Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01776/11.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:José Vital Brito Lopes
Descritores:INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO.
EMISSÃO DE CERTIDÃO DE “NÃO DÍVIDA”.
Sumário:1. Não deve ser rejeitado o pedido de intimação para um comportamento, ainda quando a administração tributária conteste a situação fáctica em que assenta, quando for possível ao tribunal chegar a uma conclusão segura sobre a existência do direito invocado;
2. Não pode a administração tributária fazer depender a emissão de certidão de “não dívida”, destinada a documentar a situação tributária regularizada do contribuinte, da constituição de garantias reais não associadas ao cumprimento no plano de insolvência homologado judicialmente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE


1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente o pedido de Intimação para um Comportamento intentado por S…– Transportes, Lda., contra a Administração tributária e a intimou a, através do serviço de finanças de Matosinhos – 1, emitir no prazo de 30 dias a requerida certidão de “não dívida” (situação tributária regularizada).

Admitido o recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

«A. O Chefe de Finanças de Matosinhos 1 não se conforma com a decisão proferida, ressalvado todo o respeito devido, porque incorreu em erro nos pressupostos de facto considerados para sustentar as conclusões de facto e de direito alcançadas, ao ter considerado que não podia ser determinada a prestação de qualquer outra garantia para efeito de suspensão do PEF, para além da garantia mencionada no plano de insolvência judicialmente homologado, determinando não ter sustentação o entendimento da AT de que a falta demonstração da apresentação de garantia constitui um impedimento legitimo à emissão da certidão requerida e ordenando à AT o comportamento de emitir a certidão de situação tributária regularizada, “se a tanto entretanto nada obstar”.

B. Foi alcançada uma conclusão de facto, no sentido de que na data da apresentação de requerimento de passagem de certidão, e desde data anterior, se encontrava prestada garantia real a favor da AT, com o objectivo de garantir as dívidas integrantes do plano de regularização de dívidas homologado no âmbito do processo 280/09.6TYVNG, com base no teor do documento de fls. 62, transcrito no ponto 1 dos factos provados, que não podemos aceitar.

C. Com base nesta premissa, entendeu o tribunal que, a autora não se encontra em situação de incumprimento do plano de regularização de dívidas porque a AT não poderia exigir “qualquer outra garantia para efeito de suspensão do processo de execução para além da que já tenha sido contemplada em sede de acordo de credores no processo de insolvência”.

D. Contudo, tal conclusão de facto não tem sustentação, tendo em conta os elementos documentais patentes dos autos, e as afirmações da própria autora que esclarecem quanto à ausência de verificação do facto subjacente – ausência da prestação de garantia real a favor da AT para garantir as dívidas integrantes do plano de regularização de dívidas homologado no âmbito do processo 280/09.6TYVNG.

E. A autora, S... – Transportes, Lda (doravante apenas S...), na sequência plano de regularização de dívidas homologado no âmbito do processo 280/09.6TYVNG, registou pela apresentação 10 de 15.02.2008 uma garantia real – hipoteca voluntária – a favor do Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Segurança Social do Porto, sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Vila Cova da Lixa.

F. O despacho de 09 de Junho de 2011 da Chefe de Finanças de Matosinhos 1, junto aos autos na resposta da entidade demandada remetida por registo de 28.03.2011 nº RM349654412PT determinou: “proceda à elaboração do plano prestacional…” e “notifique ainda a executada para juntar aos autos a cópia da escritura pública, constitutiva da garantia real e do respectivo registo na conservatória do registo predial”.

G. A S... registou hipoteca voluntária sobre o mesmo imóvel, a favor do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, pelas apresentações 4212 e 4213 de 29.11.2011, nos processos executivos 1821200401012924 e 1821200401000292, para garantia do pagamento em 60 prestações das dívidas exequendas, conforme certidão junta a fls. 216 dos autos (pontos 12 e 13 dos factos provados).

H. A entidade demandada remeteu aos autos, em 28.11.2011 (cfr. Registo ctt nº 746599531PT) informação, em resposta a despacho judicial, explicitando não se encontrarem reunidos os pressupostos para passagem da certidão, por não se encontrarem suspensas as execuções fiscais, “em virtude do incumprimento do respectivo plano de pagamento, uma vez que não se mostra prestada a respectiva garantia”, especificando ainda ter sido apresentado pedido de aumento do numero de prestações para 120, não se encontrando deferido.

I. A S..., consciente de que a falta de demonstração da efectiva prestação de garantia real a favor da AT relativa às dívidas abarcadas no PEC se mostrava o factor determinante da recusa da AT na emissão da certidão de situação tributária regularizada, referiu no articulado patente dos autos com carimbo de entrada nº 273622 de 29.11.2011, “para que a mesma seja emitida é necessário o registo da hipoteca sobre o imóvel oferecido de garantia, de modo a acautelar o pagamento integral da dívida exequenda” (ponto 2 do articulado), acrescentando que, para tal, além de outros problemas a resolver necessitaria de obter autorização do Instituto de Segurança Social atendendo a que o mesmo bem se encontrava com hipoteca registada a favor daquela entidade (ponto 6) e admitindo expressamente que a “AT recusa-se – e, admite-se, com alguma legitimidade – a emitir a certidão enquanto a garantia não estiver prestada” (ponto 9 do articulado).

J. Ou seja, a própria autora assume a ausência de constituição da garantia real pressuposta no plano de regularização judicialmente homologado, pelo menos até à data em que apresenta este articulado nos autos e reconhece a legitimidade da recusa da emissão da certidão com base na ausência de verificação deste pressuposto (constituição da garantia real a favor da AT para garantia das dívidas incluídas no plano).

K. Ressalvado todo o respeito devido, perante as circunstâncias que se aferem supra, o Tribunal não pode considerar inexistir incumprimento do plano de regularização de dividas legitimador da recusa da AT na passagem da certidão de situação tributária regularizada, porque a referida situação tributária não poderia considerar-se regularizada sem a demonstração de que se encontrava efectivamente prestada a garantia a favor da AT, abarcando as dívidas que se encontravam a ser pagas no âmbito do plano de pagamento homologado (além dos demais pressupostos).

L. Nestas circunstâncias, não se consideram provados/verificados os requisitos legais (cumulativos) do meio processual de intimação para um comportamento previsto no art. 147º do CPPT: a) Existência de uma omissão por parte da Administração Tributária; b) Essa omissão tem de se referir a um dever de uma prestação jurídica; c) É necessário que tal omissão seja susceptível de lesar direito ou interesse legítimo do contribuinte.

M. Não existia dever de emitir a certidão, porque na data em que foi requerida, não se verificavam condições para que a AT pudesse atestar que a S... se encontrava com a sua situação tributária regularizada atenta a ausência de demonstração de que havia sido constituída a garantia real a favor da AT, pressuposta pelo plano de insolvência homologado por sentença, pelo que, inexistia a lesão de qualquer direito ou interesse legítimo da requerente, pela recusa da AT de emissão da certidão.

N. Ainda que tenha sido constituída uma garantia real posteriormente, esta não reúne as características que foram assumidas pela AT no momento da aprovação do plano de regularização no processo de insolvência pela AT, porquanto, na altura do voto favorável da AT, o imóvel não se encontrava onerado por garantia real anterior prestada para garantir as dívidas da segurança social.

O. As circunstâncias de facto que se verificavam no momento do pedido da emissão da certidão tornam legítima a recusa da AT em atestar que a situação tributária da S... se encontrava regularizada e, assim deveria ter sido determinada a improcedência do pedido formulado nesta acção de intimação para um comportamento por ausência de prova dos requisitos previstos no art. 147º do CPPT.

P. Entretanto, alteraram-se essas circunstâncias de facto, por ter sido constituída uma garantia real, com vista a suprir a ausência de constituição da garantia pressuposta pelo plano de regularização de dívidas aprovado e homologado, contudo, tal não permite, determinar a obrigação de emissão da dita certidão, porque a garantia prestada não se identifica com a garantia aceite no processo de insolvência, por ter sido registado um ónus sobre o mesmo imóvel em 15.02.2008 a favor de outra entidade, o que autoriza a AT a (re)avaliar a verificação das circunstâncias para a suspensão das execuções e considerar a situação tributária como não regularizada.

Q. Por último, tendo sido solicitado pela S... o alargamento do número de prestações autorizadas como informado pela AT, tal implica uma reformulação do plano de pagamentos, com eventual exigência do reforço da garantia, implicando uma alteração das circunstâncias e encontrando-se a apreciação da validade da decisão proferida pela AT fora do âmbito desta acção judicial, por depender de uma decisão da competência da AT (contenciosamente sindicável através de outro meio processual).


Termos em que,
se impõe o indeferimento da acção apresentada intimando o Serviço de Finanças de Matosinhos, na pessoa do respectivo Chefe de Finanças, para proceder à emissão de certidão de situação tributária regularizada, por falta de verificação dos requisitos previstos no art. 147º do CPPT, não podendo manter-se a sentença recorrida».

A recorrida apresentou as seguintes contra-alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A. A prestação de garantia real nunca foi um pressuposto da aprovação do Plano de Insolvência da ora Recorrida no âmbito do Proc. n.º 280/09.6TYVNG.
B. Primeiro, a garantia real (hipoteca voluntária) a favor do Instituto da Segurança Social sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Vila Cova da Lixa não foi prestada na sequência do plano de regularização de dívidas, sendo mesmo anterior ao pedido de declaração de insolvência da S....
C. Segundo, em local algum do Plano de Insolvência se refere que a prestação de garantia em favor da AT pelos créditos tributários que foram objecto daquele é condição de aprovação do mesmo.
D. Mesmo que se considerasse que o Plano de Insolvência não foi cumprido, o presente Recurso não poderia proceder, uma vez que:
a. A AT não efectuou a interpelação escrita requerida pela al. a) do n.º 1 do art. 218.º do CIRE; e
b. O n.º 3 do art. 218.º do CIRE não tem carácter supletivo pelo que, para que outros acontecimentos que não a mora no cumprimento do plano de pagamentos (p. ex. a prestação de garantia) sejam considerados um incumprimento do Plano de Insolvência, é necessário que tais acontecimentos se encontrem mencionados clara e inequivocamente – «podem ser associados pelo plano» -, no referido Plano, o que não acontece no caso em apreço.
E. As hipotecas voluntárias prestadas em favor da AT no âmbito dos processos executivos n.ºs 1821200401012924 e 1812200401000292 foram efectuadas na sequência da verificação de que a AT não iria proceder, como era sua obrigação, à emissão da certidão de não dívida, facto que paralisaria a actividade da S..., pois impedi-la-ia de obter a renovação do necessário Alvará para o exercício da sua actividade.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.

Remetidos os autos a este tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.


2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, a questão a resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e esse erro determinou erro de direito quanto aos requisitos de admissibilidade do pedido de intimação.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. No âmbito do Processo de Insolvência e Recuperação de Empresa que correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia (Proc. nº 280/09.6TYVNG) a aqui Requerente S... - Transportes, Lda., NIPC 5… foi declarada insolvente por sentença de 13/04/2009 (junta sob Doc. nº 3 com a Petição Inicial, a fls. 39 ss. dos autos), tendo em Assembleia de Credores sido aprovado o Plano de Insolvência, que foi homologada por sentença de 18/01/2010 (junta a fls. 62 ss. dos autos), no qual foi estabelecido, entre o demais, o seguinte:

(…)


2. O Plano de Pagamentos constante do mapa anexo, ali referido (junto a fls. 60 dos autos), tem o seguinte teor:


3. Na sequência da sentença homologatória do Plano de Insolvência acordado em Assembleia de Credores o Instituto de Segurança Social elaborou em 01/03/2010 o respectivo Plano Prestacional de Pagamentos (junto a fls. 74 ss.) que remeteu à sociedade insolvente, aqui Requerente (cfr. Doc. nº 4 junto com a Petição Inicial, a fls. 71 ss. dos autos).
4. A Administração Fiscal não procedeu, na ocasião, à elaboração do respectivo Plano Prestacional de Pagamentos.
5. A aqui Requerente S... - Transportes, Lda., NIPC 5… requereu, através do requerimento que dirigiu em 09/05/2011 ao Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 (que junta sob Doc. nº 1 com a Petição Inicial, a fls. 32 dos autos), ao abrigo do artigo 24º nº 3 do CPTT, que ali referiu, a emissão de uma certidão de “Não dívida”, no prazo de 48 horas, mencionando, entre o demais que ali expôs, que a mesma se destinava a instruir o pedido de renovação do alvará para o exercício da actividade de transporte rodoviário de mercadorias a que a requerente se dedica (cfr. Doc. nº 1 junto com a Petição Inicial, a fls. 32 dos autos e Informação junta a fls. 145 ss. dos autos).
6. O Serviço de Finanças de Matosinhos 1 não emitiu aquela certidão.
7. A aqui Requerente era detentora do Alvará nº 2097/1996 («autorização para realizar transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem no que se refere ao percurso efectuado no território nacional»), emitido pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres e Fluviais em 02/05/2006, válido de 02/05/2006 a 02/05/2011 (cfr. Doc. nº 2 junto com a Petição Inicial, a fls. 38 dos autos)
8. A Petição Inicial do presente processo de Intimação foi remetida a este Tribunal em 26/05/2011 por telecópia (cfr. fls. 1-2 dos autos - cujo respetivo original consta de fls. 17 ss.).
9. Em 30/05/2011 a aqui Requerente instaurou neste Tribunal outro Processo de Intimação para Adopção de Conduta (Proc. nº 1814/11.1BEPRT) visando a intimação da Administração Tributária, através do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, a proceder ao cálculo e notificação do plano prestacional na sequência do Plano de Recuperação aprovado em sede do Processo de Insolvência e Recuperação de Empresa, cuja elaboração havia também requerido em 09/05/2011.
10. Após a instauração do Processo de Intimação para Adopção de Conduta (Proc. nº 1814/11.1BEPRT) a Administração Tributária procedeu à elaboração do plano prestacional respectivo (constante de fls. 155 ss. daqueles autos), nos termos determinados no despacho de 09/06/2011 a Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 (junto a fls. 148 dos autos), Plano Prestacional de que a aqui Requerente foi notificada por oficio remetido sob registo em 24/06/2011, o que motivou a sentença de 07/03/2012 tenha sido julgada extinta aquela instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. Informação junta a fls. 145 ss. dos autos e documentos juntos a fls. 148 ss. e a fls. 155 ss).
11. Concomitantemente, e pelo mesmo despacho de 09/06/2011 a Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 (junto a fls. 148 dos autos) foi revogado o anterior despacho para audiência prévia dos responsáveis subsidiários que havia sido proferido em sede de procedimento de reversão a que havia sido iniciado entretanto, não obstante a homologação por sentença do Plano de Insolvência (cfr. Informação junta a fls. 145 ss. dos autos e documentos juntos a fls. 148 ss. e a fls. 155 ss).
12. Pela Ap. 4212 de 2011/11/29 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras a hipoteca voluntária constituída sobre o prédio ali descrito sob o nº 510/19901107 (prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de Vila Cova da Lixa) a favor do Direcção de Finanças do Porto – Serviço de Finanças de Matosinhos 1, para garantia do pagamento em 60 prestações da quantia exequenda de 180.980,40 € e juros referente às dividas da sociedade S... - Transportes, Lda., NIPC 5… no âmbito do Processo de Execução Fiscal nº 1821200401012924, sendo o montante máximo assegurado de 256.362,05 € (cfr. certidão junta aos autos a fls. 216 ss.).
13. Pela Ap. 4213 de 2011/11/29 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras a hipoteca voluntária constituída sobre o prédio ali descrito sob o nº 510/19901107 (prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da Freguesia de Vila Cova da Lixa) a favor do Direcção de Finanças do Porto – Serviço de Finanças de Matosinhos 1, para garantia do pagamento em 60 prestações da quantia exequenda de 180.980,40 € e juros referente às dividas da sociedade S... - Transportes, Lda., NIPC 5… no âmbito do Processo de Execução Fiscal nº 1821200401000292 (cfr. certidão junta aos autos a fls. 216 ss.).
14. A certidão de «não dívida» (situação tributária regularizada) requerida em 09/05/2011 pela aqui Requerente não foi ainda emitida pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1.

E mais se consignou na sentença que:

«Não existem outros factos provados nem factos não provados com relevância para a decisão.


**
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, alicerçando-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, nos documentos juntos aos autos, que integram também o Processo Administrativo, supra referenciados.
Decorrendo ainda do nosso conhecimento oficioso, por virtude do exercício das nossas funções, a factualidade vertida em 9. e 10., supra. Importando, em cumprimento do disposto no nº 2 do artigo 514º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, extrair certidão da sentença proferida naqueles autos, com menção do seu trânsito».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Pretende a Recorrida que seja a Administração tributária intimada a passar certidão de “não dívida” (situação tributária regularizada), documento necessário à instrução do pedido de renovação do alvará habilitante do exercício da actividade de transporte rodoviário de mercadorias, a que se dedica, sendo que o alvará de que actualmente dispõe se encontra na eminência de caducar.

A Intimação para um Comportamento constitui um meio do processo judicial tributário (cf. art.º97.º, n.º1 alínea m), do CPPT), o qual se encontra regulado no art.º147.º do mesmo Código.

Dispõe esta norma, no segmento pertinente:

Artigo 147.º
Intimação para um comportamento

1 - Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.

2 - O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa.

3 - No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou susceptível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos no n.º 1.

4 - A administração tributária pronunciar-se-á sobre o requerimento do contribuinte no prazo de 15 dias, findos os quais o juiz resolverá, intimando, se for caso disso, a administração tributária a reintegrar o direito, reparar a lesão ou adoptar a conduta que se revelar necessária, que poderá incluir a prática de actos administrativos, no prazo que considerar razoável, que não poderá ser inferior a 30 nem superior a 120 dias.

5 - A decisão judicial especificará os actos a praticar para integral cumprimento do dever referido no n.º 1.
6 – (…)».

Em anotação ao referido artigo, escreve Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 2004, o seguinte: “A utilização deste procedimento, visando obter o cumprimento de um dever pela administração tributária, supõe que esteja definida previamente a existência deste.
Tal definição da existência de um dever pode resultar directamente da lei, quando se esteja em face de direitos cuja existência não necessite de actos de aplicação ou decorra necessariamente de determinada situação fáctica.
Pode também resultar de acto administrativo ou tributário firmado ou contrato de que derive o dever de a administração tributária realizar uma prestação a favor do contribuinte.
A existência da situação fáctica invocada pelo requerente pode sempre vir a ser contestada pela administração tributária, mas essa eventualidade não deverá servir de base à rejeição do pedido de intimação, com fundamento na sua inadequação para satisfação da pretensão do requerente. Na verdade, a primacial utilidade deste meio processual simplificado (integrado apenas por requerimento, resposta e decisão) como meio alternativo em relação à acção para reconhecimento de direito (complementada com a subsequente execução de julgado) é a de permitir assegurar de forma muito mais rápida a efectivação de direitos cuja existência é evidente e, nesta medida, é um meio relevante para de assegurar a tutela judicial efectiva, que tem como elemento importante uma componente temporal (art.º20.º, n.ºs 1 e 4, CRP).
Por isso, a eventualidade de a acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo ser também um meio processual que poderia assegurar a satisfação da pretensão do requerente não deverá servir de fundamento para rejeição do pedido de intimação, sendo antes necessário apurar se uma conclusão segura sobre a existência do direito ou interesse é possível no processo de intimação, à face do afirmado e documentado pelo requerente e da resposta da administração tributária”.

A doutrina exposta já foi acolhida pela jurisprudência do STA, no seu acórdão de 05/06/2002, proferido no proc.º0815/02.

A Recorrente imputa à sentença erro no julgamento de facto, porquanto, partindo da factualidade descrita no probatório, concluiu que se encontrava prestada garantia real a favor da Administração tributária com o objectivo de garantir as dívidas compreendidas no plano de insolvência e esse erro foi determinante no julgamento que fez sobre os requisitos de admissibilidade da intimação.

Isso porque a garantia que veio a ser constituída – já depois de requerida a presente intimação -, não satisfaz o acordado no plano de insolvência judicialmente homologado, “não reúne as características que foram assumidas pela AT no momento da aprovação do plano de regularização no processo de insolvência pela AT, porquanto, na altura do voto favorável da AT, o imóvel não se encontrava onerado por garantia real anterior prestada para garantir as dívidas da segurança social”.

Não é, porém, isso, que os autos evidenciam constando do plano de insolvência homologado unicamente e a propósito, o seguinte:

“Sector Público Estatal
Manutenção de garantia real, já constituída no âmbito do PEC, em 12 de Fevereiro de 2008”.

Não há menção de quaisquer outras garantias, reais ou outras, que devessem ser constituídas como pressuposto da aprovação do plano de pagamentos.

Ora, com pertinência escreveu-se na sentença recorrida: “Por outro lado, encontrando-se aprovado um plano prestacional, e encontrando-se o mesmo a ser cumprido pela sociedade visada, não se pode dizer que esta não tenha a situação tributária regularizada. Na verdade, as dívidas tributárias vencidas e respectivos juros estão, através do plano de pagamento em prestações, incorporadas em cada um daquelas prestações, que se passam a vencer mensalmente. Pelo que aprovado que seja o plano prestacional, como foi, não existem dívidas vencidas e não pagas. Elas estão a ser pagas em cada uma das datas de vencimento mensal. Só quando (e se) a sociedade visada deixar de proceder ao pagamento das prestações estabelecidas, entrará em situação de incumprimento do plano. Até lá (e se não existirem outras dívidas em situação de incumprimento) não se pode dizer que a situação tributária da sociedade não esteja regularizada. Nem é também de sujeitar, por a tal o não submeter o normativo do artigo 88º do CIRE, à prestação de qualquer outra garantia para efeito de suspensão do processo de execução para além da que tenha já sido contemplada em sede de acordo de credores no processo de insolvência, como foi no caso. Não colhendo, por conseguinte, por não ter cobertura legal, o entendimento da Administração Tributária de que não é possível passar a certidão solicitada «por ainda se encontrar em análise a garantia apresentada» (vertido no ofício de 05/03/2013 do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, de fls. 231 dos autos)”(sublinhado nosso).

A sentença fez uma correcta apreciação e valoração da prova, porque os elementos dos autos e a matéria levada ao probatório suportam factualmente a conclusão a que chegou de que a constituição de garantia, ao menos nos termos em que a Administração tributária a exige, vai além do que ficou contemplado em sede de acordo de credores no processo de insolvência.

De resto e como bem salienta a Recorrida, em vista do disposto no n.º3 do art.º218.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, para que outros acontecimentos, que não a mora no cumprimento do plano de pagamentos, nomeadamente a prestação de garantias, sejam considerados um incumprimento do plano de insolvência, necessário é que tais acontecimentos se encontrem mencionados clara e inequivocamente no referido plano, o que não sucede no caso em apreço.

Não se verificando o apontado erro de julgamento quanto à crucial questão factual da associação da prestação de garantias ao cumprimento do plano de insolvência, não se evidenciam constrangimentos de outra ordem, nem a Fazenda Pública os alega, no deferimento do pedido de intimação.

Obviamente, não podendo constituir obstáculo ao seu deferimento a pendência de um pedido da requerente, formulado ao abrigo da lei, visando o alargamento do número de prestações autorizadas no plano, porque não gera ipso facto qualquer situação de incumprimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 30 de Setembro de 2014
Ass. Vital Lopes
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio