Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00887/15.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PAGAMENTO DE SUBSÍDIOS; EFETIVIDADE DE FUNÇÕES; GRAU DE INCAPACIDADE
Sumário:
1 – Nos termos do Artº 15º do DL nº 503/99, os acidentados em serviço mantêm o direito, no período de faltas ao serviço, à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição.
2 - A referida situação só se verificará, no entanto, até ao momento em que seja fixado o grau de incapacidade e que seja atribuído o correspondente subsídio vitalício pago pela CGA.
3 - Após a alta clinica definitiva, e tendo o trabalhador deixado de desempenhar funções que correspondessem à atribuição de, nomeadamente, subsídio de turno e Abono por falhas, tendo-lhe sido fixada uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) – 10% - pela CGA, em resultado da qual recebe uma pensão indemnizatória vitalícia, mostrar-se-ia redundante manter a atribuição dos referidos suplementos, os quais sempre pressuporiam o exercício de funções que dessem direito a esse recebimento, o que não é o caso. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de Coimbra
Recorrido 1:JCGMF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença na parte recorrida
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município de Coimbra, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa especial intentada por JCGMF, tendente, em síntese, à anulação do despacho que ordenou a sua transferência para o Serviço de Estatística, e, consequentemente, a reintegra-lo na Divisão de Serviços de Produção, bem como, a anulação de todos os atos decorrentes daquele, de onde se destaca o não pagamento do subsídio de turno, abono para falhas, bem como os pagamento dos restantes subsídios que deixou de auferir, inconformado com a Sentença proferida em 9 de janeiro de 2018 no TAF de Coimbra, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente (Cfr. fls. 78 a 85 Procº físico), veio interpor recurso jurisdicional.
Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, apresentadas em 22 de fevereiro de 2018, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 95, 95v e 96 Procº físico):
“Nos termos do disposto no artigo 2,º, n.º 1 I, alínea b), do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, têm direito ao abono para falhas os trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas da tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis;
II. Já de acordo com o disposto no artigo 161.º da LGTFP, têm direito ao suplemento remuneratório de turno os trabalhadores que exerçam funções em regime de turnos e desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno.
Por força do disposto no n.º 4 artigo 159.º da LGTFP, aqueles suplementos remuneratórios são apenas devidos enquanto perdurarem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.
IV. Não existe, qualquer outra norma que habilite o Autor a perceber os subsídios de turno e o abono para falhas sem exercer funções que dão direito ao abono desses suplementos;
Não existe qualquer norma que, na situação sub judice, habilite o Recorrido a receber o subsídio de turno e o abono para falhas sem exercer funções nas condições que dão direito ao abono desses suplementos;
VI. Em situações de incapacidade temporária a responsabilidade pela reparação cabe ao empregador ou à entidade empregadora, e, no período de faltas ao serviço em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente;
VII. O artigo 19,º do Decreto-Lei n,º 503/99 ficciona que as faltas ao serviço resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias;
VIII. Em situações de incapacidade permanente a responsabilidade pela reparação do acidente de serviço cabe à Caixa Geral de Aposentações;
IX. A reparação indemnizatória a cargo da CGA corresponde à redução da capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente, ou seja, visa compensar essa redução da capacidade de trabalho;
A CGA atribuiu ao Recorrido uma incapacidade permanente parcial de 10%, atribuindo-lhe, consequentemente, uma pensão vitalícia anual;
XI. O Recorrido já não exerce funções que lhe permitam auferir subsídio de turno ou abono para falhas e estes específicos suplementos só podem ser abonados quando haja desempenho efetivo de funções nas condições que a eles dão direito, ao que acresce o facto de inexistir qualquer situação de equiparação legal a um tal desempenho.
XII. O Tribunal a quo, no segmento em que condena o ora Recorrente ao pagamento ao Recorrido "da mesma remuneração total que auferia à data do sinistro, incluindo nessa remuneração um complemento no valor que recebia a título de subsídio de turno e abono para falhas, sujeito às mesmas atualizações e vicissitudes legais que estes, eventualmente tenham ou venham a ter", incorre em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99, violando-o.
