Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00763/10.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:TRANSIÇÃO DE CARREIRA; ÓNUS DA PROVA; ATOS IMPOSITIVOS; VIOLAÇÃO DE LEI;
Sumário:É à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos de atos impositivos.
Com efeito, importa distinguir consoante o ato objeto de impugnação é um ato de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos cumpre demonstrar pela positiva, dos atos de conteúdo negativo, que se limitam a contrariar pretensão apresentada por particular.
Assim, no Recurso de impugnação de um ato de conteúdo positivo, as partes figuram no recurso em posições invertidas em relação àquelas que lhes pertencem no quadro da relação jurídica substantiva.
Deste modo, e na situação descrita, alegando o recorrente o não preenchimento dos pressupostos do ato, recairá sobre a Administração o risco da falta de prova da respetiva verificação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JMPM
Recorrido 1:Município de Góis
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
JMPM, no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o Município de Góis, tendente, em síntese, a impugnar o “Despacho do Presidente do Município de Góis, datado de 10/08/2010, que declarou nulo o ato de transição do A. para a carreira Técnico Superior”, inconformado com a Sentença proferida em 27 de abril de 2016 (Cfr. fls. 154 a 162 Procº físico) a qual, não obstante ter concedido provimento à Ação, anulando o ato recorrido, julgou “improcedentes os vícios de violação de lei – nomeadamente, a revogação ilegal de atos constitutivos de direitos e a violação do principio da tutela da confiança”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferida em primeira instância, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.

Formula a aqui Recorrente/JMPM nas suas alegações de recurso, apresentadas em 1 de junho de 2016, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 175v a 177 Procº físico):

“1ª Salvo o devido respeito, a procedência do presente recurso é manifesta, tendo o aresto em recurso incorrido em claro erro de julgamento no segmento em que não julgou procedentes os vícios de violação de lei imputados ao ato impugnado.

2ª Com efeito, o Tribunal a quo concluiu não se verificar o vício de violação de lei por ofensa do disposto nos artºs 140º e 141º do CPA por entender que não estávamos perante qualquer revogação de um ato mas antes uma declaração de nulidade e ineficácia do mesmo – declaração esta que pode ocorrer a todo o tempo e não apenas dentro do limite temporal de 1 ano previsto para a revogação de atos.

3ª Sucede, porém, que tal suposta declaração de nulidade mais não é que uma verdadeira revogação “encapotada” de um ato que, na verdade, era perfeitamente legal e admissível – o da transição do A. para a categoria de Técnico Superior –, e nunca um ato nulo;

4ª Na verdade, a transição do recorrente para a carreira de técnico superior foi efetuada ao abrigo do regime de transição previsto nos nºs 2 e 4 do artº 95º da Lei 12-A/2008 sendo, como tal, perfeitamente legal e legítima, pois a lei dava ao dirigente máximo o poder casuístico de homologar a transição sempre que este concluísse pela equivalência do grau de complexidade funcional e identidade de funções, exatamente como o fez nos presentes autos – v. Ponto H) da matéria de facto dada por provada nos presentes autos – e, nesse sentido, PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, in Os Novos Regimes de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos trabalhadores da Administração Publica – Comentário à Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, Coimbra Editora, 2ª Ed., 2010, pág. 256).

5ª Com efeito, está provado que o recorrente exercia há mais de três anos as funções correspondentes às de técnico e de técnico superior – v. Ponto E) da matéria de facto dada por provada nos presentes autos –, e que o Presidente da Câmara considerou que a carreira onde se encontrava detinha um grau de complexidade funcional idêntica à dos técnicos superiores – v. Ponto H) da matéria de facto provada –, razão pela qual determinou a transição do A. para a carreira de Técnico Superior ao abrigo dos já referidos nºs 2 e 4 do artº 95º.

6ª Consequentemente, tal transição não enferma de qualquer nulidade, antes sendo perfeitamente válida, tanto mais que atos nulos são, para além dos taxativamente previstos, aqueles que ofendem o conteúdo essencial de algum direito fundamental ou aos quais falte algum dos seus elementos essenciais, o que não é garantidamente o caso do ato de transição do recorrente, pois não só não ofende o conteúdo essencial de qualquer direito fundamental como muito menos padece de qualquer inidentificabilidade orgânica ou material.

7ª Para além disso, o ato que determinou a transição do recorrente consubstancia um verdadeiro ato de nomeação – uma vez que por força do mesmo passou a integrar uma nova carreira, com todas as consequências inerentes a tal integração, nomeadamente remuneratórias, pois passou a ganhar como Técnico Superior –, atos de nomeação esses que são unanimemente considerados (pela jurisprudência e doutrina) como sendo atos constitutivos de direitos (v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, pág. 678, bem como, a título exemplificativo, Acºs do STA de 23-11-1999, 2ª Subsecção do CA, Proc. nº 040201; Acórdão do STA de 12-11-2009, Proc. nº 0566/09; Acórdão do STA de 01-03-1984, Proc. nº 017523; Acórdão do STA 13 de Outubro de 1983, Proc. nº 016772), pelo que só poderia ser revogado com fundamento em ilegalidade e no prazo máximo de 1 ano, previsto no artº 141º do CPA;

8ª Por isso mesmo, ainda que por mera hipótese se entendesse que a transição do recorrente era ilegal, a verdade é que a entidade recorrida tinha 1 ano para proceder à sua revogação, ano esse que já há muito havia decorrido desde que havia sido feita a “revogação-mascarada-de-declaração-de-nulidade”, pelo que é inquestionável a sua ilegalidade por estar a revogar anterior ato constitutivo de direitos em violação do disposto no artº 141º do CPA.

9ª E não se defenda a ilegalidade do ato de nomeação/transição por falta de publicitação, pois não pode a entidade recorrida ignorar que a aceitação e a publicitação são meras condições de eficácia e não de validade, pelo que nunca teriam a virtualidade de tornar ilegal o ato de nomeação do recorrente e, como tal, de legitimar a sua revogação.

10ª Acresce, ainda, que o aresto em recurso enferma de erro de julgamento por considerar que não houve qualquer violação dos princípios da proteção da confiança e da boa-fé, quando a verdade é que o ato de progressão/transição do recorrente era legal e foi sim inopinadamente considerado nulo – em clara violação também do princípio da legalidade –, e que o recorrente confiou na validade daquele ato, tanto mais que durante quase 2 anos esteve posicionado na carreira de técnico superior e a auferir como tal – mais concretamente, entre Janeiro de 2009 e Agosto de 2010, conforme resulta provado dos Pontos F) e J) da matéria de facto dada por provada nos presentes autos,

11ª Pelo que contrariamente ao que defende o aresto em recurso, foi sim violada a tutela da confiança e o princípio da boa-fé, razão pela qual sempre se terá que concluir que o aresto em recurso enferma de erro de julgamento por não considerar verificada a violação daqueles princípios, razão pela qual deve ser dado provimento ao presente recurso.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, considerarem-se verificados os vícios de violação de lei imputados ao ato impugnado, com as legais consequências. Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 29 de junho de 2016 (Cfr. fls. 183 Procº físico).

O aqui Recorrido/Município veio apresentar contra-alegações de Recurso, em 23 de setembro de 2016, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 188 e 188v Procº físico):
“1. O Tribunal relativamente aos elementos essenciais do ato administrativo, isto é se o mesmo violou ou não precitos legais, designadamente os invocados pelo Autor, se violou princípios basilares como a da tutela da confiança e o princípio da boa-fé, pronunciou-se desfavoravelmente, e bem, à tese do Autor, concluindo que o ato recorrido não enferma do apontado vício da violação da lei, nem dos vícios de violação dos princípios de confiança e da boa-fé.
2. Só tais vícios podiam inquinar o ato praticado e determinar a sua nulidade ou anulabilidade, repondo o ato administrativo anterior.
3. Ora, o Tribunal apenas considerou que foram preteridas formalidade legais que afetam a validade do ato praticado, como sejam a insuficiente fundamentação do ato administrativo, por não se enunciarem explicitamente, as razões ou motivos que conduziram à prática do mesmo.
4. Por essas duas razões meramente formais e não de mérito o Tribunal anulou o ato recorrido.
5. Não se vislumbram motivos ponderosos alicerçados na fundamentação, violação de preceitos legais e dos princípios invocados pelo recorrente, que possam determinar a revogação da sentença, que não merece qualquer censura.
TERMOS em que, se entende que deve manter-se a decisão, nos termos em que foi proferida. E assim se fará inteira justiça.”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 19 de outubro de 2016 (Cfr. fls. 200 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, os invocados vícios de violação de lei.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou como provada a seguinte factualidade, a qual infra se reproduz:
“A – O Autor é trabalhador do Município de Góis detendo até 01.01.2009, a categoria de Técnico Profissional Especialista Principal.
B – O Autor é técnico profissional de edificações obras – agente técnico de Arquitetura e Engenharia (vide doc. a fls. 57 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C – O Autor detém o curso técnico profissional e especialização edificações obras, o curso técnico de eletricidade e de infraestruturas de telecomunicações de edifícios (vide docs. a fls. 58 a 59 dos autos em proc. fis. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
D – Face às habilitações literárias e profissionais que possuía e o conteúdo das funções que exercia, em 03.09.2008, o Autor requereu “[…] a reconversão para a carreira de Técnico do Município de Góis, conforme o preceituado no Decreto-Lei n.º218/2000 de 09 de Setembro em adaptação dado Decreto-Lei n.º497/99 de 19 de Novembro e de acordo com alínea a) do n.º3 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º404-A/98 de 18 de Dezembro […]” (vide docs. a fls. 30 a 42 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
E – Na data referida na alínea anterior, o Autor exercia há mais de três anos as funções correspondentes às de técnico e de técnico superior, nomeadamente analisando e apresentando propostas de licenciamento de obras particulares, avaliações, pareceres, vistorias, elaboração de projetos de arquitetura e especialidades (vide docs. a fls. 61 a 62 dos autos em proc. fis. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F – Por despacho datado de 20.01.2009 do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Góis, aposto na informação dos respetivos serviços com a mesma data, foi homologada a proposta de transição do Autor para a carreira de técnico superior, com efeitos a 01.01.2009, integrando o nível 15, 2.ª posição remuneratória (vide doc. a fls. 20 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G – Em informação dos serviços do Réu, datada de 13.07.2010, referente à transição do Autor referida na alínea anterior, consta que “[…] Não existe Aviso nem publicação em Diário da República da referida transição […]” (vide doc. a fls. 17 a 19 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
H – Em informação n.º 100/2010 GJ, do Gabinete Jurídico do Réu, sobre a transição do Autor referida nas alíneas anteriores, retira-se que: “[…] Pese embora o facto de não ser titular de uma licenciatura, o trabalhador transitou para a carreira geral de técnico superior, com base na alínea a) n.º 2 do artigo n.º 95.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (LVCR), aplicado à administração autárquica por força do Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de Setembro, por se encontrar numa carreira cujo grau de complexidade funcional foi considerada idêntica à dos técnicos superiores.
No entanto refere ainda o n.º 3 do mesmo artigo que as carreiras referidas no n.º 1 constam de decreto-lei a publicar.
O diploma legal que aqui é referido é o Decreto-lei n.º 121/2008, de 11 de Julho, do qual não consta esta carreira/categoria.
IV Proposta
Face ao exposto propomos a nulidade dos atos, a declaração de ineficácia dos mesmos, por falta de publicação em Diário da República e o regresso à carreira/categoria de onde transitou e à anterior posição remuneratória. […]” (vide doc. a fls. 13 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
I – No parecer referido na alínea anterior foi aposto despacho pela Sra. Presidente da Câmara Municipal de Góis, datado de 03.08.2010, com o seguinte teor: “Informe-se o trabalhador em conformidade com o teor do parecer jurídico” (vide doc. a fls. 13 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
J – Em ofício dos serviços do Réu, datado de 10.08.2010, dirigido ao Autor e subscrito pela Sra. Presidente da Câmara Municipal de Góis, retira-se que: “[…] Vimos por este meio e após análise dos processos de transição de carreiras e alterações de posicionamento remuneratórios ocorridos no Município de Góis, informar V. Exa. que, o seu processo de transição para Técnico Superior, enferma de várias violações legais, inquinando-o de nulidade, de acordo com o artº 133º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
De acordo com os nºs 1 e 2 do artº 134º do CPA, o(s) ato(s) nulo(s) não produzem quaisquer efeitos e a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
Refere ainda o artº 137º, que os atos nulos não são suscetíveis de ratificação, reforma ou conversão.
Face ao exposto, e acordo com o parecer jurídico emitido sobre o assunto declara-se a nulidade do ato em apreço e respetiva ineficácia por falta de publicação em Diário da República, ficando desde já notificado que, a partir da data de receção da presente missiva, retoma a carreira/categoria de Assistente Técnico onde estava integrado, assim como as inerentes remunerações […]” (vide doc. a fls. 6 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K – O ofício referido na alínea anterior foi recebido pelo Autor em 10.08.2010 (vide doc. a fls. 6 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
L - Em ata da reunião da Câmara Municipal de Góis, referente à reunião de 10.08.2008, extrai-se que: “[…] 3.7 – DRH/Regularização de processos – A senhora Presidente informou que após a análise dos processos de transição de carreiras e alterações de posicionamento remuneratórios ocorridos no mandato transato, verificou-se que quatro processos enfermavam de várias violações legais, inquinando-os de nulidade, de acordo com o artigo 133º e seguintes, do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Mais informou, que de acordo com os nºs. 1 e 2 do artº 134º do CPA, o(s) ato(s) nulo(s) não produzem quaisquer efeitos e a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal, referindo ainda o art.º 137º, que os atos nulos não são suscetíveis de ratificação.
A senhora Presidente informou ainda, que após solicitação de parecer jurídico sobre o presente assunto, declarou-se a nulidade dos referidos atos e respetiva ineficácia por falta de publicação em Diário da República, retomando os quatro trabalhadores à anterior categoria onde estavam integrados, assim como às inerentes remunerações […]” (vide doc. a fls. 13 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
M – A petição inicial do presente meio processual deu entrada neste Tribunal em 30.11.2010 via fax, tendo os respetivos originais sido entregues em 02.12.2010 (cf. fls. 1 a 65 dos autos em proc. fis.).
IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
Peticionou originariamente o então Autor/JMPM a impugnação do “Despacho do Presidente do Município de Góis, datado de 10/08/2010, que declarou nulo o ato de transição do A. para a carreira Técnico Superior”.

Se é certo que o tribunal a quo veio a determinar a anulação do ato objeto de impugnação, insurge-se, no entanto, o Recorrente contra o facto de, ainda assim, a decisão proferida não ter reconhecido os vícios de violação de lei suscitados, nomeadamente, a revogação ilegal de atos constitutivos de direitos e a violação do princípio da tutela da confiança.

Efetivamente, resulta do segmento decisório da Sentença Recorrida:
“Com os fundamentos supra expostos, concedo provimento à presente ação, anulando-se o ato recorrido consubstanciado no despacho da Sra. Presidente da Câmara Municipal de Góis, datado de 10.08.2010 e a que se alude nestes autos.”

Em bom rigor, o aqui Recorrente veio esgrimir nesta instância toda a argumentação que havia invocado junto do tribunal a quo.
Aqui chegados, e para permitir uma mais eficaz visualização do “direito” invocado pelo tribunal a quo, transcrevem-se os segmentos relativos aos vícios invocados, mas não reconhecidos por aquela instância:
“1 – Do invocado vício de violação de lei.
Na perspetiva do Autor o ato recorrido padece de um vício de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 140.º e 141.º do CPA. Assim, em suma, defende o Autor que o referido ato é um ato revogatório incidente sobre um anterior ato constitutivo de direitos, este último consagrando a sua progressão na carreira.
Contudo, se atentarmos no conteúdo do ato recorrido, verificamos que o mesmo se de facto incide sobre um ato administrativo que lhe é anterior e que constitui o seu objeto, a verdade é que não o revoga, antes o declara nulo e ineficaz.
Ora, dispunha o n.º 2 do art.º 134.º do CPA que: “a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal”.
O que se fez no ato recorrido foi uma declaração de nulidade cuja fonte é um órgão da Administração, sendo que este até pode ser distinto do órgão que praticou o alegado ato nulo. Tal declaração, nos termos da norma citada, pode ser formalmente feita a todo o tempo, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 134.º do CPA, onde se estatuía que: “o disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”.
Ora, mesmo a possibilidade ínsita no citado n.º 3 do art.º 124.º do CPA, afeta apenas os efeitos do ato e já não contende com questões referentes à validade do mesmo e, só estas, são passíveis de aqui serem conhecidas, uma vez que o Autor não apresenta qualquer causa de pedir e/ou pedido referente ao eventual reconhecimento de determinados efeitos decorrentes do ato cuja nulidade foi administrativamente decretada.
Por isso, o ato recorrido não enferma do apontado vício de violação de lei.
2 – Da alegada violação do princípio da confiança.
Na perspetiva do Autor, o ato impugnado viola o princípio da confiança e da boa-fé. Porém, há que cindir a aparente aglutinação que o Autor faz do aludido(s) princípio(s), antes estes se autonomizando dada a distinta natureza daqueles.
Assim, em primeiro lugar, o princípio do Estado de Direito Democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica. Não podemos deixar de ter em mente que o Homem, para além de um espaço de liberdade, carece de segurança para poder conduzir, planificar, estruturar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida. Nessa medida, o desenvolvimento pessoal e social de um cidadão vivente num Estado de Direito Democrático terá de estar alicerçado nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
O princípio da segurança jurídica, enquanto vertente do princípio do Estado de Direito Democrático, comporta duas ideias fundamentais. A primeira, a de estabilidade, no sentido de que as resoluções estatais, incluindo as leis, «não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes». A segunda ideia é a da previsibilidade que, no fundamental, se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos». Daí que a realização e efetivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na atuação dos entes públicos. É, assim, que o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, de forma a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica. Assiste às pessoas o direito de poderem confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam.
Por outro lado e em segundo lugar, o princípio da boa-fé tinha então assento no art.º 6.º-A do CPA, no qual se dispunha que:
“Artigo 6.º-A
Princípio da boa-fé
1 - No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.
2 - No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) A confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa;
b) O objetivo a alcançar com a atuação empreendida.”
No ato recorrido e sobretudo no parecer que supostamente o sustenta, verificamos que o seu autor está convicto de que a decisão dele decorrente se destina a repor a legalidade que teria sido violada com o conteúdo decisório do ato supostamente nulo. É certo que se pode defender que a declaração de nulidade de um ato administrativo se pode configurar um exercício de um poder discricionário por parte da administração, no entanto, o exercício deste poder não é desprovido de linhas norteadoras no que ao seu uso diz respeito. De entre estas linhas inclui-se o princípio da legalidade constitucional e legalmente consagrado e que, numa perspetiva positiva, deve também orientar as condutas da administração (sendo um princípio que não vale só numa perspetiva negativa de não violação da legalidade). Assim sendo, no caso em concreto, o Réu exerceu o aludido poder discricionário de acordo com os ditames de legalidade a que estava obrigado, não se podendo falar de uma violação da tutela da confiança, uma vez que esta teria que se fundar num ato patentemente legal e agora inopinadamente considerado nulo e sem efeito (o que não é o caso). Igualmente, não se pode considerar que houve qualquer violação do princípio da boa-fé pois este pressupõe que a mútua confiança alicerçada em pressupostos legais estáveis e não em vínculos de controvertida legalidade e cujos efeitos não se produziriam até por falta de publicação do ato de progressão da carreira (ainda que se considerasse que esta teria quer ser feita apenas nos termos constantes do art.º 109.º da Lei n.º 12-A/2008).
Por isso, não se verifica, in casu, a violação dos aludidos princípios.
3 – Da mencionada falta de fundamentação.
Na perspetiva do Autor, o ato recorrido enferma de falta de fundamentação.
(…)
Por isso, o ato recorrido padece do apontado vício de forma por insuficiente fundamentação que, para efeitos legais, corresponde à falta de fundamentação.
4 – Da alegada preterição da audiência dos interessados.
Na visão do Autor, o ato recorrido foi proferido sem que tivesse sido promovida a audiência prévia dos interessados.
(…)
Deste verifica-se o apontado vício de forma por preterição da audiência dos interessados.”

Do vício de violação de lei.
Na ótica do Recorrente o ato objeto de impugnação padece de um vício de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 140.º e 141.º do CPA, o que não terá sido reconhecido pelo tribunal a quo.

Subjacente a toda a discussão que se possa ter, está o facto do Artº 139º nº 1 alínea a) do CPA então aplicável, referir de modo expresso que “não são suscetíveis de revogação … os atos nulos ou inexistentes”, sendo que sobre o ato controvertido incidiu uma declaração de nulidade.

Importaria pois verificar a natureza do vício que incidiu sobre o ato que determinou a originária transição do então Autor, aqui Recorrente, da carreira de técnico profissional, para a carreira de técnico superior.

Mostrar-se-ia pois necessário concluir se o ato cuja nulidade foi declarada, será efetivamente um ato nulo, por lhe faltar um elemento essencial, à luz do Artº 133º do CPA então aplicável, sendo que o ónus da prova sempre caberia à Entidade Administrativa, no caso, o Município, uma vez que ao autor apenas caberia contradizer tal entendimento, como o fez, designadamente, na conclusão 6ª do seu Recurso.

O Município foi avulsamente ao longo do procedimento, invocando razões diversas para justificar a declaração de nulidade da transição funcional operada, o que necessariamente fragilizou a sua posição.

Foram sendo, nomeadamente, invocados os seguintes fundamentos como justificativos da declarada nulidade;
a) Falta de publicação do ato de reclassificação em Diário da República;
b) Parecer da IGAL;
c) Falta de Habilitações Académicas do Autor;
d) Não Constar a Categoria/Carreira do Autor da lista do DL nº 121/2008

É insofismável e incontornável que o ato de declaração de nulidade, tal como decidido em 1ª instância. se mostra insuficientemente fundamentado.

Em qualquer caso, a isso acresce o facto, como se disse já, de ao município caber o ónus de demonstrar que o ato declarado nulo, o era efetivamente.

Com efeito, cabe à entidade demandada o ónus da prova de que o ato declarado nulo o era na realidade, nos termos legalmente estabelecidos, não cabendo ao então autor aqui Recorrente, provar o contrário, dado estarmos perante um ato positivo da Administração, caso em que as posições das partes, no processo, aparecem invertidas, em relação àquelas que lhes pertencem no quadro da relação jurídica substantiva.

Não cabia pois ao autor o ónus de provar que o ato declarado nulo, o não era, cabendo antes à entidade aqui recorrida alegar e provar que a reclassificação do seu funcionário havia violado elementos essenciais, impositivos da sua declaração de nulidade, o que não logrou conseguir.

Como diz Mário Aroso de Almeida, nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 20, p. 48-49:
«… há que distinguir, nesta matéria, consoante o ato impugnado é um ato de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um ato de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.
Pois consoante se trate de um ou de outro caso, assim se diferenciam as posições em que as partes se encontram colocadas no quadro da relação subjacente ao recurso.
Comecemos, pois, pela hipótese, estruturalmente mais simples, do recurso de impugnação de um ato de conteúdo positivo. É neste domínio que as partes figuram no recurso em posições invertidas em relação àquelas que lhes pertencem no quadro da relação jurídica substantiva.
(…) Ora, esta diferença de natureza substantiva deve, a nosso ver, projetar-se no plano da definição das regras de decisão com base nas quais o tribunal deve decidir nas situações em que nenhuma conclusão clara tiver resultado de toda a prova reunida em favor de qualquer das partes:
a) Assim, se o recorrente alegar o não preenchimento dos pressupostos do ato, deve recair sobre a Administração o risco da falta de prova da respetiva verificação».

No mesmo sentido se pronunciou Vieira de Andrade, em «A Justiça Administrativa», p. 271.
Citando esta doutrina, chegou-se à mesma conclusão em inúmeros Acórdãos, designadamente deste TCAN, aqui aplicáveis, mutatis mutandis, a saber:
Vg. Acórdãos, Procº nº 00105, de 7 de dezembro de 2004; Procº nº 02258/05BEPRT, de 13 de janeiro de 2011; Procº nº 00461/08BEPRT, de 7 de março de 2013 e Procº nº 00151/08BECBR, de 20 de novembro de 2014.

Assim é, porque se trata de matéria cujo ónus da prova, nesta formulação positiva, cabia à Entidade Demandada.

Estamos pois perante ato de conteúdo positivo, consubstanciado no ato que declara a nulidade de precedente ato.

Cabia portanto à entidade demandada invocar e provar coerentemente e em tempo oportuno, que o ato que declarou a nulidade de precedente ato de reclassificação funcional se mostrava nulo, objetivo não atingido, até pelo ziguezaguear de fundamentos aduzidos tendentes a justificar a nulidade declarada.

Efetivamente, não é suposto que o referido ónus de prova que caberia, no caso, ao município, pudesse ficar satisfeito com afirmações como aquela que consta do oficio de notificação do ato, onde sintomática e singelamente se afirmou que “… o seu processo de transição para Técnico Superior, enferma de várias violações legais…”(oficio de 10/08/2010), sem que então as mesmas se mostrem concretizadas.

A originária transição do Autor para a carreira de técnico superior assentou na alínea c) do nº 1 e na alínea a) do nº2 do artigo 95º da Lei nº 12A/2008 de 27 de Fevereiro, sendo que o estabelecimento das carreiras cujos titulares transitariam para a carreira de técnico superior, constava do Anexo I do DL nº 121/2008.

Com efeito, referia-se na inicial redação do Artº 2º do referido diploma:
“Transição para a carreira de técnico superior
Transitam para a carreira geral de técnico superior, nos termos do n.º 1 do artigo 95.º da lei, os trabalhadores que se encontrem integrados nas carreiras, ou que sejam titulares das categorias, identificadas no mapa i anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.”

Assim, sem prejuízo da declarada em 1ª instância, insuficiente fundamentação do ato que declarou a nulidade da transição funcional operada, é consequente dessa circunstância a não satisfação do referido ónus de prova da nulidade declarada, tanto mais que esses casos são restritivamente previstos no artigo 133º do CPA.

O Município ao afirmar infundada e conclusivamente no ato objeto de impugnação, que o originário ato de reclassificação é nulo, praticou um ato que padece do vício de violação de lei por erro no pressuposto essencial de direito, ao não ter satisfeito o ónus de prova que sobre si impendia.

Aqui chegados, mostrar-se-ia inútil e redundante ponderar e decidir os restantes vícios invocados, que igualmente, a confirmarem-se, determinariam a violação de lei, vicio que em função do já expendido supra, se declarará.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, ainda que mantendo a anulação do ato recorrido, declarando-se acrescidamente ao vicio de falta de fundamentação decidido em 1ª instância, a verificação do vicio de a violação de lei.
Custas pelo Recorrido

Porto, 30 de novembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia