprir a obrigação incluída do CE de nomear um Diretor de Fiscalização, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 31/2009.
Mas também porque as suas competências enquanto responsável pela assistência técnica ao projeto reforçam os impedimentos previstos nas alíneas i) e k) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP.

Ora, a Lei n.º 31/2009, de 03/07, alterada pela Lei n.º 40/2015, de 01/06, veio aprovar o regime jurídico que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, pela fiscalização de obra e pela direção de obra, que não esteja sujeita a legislação especial, e os deveres que lhes são aplicáveis.
Na eventualidade de existir violação dos deveres previstos no art.º 16º da Lei n.º 31/2009, tal constitui contra-ordenação prevista na alínea d), n.º 1 do art.º 24º-B do mesmo diploma legal, cabendo a instrução dos processos de contra-ordenação aos serviços do IMPIC, IP.
Não existe sanção/penalização acessória na Lei n.º 31/2009 que preveja, em caso de condenação por violação dos deveres previstos naquele art.º 16º, n.º 2, seja determinado à entidade pública adjudicante que exclua concorrentes/convidados a procedimento de formação de contrato ou resolva o contrato que haja sido celebrado em consequência desse procedimento.
Pretende a Autora que o Réu aplique à Contrainteressada C. uma sanção/penalização de exclusão do procedimento concursal com fundamento em alegada violação do n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/20009, sem que tal se mostre concretizado, fundamentado, provado e transitado em julgado, ao arrepio total das normas do procedimento e processo contra-ordenacional.
Como alega a Entidade demandada, uma exclusão do procedimento concursal fundada naquele art.º 16º, n.º 2 resultaria, aliás, contrária aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade previstos nos art.ºs 7º e 8º do CPA e art.º 1º-A, n.º 1 do CCP, dado que o âmbito de aplicação das alíneas k) e i), n.º 1 do art.º 55º do CCP e o âmbito de aplicação do n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, são consideravelmente distintos, visando a prossecução de finalidades distintas e salvaguarda de princípios distintos.
O n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, que refere “Sem prejuízo de disposição legal em contrário, não pode exercer funções como diretor de fiscalização de obra qualquer pessoa que integre o quadro de pessoal da empresa responsável pela execução da obra ou de qualquer outra empresa que tenha intervenção na execução da obra, incluindo o seu diretor.
Ora, tal norma, não tem aplicabilidade ao caso concreto, porquanto a C. não integra o quadro de pessoal da empresa responsável pela execução da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”, a A., S.A., e que irá executar o projeto de execução e demais projetos da obra, o que é corroborado pela declaração a que se refere a alínea a), n.º 1 do art. 81.º do CCP que a C. veio apresentar no procedimento de Consulta Prévia (fls. 46 e verso do PA).
Assim como não tem a C. intervenção na execução dessa obra pública, cujos intervenientes são o dono da obra, que é o Município (que designou um gestor do contrato, nos termos do art.º 290º-A do CCP e o empreiteiro A., S.A.
Pelo que, não se vislumbra cometida qualquer violação.
Acresce dizer, que que as recomendações formuladas pelo Tribunal de Contas invocadas pela Autora, apenas têm aplicabilidade a esses casos concretos, analisando concretas situações contratuais objeto de auditoria que teve por finalidade a verificação da gestão financeira, acompanhamento e controlo da execução de contratos adjudicados a empresa totalmente participada pela entidade pública adjudicante, e aos quais foram apontadas deficiências e ineficiências na execução contratual não tendo, portanto, força legal aplicável a outros casos por serem proferidas em consideração às concretas circunstâncias financeiras e de controlo da execução contratual desses casos concretos, visando uma maior eficiência e eficácia na execução desses contratos e não de outros.
X
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos:
Vem a Recorrente, no seu recurso, mais uma vez alegar com o já expendido em sede de 1ª instância, imputando à sentença recorrida erros na fixação da matéria de facto e de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.
Como é sabido, relativamente ao erro quanto à fixação da matéria de facto, o Tribunal a quo não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (artºs 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4, do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA) e consignar se a considera provada ou não provada (artº 94º do CPTA).
Como refere a sentença recorrida, o Tribunal alicerçou a sua convicção a partir do exame e avaliação que fez dos meios de prova trazidos ao processo, consubstanciados no teor dos documentos juntos aos autos pelas partes e do processo administrativo, bem como das posições assumidas nos respetivos articulados.
Relativamente ao erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, este ocorre quando o juiz decide mal, resultando uma distorção da realidade factual ou da aplicação do direito, pelo que da matéria de direito e dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto e de direito deva resultar claramente uma decisão diversa.
Ora, a sentença realizou uma correta interpretação e aplicação das normas em causa, assim como uma correta interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, inexistindo qualquer desacerto, equívoco ou inexata qualificação de facto ou de direito que lhe possa ser apontado.
Socorreu-se da Doutrina e da Jurisprudência, de tal forma que nos revemos, por inteiro, na solução adotada.
O alegado pela Recorrente para fundamentar o seu pedido e, bem assim, o recurso ora apresentado, demonstra-se desprovido de fundamentação de facto e de direito, o que foi sobejamente demonstrado pela sentença recorrida.
Não pode agora em sede de recurso, com as prolixas alegações que juntou, suprir a carência de invocação em sede de acção.
Atente-se, então:
Nos presentes autos, a Recorrente veio colocar em crise o concurso público de consulta prévia para aquisição de serviços de fiscalização, gestão de qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança – adjudicada à contrainteressada C. –, serviços esses que incidem sobre a empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...)-Subsistema de (...) – adjudicada à A., S.A.
Continua a Recorrente a insistir na ideia de que a contrainteressada C. vai executar o mencionado projeto de execução da empreitada de Reestruturação dos Sistemas de Tratamento de Águas Residuais do Concelho de (...) – Subsistema de (...) (doravante apenas Reestruturação).
Sucede que a empreitada de Reestruturação, tal como decorre do facto provado em 12), foi adjudicada à A., S.A. O mencionado projeto de execução foi uma das peças do procedimento desse procedimento de empreitada (art.º 40º, n.º 1, al. c) e n.º 1 do art.º 43º do CCP). Não foi peça do procedimento de consulta prévia em crise (art.º 40º, n.º 1, al. b) do CCP).
As peças do procedimento que compõem esta Consulta Prévia são o Convite (fls. 22 a 32 do PA) e o Caderno de Encargos (fls. 33 a 41 do PA), os quais foram elaborados pelo Réu e não foram do conhecimento prévio de qualquer entidade, muito menos da contrainteressada C., não tendo essa entidade ou qualquer outra conhecimento prévio acerca das características estruturais e funcionais da prestação de serviço em causa nos presentes autos, e que estão especificadas nas Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos (Cláusulas 17.ª e seguintes – fls. 38 e ss do PA). Essas peças definem todos os aspetos da execução do contrato, apenas submetendo à concorrência o aspeto avaliação do preço, como previsto no ponto 19.1 do Convite (fls. 27 do PA).
O mencionado projeto de execução não constituiu aspeto da execução do contrato pretendido celebrar na decorrência do procedimento em crise, nem constituiu atributo das propostas apresentadas nesse procedimento, por não ter sido critério, aspeto ou fator de avaliação/ponderação considerado pela entidade adjudicante, tendo apenas sido inserido na plataforma de contratação pública como referência orientadora sobre a obra adjudicada à A., S.A.; pelo que, o conhecimento do mencionado projeto de execução não se configura(va) essencial para a elaboração das propostas dos convidados, uma vez que o caderno de encargos já definia todos os aspetos da execução do contrato.
Aliás, ao contrário do que alega a Recorrente, em lado algum da sentença recorrida é referido que o mencionado projeto de execução faz parte integrante das peças do procedimento de consulta prévia em crise.
Fundamenta a sentença: A empreitada de obras públicas de “Reestruturação” adjudicada à A., S.A., tinha como uma das peças do procedimento o projecto de execução a que alude a A (que corresponde ao Anexo D inserido na plataforma electrónica onde tramitou o procedimento de Consulta Prévia em causa).
A elaboração desse projecto de execução havia sido adjudicada à C. mediante procedimento de ajuste directo de Aquisição de Serviço para Elaboração da Análise de Custo-Benefício e Estudo de Viabilidade Financeira no Âmbito da Candidatura Apresentar ao Aviso 12-2017-26.
O resultado desse serviço prestado pela C. passou a ser pertença do Réu, passando este a ser o responsável pelo projecto de execução e, portanto, a assumir a posição de projectista, assumindo a responsabilidade que eventualmente decorra por facto a si imputável ou que decorra por facto imputável a terceiro (tendo aqui direito a exigir indemnização a esse terceiro – vd. art.º 378º do CCP) e que, eventualmente, venham a originar modificações contratuais.
É à A., S.A. que incumbe observar, cumprir e executar tal projecto de execução (assim como os demais elementos da proposta que apresentou ao procedimento de empreitada, e aos quais se vinculou), em obediência ao contrato n.º 7-EOP/2018 celebrado em 22/11/2018 para com o Município ora Réu.
O procedimento de Consulta Prévia em causa tem por objeto a fiscalização, gestão da qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”, pelo que não está apenas em causa a “fiscalização” de um projeto de execução, mas também dos restantes elementos que compõem aquela obra pública, de acordo com o previsto nas Cláusulas 17ª, 19ª, 20ª, 21ª e 22ª do CE (fls. 38 e ss do PA), referentes à proposta apresentada pela A., S.A. no procedimento de empreitada e aos quais se vinculou.
Deste modo, não se vislumbra qual a situação de impedimento em que, concretamente, se encontra a C. para com o procedimento de Consulta Prévia, dado o projeto de execução ser apenas um dos elementos a ter em conta na prestação do serviço de fiscalização, gestão da qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”.
Sendo que, o adjudicatário do procedimento de Consulta Prévia não terá qualquer poder decisório e de representação do dono da obra em matéria de modificação, resolução ou revogação do contrato consequente de procedimento, de acordo com o previsto no n.º 3 do art. 344.º do CCP.
Acresce que, quanto à qualidade do serviço e quanto à responsabilização, não se vislumbra que impedimento possa existir na situação de a C. preste serviços de fiscalização, gestão da qualidade, controlo ambiental e coordenação de segurança da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”.
Verifica-se, portanto, que não tem qualquer aplicação o Acórdão do STA de 01/10/2003, proferido no âmbito do proc. 048035, invocado pela Recorrente, porquanto, para além de ter sido proferido à luz do DL 55/99, 02/03, refere-se a questão controvertida resultante de ter sido adjudicada uma empreitada para construção de barragem a concorrente que elaborou os estudos de preparação do próprio concurso a que concorreu e ganhou. O que nada tem de idêntico ao caso dos autos: a contrainteressada C. não elaborou qualquer estudo de preparação do próprio concurso a que foi convidada e ganhou.
A alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP invocada pela Recorrente para fundamentar a exclusão da contrainteressada C., não poderá ser percebida tendo em consideração apenas a sua literalidade, ou seja, para se verificar uma situação de impedimento não basta que exista uma qualquer situação de assessoria ou apoio técnico da qual resulte um mero risco de uma atuação desigual, pois é necessário, antes, que seja objeto da devida determinação do seu significado e do modo da sua aplicação, no sentido de se demonstrar a existência de uma concreta situação de desigualdade e posição de melhor valia da proposta do concorrente que assessorou ou prestou apoio na elaboração das peças do procedimento que compõem esse mesmo procedimento ao qual concorreu ou pretende concorrer – lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Ademais, a perceção da alínea i), n.º 1 do art.º 55º como uma proibição absoluta sem possibilidade de ponderação casuística restringiria o campo de obtenção de colaboração para as entidades adjudicantes dela necessitadas, como refere Margarida Olazabal Cabral: “O artigo 55.º, alínea j) do Código dos Contratos Públicos: mais vale ser do que parecer”, na Revista dos Contratos Públicos, N.º 1), sob pena de coartar a atividade desenvolvida por entidades que possuem diversas valências, em particular nos domínios da arquitetura e da engenharia, reduzindo drasticamente o seu âmbito de intervenção no processo em que são especializadas, sem qualquer vantagem para o interesse público, … (pág. 189 do Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado, 2015, 5.ª ed., Almedina, do Autor Jorge Andrade da Silva, em anotação à alínea j) do n.º 1 do art.º 55º do CCP).
Tais entendimentos seguem, precisamente, o sentido seguido pelo direito e Jurisprudência Comunitária (cfr. Ac. Fabricom do TJUE, de 03.03.2005, Procs. n.ºs C-21/03 e C-34/03; Ac. Deloitte Business Advisory do TJUE, Proc. n.º T-195/05; Ac. Serrantoni, do TJUE, Proc. n.º C-376/08) – ou não fosse o DL n.º 18/2008, de 29/01 o fruto da transposição de várias diretivas comunitárias – e, bem assim, o Direito e Jurisprudência portuguesa, do qual se salientam os Acórdãos do STA de 11/01/2009 (proc. n.º 851/10) e de 12/03/2015 (proc. n.º 01469/14), e os Acórdãos do TCAS de 30/09/2010 (proc. n.º 651/10) e de 03/02/2011 (proc. n.º 6545/10), que perfilham uma solução de apreciação casuística da alínea i), n.º 1 do art.º 55º do CCP.
Aliás, aquele Ac. do STA de 12/03/2015, que veio acolher na sua fundamentação aqueles entendimentos, decidiu: “Relativamente à questão da automaticidade da aplicação da alínea j) do artigo 55.º, [atual alínea i) do n.º 1 do art.º 55º] não há como refutar que era criticada, mas não negada por alguma doutrina, que nela reconhecia uma clara opção legislativa, não muito consentânea com o que lhes parecia ser a orientação do TJUE, e, de todo o modo, com a qual não concordavam inteiramente. Em particular quando aplicável à situação tipificada na alínea j) (vide Margarida Olazabal Cabral, “O artigo 55.º, alínea j), do Código dos Contratos Públicos: mais vale ser do que parecer”, in Revista dos Contratos Públicos, n.º 1, Janeiro-Abril 2011, pp. 128 e ss), e, de igual forma, a outras situações igualmente ricas e complexas, como aquela em que se verifica a participação simultânea de empresas em relação de grupo no mesmo procedimento adjudicatório (Rodrigo Esteves de Oliveira, “Os princípios gerais”, cit., pp. 98-9), riqueza e complexidade a justificar porventura um tratamento casuístico dos vários casos que se vão surgindo.
Independentemente do mérito ou demérito das críticas, o que é importante agora afirmar é que, pelo menos até 2012, o teor do artigo 55.º, alínea j), apontava claramente para a sua operatividade automática (“Também por essa desconfiança o legislador terá optado por ser ele mesmo a estabelecer uma regra ‘cega’ de proibição, sem abertura aparente às circunstâncias concretas do caso”; “Ou seja, ao contrário da solução constante do artigo 55.º, alínea j), do CCP, que, literalmente, configura um impedimento automático, para o qual é suficiente a prova da assessoria ou apoio técnico, a solução constante da jurisprudência comunitária assenta numa espécie de inversão do ónus da prova e num procedimento contraditório: à entidade adjudicante ou aos outros concorrentes cabe demonstrar o facto da assessoria ou do apoio técnico, ao concorrente a quem é imputado tal facto cabe, por sua vez, demonstrar, em incidente procedimental, que «nas circunstâncias do caso concreto, a experiência [que adquiriu] não pode ter falseado a concorrência”; respectivamente, Margarida Olazabal Cabral, ob. cit., p. 133, e Rodrigo Esteves de Oliveira, “Os princípios gerais”, cit., p. 98).
(…)
O legislador nacional, porventura sensível a essas críticas doutrinais e a uma certa orientação jurisprudencial que se estava a firmar, veio, através do DL n.º 149/2012, de 12 de Julho, aditar o inciso final que actualmente consta da alínea j) do artigo 55.º: “que lhes confira vantagem que falseie as condições normais da concorrência”. Este acrescento, que aponta no sentido da quebra do automatismo da aplicação desta alínea. Só é possível considerar impedido um candidato ou concorrente se a situação suspeita permitir um juízo positivo de que, por via dela, está constituído numa situação de vantagem relativamente ao universo de concorrentes potenciais que falseie as condições normais da concorrência. Exigência que, colocando-se para a situação típica expressamente prevista, obriga a um escrutínio ainda mais severo quando no impedimento se pretender fazer caber situações de informação privilegiada lícita não expressamente contempladas. O que justifica a analogia é a necessidade de prevenir, na situação não prevista, os mesmos resultados lesivos para os princípios fundamentais do acesso aos mercados públicos que ditou a previsão legislativa. O ónus da argumentação e prova da ocorrência da lesão ou perigo de lesão para esses bens protegidos é aqui particularmente intenso.”
O Acórdão do STA de 12/03/2015 possui e elenca referências, pressupostos e considerandos que servem de apoio e sustentação à situação dos autos e encontro da solução jurídica do presente litígio, pondo em evidência particularidades que devem ser tidas em linha de conta na apreciação e julgamento deste tipo de matérias, no sentido de que “só perante as circunstâncias concretas do caso se deverá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo fundar-se o juízo neste sentido em mera presunção decorrente daquele melhor conhecimento da obra (…).
Sem prejuízo da consideração de que contrainteressada C. não elaborou qualquer estudo de preparação/peças do procedimento do concurso em crise, atente-se no que diz Pedro Daniel S. N. Inês, “Os Princípios da Contratação Pública: O Princípio da Concorrência”, in CEDIPRE Online n. º 34, pág. 90 e seguintes:
“Importa sublinhar que no âmbito da garantia da Imparcialidade, o que está em causa é prevenir situações de risco de atuações parciais da administração no procedimento, visando que este seja transparente e salvaguarde a Igualdade de Tratamento de todos os concorrentes (cfr. art.º 9.º e 69.º do CPA).
Já uma interpretação que salvaguarde o valor da concorrência (máxima concorrência possível) tenderá a permitir a participação, exceto se se provar a existência de uma situação de vantagem que falseie as condições de igualdade entre concorrentes.
Neste sentido, alega-se que a proibição, em qualquer circunstância, que a pessoa que efetuou certos trabalhos preparatórios participe em procedimentos adjudicatórios é manifestamente desproporcionada.
Nestes casos, a Igualdade de Tratamento entre os operadores económicos encontra-se salvaguardada, desde que exista um processo em que se aprecie, casuística e concretamente, se o facto de efetuar determinados trabalhos preparatórios conferiu à pessoa que prestou assessoria na elaboração das peças, uma vantagem competitiva em relação aos restantes concorrentes, configurando-se como uma medida menos restritiva e mais adequada e necessária aos fins que as normas da contratação pública visam assegurar, designadamente a igualdade concorrencial.
Esta segunda via afigura-se como a mais equilibrada, ponderando todos os interesses em questão, na medida em que exclui situações em que as pessoas que participaram nos trabalhos preparatórios fiquem automaticamente excluídas do procedimento, sem que lhes seja dada a oportunidade de demonstrarem, casuisticamente, que, nas circunstâncias do caso concreto, a sua participação e a experiência por ela adquirida, não constitui qualquer risco para falsear a concorrência entre os concorrentes.
Tal interpretação vai na linha da conclusão retirada do Ac. La Cascina do TJUE (Proc. n.º C-226/04), em que o Tribunal esclarece, de modo inequívoco, que o legislador comunitário somente impede os legisladores dos EM´s de criar novas causas de exclusão no que concerne à honestidade profissional, à solvabilidade ou à fiabilidade. Nos restantes casos, como a situação em estudo, concedeu considerável margem de manobra aos EM´s que podem furtar-se à aplicação dessas causas de exclusão, optando pela mais ampla participação nos processos de adjudicação.
Logo, ao contrário do entendimento da maioria da jurisprudência portuguesa ao tempo (v.g., Ac. STA, 09.04.2002, proc. 48035) que entendia que, nestes casos, a solução mais conforme aos princípios da igualdade, transparência e imparcialidade, seria a da exclusão automática e imediata), o TJUE entendeu que, nestes casos apenas há motivo para impedimento se conferir ao operador económico uma “vantagem competitiva” que falseie as condições normais da concorrência (entendimento em conformidade com o plasmado no art.º 55.º j) do CCP). Ou seja, entendeu-se pugnar por uma não exclusão imediata e automática da proposta da pessoa do assessor que auxiliou a entidade adjudicante na elaboração das peças, não se aplicando, sem mais, no caso português o art.º 55.º/j) do CCP e no caso do Direito Comunitário, o art.º 57.º/4 f) da Diretiva “clássica”. Deve, pois, ser dada a oportunidade a essa pessoa, de provar que não tinha sido privilegiado, de demonstrar que não retirou “vantagens competitivas/ilegítimas”, mas apenas uma colaboração avulsa, de provar que, no caso concreto, a experiência acumulada não conduziria a falsear a concorrência.
(…)
Deste modo, quando o critério de adjudicação for o preço, deve optar-se por um entendimento mais favorável ao Princípio da Concorrência, da Igualdade de Tratamento (não discriminação) e da Transparência (…) através da inversão do ónus da prova, excluindo-se uma proibição absoluta.
Neste sentido, veja-se a declaração a que se refere a alínea a), n.º 1 do art.º 81.º do CCP que a contrainteressada C. veio apresentar no procedimento de Consulta Prévia, junta a fls. 46 e verso do PA; pelo que, como fundamenta a sentença recorrida, quanto ao alegado vício de violação de lei por impedimento da CGTA nos termos da alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP: (…) a Autora nada invoca de factual que impute à C. uma concreta posição de vantagem que falseasse as condições normais de concorrência do procedimento de Consulta Prévia em crise, não bastando uma mera alegação nos moldes em que a A o faz. Pelo que, não se verifica a alegada violação de lei invocada pela A, por não existir impedimento da C. nos termos da alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP.
E, dizer como alega a Recorrente na sua conclusão OO) é deitar por terra a posição que tanto assevera nos presentes autos, pois está a confessar que o princípio da concorrência não se mostra violado – que não está –, o que, concomitantemente, equivale a dizer que não existe qualquer impedimento nos termos da alínea i), n.º 1 do art.º 55º do CCP.
Quanto ao alegado vício de violação de lei por conflito de interesses da CGTA nos termos da alínea k), do n.º 1 do art.º 55º do CCP, fundamenta a sentença recorrida que, tendo em presença o conceito de conflito de interesses definido no art.º 1º-A, n.ºs 3 e 4 do CCP: (…), verifica-se que a C. não é dirigente ou trabalhador do Município, nem é prestador de serviço que aja em nome do Município e que tenha participado na preparação e condução do procedimento de Consulta Prévia, ou que pudesse influenciar os resultados do mesmo, ou que tivesse, direta ou indiretamente, um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a imparcialidade e independência do Município no contexto do referido procedimento, nada sendo invocado pela Autora que assim sustente.
Pelo que, não se verifica qualquer conflito de interesses, porquanto o conflito de interesse a que se refere a alínea k) do n.º 1 do art.º 55º do CCP não tem qualquer conjugação com o art.º 378º do CCP, pois são planos distintos.
A Diretiva 2014/24/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, no seu art.º 24º, segunda parte, contém uma definição de conflito de interesses:
“O conceito de conflito de interesses engloba, no mínimo, qualquer situação em que os membros do pessoal da autoridade adjudicante ou de um prestador de serviços que age em nome da autoridade adjudicante, que participem na condução do procedimento de contratação ou que possam influenciar os resultados do mesmo, têm direta ou indiretamente um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a sua imparcialidade e independência no contexto do procedimento de adjudicação”.
Ademais, o sentido do que é um conflito de interesses no âmbito da contratação pública surge igualmente referenciada no considerando 16 da Diretiva 2014/24/EU, que diz o seguinte: “as autoridades adjudicantes deverão recorrer a todos os meios possíveis de que disponham na legislação nacional a fim de evitar distorções nos procedimentos de contratação pública provocados por conflitos de interesses. Tal poderá incluir procedimentos para identificar, prevenir e solucionar os conflitos de interesses.” Este considerando induz uma intenção de alertar as entidades adjudicantes para os conflitos de interesses, de modo a que sejam evitadas distorções nos procedimentos de contratação pública, devendo para isso recorrer aos meios possíveis de que disponham na legislação nacional, como os que já resultam do art.º 69º e ss. do CPA, assim como, em particular, em matéria de obrigações declarativas e de comunicação dos membros do júri e demais intervenientes no processo de avaliação de propostas, designadamente peritos, de acordo com o previsto art.º 67º, n.º 5 do CCP e do anexo XIII ao CCP, o que foi feito no procedimento em crise (vd. fls. 16 a 20 do PA).
Assim, constata-se – como aliás se sentenciou – que a Recorrente nunca concretizou, de facto, em que medida é que a contrainteressada C. poderia estar numa posição que lhe conferisse vantagem sobre os restantes convidados, pois todos tiveram o mesmo prazo para elaborar e apresentar as respetivas propostas e, bem assim, para analisar as peças do procedimento que compõem a Consulta Prévia em crise – o Convite (fls. 22 a 32 do PA) e o Caderno de Encargos (fls. 33 a 41 do PA) –, peças aquelas que definem todos os aspetos da execução do contrato, apenas submetendo à concorrência o aspeto avaliação do preço, como previsto no ponto 19.1 do Convite (fls. 27 do PA).
Labora em erro a Recorrente com o alegado nas conclusões SS), TT) e UU), uma vez que no procedimento contratual em jogo não está em causa um procedimento de delegação de poderes (à luz do art.º 305º, n.º 4 do CCP), porquanto este constitui-se nos termos previstos no CPA (art.º 44º a 50º do CPA) e não mediante um procedimento concursal regulado pelo CCP. Dito de outro modo, não está em causa um procedimento com vista à emissão de um ato administrativo de delegação de poderes decisórios, mas antes um procedimento com vista à celebração de um contrato administrativo (de aquisição de serviços).
Tratam-se, pois, de planos/procedimentos distintos:
-numa delegação de poderes, de acordo com o n.º 5 do art.º 44º do CPA, o delegado assume a posição de delegante, agindo como tal no que concerne aos poderes que lhe forem delegados, existindo equiparação das posições e respetivas decisões tomadas. A delegação de poderes dá-se por ato e vontade da entidade delegante (art.º 44º, n.º 1 do CPA), não se lhe aplicando os princípios que regem a contratação pública, nomeadamente os princípios da concorrência e igualdade de tratamento, na formação do ato de “seleção” da pessoa/órgão sobre quem irão ser delegados certos poderes.
-num procedimento concursal e subsequente contrato celebrado, estamos perante um procedimento que se inicia com uma decisão de contratar e inerente autorização de despesa (art.º 36º do CCP), com vista à constituição de uma relação entre quem manda fazer e quem faz, mediante uma contraprestação, onde existe o exercício de prerrogativas de autoridade por parte de quem manda fazer no confronto com quem faz, com planos de responsabilidade e responsabilização diferentes, configurando uma situação regulada por princípios da contratação pública, nomeadamente os princípios da concorrência e igualdade de tratamento.
No procedimento dos autos, a contrainteressada C. não se encontra no exercício de poderes públicos, não tendo qualquer intervenção na instrução do procedimento em crise nem na tomada da decisão impugnada. Nem se encontrará no exercício de poderes públicos no contrato celebrado na sequência do procedimento em crise.
Invoca a Recorrente, ainda, para fundamentar a existência de uma situação de conflito de interesse nos termos da alínea k) do n.º 1 do art.º 55º, o art.º 378º do CCP (vd. conclusão ZZ) do recurso da Recorrente).
Ora, a alínea k) do n.º 1 do art.º 55º não tem conjugação com o art.º 378º do CCP, uma vez que se tratam de planos distintos e sem qualquer correlação.
Na situação hipotética – por isso, incerta e abstrata – de serem detetados erros ou omissões na empreitada de obras públicas de Reestruturação e, consequente, exista a necessidade de trabalhos complementares, o plano de responsabilização é diferenciada consoante quem os tenha cometido. E, caso existam erros ou omissões que decorram do incumprimento de obrigações de conceção assumidas por terceiros perante o dono da obra Município, o plano de responsabilização é de cariz indemnizatório, cujo direito assistirá ao dono da obra e ao empreiteiro, que ficará sub-rogado no direito que o dono da obra tenha para com esse terceiro, sendo da responsabilidade do dono obra, e não desse terceiro, a realização dos trabalhos complementares consequentes. O que nada tem a ver com qualquer conflito de interesses.
Acresce que esse art.º 378º do CCP se refere, também, a situações em que o empreiteiro tem obrigação de elaborar o projeto de execução, e a consequente responsabilidade que daí advém. O que nada tem a ver com o caso dos autos.
Quanto ao alegado vício de violação de lei por a C. estar em situação de impossibilidade legal de executar os serviços, com fundamento n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, de 03/07, em conjugação com as alíneas k) e i) do n.º 1 do art.º 55º do CCP, conclui a sentença recorrida: Não existe sanção/penalização acessória na Lei n.º 31/2009 que preveja, em caso de condenação por violação dos deveres previstos naquele art.º 16º, n.º 2, seja determinado à entidade pública adjudicante que exclua concorrentes/convidados a procedimento de formação de contrato ou resolva o contrato que haja sido celebrado em consequência desse procedimento.
Pretende a Autora que o Réu aplique à Contrainteressada C. uma sanção/penalização de exclusão do procedimento concursal com fundamento em alegada violação do n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/20009, sem que tal se mostre concretizado, fundamentado, provado e transitado em julgado, ao arrepio total das normas do procedimento e processo contraordenacional.
Como alega a Entidade demandada, uma exclusão do procedimento concursal fundada naquele art.º 16º, n.º 2 resultaria, aliás, contrária aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade previstos nos art.ºs 7º e 8º do CPA e art.º 1º-A, n.º 1 do CCP, dado que o âmbito de aplicação das alíneas k) e i), n.º 1 do art.º 55º do CCP e o âmbito de aplicação do n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, são consideravelmente distintos, visando a prossecução de finalidades distintas e salvaguarda de princípios distintos.
O n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, que refere “Sem prejuízo de disposição legal em contrário, não pode exercer funções como diretor de fiscalização de obra qualquer pessoa que integre o quadro de pessoal da empresa responsável pela execução da obra ou de qualquer outra empresa que tenha intervenção na execução da obra, incluindo o seu diretor.”
Ora, tal norma, não tem aplicabilidade ao caso concreto, porquanto a C. não integra o quadro de pessoal da empresa responsável pela execução da empreitada de obras públicas de “Reestruturação”, a A., S.A., é que irá executar o projeto de execução e demais projetos da obra, o que é corroborado pela declaração a que se refere a alínea a), n.º 1 do art. 81.º do CCP que a C. veio apresentar no procedimento de Consulta Prévia (fls. 46 e verso do PA). Assim como não tem a C. intervenção na execução dessa obra pública, cujos intervenientes são o dono da obra, que é o Município (que designou um gestor do contrato, nos termos do art.º 290º-A do CCP) e o empreiteiro A., S.A..
Pelo que, não se vislumbra cometida qualquer violação.
Acresce dizer, que as recomendações formuladas pelo Tribunal de Contas invocadas pela Autora, apenas têm aplicabilidade a esses casos concretos, analisando concretas situações contratuais objeto de auditoria que teve por finalidade a verificação da gestão financeira, acompanhamento e controlo da execução de contratos adjudicados a empresa totalmente participada pela entidade pública adjudicante, e aos quais foram apontadas deficiências e ineficiências na execução contratual não tendo, portanto, força legal aplicável a outros casos por serem proferidas em consideração às concretas circunstâncias financeiras e de controlo da execução contratual desses casos concretos, visando uma maior eficiência e eficácia na execução desses contratos e não de outros.
De facto, o art.º 55º do CCP estabelece e delineia um catálogo fechado de motivos suscetíveis de darem origem à exclusão dos concorrentes, pelo que aplicar-se como causa de exclusão o n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, resultaria contrário ao previsto no CCP.
Ademais, quando o n.º 2 do art.º 16º da Lei n.º 31/2009, de 03/07 menciona que “Sem prejuízo de disposição legal em contrário, não pode exercer funções como diretor de fiscalização de obra qualquer pessoa que integre o quadro de pessoal da empresa responsável pela execução da obra ou de qualquer outra empresa que tenha intervenção na execução da obra, incluindo o seu diretor”, a expressão “qualquer outra” refere-se a subempreitadas ou casos de cessão da posição contratual, pois serão as empresas nessas concretas posições que terão intervenção na execução da obra, por assumirem uma posição de empreiteiro na realização dos trabalhos em obra.
Repete-se que a contrainteressada C. não tem qualquer intervenção na execução da obra de Reestruturação, cuja execução será levada a cabo pela A., S.A.
Já quanto aos relatórios de auditoria do Tribunal de Contas novamente citados pela Recorrente, considera, e bem, o Tribunal a quo: (…) as recomendações formuladas pelo Tribunal de Contas invocadas pela Autora, apenas têm aplicabilidade a esses casos concretos, analisando concretas situações contratuais objeto de auditoria que teve por finalidade a verificação da gestão financeira, acompanhamento e controlo da execução de contratos adjudicados a empresa totalmente participada pela entidade pública adjudicante, e aos quais foram apontadas deficiências e ineficiências na execução contratual não tendo, portanto, força legal aplicável a outros casos por serem proferidas em consideração às concretas circunstâncias financeiras e de controlo da execução contratual desses casos concretos, visando uma maior eficiência e eficácia na execução desses contratos e não de outros.
Em suma:
-o recorrente deve, no final da sua alegação, formular conclusões, nas quais deve enunciar, de forma clara e sintética, os fundamentos porque pede a alteração da decisão (artº 639º nº 1 do NCPC).
O artº 639º nº 1 do NCPC impõe ao recorrente dois ónus: o ónus de alegar e o ónus de formular conclusões.
O recorrente cumpre o ónus de alegar apresentando a sua alegação onde expõe os motivos da sua impugnação, explicitando as razões por que entende que a decisão está errada ou é injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, para além de especificar o objetivo que visa alcançar com o recurso.
Deve, todavia, terminar a sua minuta com a indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida.
As conclusões do recurso que versem matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes.
A não apresentação de conclusões recursivas tem como efeito imediato o puro e simples indeferimento do requerimento de recurso
(“O incumprimento do ónus de concluir determina o indeferimento do requerimento de interposição do recurso (art. 641.º, n.º2, alínea b), do CPC”).
“Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada” - artº639º/3;
-nos autos a Recorrente apresentou uma peça processual sobejamente desenvolvida;
-ainda assim, não se deu cumprimento ao estatuído naquele nº 3 já que se deve evitar a prática de actos inúteis (à semelhança do princípio do aproveitamento do acto);
-in casu impõe-se a assunção da peça processual - alegações/conclusões -, já que, mesmo que sintetizadas, condensadas, reduzidas, não teriam virtualidade para nos demover do entendimento de que a sentença recorrida fez uma correta decomposição legal do caso concreto, assim como uma irrepreensível subsunção dos factos (essenciais) provados aos normativos legais aplicáveis - vide as alíneas i) e k) do artigo 55.° do Código dos Contratos Públicos e o n.° 2 do artigo 16.° da Lei 31/2009, de 3 de julho;
-o alegado pela Recorrente para fundamentar o seu pedido e, bem assim, o recurso apresentado, demonstra-se desprovido de fundamentação de facto e de direito, o que foi dissecado na sentença recorrida;
-a alínea i), do n.º 1 do art.º 55º do CCP não poderá ser percebida tendo em consideração apenas a sua literalidade, ou seja, para se verificar uma situação de impedimento não basta que exista uma qualquer situação de assessoria ou apoio técnico da qual resulte um mero risco de uma atuação desigual, pois é necessário, antes, que seja objeto da devida determinação do seu significado e do modo da sua aplicação, no sentido de se demonstrar a existência de uma concreta situação de desigualdade e posição de melhor valia da proposta do concorrente que assessorou ou prestou apoio na elaboração das peças do procedimento que compõem esse mesmo procedimento ao qual concorreu ou pretende concorrer;
-a perceção da alínea i), n.º 1 do art.º 55º como uma proibição absoluta sem possibilidade de ponderação casuística restringiria o campo de obtenção de colaboração para as entidades adjudicantes dela necessitadas;
-é que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como ensinava o Prof. João Baptista Machado. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina;
-a sentença acolheu a leitura do Réu/Município, aliás, bem suportada pela Doutrina e pela Jurisprudência, quer comunitária, quer portuguesa - cfr. o Acórdão do STA de 12/03/2015, proc. 01469/14;
-a contrainteressada C. não elaborou qualquer estudo de preparação/peças do procedimento do concurso em crise;
-a Recorrente nada invoca de factual que impute à C. uma concreta posição de vantagem que falseasse as condições normais de concorrência do procedimento de Consulta Prévia;
-o princípio da concorrência não se mostra violado, o que equivale a dizer que não existe qualquer impedimento nos termos da alínea i), n.º 1 do art.º 55º;
-a C. não é dirigente ou trabalhador do Município, nem é prestador de serviço que aja em nome do Município e que tenha participado na preparação e condução do procedimento de Consulta Prévia, ou que pudesse influenciar os resultados do mesmo, ou que tivesse, direta ou indiretamente, um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a imparcialidade e independência do Município no contexto do referido procedimento;
-labora ainda em erro com o que aduz nas restantes conclusões, o que compromete a sua pretensão;
-no procedimento contratual em crise não está em causa um procedimento de delegação de poderes (à luz do art.º 305º, n.º 4 do CCP), porquanto este rege-se e constitui-se nos termos previstos no CPA (art.º 44º a 50º do CPA) e não mediante um procedimento concursal regulado pelo CCP;
-no procedimento em apreço, a contrainteressada C. não se encontra no exercício de poderes públicos, não tendo qualquer intervenção na instrução do procedimento concursal, nem na tomada da decisão impugnada, e nem se encontrará no exercício de poderes públicos no contrato celebrado na sequência do procedimento em causa;
-na situação hipotética - por isso, incerta e abstrata - de serem detetados erros ou omissões na empreitada de obras públicas de Reestruturação e, consequente, exista a necessidade de trabalhos complementares, o plano de responsabilização é diferenciado consoante quem os tenha cometido;
-e, caso existam erros ou omissões que decorram do incumprimento de obrigações de conceção assumidas por terceiros perante o dono da obra Município, o plano de responsabilização é de cariz indemnizatório, cujo direito assistirá ao dono da obra e ao empreiteiro, que ficará subrogado no direito que o dono da obra tenha para com esse terceiro, sendo da responsabilidade do dono obra, e não desse terceiro, a realização dos trabalhos complementares consequentes;
-o que nada tem a ver com qualquer conflito de interesses;
-o artigo 55º do CCP estabelece e delineia um catálogo fechado de motivos suscetíveis de darem origem à exclusão dos concorrentes, pelo que aplicar-se como causa de exclusão o n.º 2 do artigo 16º da Lei 31/2009, resultaria contrário ao previsto no CCP;
-já quanto aos relatórios de auditoria do Tribunal de Contas citados pela Recorrente pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos: as recomendações formuladas pelo Tribunal de Contas invocadas pela Autora, apenas têm aplicabilidade a esses casos concretos, analisando concretas situações contratuais objeto de auditoria que teve por finalidade a verificação da gestão financeira, acompanhamento e controlo da execução de contratos adjudicados a empresa totalmente participada pela entidade pública adjudicante, e aos quais foram apontadas deficiências e ineficiências na execução contratual não tendo, portanto, força legal aplicável a outros casos por serem proferidas em consideração às concretas circunstâncias financeiras e de controlo da execução contratual desses casos concretos, visando uma maior eficiência e eficácia na execução desses contratos e não de outros;
-bem andou, pois, a sentença recorrida ao ter decidido da forma como fez, acolhendo a versão, aliás, bem estruturada do Réu, aqui Recorrido;
-tal equivale a dizer que não padece dos erros que lhe são atribuídos pela Recorrente.
Improcedem, assim, as conclusões da Apelante.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 13/03/2020





Fernanda Brandão
Helder Vieira
Helena Canelas