Nestes termos, considerando procedente o presente recurso e, consequentemente, revogando a sentença recorrida na parte em que condena o Município de Coimbra ao pagamento ao Recorrido "da mesma remuneração total que auferia à data do sinistro, incluindo nessa remuneração um complemento no valor que recebia a título de subsídio de turno e abono para falhas, sujeito às mesmas atualizações e vicissitudes legais que estes, eventualmente tenham ou venham a ter", farão V. Exas. JUSTIÇA!
*
O Recorrido/JC…, veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 9 de abril de 2018, nas quais concluiu (Cfr. fls. 102 a 104 Procº físico):
I - Pelo facto de ter sofrido um acidente em serviço, o Autor trabalhador, não pode ser prejudicado, nos seus direitos, e tem que ser abonado, na totalidade, com a remuneração que auferia à data do sinistro.
Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 756/08.2 TBVIS C 1 "Relativamente à problemática da reparação dos danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente tem vindo a ser entendido, cremos que ainda maioritariamente, que há lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjeturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho, considerando-se, designadamente, que a IPP é um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços; a IPP produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da atividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas atividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico”.
II - São estes factos que não foram considerados pelo Chefe de Divisão de Serviços de Produção, o que levou a que, precipitadamente, o trabalhador fosse transferido do Setor de Tráfego para o Serviço de Estatística, e consequentemente deixasse de auferir os suplementos remuneratórios, o que lhe veio a causar graves prejuízos.
III - Tanto mais que o artigo que o n.º 4 do artigo 23° do Decreto. Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, determina que
"Artigo 23º - Reintegração Profissional
1- (...)
2- (...)
3 - Quando se verifique incapacidade permanente que impossibilite o trabalhador de exercer plenamente as suas anteriores funções ou quando destas possa resultar o agravamento do seu estado de saúde, este tem direito a ocupação em funções compatíveis com o respetivo estado, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho e a trabalho a tempo parcial e o dever de se candidatar a todos os procedimentos concursais para ocupação de postos de trabalho previstos nos mapas de pessoal dos órgãos ou serviços, desde que reúna os requisitos exigidos e se encontre nas condições referidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, aplicáveis com as necessárias adaptações.
4 - As situações referidas no número anterior não implicam, em caso algum, a redução de remuneração nem a perda de quaisquer regalias.
5 - (...)"
IV - Neste sentido o Ac. Do Tribunal Central Administrativo do Norte, Processo 01985/12.0 BEPRT "inexiste qualquer razão para não se aplicar a este caso a norma em apreço que tem como claro objetivo o de proteger o trabalhador, no sentido de garantir que uma reclassificação, baseada em diminuição funcional física, não tem implicações negativas no estatuto remuneratório do funcionário.”
E diz ainda o douto acórdão que:
"O que o preceito consagra - e está aqui em causa - é o direito a manter a retribuição apesar da reclassificação profissional que teve por pressuposto uma incapacidade permanente para o trabalho.”
V - Assim e face ao que se defende no acórdão supra, e atendendo ao que lei estabelece no artigo 23.° do D.L. 503/99 de 20/11 não incorre em erro de julgamento o Tribunal a quo, nem sequer faz uma errada interpretação e aplicação do artigo 23.°.
O Autor ficou com sequelas permanentes, em virtude das lesões que sofreu com o acidente de serviço. E em consequência dessas sequelas o Réu providenciou pela reclassificação profissional do Autor, não podendo esta reclassificação, em caso algum, implicar a redução de remuneração nem a perda de regalias.
VI - Deste modo, só pode o Réu ser condenado a pagar ao Autor, atendendo ao escopo de proteção do artigo 23.° do D.L. 503/99 de 20/11, a remuneração que lhe pagava antes da diminuição funcional que sofreu em virtude do acidente de serviço que sofreu ao serviço do Réu.
Ou seja:
Ainda que o trabalhador tenha deixado de conduzir os autocarros dos SMTUC, não pode deixar de auferir a mesma remuneração total, porque de acordo com o estatuído na lei aplicável, mormente n.ºs 3 e 4 do artigo supra (artigo 23º - Reintegração Profissional- D.L 503/99 de 20 de novembro), o facto de ter ficado diminuído fisicamente para o desempenho das funções anteriores ao acidente de serviço, não implicam, em caso algum, a perda de remuneração ou regalias.
Assim, bem decidiu o Tribunal a quo, ao proferir a decisão que proferiu, decidindo a condenação do Réu a "desde a data da cessação efetiva do pagamento do subsídio de turno e de abono para falhas, determinar e processar o pagamento, ao Autor, da mesma remuneração total que auferia à data do sinistro, incluindo, nessa remuneração um complemento no valor do que recebia a título de subsídio de turno e abono para falhas, sujeito às mesmas atualizações e vicissitudes legais que estes, eventualmente, tenham ou venham a ter."
Nestes termos deve o presente recurso improceder e em consequência
I) Manter a decisão recorrida, nomeadamente na parte em que condena o Município de Coimbra ao pagamento ao Recorrido "da mesma remuneração total que auferia à data do sinistro, incluindo um complemento que recebia a título de subsídio de turno e abono para falhas, sujeito às mesmas atualizações e vicissitudes legais que estes, tenham ou venham a ter. " Só assim se fazendo Justiça.
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O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 16 de abril de 2018 (SIFAF).
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Já neste TCAN, foi o Ministério Público notificado em 3 de maio de 2015 (Cfr. fls. 109 Procº físico), nada tendo vindo dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
O aqui Recorrente vem retomar e reafirmar as questões colocadas em primeira instância, sublinhando que o aqui Recorrido não preencherá os pressupostos para que lhe possam ser atribuídos, designadamente, os subsídios requeridos, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
A) No dia 11/04/2013, o Autor sofreu um acidente que pelo reu foi qualificado como acidente de serviço – cfr. docs. de fls. 1 e 6 do PA;
B) À data do acidente o Autor encontrava-se integrado na carreira de Assistente Operacional a exercer funções de Agente Único (motorista de autocarros) – cfr. doc. de fls. 26 e ss. do PA;
C) Recebendo, para além da remuneração base, suplementos remuneratórios por estar integrado em horário por turnos (subsídio de turno) e manusear dinheiro e valores (abono para falhas) – cfr. doc. de fls. 15 do PA;
D) Em virtude do dito acidente, o Autor foi presente a Junta Médica da ADSE em 15/10/2013, na sequência da qual foi deliberado por unanimidade que o Autor possuía “uma incapacidade temporária parcial com restrições ao exercício da atividade habitual”, tendo sido marcada nova Junta Médica – cfr. doc. de fls. 11 do PA;
E) Reunida em 03/12/2013, deliberou a secção da Junta Médica da ADSE dar alta ao Autor do acidente de trabalho “com incapacidade permanente parcial”, mais tendo determinado que deveria ser presente a Junta da CGA para confirmação da incapacidade – cfr. doc. de fls. 12;
F) Em 04/12/2013 o Autor regressou ao serviço praticando horário rígido (das 8 às 12 e das 14 às 17.30h)– cfr. doc. de fls. 15 do PA;
G) Depois da alta o Autor continuou a receber o subsídio de turno e o abono para falhas – cfr. doc. de fls. 36 do PA;
H) O Autor apresentou em 13/05/2014 exposição ao serviço, relatando “dores durante o serviço” de transporte de passageiros, relatando, designadamente que “durante todo o serviço além de conduzir maior parte do tempo só com o braço esquerdo (…), andei com dores (…) prestando um mau serviço” – cfr. doc. de fls. 42 do PA;
I) Em 16/06/2014 foi recomendado ao serviço de recursos humanos dos SMTUC, pela médica do trabalho, “em complemento às recomendações anteriores”, que o Autor “não pode conduzir veículos sem caixa automática; deve ter pausas durante o período de trabalho, não sendo aconselhável conduzir >3 h sem interrupção. Devem ser evitados trajetos em ruas estreitas” – cfr. doc. de fls. 41 do PA;
J) Em resultado da Junta Médica realizada pela CGA, notificada aos SMTUC em 17/03/2015 e ao Autor em 20/03/2015, foi decidido que “das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 10%” – cfr. doc. de fls. 52 do PA;
K) Por decisão da CGA de 14/04/2015, foi fixada ao Autor uma pensão anual vitalícia de € 1003,27, à qual corresponde um capital de remissão de € 14 332,38 – cfr. doc. de fls. 58 do PA;
L) A pedido do Autor, foi este submetido a exame de Medicina do Trabalho em 15/04/2015 – cfr. doc. de fls. 71 do PA;
M) Na sequência desse exame de Medicina do Trabalho foi determinado, em 15/04/2015 que, em função das observações clínicas efetuadas, “o trabalhador, fica inapto definitivamente, para função de motorista de pesados. Deverá ficar sem carta de condução de pesados.
Renovação da carta de condução --- ficar só com ligeiros.
Outras funções que pode desempenhar:
Condução de ligeiros
Trabalhos Administrativos
Trabalhos, a que não esteja sujeito a esforços >a 5 kg” - cfr. docs. de fls. 59 e 71 do PA;
N) Nessa mesma data, 15/04/2015, o Autor tomou conhecimento do resultado do exame referido no ponto anterior – cfr. doc. de fls. 71 do PA;
O) Por determinação do Delegado de Saúde Adjunto da Administração Regional de Saúde do Centro, IP, de 08/04/2015, o Autor foi notificado para, “na sequência da comunicação recebida da Caixa Geral de Aposentações”, comparecer no Centro de Saúde de Santa Clara, “a fim de ser submetido a exame médico em inspeção especial nos termos da alínea i) do n.º 2 do artº 9.º do Dec-Lei n.º 209/98, de 15 de Julho)” – cfr. doc. de fls. 72 dos autos;
P) No âmbito do referido “exame médico em inspeção especial” foi emitido em 27/04/205, Atestado Médico cujo teor a fs. 73 do P.A. aqui se dá como reproduzido, transcrevendo o seguinte: “Tem aptidão física e mental para a condução de veículos das categorias A1, A, B1, B e B+E
Grupo 1 x (Cat. A1, A, B1, B e B+E) Cat. 2 x (Inapto)
Com as seguintes restrições e/ou adaptações
Sem restrições--------“ – cfr. doc. de fls. 73 do PA;
Q) Em 27/04/2015 o Encarregado Geral Operacional do Sector de Tráfego dos SMTUC, informou a Divisão de Serviços de Produção que “o Assistente Operacional JCGMF, n.º 9…, foi presente a consulta da Autoridade de Saúde do ACES do Baixo Mondego em 27 de abril de 2015. No seguimento dessa mesma consulta foi o Assistente Operacional considerado APTO física e mentalmente para a condução de veículos das categorias A1, A, B1, B e B+E (viaturas do grupo 1), e INAPTO para a condução de viaturas do grupo 2, o que determina a inaptidão para o desempenho da função de Agente Único. De referir que o Assistente Operacional tinha já sido consultado no âmbito da medicina do trabalho no dia 9 de Abril de 2015, no seguimento de acidente de serviço, tendo nessa consulta sido já considerado INAPTO DEFINITIVAMENTE para o desempenho da função de Agente único, pelo que em face dessa situação deixou a partir de 10 de Abril de 2015 de exercer as funções de Agente Único” – cfr. doc. de fls. 75 do PA;
R) O Autor tomou conhecimento da Informação referida no ponto anterior em 11/05/2015 – cfr. doc. de fls. 75 do PA;
S) Por despacho de 27/04/2015, o Chefe da Divisão de Serviços de Produção dos SMTUC, ordenou a transferência do Autor para o Serviço de Estatística dos SMTUC, em horário das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 15h30, com efeitos reportados a 10 de Abril de 2015 – cfr. docs. de fls. 075 e 77 do PA;
T) Em virtude dessa transferência, o Autor deixou de auferir o subsídio de turno e abono para falhas – cfr. doc. de fls. 77 do PA;
U) Por ofício datado de 13/05/2015, o Autor foi notificado, pelo IMTT, que “nos termos do n.º 2 do artigo 127.º do Código da Estrada, as imposições aos condutores, em resultado de exame médico ou psicológico, de restrições ao exercício da condução (…) devem ser obrigatoriamente averbadas na respetiva carta de condução. Na sequência da comunicação a estes serviços pela Autoridade de Saúde da Unidade de Saúde Pública ACES Baixo Mondego, Coimbra, ofício n.º 0595, de 27-04-2015, foram impostas restrições ao exercício da condução em resultado de Inspeção Médica Especial a que foi submetida, e com vista ao averbamento das mesmas na carta de condução de que é titular. Nesta medida fica V . Ex.ª notificado para, no prazo de 10 dias úteis, proceder à entrega da mesma nestes serviços, juntamente com a seguinte documentação (…). A falta de entrega da carta de condução no referido prazo determinará a sua apreensão até regularização da situação (…). Mais se informa que a condução de veículo sem observância das restrições ou adaptações específicas que tenham sido impostas, constitui contraordenação prevista e punida no n.º 4 do artigo 127.º do Código da Estrada (…)” – cfr. doc. de fls. 74 do PA;
V) Em 27/05/2015 o Autor foi notificado pela Chefe de Divisão Administrativa e Financeira dos SMTUC de que “por despacho do Chefe da Divisão de Serviços de Produção de 27 de abril de 2015, o Assistente Operacional (…) deixou de desempenhar funções no Setor de Tráfego (STR) e passou a desempenhar funções no Serviço de Estatística (SES), em horário das 09h00/12h30 e das 14h00/15h30, com efeitos reportados a 10 de Abril de 2015” – cfr. doc. de fls. 80 do PA;
W) Em 12/06/2015 o Autor apresentou exposição dirigida ao Presidente do Conselho de Administração dos SMTUC, mediante a qual requereu o pagamento dos “suplementos remuneratórios de subsídio de turno e abono para falhas até que haja decisão definitiva da Caixa Geral de Aposentações” – cfr. doc. de fls. 105 a 102 do PA;
X) Por deliberação unânime de 18/08/2015, cujos termos no P.A. aqui se dá por reproduzidos, o Conselho de Administração dos SMTUC indeferiu a pretensão do Autor exposta no ponto anterior – cfr. doc. de fls. 153 e 152 do PA;
Y) O Autor tomou conhecimento da deliberação em 25/08/2015 – cfr. doc. de fls. 155 do PA;
Z) O Autor solicitou à CGA uma junta médica de recurso, a qual foi marcada para o dia 27/11/2015 – Acordo; cfr. doc. de fls. 77 e de fls. 149;
AA) Em 03/11/2015 o Autor foi notificado para comparecer diante de Junta Médica da CGA no dia 27/11/2015 – cfr. doc. de fls. 157 do PA.

IV – Do Direito
Em função da factualidade dada como provada, importa agora analisar e decidir o suscitado.
Vinha peticionado, em síntese, no seguimento de acidente de Serviço, a anulação do despacho que ordenou a transferência do Autor, aqui Recorrido, de motorista de Autocarro, para o Serviço de Estatística, e, consequentemente, a reintegra-lo na Divisão de Serviços de Produção.
Decidiu-se em 1ª Instância julgar parcialmente procedente a Ação, mantendo-se “na ordem jurídica o ato impugnado e, sem, embargo”, condenando “o Réu a, desde a data da cessação efetiva do pagamento do subsídio de turno e de abono para falhas, determinar e processar o pagamento, ao Autor, da mesma remuneração total que auferia à data do sinistro, incluindo, nessa remuneração um complemento no valor do que recebia a título de subsídio de turno e abono para falhas, sujeito às mesmas atualizações e vicissitudes legais que estes, eventualmente, tenham ou venham a ter.”
Entendeu pois o Tribunal a quo que não está em causa a continuação do pagamento ao aqui Recorrido do subsídio de turno e o abono para falhas tout court, mas antes o pagamento de uma "quantia remuneratória complementar" equivalente, nos termos do artigo 23.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99.
Vejamos:
Resulta do artigo 2.º, n.º 1 alínea b), do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, que têm direito ao abono para falhas os trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas da tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.
Por outro lado, e no que concerne ao suplemento remuneratório de turno, refere-se no artigo 161.º da LGTFP, que têm direito ao mesmo, os trabalhadores que exerçam funções em regime de turnos e desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno.
Independentemente do acidente sofrido pelo aqui Recorrido, o que é facto é que nos termos n.º 4 artigo 159.º da LGTFP, os referidos suplementos serão apenas devidos enquanto se mantiverem os pressupostos que justificaram o seu pagamento.
O Tribunal a quo recorreu ao artigo 23.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99, que prevê que em situações de reintegração profissional, ao trabalhador não possa ser reduzida a “remuneração nem a perda de quaisquer regalias,” para viabilizar a manutenção do recebimento do abono por falhas e do subsidio de turno, qualificando tais montantes, como sendo uma "quantia remuneratória suplementar".
Acontece que, em bom rigor, o subsídio de turno e o abono por falhas não são nem uma regalia, nem uma remuneração em sentido estrito, uma vez que o seu processamento é independente da categoria, cargo ou função detida pelo trabalhador, dado os mesmos serem antes o resultado do cumprimento dos pressupostos que determinam a sua atribuição.
Como resulta do sumariado no Acórdão do STA nº 0527/15, de 05-04-2017, no caso, “O suplemento de comando só pode ser abonado quando haja desempenho efetivo das correspondentes funções ou quando se verifique uma situação de equiparação legal a esse desempenho.
É a reparação indemnizatória a cargo da CGA que visa compensar a “redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente” (arts. 4.º, n.º 4, al. b), e n.º 5, do DL n.º 503/99, de 20.11).”
A compensação pela redução da capacidade de trabalho cabe à Caixa Geral de Aposentações, tendo pois sido em função dessa circunstância que foi atribuída ao aqui Recorrido uma pensão vitalícia, decorrente dos declarados 10% de incapacidade.
Efetivamente, e se sumariou já no Acórdão nº 00029/15.4BEMDL, de 19.06.2015, “nos termos do Artº 15º do DL nº 503/99, os acidentados em serviço mantêm o direito, no período de faltas ao serviço, à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição.”
Aqui e em concreto, mostrando-se que o trabalhador após a sua alta clinica definitiva, deixou de desempenhar funções que correspondessem à atribuição de, nomeadamente, subsídio de turno e Abono por falhas, tendo-lhe inclusivamente sido fixada uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) – 10% - pela CGA, em resultado da qual recebe uma pensão indemnizatória vitalícia, mostrar-se-ia redundante manter a atribuição dos referidos suplementos, os quais sempre pressuporiam o exercício de funções que dessem direito a esse recebimento, o que não é o caso.
Aqui chegados, acompanhar-se-á, mutatis mutandis, o entendimento adotado no Acórdão do STA de 29/01/2015, no processo nº 0969/14.
Na realidade, e como resulta do precedentemente já expendido, em decorrência do direito à reparação dos danos resultantes de acidente em serviço consagrado no art. 4.º do DL n.º 503/99, refere o art. 15.º do mesmo diploma, sob a epígrafe do «direito à remuneração e outras regalias», que “[n]o período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição”, sendo que deriva do art. 19.º do mesmo DL que “[a]s faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito” (n.º 1).
A situação do trabalhador, aqui Recorrido encontra-se estabilizada, atenta a circunstância de se ter verificado já a alta clínica e a atribuição de Incapacidade Permanente Parcial (IPP) pela CGA, com atribuição da pensão indemnizatória, passando a inexistir um direito à perceção de suplemento de turno e ao abono por falhas, pela singela razão de que o trabalhador deixou de desempenhar funções das quais devesse auferir tais suplementos.
Para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, importa reafirmar e sublinhar o constante no regime legal aplicável.
Desde logo, nos termos do Artº 15º do DL nº 503/99, os acidentados em serviço mantêm o direito, no período de faltas ao serviço, à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente.
No que concerne já à situação objetiva do aqui Recorrido, refira-se que o mesmo, em resultado do acidente de que foi vítima, está abrangido pelo regime de proteção previsto no aludido DL n.º 503/99, o qual garante a remuneração que o mesmo auferia à data do acidente de modo a que ao dano físico adveniente do acidente em serviço não acresça um dano económico decorrente de eventuais perdas remuneratórias resultantes da situação de baixa e de incapacidade de que fique a padecer de forma permanente.
A referida situação só se verificará, no entanto, até ao momento em que seja fixado o grau de incapacidade e que seja atribuído o correspondente subsídio vitalício pago pela CGA.
Fora das situações de baixa clinica decorrente de acidente de serviço, em que é ficcionada a prestação efetiva de serviço por parte do acidentado, inexiste um direito ao abono de um determinado suplemento remuneratório cujo processamento seja independente da categoria, cargo ou função detida, dado o mesmo exigir ou ser decorrência duma efetiva prestação de serviço.
Não é, no entanto, suposto que os trabalhadores sejam penalizados, designadamente, em termos remuneratórios, em resultado de incapacidade que sobrevenha de lesões sofridas com acidente em serviço.
O referido não pode, no entanto, significar que exista um direito à perceção de suplemento de turno e de abono por falhas, sem que o trabalhador desempenhe funções que impliquem tal recebimento.
Aqui chegados, para a aferição da procedência da pretensão do trabalhador, importaria objetivar o seu percurso profissional, em função do acidente ocorrido, atento o regime inserto nos n.ºs 3 a 5 do referido art. 23.º do DL n.º 503/99, o qual estabelece, designadamente, que numa situação em que de acidente derivem lesões que determinem incapacidade permanente para o sinistrado a este assiste o direito a ocupação em funções compatíveis com o respetivo estado, sendo que não poderá ocorrer redução/diminuição de remuneração nem perda de quaisquer regalias.
Mostra-se definido no referido regime legal, um comando de tutela da esfera patrimonial do sinistrado por referência à remuneração decorrente da função/cargo que era auferida pelo mesmo no momento do acidente em serviço, comando esse igualmente prevalecente e com o qual se visa impedir, também aqui, uma “dupla punição” do sinistrado lesado nas situações em que, nomeadamente, por efeito duma incapacidade permanente parcial ocorra a necessidade da sua reintegração ou colocação em novas funções que impliquem uma redução do valor mensalmente auferido.
De sublinhar, em qualquer caso, que não resulta do regime legal referido, o direito à perceção de suplementos remuneratórios, que pressuponham a prestação efetiva de serviço que corresponda a essa perceção.
Resulta dos autos que o trabalhador após a sua reintegração funcional, deixou de estar colocado como motorista de transportes coletivos, onde desempenhava funções como agente único, em regime de turnos, auferindo o correspondente subsídio de turno e abono por falhas, tendo passado a desempenhar funções onde tais suplementos não eram devidos.
Efetivamente, tendo o trabalhador após a alta clinica definitiva, deixado de desempenhar funções em regime de turnos e sem manuseamento de dinheiro, e tendo-lhe sido fixada uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 10% pela CGA, da qual resultou o pagamento de uma pensão indemnizatória vitalícia, mostrar-se-ia redundante manter a atribuição dos referidos suplementos de turno e abonos por falhas, os quais, como recorrentemente se afirmou, pressupunham o exercício de funções que pressupusessem tal remuneração.
Como resulta do já referenciado Acórdão do STA de 29/01/2015, no processo nº 0969/14, após a alta clínica, o direito ao recebimento de suplementos remuneratórios exige que resulte demonstrado que o trabalhador preste efetivamente serviço correspondente ao recebimento dos mesmos.
A situação concreta aqui em apreciação é pois a seguinte:
1.º - Em situações de incapacidade temporária a responsabilidade pela reparação cabe ao empregador, sendo que no período de faltas ao serviço em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente.
2.º - O artigo 19.º ficciona que as faltas ao serviço resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos os regalias.
3.º - Em situações de incapacidade permanente a responsabilidade pela reparação por acidente de serviço cabe à CGA.
4.º - O trabalhador tem uma incapacidade parcial permanente de 10%, tendo sido reintegrado profissionalmente, mas passando a desempenhar funções distintas das que exercia antes do acidente, não resultando das mesmas o direito à perceção do subsídio de turno e do abono por falhas.
5.º - Em resultado do acidente, o trabalhador recebe uma pensão anual vitalícia de 1.003,27€, paga pela CGA.
6.º - O recorrente já não exerce funções de motorista, sendo que os suplementos que auferia no desempenho de tais funções (Subsidio de turno e Abono por falhas) só pode ser abonado quando haja desempenho efetivo de tais ditas funções ou se verifique uma situação de equiparação legal a esse desempenho, o que já não sucede no caso dos autos.
Em suma, entende-se que o Tribunal a quo, no segmento em que condena o ora Recorrente ao pagamento ao Recorrido "da mesma remuneração total que auferia à data do sinistro, incluindo nessa remuneração um complemento no valor que recebia a título de subsídio de turno e abono para falhas, sujeito às mesmas atualizações e vicissitudes legais que estes, eventualmente tenham ou venham a ter", incorreu em erro de julgamento, tendo feito errada interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogando-se o segmento recorrido da sentença do tribunal a quo.
Custas pelo Recorrido, sem prejuízo de isenção de que possa beneficiar
Porto, 28 de junho de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira