Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00717/17.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FGS; CRÉDITOS EMERGENTES DO CONTRATO DE TRABALHO
Sumário:1 – De acordo com a declaração de inconstitucionalidade em fiscalização concreta, entendeu o Tribunal Constitucional, designadamente no seu Acórdão nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS segundo o qual o mesmo deverá ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.

2 - Perante a referida decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declarou a inconstitucionalidade da indicada interpretação do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, tal determinou a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a lacuna assim gerada.

3 - Perante a verificada lacuna, cabe aos tribunais, nomeadamente, criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.

4 – Na integração da lacuna deverá ser respeitada a intenção do legislador constante do Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, de limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

5 - Importa assim colmatar a lacuna que em concreto resultou da declaração de Inconstitucionalidade do TC, aceitando o prazo de caducidade de um ano criado pelo legislador, mas criando “norma (...) dentro do espirito do sistema” conformando-a com o regime constitucional vigente, restrita ao caso concreto, permissiva da suspensão do referido prazo, em decorrência da reclamação da créditos por parte do interessado no processo judicial de insolvência, até à data em que a insolvência venha a ser, definitivamente, decretada.

6 - Assim, mostra-se legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaure a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência.

7 - A interpretação adotada permite pois dar resposta ao facto do TC ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado, ainda que ex nunc, norma exatamente nesse sentido. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.M.S.F
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A.M.S.F, devidamente identificado nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente à impugnação do Despacho do Presidente do Conselho de Gestão do FGS de 03.01.2017 e 09.02.2017 que lhe indeferiu o pagamento dos créditos emergentes do Contrato de Trabalho, mais peticionando o pagamento das correspondentes quantias, inconformada com a decisão proferida no TAF de Braga que em 18.12.2017 julgou improcedente a Ação, veio recorrer jurisdicionalmente para esta instância em 31.01.2018, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1- A douta sentença recorrida julgou improcedente a ação interposta pela aqui recorrente e absolveu o R. dos pedidos formulados, não se conformando a aqui recorrente com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelos fundamentos que se passarão a expor.
2- Refere o Tribunal a quo ter ficando provada a seguinte matéria de facto:
11 O Autor foi trabalhar por conta da sociedade J., LDA em 01.05.2014 mediante um salário mensal de 639,00 - Facto não controvertido; Cfr. fls. 01) do PA.
12- O contrato de trabalho entre a Autora e a sociedade referida em 01) terminou em 31.07.2015 - Cfr. fls. 05/07, 40 e 43 do PA e fls. 74/77 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
13- Em 06.10.2015, cessaram nomeadamente os contratos de M.A.C.A., J.A.S., A.A.C., M.C.S.G., A.F.A., V.M.A.T., M.A.B.P., J.F.A. e M.A.B.G.V. com a sociedade referida em 01) - cfr. fls. 40 do PA.
14- Em 17.08.2015 a sociedade referida em 01) foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 579115.2TBPTL do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Ponte de Lima, Instância Local - Secção de Competência Genérica,
J1 - Facto não controvertido; Cfr. fls. 09 do processo físico e fls. 89 do PA.
15- A Autora reclamou créditos junto do processo de insolvência referido em 04) no montante de € 5800,99 - Cfr. fls. 74/77 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
16- Em 06.04.2016 a Administradora reconheceu créditos à Autora no âmbito da insolvência atrás referida, no valor de € 3.708,49 - cfr. fls. 09) do processo físico e fls. 2/04 do PA.
17- Em 01.08.2016 a Autora requereu junto do Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos laborais no valor de € 8.500,99 - cfr. fIs. 01/02 PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
18- Em 03.01.2017, na sequência do pedido referido em 07), o Presidente do Conselho Diretivo do FGS indeferiu aquele pedido pelo facto do mesmo não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - Cfr. Doe, 5 junto com a PJ cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
19- A Autora, em 24.01.2017 reclamou da decisão de indeferimento referida em 08) - cfr. doe. 07 junto com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
20- A reclamação referida em 09) foi indeferida em 09.02.2017, mantendo-se o indeferimento referido em 08) - Facto não controvertido; Cfr, fls, 18/19 do processo tisico.
3- Para formar a sua convicção, o tribunal a quo veio dizer o seguinte:
- os factos dados como provados, resultam no essencial, da apreciação livre, da prova documental junta aos autos pelas partes e da análise do P A.
- teve ainda em conta o Tribunal a posição das partes quantos aos factos alegados pelas partes e que não se encontram controvertidos.
- quanto ao ponto 02) do probatório, data de cessação em 31.07.2015 do contrato de trabalho da Autora e ex empregadora J., LDA que cabia à Autora logo indicar no requerimento apresentado no FGS, o Tribunal apoiou-se não só nas declarações da Segurança Social a dar conta de que a cessação daquele contrato cessou em 31.07.2015 (como se enuncia no ponto 02) dos factos provados), mas essencialmente no facto de ter a Autora ter declarado logo aquando da reclamação de créditos junto do Administrador de insolvência que aquele contrato terminou em 31.07.2015. Veja-se a reclamação de créditos de fls, 74/77 do PA, designadamente o ponto 5° onde refere que se manteve "... ao serviço da insolvente (...) até 31 de julho de 2015", o mesmo sucedendo no ponto 13° daquela reclamação onde volta a declarar ser 31.07.2015 a data da cessação do contrato.
- atente-se também no ponto 8° daquele mesmo requerimento onde peticiona vencimentos de Maio, Junho e Julho de 2015, sendo que o valor total que descrimina naquele ponto e nos pontos 14°, 18° e 19° perfazem a quantia de € 8.500,99 que peticiona que, se de lapso se tratasse daria um valor superior.
- Ademais, o facto de em Novembro de 2016, após o indeferimento do requerimento do FGS, o anterior sócio que agora, por via da insolvência, não representa sequer a insolvente, não logrou convencer o Tribunal que a data de cessação fosse posterior a 31.07.2015.
- de resto, não se vê que a indicação (que ficou por fazer no requerimento apresentado no FGS) da data da cessação a 31.07.2015 se tratasse de lapso, pelas razões acima referidas, desde logo por resultar da leitura conjunta da reclamação de créditos que sucedeu em 31.07.2015 a cessação e não em 14.08.2015, assim como nesse sentido aponta a informação da Segurança Social e Administradora de Insolvência, constante do P A (designadamente de fls 05/07, 40 e 43 do P A)
4- E na fundamentação de direito, veio o tribunal a quo referir que: Decorre do n.º 1 do artigo 1º do NRFGS que:
"1 - O fundo de garantia salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja:
b) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador
(...)"
Por sua vez, e no mais essencial, prevê o artigo 2º (créditos abrangidos), n.º 8 do DL n.º 59/2015 que: (...) O Fundo só assegura o pagamento de créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho"
Está em causa neste prazo de um ano a cessação do contrato de trabalho para fixação do termos inicial (dia seguinte à cessação do contrato) e termo final (data de apresentação do requerimento)."
5- Ora, por Processo de Insolvência que decorreu no Tribunal Judicial de Ponte de Lima com o nº 579115.2T8PTL foi decretada a insolvência da J., Ida, entidade patronal da aqui recorrente em 17/08/2015 e na qual a ora recorrente reclamou os seus créditos, no montante global de €8.500,99 e em 11-08-2016 a Recorrente recorreu ao Fundo de Garantia Salarial, tendo reclamado o pagamento do montante global de €8.500,99.
6- A Recorrente Reclamou o seu crédito, através de reclamação de crédito no referido processo de insolvência da J., Lda. a qual foi recebida, não se tendo no entanto procedido ao pagamento do mesmo por insuficiência de massa insolvente que permitisse o seu pagamento.
7- Apenas com a declaração de insolvência da entidade empregadora é que poderia a ora recorrente recorrer ao Fundo de garantia salarial e não foi a ora Recorrente a requerer a dita insolvência, mas dela tomou proveito quanto aos seus créditos bem como da própria sentença de Insolvência.
8- Tendo, com a entrada de tal pedido sido interrompidos os prazos para acionar o Fundo de Garantia Salarial, que abrange todos os intervenientes e interessados no processo.
9 - Acontece que, dado a interrupção do prazo de prescrição e analisando-se apenas os factos concernentes às datas de apresentação do requerimento da aqui recorrente junto do fundo de garantia salarial, não decorreu o prazo de um ano e mesmo que se entendesse que a aqui recorrente tivesse cessado o contrato de trabalho na data dada que provada na matéria de facto, no dia 31/07/2015, o que apenas se refere a título de mero raciocínio jurídico, não teria, igualmente ocorrido a prescrição dos créditos da ora reclamante,
10 - Isto porque ocorreu um facto que obstou à ocorrência da mesma, o qual ocorreu com o pedido de Insolvência da sua entidade empregadora e, e depois disso, com a apresentação da reclamação de créditos por parte da aqui recorrente.
11 – Assim, a prescrição a que se alude no indeferimento do pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e na sentença de que ora se recorre não sobreveio visto ter ocorrido a interrupção dessa mesma prescrição.
12~ Assim sendo, e atento o supra exposto, seria de todo impossível, dados os procedimentos legalmente impostos e o tempo que os mesmos implicam, acionar o fundo de garantia salarial no prazo prescrito na lei sem que ocorresse a interrupção da prescrição.
13- Tendo assim ocorrido a interrupção do prazo da prescrição e considerando-se que o procedimento de recurso ao fundo de garantia salarial foi feito atempadamente, estão reunidos todos os pressupostos legais para a atribuição do mesmo, deve o pedido apresentado pela Recorrente ser deferido, por legal e tempestivo.
14-Ao decidir em contrário a sentença violou o disposto no artigo 323º do Código Civil.
15- Assim, e atento o supra exposto, deverá ser revogada a Sentença proferida, substituindo-se por decisão que considere tempestivo o pedido apresentado pela impugnante junto do Fundo de Garantia Salarial, sendo o mesmo acionado, e, consequentemente, ser paga a quantia peticionada no mesmo, só assim se fazendo a habitual.”
O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 28 de setembro de 2018.
O Recorrido/FGS não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público nesta instância, veio a emitir Parecer em 15.10.2018, no qual, a final, se pronuncia “no sentido de o presente recurso jurisdicional não obter provimento.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, os invocados erros de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade dada como provada:
“1. A Autor foi trabalhar por conta da sociedade J., LDA em 01.05.2014 mediante um salário mensal de 639,00 – Facto não controvertido; Cfr. fls. 01) do PA.
2. O contrato de trabalho entre a Autora e a sociedade referida em 01) terminou em 31.07.2015 - Cfr. fls. 05/07, 40 e 43 do PA e fls. 74/77 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
3. Em 06.10.2015 cessaram, nomeadamente, os contratos de M.A.C.A., J.A.S., A.A.C., M.C.S.G., A.F.A, V.M.A.T., M.A.B.P., J.F.A. e M.A.B.G. V., com a sociedade referida em 01) – Cfr. fls. 40 do PA.
4. Em 17.08.2015 a sociedade referida em 01) foi declarada insolvente no âmbito do processo nº 579/15.2TBPTL do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Ponte de Lima, Instancia Local – Secção de Competência Genérica. J1 – Facto não controvertido; Cfr. fls. 09 do processo físico e fls. 89 do PA.
5. A Autora reclamou créditos junto do processo de insolvência referido em 04) no montante de € 8.500,99 – Cfr. fls. 74/77 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
6. Em 06.04.2016 a Administradora de insolvência reconheceu créditos à Autora, no âmbito da insolvência atrás referida, no valor de € 3.708,49 – Cfr. fls. 09) do processo físico e fls. 2/04 do PA.
7. Em 11.08.2016 a Autora requereu junto do Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos laborais no valor de € 8.500,99 – Cfr. fls. 01/02 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
8. Em 03.01.2017, na sequência do pedido referido em 07), o Presidente do Conselho Diretivo do FGS indeferiu aquele pedido pelo facto do mesmo não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho – Cfr. Doc. 5 junto com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
9. A Autora, em 24.01.2017 reclamou da decisão de indeferimento referida em 08) – Cfr. Doc. 07 junto com a PI cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
10. A reclamação referida em 09) foi indeferida em 09.02.2017, mantendo-se o indeferimento referido em 08) – Facto não controvertido; Cfr. fls. 18/19 do processo físico.

IV – Do Direito
O Autor intentou a presente ação administrativa contra o “Fundo de Garantia Salarial” suscitando a impugnação do Despacho de 12/05/2018 do seu Presidente, que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho celebrado com a “H., Lda.”, com o fundamento de que o requerimento da A. não foi apresentado dentro do prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do art. 2º do DL 59/2015, de 21.04.

No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) A Autora instaurou a presente ação administrativa contra o Fundo de Garantia Salarial (FGS) tendo em vista obter a remoção da ordem jurídica o despacho que lhe indeferiu o pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, desde logo porque, se bem vemos, entende que o requerimento é tempestivo, pretendendo que lhe sejam reconhecidos os créditos peticionados no FGS legal que estima em € 8.500,99.
Como se vê do pedido por si formulado, está em causa uma ação de condenação à prática de ato que o Autor entende ser o devido, ou seja o deferimento da sua pretensão em ver paga as quantias que peticionou junto do FGS tendo em conta o limite legal.
É nesta pretensão material do Autor que o Tribunal se deve centrar pois que, nas ações de condenação á prática de ato devido, o Tribunal deve analisar a pretensão material do Autor que, a ser procedente, consome a anulação/nulidade do ato, que assim não atendeu ou acolheu a sua pretensão em fase administrativa.
Com efeito, atendendo ao objeto da lide, definido pela causa de pedir e pelos pedidos formulados, estamos em presença de uma ação administrativa para condenação à prática de ato devido, no âmbito da qual o Autora cumulou um pedido de declaração de anulação do indeferimento e um pedido condenatório ao recebimento do montante que entende ser devido. Nas ações de condenação à prática de ato devido, o objeto do processo não é o indeferimento, mas a pretensão material que a Autora pretende fazer valer na ação, sendo, por isso, irrelevantes os vícios imputados ao ato, pelo que ao Tribunal não compete apreciá-los com vista a eventual anulação ou declaração de nulidade do ato, sendo que a eliminação desse ato da ordem jurídica decorre da pronúncia condenatória de prática do ato legalmente devido.
Nessa conformidade, dispõe o art.º 66º, n.º 2 do NCPTA que “ainda que a pratica do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronuncia condenatória”.
Assim, na ação administrativa que nos é trazida, o Tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão material formulada pelo Autor, consoante se adiantou, rejeitando-se, neste tipo de ações, a prolação de sentenças de mera anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos.
Posto isto, julga-se irrelevante o pedido formulado pela Autora de anulação do ato impugnado nos autos, passando a apreciar-se, de imediato, a pretensão material que corresponde a saber se assiste ao Autor o direito a obter a condenação do R. à prática de ato que assegure o pagamento dos seus créditos laborais emergentes de contrato de trabalho, nos termos em que o mesmo Autora peticiona, tendo em conta as balizas estabelecidas pelo NRFGS (DL nº 59/2015, de 21.04).
Vejamos então.
Se bem vemos, o pomo da discórdia entre as partes, como avançamos, centra-se no facto de terem entendimentos divergentes quanto ao início da contagem do prazo, que no entender da Autora começa em 15.08.2015, por ser esse o dia seguinte à cessação do contrato de trabalho, sendo pois tempestivo.
O FGS entendeu que o requerimento teria de ser indeferido pois o contrato terminou em 31.07.2015 e o requerimento deu entrada no FGS em 11.08.2016.
Vejamos.
Importa consultar, antes de mais, os normativos que irão nortear a nossa análise e que importa convocar.
Decorre do artigo 336º do CT que: “o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica.”
A legislação especial a que se reporta o normativo transcrito é, in casu, o DL nº 59/2015 de 15.04 (NRFGS), atendendo à data do requerimento apresentado pelo Autor.
Na situação trazida, o Autor reclamou créditos junto do FGS, respeitantes a créditos laborais emergentes da cessação do contrato cessado em Maio de 2014.
Decorre do nº. 1 do artigo 1º do NRFGS que:
“1 - O Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja:
a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador;
(…)”.
Por sua vez, e no mais essencial, prevê o artigo 2º (Créditos abrangidos), nº 8, do DL nº. 59/2015 que: “(…) O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Está em causa neste prazo de um ano a cessação do contrato de trabalho para fixação do termos inicial (dia seguinte à cessação do contrato) e termo final (data de apresentação do requerimento).
Consultando os factos provados, os mesmos informam que o contrato da Autora e a ex empregadora, agora insolvente, cessou em 31.07.2015 (Cfr. ponto 02) dos factos provados).
Atenta a data em que a A. apresentou nos serviços do R. o seu requerimento para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho, em 11.08.2016 (Cfr. ponto 07) dos factos provados), já se encontrava em vigor o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (doravante, NRFGS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
Com efeito, nos termos do prescrito no art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial (…), os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor. O mesmo decorrendo do artigo 3º nº 2 daquele diploma (Os requerimentos apresentados ao Fundo de Garantia Salarial e pendentes de decisão são apreciados de acordo com a lei em vigor no momento da sua apresentação).
Por conseguinte, tendo o mencionado regime entrado em vigor em 04/05/2015, como o estipulado no art.º 5 do mesmo diploma, resulta inequívoco que a pretensão do Autor deve ser apreciada à luz do regime estabelecido pelo NRFGS.
Regressando ao probatório, dando o mesmo notícia de que o contrato da Autora cessou em Julho de 2015 (Cfr. ponto 02) dos factos provados) e que o requerimento para obtenção dos créditos laborais deu entrada no FGS em 11.08.2016 (Cfr. ponto 07) dos factos provados), estava já esgotado o prazo de um ano que se completou em 01.08.2016.
Falar-se em Fundo de Garantia Salarial requer atender-se à finalidade social do mesmo, a qual justifica que sejam adotados limites à sua intervenção, não só temporais quanto ao período de referência e quanto ao prazo de 1 ano para apresentação dos requerimentos ao FGS, que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente, como também os atinentes às importâncias a pagar.
A ratio deste regime legal é, consoante se sumariou no Acórdão do TCAN de 03.05.2013, Proc. nº 00340/11.3BEPNF “…fundamentalmente a de assegurar, por um lado, o pagamento de créditos não muito dilatados no tempo - e daí o limite temporal cujo recuo máximo se situa no sexto mês anterior à data da entrada da ação ou do requerimento em causa - e por outro, de créditos balizados numa moldura quantitativa máxima garantida - 6 meses de retribuição não superior a 3 salários mínimos nacionais; I.4 - é neste contexto que o artº 317º da lei 35/2004, de 29 de Julho esclarece que “o Fundo de garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes”, I.5 - e o artº 319º do mesmo diploma legal, estabelece, no nº 1, que “o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artº 317º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior”
Por assim ser, por opção do legislador foram consagrados os limites previstos no seu regime, excluindo da sua previsão determinados trabalhadores que não reúnam os requisitos temporais (e quantitativos), quer quanto ao período de referência quer quanto ao prazo de caducidade para acionar o FGS para a sua obtenção.
O disposto no DL nº 59/2015 e respetivo anexo (que institui o NRFGS) constitui norma de carácter especial onde se encontra o regime legal de que depende o deferimento pelo FGS dos pedidos de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho no caso de insolvência das entidade empregadoras, sendo certo que no NRFGS também não se prevê qualquer causa suspensiva ou interruptiva do prazo para apresentação do requerimento para pagamento de tais créditos, designadamente, por via da instauração de qualquer processo, quer de natureza laboral, quer de insolvência ou de verificação de créditos, inexistindo qualquer interrupção do prazo previsto no art. 2º nº 8 do NRFGS.
Regressando à factualidade dada como provada, designadamente a supra anotada, bom de ver está que, efetivamente, ao ter dado entrada no FGS do requerimento para pagamento dos créditos laborais emergentes de um contrato de trabalho cessado em Junho de 2015, em Agosto de 2016, já havia transcorrido o prazo de um ano a que alude o artigo 2º nº 8 do NRFGS.
Como se disse, de acordo com o NRFGS, o FGS só assegura o pagamento dos créditos laborais que lhe sejam requeridos, caso estejam preenchidos os requisitos legais (designadamente os previstos no art. 1º a 3º do NRFGS), até um ano a partir do dia seguinte àquele em que a trabalhadora cessou o contrato de trabalho, estando em causa um prazo de caducidade, sendo irrelevantes, por isso, as vicissitudes factuais que impediriam o seu curso se em causa estivesse um prazo de prescrição.
Relativamente à natureza do prazo de um ano em destaque, a dissolução da problemática elencada deve ser buscada na diferenciação plasmada nos n.ºs 1 e 2 do art.º 298.º do Código Civil. Realmente, estipula o n.º 1 do citado preceito que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição. Por seu turno, o n.º 2 consagra que, quando, por força da lei ou da vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
Revertendo ao caso concreto, emerge com clareza que o prazo estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS pretende impor o exercício de um direito até um certo momento temporal, motivado por razões de segurança e certeza jurídica. Anote-se, que não está em causa um prazo do qual dependa a subsistência de um direito substantivo, uma vez que a existência do crédito salarial não se extingue pelo facto do seu pagamento não ser requerido ao R.. O que está em causa é, meramente, um prazo impositivo e certo para o exercício do direito de requerer o pagamento do crédito ao R.. O que quer dizer, portanto, que devendo tal direito ser exercido naquele prazo de um ano, este prazo assume, cristalinamente, a natureza de prazo de caducidade.
Como se disse no Acórdão do TCAS de 01.06.2017, Proc. nº 3462/15.8BESNT, diremos nós também que:
“I – De harmonia com o disposto no artigo 2º nº 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), aprovado pelo DL. n.º 59/2015, de 21 de Abril o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
II – O prazo previsto no nº 8 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), aprovado pelo DL. n.º 59/2015, de 21 de Abril, para que seja requerido ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos laborais é um prazo de caducidade”.
Os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem, a não ser que a lei assim o determine, prevendo, nomeadamente, causas de interrupção ou suspensão, conformemente ao estipulado no art.º 328.º do Código Civil.
Deste modo, assomando como manifesto que o prazo estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS constitui um prazo de caducidade e que, por essa razão, não comporta sequer causas de interrupção ou suspensão, impera concluir que, no momento em que a A. apresentou o seu requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, encontrava-se já decorrido e esgotado o prazo de um ano contado desde a data da cessação do contrato de trabalho em causa. Por conseguinte, a decisão do R. não merece qualquer censura no que concerne ao fundamento que escora o indeferimento.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, atinge-se a conclusão que não assiste razão ao Autor na pretensão condenatória que dirige a este Tribunal e que pretendia ver reconhecida, devendo, por isso, a sua pretensão naufragar.”

Importa agora analisar e decidir o suscitado.

Atenta a matéria de facto fixada, e a prova disponível, de modo a permitir uma mais eficaz visualização daquilo que aqui está em causa, infra se esquematizará cronologicamente a principal factualidade aqui relevante:
a) O Contrato Laboral do Trabalhador cessou em 31.07.2015;
b) A Insolvência da Sociedade foi declarada em 17.08.2015;
c) A Trabalhadora reclamou os seus créditos junto do Processo de Insolvência;
d) A Administradora de Insolvência reconheceu Créditos da aqui Recorrente em 06.04.2016
e) A trabalhadora reclamou os créditos junto do FGS em 11.08.2016;
f) O Requerido foi recusado pelo FGS por despacho de 03/01/2017:
g) A presente Ação foi intentada em 06/04/2017;

Vejamos:
É certo que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, atual lei reguladora do Fundo de Garantia Salarial, fixa no artigo 2.º, nº 8, um prazo de caducidade de um ano, o qual, por não ter sido excecionado (Artº 328º CC), se consubstanciaria num prazo insuscetível de suspensão ou interrupção.

Determina, por outro lado, o artigo 3º do mesmo Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao diploma, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.

Como se viu, o requerimento do Autor junto do FGS foi apresentado em 11.08.2016, ou seja, depois de 4 de Maio de 2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal -, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo, ser-lhe-á aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.

O contrato de trabalho da Autora cessou, como se viu, em 31.07.2015, pelo que o direito aqui controvertido, caducaria se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 01.08.2016.

Mostrando-se provado ter sido declarada a Insolvência da Empregadora em 17.08.2015, impõe-se verificar se o correspondente processo terá determinado a suspensão ou interrupção do prazo de caducidade.

É certo que a nova lei estabelece um prazo de caducidade de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - artigo 2.º nº 8 do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04.

Como se viu já, tendo o contrato de trabalho cessado em 31.07.2015 teria o trabalhador até 01/08/2016 para reclamar o pagamento dos créditos, sendo que o veio a requerer em 11.08.2016

Assim, tendo o requerimento para pagamento dos créditos laborais dado entrada no FGS em 11.08.2016, aparentemente ter-se-ia verificado já a caducidade do direito do Autor.

Em qualquer caso, importa agora apreciar a suscitada questão à luz, de entre outros no mesmo sentido, do Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que veio “Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”

Aqui chegados, importa escalpelizar o expendido no referido Acórdão do Tribunal Constitucional.

Em bom rigor, o Tribunal Constitucional não questiona a existência do prazo de um ano “para requerer o pagamento dos créditos laborais”, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, mas tão-só o facto desse prazo ser “insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”

Mais se afirma no mesmo Acórdão do TC que “Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa).”

Sintomaticamente afirma-se ainda no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional que “(...) não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.”

O sinal dado pelo TC vai pois singelamente no sentido de, na situação em apreciação, não dever ser fixado um prazo sem que o mesmo comporte potencialmente “qualquer suspensão ou interrupção”.

O importante é que aquando da fixação de um qualquer prazo, seja o mesmo estabelecido antecipadamente, com certeza e sem ambiguidades. Como se afirmou no nº 39 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colect., p. I-6325), “para cumprir a sua função de garantia da segurança jurídica, um prazo de prescrição deve ser fixado antecipadamente. Uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza” (acórdão de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06).

Perante o referido acórdão do Tribunal Constitucional, importará verificar se deverá ser considerada a existência de causas interruptivas e/ou suspensivas da caducidade do art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, designadamente o tempo que mediou entre a cessação do contrato de trabalho e a existência de um plano de insolvência, até à data em que a insolvência veio a ser, definitivamente, decretada e consequentemente declarar que o prazo de 1 (um) ano, para requerer o fundo, foi cumprido pelo recorrente.

Em decorrência da referenciada inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, em termos de fiscalização concreta, cujo teor se acompanhará nos mesmos termos e condições, enquanto desaplicação de norma por inconstitucionalidade, importa encontrar solução interpretativa e integradora, adequada e compatível com o declarado.

Assim, e não obstante a condicionante interpretativa imposta ao n.º 8 do artigo 2.º do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, pelo Tribunal Constitucional, há, em qualquer caso, que limitar no tempo o exercício do direito ao pagamento de créditos salariais pelo FGS, a um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato (cfr. artº 337.º, n.º 1, do CT), considerando, no entanto, as vicissitudes decorrentes da tramitação do Processo de Insolvência, junto do qual foram reclamados os créditos laborais, por forma a acautelar que os atrasos processuais e procedimentais não se venham negativamente a refletir-se na esfera jurídica do trabalhador.

Como decorre da Diretiva 80/987, não há qualquer impedimento à aplicação de um prazo de prescrição ou de caducidade de um ano (princípio da equivalência).

Todavia, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a configuração deste prazo não torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade).

Como de algum modo decorre do acórdão do Tribunal Constitucional aqui em análise, importa predominantemente que o trabalhador não veja o prazo que lhe é atribuído para recorrer ao FGS, substancialmente diminuído em resultado de questões colaterais que vão consumindo o prazo.

Independentemente da interpretação que se adote no que respeita à suspensão ou interrupção do prazo para exercício do direito, não se poderá subverter a intenção do legislador de acordo com a qual o FGS só deverá assegurar o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
O que se vem referindo, encontra acolhimento na filosofia que presidiu ao Acórdão do TC nº 257/2008 em cujo ponto 13 se afirma lapidarmente que:
“[…]
Na verdade, a retribuição da prestação laboral, quer na sua causa, quer na sua destinação típica, está intimamente ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a contrapartida da disponibilização da sua energia laborativa, posta ao serviço da entidade patronal. Ela é também, por outro lado, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador, que se encontra numa situação de dependência da retribuição auferida na execução do contrato para satisfazer as suas necessidades vivenciais.
É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, para além da conferida, em geral, às posições patrimoniais ativas.
É, na verdade, esta perspetiva valorativa que levou à consagração do direito à retribuição do trabalho entre os direitos dos trabalhadores enumerados no n.º 1, alínea a), do artigo 59.º da CRP, por forma a ‘garantir uma existência condigna’ – direito este já expressamente considerado pelo Tribunal Constitucional como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 379/91). Por outro lado, no n.º 3 do mesmo preceito estabelece-se que ‘os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei’.
Esta previsão constitucional de garantias especiais para créditos salariais seguramente que, não só justifica, como impõe, regimes consagradores da sua discriminação positiva, em relação aos demais créditos sobre os empregadores (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 777).
[…]
Como a norma [da alínea a) do n.º 1] expressamente acentua – nos seus próprios termos, tem-se em vista ‘garantir uma existência condigna’ –, o reconhecimento de tal direito exprime o valor básico da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), constituindo, no seu específico âmbito de proteção, um instrumento do preenchimento das condições materiais da realização deste valor. E o relevo nuclear do direito à (justa) remuneração do trabalho é atestado pela vinculação do legislador ao estabelecimento de garantias especiais para os salários (n.º 3 do artigo 59.º).
[…]”.

É pois manifesto que “é pacífico na doutrina, e este Tribunal tem também afirmado, que o direito à retribuição é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (v., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 620/2007 e 396/2011), que, de resto, o Estado tem o dever de proteger (cfr. artigo 59.º, n.º 2, da Constituição) ” (Acórdão TC n.º 510/2016).

Como se afirmou relevantemente no Acórdão nº 328/2018, do TC, “Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).

Pela sua relevância para o enquadramento da questão aqui controvertida, transcrevem-se ainda as seguintes passagens do referido Acórdão do Tribunal Constitucional (Sublinhados do original):
“De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS.
Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
(...)
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito.
Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição.
Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
(...)
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (...), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
(...)
A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada (...) a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa).
Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo (...)”

Assim sendo, acolhe-se o entendimento plasmado no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional, o qual, em síntese, decidiu que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS deve ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.

Estamos pois perante uma decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declara a inconstitucionalidade do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, e que como tal determina a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a mesma, em resultado da circunstância do referido normativo ter ficado inoperacional, esvaziado de conteúdo, e insuscetível de ser aplicado.

Com efeito, a lacuna é uma falha de legislação, na regulação de uma situação da vida que exige uma disciplina normativa.

A existência de lacunas é inevitável, pois as leis são impotentes para prever todas as situações que carecem de ser disciplinadas pelo Direito. Tal ocorre, seja pelo facto de existirem matérias não reguladas, seja porque o conteúdo da lei é incompleto pois não contempla certos domínios de uma determinada matéria, seja porque a mesma lei, abarcando os referidos domínios, não é suficientemente pormenorizada para reger determinados efeitos jurídicos que neles emirjam.

Assim, a lacuna pode envolver quer uma falha de previsão (a lei não contempla uma situação que deve ser regulada juridicamente) ou de estatuição (a lei prevê a referida situação mas não determina as correspondentes consequências jurídicas).

As razões que conduzem à existência de lacunas prendem-se a fatores tão diversos como, a intenção do legislador em não regular; falhas técnicas do legislador ou incapacidade de o mesmo encontrar uma solução jurídica adequada para uma dada situação; o aparecimento de situações imprevistas; ou, finalmente, uma declaração de inconstitucionalidade de uma norma, ainda que em apreciação concreta.

Na medida em que a lacuna é uma falha normativa que desafia exigências de completude reclamadas pelo sistema jurídico, este prevê mecanismos de integração do vazio jurídico.

A integração de lacunas pode envolver institutos normativos, como é o caso da emissão de uma lei ou o efeito automático de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, que determina, de acordo com o nº 1 do art.º 282.º da Constituição, a reposição em vigor (repristinação) de uma lei revogada por aquela que foi julgada inconstitucional.

Perante a verificada situação de inoperacionalidade da norma declarada inconstitucional, os tribunais devem criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.

É incontornável que os tribunais não podem abster-se de julgar invocando falta da lei, de acordo com o n.º 1 do art.º 8.º do CC (proibição de juízos de non liquet).

Como por outro lado se afirmou no Acórdão do STA nº 0292/16, de 08.09.2016, “(...) a ideia do juiz como mero intérprete - uma espécie de “correia de transmissão do legislador” - e, portanto, sem um poder criativo da própria ordem jurídica não corresponde à realidade.
O juiz também cria Direito, designadamente, nos termos do artigo 10º, nº3, do CC, devendo nesse caso criar uma norma “dentro do espírito do sistema”. Espírito do sistema acolhe a ideia que corresponde aos “juízos de valor legais a que se referia ao artigo 110º do Estatuto Judiciário, mas aperfeiçoada. Nomeadamente, já se não limita aos juízos de valor legais, antes busca os que são próprios de todo o sistema jurídico” - OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, página 413.
É consensual, por outro lado, que o “julgador apreende certos elementos e decide, criativamente, em termos finais. Por certo que o quantum da criatividade não é uniforme: atingindo um máximo quando da aplicação de conceitos vazios ou da integração de lacunas rebeldes à analogia e extra-sistemáticas, ele surge reduzido perante normas rígidas ou mesmo típicas. Mas existe sempre, desde a apreensão dos factos à localização das fontes.” - MENEZES CORDEIRO, prefácio ao Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Claus - Wilhelm Canaris, por si traduzido, páginas CVI/CVII.
Em termos mais expressivos CASTANHEIRA NEVES, ressalta o papel do juiz, numa visão que recusa ao Direito a natureza de “[…] um simples meio técnico de quaisquer estratégias, mas validade em que a axiologia e a responsabilidade do homem se manifestem. Para se assumir e realizar esse direito, vimos como é indispensável o juiz. Por isso mesmo é eminente a sua tarefa e nobre o papel que dele se espera. […] Negar-se-á esse seu sentido se for mero funcionário, funcionalmente enquadrado e nisso comprazido, servidor passivo de qualquer legislador, simples burocrata legitimante da coação” - Entre o Legislador, a Sociedade e o Juiz, ou entre Sistema, Função e Problema - Os modelos alternativos da realização jurisdicional do Direito, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume LXXIV, página 43.
“Hart acentua repetidamente a função do direito como meio de controlo social que só pode ser defendido se entrarem também no direito – ao interpretar regras jurídicas carecidas de interpretação nas suas zonas obscuras ou ao adaptá-las a relações sociais novas – ideais sociais, ou ideais éticos, que vinculem a argumentação e a decisão” - Teoria Analítica do Direito por MAZUREK, SAARBRYCKEN, Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas, pág. 378.
É de resto uma evidência, que a grande maioria das regras jurídicas carece de interpretação. Como sublinha OLIVEIRA ASCENSÃO a posição enunciada no brocardo “in claris non fit interpretatio…” é contraditória nos seus próprios termos, pois mesmo para concluir que uma deposição legal é evidente foi necessário um trabalho de interpretação, embora quase instantâneo, e é com base nele que se afirma que o texto não suscita problemas particulares”. Por isso, considera o mesmo autor, “são absurdas certas posições hermenêuticas que se repetem, do imperador Justiniano a autocratas modernos, e pelas quais se proíbe a interpretação da lei. Efetivamente, conclui o autor, “a interpretação jurídica não se destina a uma recognição de um qualquer conteúdo já pensado, mas destina-se a formular princípios para a ação, regras.” - O Direito, Introdução e Teoria Geral, páginas 345/346.
Note-se, a propósito, que “a letra da lei e o que ela exige num caso concreto podem ser perfeitamente claros; contudo, pode haver dúvidas sobre se o legislador tem o poder para legislar desse modo” - HART, o Conceito de Direito, página 161. Nestas condições o julgador, nos casos que lhe são colocados, averigua a validade constitucional da lei, de acordo com os parâmetros que racionalmente vinculam o próprio legislador, existindo, como refere o mesmo autor, “…vários tipos de raciocínio que os tribunais usam caracteristicamente, ao exercer a função criadora que lhes é deixada pela textura aberta do direito contido na lei ou no precedente” [obra citada, página 161].
Vários tipos de raciocínio e de argumentação que não se reconduzem necessariamente a uma busca de critérios objetivos da decisão, mas apelam a um paradigma justificativo que “não pretende de forma alguma encontrar princípios evidentes, mas sim descobrir, através de um trabalho de autorreflexão, as pressuposições que são indiscutíveis se desejarmos formular argumentos intersubjectivamete válidos” – ver, neste sentido, ADELA CORTINA, Ética da Discussão e Fundamentação Última da Razão, As Filosofias Políticas Contemporâneas [após 1945], página 171. A racionalidade da decisão há-de decorrer, nesta conceção, do desenvolvimento de uma argumentação séria, a qual depende de várias regras ou condições - ética da discussão: “1- Todo o sujeito capaz de falar e de agir deve poder tomar parte em discussões; 2.1. Cada um deve poder problematizar toda a afirmação, qualquer que ela seja; 2.2. Cada um deve poder fazer com que seja admitida na discussão toda a afirmação, qualquer que ela seja; 2.3. Cada um deve poder exprimir os seus pontos de vista, os seus desejos e as suas necessidades; 3. Nenhum locutor deve ser impedido por uma pressão autoritária, quer ela se exerça no interior quer no exterior da discussão de aproveitar dos seus direitos, tal como eles estão estabelecidos em 1 e 2”.
Não é, assim, possível reconduzir a função do juiz, essencialmente concretizadora e criadora da Ordem Jurídica [em maior ou menor grau] a uma função predominantemente técnica [axiologicamente neutra] face a uma necessária e sempre presente relação de compromisso ético do juiz com o Direito que interpreta, aplica em concreto, faz cumprir e, desse modo, também vai construindo. Outro entendimento contribuiria para a “deslegitimação do poder judicial”, enquanto “poder soberano” como nota ORLANDO AFONSO - Poder Judicial In Dependência, página 202. “Deslegitima-se” - diz o autor, entre outras maneiras – “quando a pretexto de apregoadas desburocratizações ou de modernizações tecnológicas se reconduz o papel do Juiz ao de um mero operador judiciário, adulterando-se-lhe a função”. Por isso o autor [nota 271] entende como deslegitimadora a tentativa de “…reduzir o Poder Judicial a uma função burocrática sem qualquer outra dimensão que não seja a da prestação de um mero serviço administrativo”.
Podemos concluir, portanto, que no pensamento jurídico atual, não é acolhido o entendimento que vê o Juiz como um mero operador judiciário, um mero prestador de serviço administrativo ou, nas palavras de Castanheira Neves, um mero instrumento técnico de legitimação da coação. Podemos afirmar com toda a segurança que as funções exercidas pelo Juiz são funções públicas, mas não são predominantemente técnicas, porque predominantemente exercem um poder público, sendo o exercício desse poder o núcleo essencial do conteúdo das respectivas funções»

A questão da desaplicação da referida norma por inconstitucionalidade, já foi tratada, desde logo na Sentença do TAF de Coimbra, proferida no Procº 585/16.0BECBR de 7 de fevereiro de 2017 que veio a determinar a declaração de inconstitucionalidade que se tem vindo a apreciar.

A presente questão já foi igualmente tratada e decidida neste tribunal, através da criação no caso concreto de norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), “construindo-se” uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondente àquele que se presume ser a vontade do legislador.

Nos acórdãos deste TCAN nº 662/18.2BEBRG, de 1 de fevereiro de 2019, nº 616/17.6BEPNF, de 29 de março de 2019, nº 519/17.4BEAVR, de 28.06.2019, e 2342/18.0BEPRT, de 18 de outubro de 2019, adotou-se a solução que aqui se retomará, sendo que todos os referidos acórdãos, transitaram já em julgado.

Na realidade, é incontornável que era intenção do legislador no Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional não questiona aquele prazo, apenas se “opondo”, por via de declaração concreta de inconstitucionalidade, a que esse prazo não seja suscetível de suspensão ou interrupção.

A solução a dar à controvertida questão, na “construção” de norma em observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, encontra-se facilitada em decorrência do facto do próprio legislador a ter introduzido, ainda que apenas ex nunc, nova norma, através da Lei n.º 71/2018, de 31/12, compatibilizando o Artº 2º nº 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, com o entendimento do Tribunal Constitucional estabelecido no seu Acórdão nº 328/2018 que se tem vindo a referir.

Com efeito, a Lei n.º 71/2018 introduziu no Artº 2º do Decreto-Lei n.º 59/2015, um nº 9, no qual se refere que O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.” (Sublinhado nosso)

O novel normativo permitiu assim percecionar de forma clara quais os princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondentes à vontade do legislador.

Assim, em face de tudo quanto se expendeu, mostra-se legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaure a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.

Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência.

A interpretação que se adotará permite pois dar resposta ao facto do Tribunal Constitucional ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado entretanto norma exatamente nesse sentido.

Deste modo, à luz do precedentemente discorrido, uma vez que o contrato de trabalho cessou em 31.07.2015, a Declaração de insolvência da Empregadora foi proferida em 17.08.2015, quando o requerimento a reclamar os créditos laborais junto do FGS foi apresentado em 11.08.2016, mostrava-se o mesmo tempestivo.

Assim, revogar-se-á a decisão recorrida, mais se determinando que o FGS proceda à reapreciação do Requerimento da aqui Recorrente à luz da sua tempestividade.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso interposto, revogando-se a sentença Recorrida, mais se determinando a reapreciação do Requerimento da aqui Recorrente, pelo FGS, à luz da sua declarada tempestividade.

Custas pela Entidade Recorrida, em ambas as instâncias, sem prejuízo da isenção de que goza.

Porto, 17 de janeiro de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa