Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00621/17.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/26/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; PRESCRIÇÃO; SUCESSÃO NO TEMPO DE LEIS SOBRE PRAZO; ARTIGO 337º, Nº 1, DO CÓDIGO DE TRABALHO (2009); N.º 3 DO ARTIGO 319º DO REGULAMENTO DO CÓDIGO DE TRABALHO (LEI Nº 35/2004, DE 29.07); DECRETO-LEI 59/2015, DE 21.04.
Sumário:
1. Tendo cessado o contrato de trabalho do autor em 04.07.2013, os créditos emergentes deste contrato prescreveram, não se verificando no caso qualquer suspensão ou interrupção, em 04.07.2014, face ao disposto no artigo 337º, nº 1, do diploma anexo à Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho.
2. O prazo para requerer o pagamento pelo Fundo caducava três meses antes da prescrição, ou seja, em 04.04.2014, face ao disposto no n.º 3 do artigo 319º do Regulamento do Código de Trabalho aprovado pela da Lei nº 35/2004, de 29.07.
3. Pelo que tais créditos já estavam prescritos quando entrou em vigor o Decreto-Lei 59/2015, de 21.04, em 04.05.2015, não se colocando aqui sequer a questão da sucessão no tempo de leis sobre prazos. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fundo de Garantia Salarial
Recorrido 1:MPTP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção totalmente improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:
EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Fundo de Garantia Salarial veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 14.12.2017, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção que lhe moveu MPTP e condenado nos termos do peticionado, a anulação do acto de indeferimento do requerimento para pagamento de créditos laborais com a consequente condenação a apreciar em termos favoráveis o seu requerimento.
Invocou para tanto, em síntese, que ao contrário do decidido o direito a reclamar do Réu os crédito laborais em apreço caducou, face ao disposto no artigo 3.° do Decreto-Lei 59/2015, de 21.04.
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A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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A Recorrida, notificada deste parecer, veio reiterar a sua posição, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
A. O requerimento da Autora foi apresentado ao Fundo de Garantia Salarial em 20.07.2015, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do Fundo, o Decreto-Lei 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
B. Assim, o referido requerimento da Autora foi apreciado à luz deste diploma legal.
C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.
D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29.07, estabelecia no seu artigo 319.°, 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.
E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao Fundo de Garantia Salarial, sendo que o actual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das empresas insolventes requererem o pagamento dos créditos ao Fundo.
F. Porém, tal prazo, também está ultrapassado à luz do anterior diploma legal Lei 35/2004, de 29.07.
G. Não tendo aqui aplicação o artigo 297.° do Código Civil, uma vez que à luz dos dois diplomas já se encontra terminado o prazo para apresentação do requerimento ao Fundo de Garantia Salaria pois só cabe chamar à colação o disposto neste artigo quando estamos perante situações em que os prazos se iniciem ou já se encontrem em curso à data da entrada em vigor da lei nova.
H. Sendo aplicável o novo regime, de acordo com o art.° 3.° do Decreto-Lei 59/2015, de 21.04, e consequentemente o prazo de caducidade nele previsto, temos de considerar como estando legalmente esgotado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao Fundo de Garantia Salarial, à luz do diploma Decreto-Lei 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,
I. É nosso entendimento que a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não andou bem ao ordenar o a anulação do indeferimento visado nos autos e ao condenar o FGS ao pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pela Autora.
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II – Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
A) A Autora foi admitida a trabalhar na Sociedade TRLTR, Lda., tendo o seu contrato cessado a 04.07.2013.
B) Em 05.03.2015, foi instaurada acção de insolvência contra esta sociedade que correu termos no Tribunal de Comércio do Porto sob o nº. 811/15.2T8STS, e na qual foi proferida sentença de declaração de insolvência em transitada em julgado em 20.03.2015.
C) A Autora reclamou créditos laborais no processo acabado de referir, tendo os mesmos sido reconhecidos pelo Administrador da Insolvência como sendo devidos no montante global de capital de 8,445,24 €.
D) Em 20.07.2015, a Autora requereu ao Réu o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho.
E) Em 14.12.2016 e 28.12.2016, os serviços do Réu elaboraram as informações cujo teor consta de fls. 48 a 50 do processo administrativo apenso, e que aqui se entende como inteiramente reproduzido, e nas quais se propõe o indeferimento do requerido pela Autora.
F) Em 29.12.2016, o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial lavrou despacho concordante.
G) Em cumprimento do despacho descrito no ponto anterior, foi a Autora notificada, por ofício datado de 30.12.2016, de que o requerido foi indeferido com o fundamento de que o requerimento apresentado não foi apresentado no prazo previsto no artigo 2, nº. 8, do Decreto-Lei nº. 52/2015, de 21.04.
H) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos (inclusive o processo administrativo apenso).
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III - Enquadramento jurídico.
O Recorrente apresentou junto dos serviços competentes do Fundo de Garantia Salarial requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, ao abrigo do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial.
O Fundo de Garantia Salarial indeferiu tal requerimento com o fundamento de que tais créditos não preenchiam o requisito imposto pelo nº 8 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, uma vez que o requerimento não havia sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Determina o artigo 3º nº 1 deste último diploma legal:
Ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.”
O Decreto-Lei em questão entrou em vigor no dia 04.05.2015.
O requerimento a que alude essa norma foi apresentado no caso concreto em 20.07.2015, logo, foi apresentado após a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 59/2015, sendo-lhe este aplicável.
O Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, no seu artigo 2º nº 8, estabelece:
“O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Trata-se de um prazo de caducidade instituído por este novo diploma legal contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Como prazo de caducidade que é a sua contagem está dependente do disposto no artigo 297º do Código Civil que prescreve:
“1- A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2- A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
Vejamos se a sentença recorrida violou ou respeito o disposto no artigo 297º do Código Civil e o disposto no artigo 3.° do Decreto-Lei 59/2015, de 21.04.
Aplicando-se directamente ao caso o artigo 2º do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, o requerimento mostra-se extemporâneo, uma vez que o requerimento foi apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Mas já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais, ao contrário do sustentado pelo Recorrente e na decisão recorrida, para a apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07 que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respectiva prescrição.
Como se sustentou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.07.2018, no processo 330/17.2 PNF, com o mesmo Colectivo.
Dispunha aquele preceito, sob a epígrafe “Créditos abrangidos”:
“1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.
Prazo é o intervalo entre o termo inicial e o termo final.
A prescrição está prevista no artigo 337º nº 1 do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho que dispõe:
O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
O contrato de trabalho do Autor cessou em 04.07.2013, pelo que tais créditos prescreveram, não se verificando no caso qualquer suspensão ou interrupção, em 04.07.2014 e o prazo para requerer o pagamento pelo Fundo caducava três meses antes da prescrição, ou seja, em 04.04.2014.
O n.º 3 do artigo 319º acima citado determina que os créditos para serem atendidos devem ser reclamados até 3 meses antes de prescreverem. Ou seja, estabelece-se aqui um termo inicial, a data em que podem ser reclamados, quando cessa o contrato de trabalho, e um termo final, três meses antes da prescrição, ou seja, 9 meses depois de ter cessado o contrato de trabalho se não houver qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição.
O artigo 323º, nº 1, do Código Civil determina que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
No caso não se verificou, pois, qualquer interrupção da prescrição.
Pelo que os créditos já estavam prescritos, em 04.04.2014, quando entrou em vigor o Decreto-Lei 59/2015, de 21.04, em 04.05.2015.
Não se colocando aqui sequer a questão da sucessão no tempo de leis sobre prazos.
Merece, pois, provimento o presente recurso jurisdicional, impondo-se revogar a decisão recorrida, e julgar a acção improcedente.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Julgam a acção totalmente improcedente, absolvendo o Réu de tudo o que é pedido.
Custas pela Recorrida.
Porto, 26.10.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro