Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01469/20.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL.
Sumário:I) – Estabelece o art.º 3º, n.º 1, do Regime do Fundo de Garantia Salarial (com a alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31/12) que:
O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
II) – Este “limite máximo global” de protecção leva em conta o pagamento de todos os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação cujo Fundo assegura na sequência de todas e qualquer uma das situações que possam desencadear essa protecção, constituindo limite quanto a créditos que possam ser pagos dentro de cada período de referência e também no seu conjunto; merecedores de protecção por via do pagamento em que o Fundo fica sub-rogado serão todos os créditos laborais que caibam em qualquer um deles, mas também até ao limite global estabelecido para todos eles.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
AA (Rua …) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção intentada por Fundo de Garantia Salarial (Av.ª …), julgada improcedente.
A recorrente despeja sob conclusões:

A. A discordância da recorrente recai sobre o que considera ser uma aplicação e interpretação erróneas das disposições legais aplicáveis.

B. Recaindo, ainda, o presente recurso sobre a omissão da douta Sentença recorrida.

C. Especificamente prende-se com o facto de saber se a Autora/Recorrente tem direito à emissão de novo ato administrativo que lhe reconheça o pagamento das quantias peticionadas ao Fundo de Garantia Salarial no âmbito do processo de insolvência da sociedade D..., LDA.

D. Conforme se deu como provado na sentença de que ora se recorre, a Recorrente, até 20 de maio de 2019, manteve contrato de trabalho com a empresa “D..., LDA.”, o qual cessou por resolução do contrato de trabalho por iniciativa da entidade patronal com fundamento no despedimento coletivo do Recorrente e outros funcionários.

E. Por processo de declaração de insolvência iniciado pela referida empresa em 24-05-2019, que decorreu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo do Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz XX, com o n.º 3../….3T8VNF, foi decretada a sua insolvência na qual o ora recorrente reclamou e viu reconhecidos os seus créditos, no montante global de €12.548,93 (doze mil, quinhentos e quarenta e oito euros e noventa e três cêntimos), acrescidos de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

F. «Em 21 de Junho de 2020, a Autora deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social de Braga, de requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “D..., Lda”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 24 e 25 do PA); dos factos provados;

G. A Sentença recorrida entende que, pelo facto de anteriormente, a Autora/Recorrente ter já recorrido ao Fundo de Garantia Salarial no âmbito do Processo Especial de Revitalização da sociedade D...,

H. um novo recurso ao Fundo de Garantia Salarial – no âmbito de um NOVO PROCESSO – estará sempre limitado ao valor que foi pago anteriormente.

I. Ou seja, se no âmbito do processo especial de revitalização da sociedade D... foi paga ao Autor a quantia de 3.500€,

J. Qualquer outra quantia que o Autor/Recorrente peticionasse no âmbito de outro processo – como foi o processo de insolvência daquela sociedade – estaria limitada pelo valor que foi pago anteriormente,

K. ainda que se tratasse de créditos diferentes, que se venceram em data posterior – como foi o caso dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho no âmbito do despedimento coletivo – e peticionados em processos distintos: o primeiro no âmbito de um processo especial de revitalização (previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial); e o segundo no âmbito de um processo de insolvência (previsto na alínea b) do mesmo normativo legal);

L. Precisamente, nas situações abrangidas pelo n.º 1 do artigo 1.º do NRFGS, não há qualquer indício na lei de que essas situações se excluam umas às outras – ou seja, se o trabalhador já recebeu por conta do PER da entidade patronal, já não pode vir a receber na sequência da insolvência; ou só pode receber o remanescente até ao limite previsto no artigo 3.º

M. Nem que sejam complementadas umas pelas outras.

N. Se assim fosse, teríamos, a título de exemplo, situações em que um trabalhador se hoje «esgota o plafond» do limite dos créditos pagos pelo Fundo porque a sua entidade patronal se apresentou a PER,

O. nunca mais poderá a vir a receber qualquer compensação do fundo,

P. não obstante se vencerem outros créditos laborais.

Q. Entende o Autor/Recorrente que a interpretação que deve ser conferida ao artigo 3.º do NRFGS é a de que esses limites devem ser aplicados a cada um dos pedidos do Requerente, para cada processo determinado.

R. E foi, precisamente, essa a omissão da Sentença recorrida, já que não apreciou a «falta de fundamentação do ato administrativo recorrido» alegada pelo Autor/Recorrente.

S. A interpretação que o tribunal a quo faz do artigo 3.º do NRFGS, no sentido de que os limites dos créditos pagos pelo Fundo se aplicam “ad etermum” na vida do trabalhador independentemente do vencimento posterior de outros créditos conduz a resultados de manifesta injustiça,

T. resultados esses que o legislador não quis, e que são contrários à razão de ser da existência do próprio Fundo.

U. O Fundo de Garantia Salarial foi criado pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de junho, com o objectivo de assegurar aos trabalhadores, em caso de incumprimento pela entidade empregadora, o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação, verificadas certas condições.

V. O regime do Fundo de Garantia Salarial foi, entretanto, alterado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, que veio regulamentar a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, diploma que aprovou o Código do Trabalho.

W. O Fundo de Garantia Salarial, atualmente, rege-se essencialmente pelo disposto no artigo 336.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, e pelos artigos 317.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, por força do disposto na alínea o) do n.º 6 do art.º 12.º da citada Lei n.º 7/2009.

X. À luz do Direito da União Europeia, preceitua o art.º 3.º da Diretiva n.º 80/987/CEE [na redação dada pela Diretiva n.º 2002/74/CE - que os “(…) Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados- Membros (…) ”.

Y. Na verdade, tal como se sustentou no acórdão do TJUE de 17.11.2011 («J.C. van Ardennen» - Proc. n.º C-435/10, n.ºs 27/28, n.º s 31/32 e 34, consultável em «www.curia.europa.eu/juris») “(…) há que recordar desde logo que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a finalidade social da Diretiva 80/987 consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção a nível da União Europeia em caso de insolvência do empregador através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração relativa a um determinado período (…)” (vide Acórdão de 4 de Março de 2004, Barsotti e o., C-19/01, C-50/01 e C-84/01, Colect., p. I-2005, n.º 35, e acórdão Visciano, já referido, n.º 27).

Z. É certo que os Estados membros podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados e prazos para sua dedução ou referência, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da Diretiva (art.º 4.º da Diretiva n.º 80/987/CEE).

AA. À luz dos factos expendidos pela Autora, aqui Recorrente, suscita-se a dúvida sobre se o quadro normativo do Direito da União, em particular a Diretiva n.º 80/987/CEE deve ser interpretado estritamente no sentido de que o limite imposto no artigo 3.º se aplica a todos os pedido que o Autor dirija ao Fundo durante a sua vida ativa ou se esse limite respeita a cada um dos pedidos na sequência de cada prevista no artigo 1.º.

BB. Parece-nos que, adotar a primeira interpretação – à semelhança do que foi feito na Sentença recorrida – será de uma tremenda injustiça.

CC. Uma vez que facilmente se “esgota o plafond” dos créditos dos trabalhadores se estivermos a “somar” o número de processos de insolvência e per que a(s) sua(s) entidade(s) patronais se poderão envolver.

DD. Reitera-se, no caso do Recorrente, que os créditos que este peticionou na sequência da insolvência da D... – o segundo requerimento dirigido ao Fundo, portanto – são créditos que não lhe foram pagos antes - no anterior pedido – e que nem sequer se encontravam vencidos antes.

EE. Foram créditos que se venceram após o primeiro pedido que o Recorrente dirigiu ao Fundo, na sequência do PER

FF. São, portanto, duas situações distintas.

GG. E são as duas distintamente discriminadas na lei – uma na al. a) e outra na al. b) do n.º 1 do artigo 1.º

HH. A interpretação que a Sentença recorrida faz do art.º 3 do NRFGS, viola a alínea a) do art.º 59.º, n.º 1 da Constituição, em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo, e bem assim preceitos comunitários.

II. Assim sendo, a Sentença recorrida faz uma aplicação e interpretação restrita e errada do referido art.º 3., e das mencionadas normas constitucionais e comunitárias

JJ. É referido no ato administrativo de indeferimento aqui posto em crise, o seguinte: ««- O crédito requerido a título de Remunerações que se encontram por liquidar referente ao período de trabalho de 01/08/2017 a 31/10/2017, não vai ser considerado pelo Fundo de Garantia Salarial (FGS), uma vez que o requerente já recebeu esse crédito/valor do FGS, no que diz respeito à análise de um requerimento que entregou no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER) (processo n.º 7067/17.0T8VNF) anterior a este processo de insolvência.»

KK. Portanto, a decisão proferida no procedimento administrativo que originou o ato impugnado – iniciado, reitera-se, na sequência do processo de insolvência da D... – foi influenciada pela análise outro requerimento, no âmbito de outro procedimento administrativo anterior e, entretanto, findo – aquele que se iniciou na sequência do Processo Especial de Revitalização da D....

LL. Importa, pois, aferir da fundamentação do referido despacho.

MM. O direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP (artigo 268.º), encontrando-se tal princípio densificado nos artigos 124.º e 125.º do CPA.

NN. Este direito à fundamentação e o seu correlativo dever de fundamentação mostram bem que tem «a par de uma função exógena – dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação – uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta» 5 [5 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2/2/2006, rec. nº 1114/05].

OO. Note-se que da fundamentação invocada pelo órgão que profere o ato consta a remissão para «um requerimento que entregou no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER) (processo n.º 7067/17.0T8VNF) anterior a este processo de insolvência».

PP. Ora, para que o despacho em crise pudesse considerar-se devidamente fundamentado, o mesmo deveria fazer referência aos elementos de informação e ou documentais recolhidos, tanto mais que do mesmo resulta a referência a «um requerimento que entregou no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER) (processo n.º 7067/17.0T8VNF) anterior a este processo de insolvência».

QQ. Qual a diferença entre os créditos cujo pagamento foi requerido no Processo n.º 7067/17.0T8VNF e aqueles cujo pagamento foi agora requerido no processo n.º 3319/19.3T8VNF?

RR. Tratou-se da análise dos mesmos créditos em ambos os processos ou entre o pagamento que ocorreu no âmbito do processo n.º 7067/17.0T8VNF e o pedido de pagamento no âmbito no processo n.º 3319/19.3T8VNF venceram-se outros créditos? – como foi, aliás, o caso.

SS. Uma vez que se trata de créditos distintos e com datas de vencimento distintas, esses fatores foram tidos em conta aquando da prolação do ato administrativo aqui posto em crise?

TT. Se este exercício silogístico – que não compete aos interessados – foi ponderado pela entidade administrativa na elaboração do ato é uma circunstância que não é possível aferir, uma vez que essa eventual apreciação deveria constar da fundamentação do ato administrativo e, como é fácil de verificar, não o foi.

UU. O ora requerente desconhece se foi ou não atendido todo esse circunstancialismo por não constarem do teor do despacho de indeferimento, o qual configura um verdadeiro ato administrativo.

VV. Ou seja, o Órgão da Administração alheou-se da aplicação rigorosa dos requisitos inerentes à prolação de um ato administrativo.

WW. Aquele despacho deveria deixar clara a verificação desses motivos fácticos e da fundamentação de direito e não basear-se em meras considerações conclusivas, tabelares e ou por recurso a decisões pró-forma.

XX. No despacho em crise foram considerados os créditos peticionados pela Requerente em dois processos distintos.

YY. Contudo, pelo Despacho ora posto em crise, é possível aferir que a entidade administrativa “englobou” nesta decisão os créditos peticionados o âmbito do processo n.º 7067/17.0T8VNF e aqueles peticionados no âmbito do processo 3319/19.3T8VNF.

ZZ. Porém, não é esclarecida – ou melhor, fundamentada – a razão pela qual a entidade administrativa apreciou “em conjunto” ambos os créditos, dado que os respetivos pedidos de pagamento originaram procedimentos administrativos distintos.

AAA. Não obstante o requerente ter apresentado dois pedidos de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, tal não significa que se trate da apreciação do mesmo pedido nesses dois procedimentos administrativos.

BBB. Tratando-se, aliás, de pedidos distintos; processos distintos; créditos distintos e com datas de vencimento distintos.

CCC. Não devendo, portanto, os créditos peticionados em ambos os procedimentos – requeridos autonomamente e tratando-se de créditos distintos – serem apreciados “em conjunto”.

DDD. Ou seja, sendo aquele fundamento falso, mas do que resulta do despacho, determinante para se indeferir o requerimento da requerente, o mesmo tem de considerar-se inexistente.

EEE. Face a essa inexistência, também por esta via, a entidade administrativa incorreu no vício de falta de fundamentação do despacho.

FFF. Na verdade, a aplicabilidade da norma prevista no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril deverá apenas cingir-se ao procedimento administrativo iniciado como o pedido de pagamento dos créditos laborais no âmbito do processo n.º 3319/19.3T8VNF.

GGG. Não se compreendendo de que forma a Administração poderá apreciar o procedimento iniciado pela Requerente no âmbito do Processo Especial de Revitalização e que findou com a prolação do competente ato administrativo,

HHH. simultaneamente ao procedimento iniciado pela Requerente no âmbito de um processo distinto e com um pedido distinto – processo de Insolvência.

III. Não se põe em causa que haja um limite para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação, conforme se encontra previsto no já citado n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril e que esse limite máximo seja o equivalente a seis meses de retribuição e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.

JJJ. Pois que, além de ter sido esse o requerimento que deu início ao procedimento administrativo que originou o ato de que agora se reclama e no qual foi concretamente aplicada a norma constante do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril,

KKK. não se concebe que a Administração possa agora “apensar” a este procedimento administrativo um outro – procedimento iniciado no âmbito do processo n.º 7067/17.0T8VNF – o qual, inclusivamente, se encontra findo e que originou um ato que, presentemente, se tornou ininpugnável.

LLL. De modo que o despacho em análise, não contém, em termos suficientes, necessários e exigíveis a explicitação dos motivos de facto e de direito que o motivaram.

MMM. Concluindo-se, assim, pela verificação do vício de falta de fundamentação do despacho em crise.

NNN. O que conduz à ilegalidade do mesmo, por falta de fundamentação, que expressamente se invoca e deverá ser declarada, determinando-se a respetiva anulação.

OOO. Tratando-se de pedidos de pagamento o de créditos distintos, sendo que – reitera-se -, no âmbito do processo n.º 7067/17.0T8VNF, a requerente peticionou o pagamento de retribuições devidas e não pagas e no âmbito do processo n.º 3319/19.3T8VNF, o requerente pediu o pagamento, entre outros créditos que, entretanto se venceram, da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho,

PPP. não se vislumbra de que forma a entidade recorrida possa invoca uma qualquer [inédita] “espécie” e apensação de procedimentos administrativos e “juntar” na mesma apreciação créditos claramente distintos e com o devido tratamento em procedimentos administrativos autónomos

QQQ. Interpretar o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015 de 21 de abril no sentido de que possam ser apreciados “conjuntamente” créditos distintos, vencidos em momentos diferentes, com origem em processos judiciais igualmente distintos e que originaram, consequentemente, procedimentos administrativos diferentes é violadora do artigo 59.º da CRP.

RRR. Dispõe aquele normativo o seguinte: «Artigo 59.º Direitos dos trabalhadores:

1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar; c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas; e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego; f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.

2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente: a) O estabelecimento e a atualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros fatores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento; b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho; c) A especial proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem atividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas; d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais; e) A proteção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes; f) A proteção das condições de trabalho dos trabalhadores estudantes.

3. Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.»

SSS. O direito do Recorrente requerente ao pagamento dos créditos laborais encontra proteção constitucional, nomeadamente no artigo 59.º da CRP.
Sem contra-alegações.

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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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Os factos, consignados como provados na sentença recorrida:
a) Em 02.03.2009, a Autora celebrou contrato de trabalho com a sociedade “D..., Lda.”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (facto não controvertido);
b) No âmbito do contrato referido em a), a Autora e a sua entidade patronal acordaram que aquela receberia a retribuição mensal de 990,00 euros (facto não controvertido);
c) Em 2 de Novembro de 2017, a sociedade D..., Lda instaurou processo especial de revitalização, o qual correu termos sob o nº 7067/17.0T8VNF, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, juiz 3 (cfr. fls. 11 do PA);
d) Em 23 de Novembro de 2017, no processo referido em c), foi nomeado o Administrador Judicial Provisório (cfr. fls. 11 do PA);
e) No processo referido em c) a Autora apresentou reclamação de créditos (cfr. fls. 11 do PA);
f) No processo referido em c) à Autora foi reconhecido crédito relativo a remunerações no valor de €3.500,00 (cfr. doc. nº 4 junto com a p.i.);
g) Em 30 de Abril de 2018, a Autora deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social de Braga, de requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “D..., Lda.”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls. 1 e 2 do PA);
h) Por despacho de 27.05.2019, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento apresentado pela Autora foi totalmente deferido, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 22 do PA);
j) À Autora foi reconhecido o valor de 3.500,00€ (valor ilíquido), a que correspondeu a quantia de 3.500,00€ (valor líquido) (cfr. 22 do PA);
K) A Autor foi notificada da decisão de deferimento total mediante ofício, datado de 27.06.2019, os qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (Cfr. fls. 22 do PA);
l) Em 27 de Maio de 2019, cessou o contrato de trabalho referido em a) (facto não controvertido);
m) Em 22 de Maio de 2019, foi requerida a insolvência da sociedade “D..., Lda” (cfr. fls. 31 do PA);
n) Em 24 de Maio de 2019, a sociedade “D..., Lda” foi judicialmente declarada insolvente, na acção especial de insolvência, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz YY, sob o n.º 3319/19.3T8VNF (cfr. fls. 31 do PA);
o) A Autora apresentou, na qualidade de credora da insolvente, reclamação de créditos, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzidas (cfr. fls. 31 do PA);
p) Em 10 de Março de 2020, foi proferida sentença que reconheceu os créditos reclamado pela Autora (cfr. fls. 31 do PA);
q) Em 21 de Junho de 2020, a Autora deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social de Braga, de requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “D..., Lda”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 24 e 25 do PA);
r) Por despacho de 15.04.2020, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento apresentado pela Autora foi parcialmente deferido, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 40 do PA);
s) À foi reconhecido o valor de 7.300,00€ (valor ilíquido), a que corresponde à quantia de 6.946,71€ (valor líquido) (cfr. fls. 40 do PA).
t) A Autora foi notificada da decisão de deferimento parcial, mediante ofício, datado de 08.05.2020, os qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (Cfr. fls. 40 do PA).
[De onde extraímos – cfr. fls. 40 e 40V do PA (ofício de notificação):]
[Dá-se por reproduzido o documento constante do acórdão.]
*
A apelação:
A Entidade Demandada deferiu parcialmente o requerimento da Autora para pagamento de créditos laborais.
Com a instauração da acção pretendeu a Autora a condenação no pagamento de quantia superior, de € 9.048,30 [e não de € 10.800.00 como em “IV - Direito” vem assinalado na decisão recorrida] – cfr. p. i..
O tribunal “a quo” julgou “parcialmente improcedente a presente acção administrativa e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada do pedido realizado pela Autora.” [apenas ressalva que resulta de todo evidente que a improcedência foi total]
E assim decidiu, tendo por fundamento:
«(…)
Como já referido, a intervenção do FGS está quantitativamente limitada, de acordo com o disposto no art.º 3.º, n.º 1, do RFGS. Esse limite corresponde ao equivalente a seis meses de retribuição, referindo-se, assim, à remuneração do trabalhador.
Assim, os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.
Significa isto que, achado o montante dos créditos a assegurar (por estarem contidos no período de referência), o valor poderá ser reduzido até ao limite legal imposto.
E qual é o limite legalmente imposto?
Em nosso entender, resulta daquele normativo que os créditos (calculados e contidos no período de referência) são pagos até um montante máximo que equivale a seis meses de retribuição do trabalhador; se a retribuição mensal do trabalhador exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida, então deve considerar-se que a retribuição tem este valor (três vezes a retribuição mínima mensal garantida). Desta forma, o limite máximo mensal é de aplicar àqueles casos em que os trabalhadores auferem um salário superior a três salários mínimos nacionais; que, não é, manifestamente, o caso da Autora.
Em suma, a norma em análise estabelece um limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição e, nos casos em que a retribuição mensal excede o triplo do salário mínimo nacional, o limite equivale a seis meses de montante igual a três vezes o salário mínimo nacional.
Foi esta, quanto a nós, a opção do legislador. Neste sentido, entre outros, o acórdão do TCA Norte, de 29.11.2019 (proc. nº 865/16), disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Resulta da factualidade apurada que a Autora e a sua entidade patronal acordaram que aquela receberiam a retribuição mensal de 990,00.
Assim deve considerar-se o limite de € 5.940,00 (6x990,00€) a que alude o art. 3º nº1 do DL nº 59/2015, pelo que a pretensão de pagamento pelo Fundo não poderia exceder este valor.
Acontece que à Autora já foi paga quantia muito superior ao limite máximo legalmente previsto, pelo que se torna despiciente analisar se os demais créditos laborais são ou não devidos a esta, porquanto, independentemente, da resposta a tal questão, estaria vedada a condenação da Entidade Demandada no seu pagamento, por violação do limite máximo aqui aplicável.
Termos em que a presente acção deve improceder totalmente.
(…)».
O Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, que entrou em vigor a 04.05.2015 (art.º 5º), aplicando-se aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor (art.º 3º, n.º 1) e, por isso, aplicável ao caso presente.
Dispõe o artigo 1º, sob a epígrafe “Situações abrangidas”, que:
1 - O Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja:
a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador;
b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização;
c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
Estabelece o artigo 2º do mesmo Regime (com a alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31/12) que:
1 - Os créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.
(…)
4 - O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
5 - Caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.
E o n.º 1, do art.º 3º, estabelece (“Limite das importâncias pagas”): O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
Na tese da recorrente este limite deve ser considerado autonomamente para a situação em que seja requerido ao Fundo o pagamento de créditos laborais quanto estejamos perante processo especial de revitalização (PER) ou perante insolvência.
Nas suas palavras “Entende o Autor/Recorrente que a interpretação que deve ser conferida ao artigo 3.º do NRFGS é a de que esses limites devem ser aplicados a cada um dos pedidos do Requerente, para cada processo determinado. (…). E foi, precisamente, essa a omissão da Sentença recorrida, já que não apreciou a «falta de fundamentação do ato administrativo recorrido» alegada pelo Autor/Recorrente.”.
Mas se é “essa a omissão da Sentença recorrida” apontada, o certo é que dessa falha ela não padece.
Claramente que avalizou o entendimento constante do acto impugnado, que tomou em conta na definição do limite as importâncias antes já pagas na sequência do que o PER já facultara à Autora peticionar junto do Réu.
E entende-se perfeitamente quais importâncias [“O crédito requerido a título de Remunerações que se encontram por liquidar referente ao período de trabalho de 01/08/2017 a 31/10/2017 (…)”]; advém que à Autora - assim o queira - toda a percepção de fundamentação se proporciona, e, mais a mais, beneficiária do que pretérito alcançou, com todo o esclarecido entendimento para o controlo de razões.
Na questão decisiva que aqui ocupa a recorrente aponta que “A interpretação que a Sentença recorrida faz do art.º 3 do NRFGS, viola a alínea a) do art.º 59.º, n.º 1 da Constituição, em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo, e bem assim preceitos comunitários.”.
Vejamos, então.
O preâmbulo do DL n.º 59/2015, de 21/04, esclarece: «Em face da criação pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, do Processo Especial de Revitalização (PER) e da aprovação pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 2 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de fevereiro, do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), o novo regime condensa as necessárias adaptações para garantir que os créditos dos trabalhadores em empresas alocadas a esses planos de revitalização ou de recuperação têm acesso ao FGS.
Entendeu-se, porém, ir mais longe, prevendo o novo regime uma norma de direito transitório que permite também o acesso ao FGS pelos trabalhadores que tenham apresentado requerimentos na pendência de Processo Especial de Revitalização ou entre 1 de setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, conquanto abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência, alargando-se assim a abrangência do FGS, mediante reapreciação oficiosa dos processos.
Promovendo uma lógica de estabilidade temporal e de segurança jurídica manteve-se no novo regime a regra de que o FGS assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento do PER ou do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, atualmente o SIREVE, passando-se agora, no entanto, a prever que o pagamento dos créditos requeridos é assegurado até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.».
As ditas “necessárias adaptações” foram motivadas, no que se refere ao PER, pela introdução deste regime no CIRE (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 /03), em que o legislador institucionalizou um processo pré-insolvencial: “Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, a empresa pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-J.” (art.º 1º, n.º 2).
A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respectivos direitos. Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitalização, de forma a poder ser ressarcido (…)
Todos os credores inclui, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva – os trabalhadores.
E estes (os trabalhadores), no âmbito de um processo desta natureza não podem, porque a lei que criou e regula o PER o não permite, ter ao longo da sua tramitação tratamento diferenciado dos restantes credores” (Luís M. Martins, In “Recuperação de Pessoas Singulares”, Vol. I, 2013, pág. 38).
Com ressalva de a suspensão das medidas de execução não abranger as “ações executivas para cobrança de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação” (art.º 17-E, n.º 4, do CIRE).
Pelas “necessárias adaptações” o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, que aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, tivesse abarcado no leque de “Situações abrangidas” a do PER; que a jurisprudência deste TCAN já mesmo antes de norma positivada vinha considerando na solução de vários casos.
Nos considerandos introdutórios da Directiva 2008/94/CE expôs-se que “São necessárias disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador e para lhes assegurar um mínimo de protecção, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade e um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade” (3), logo se adiantando que “A fim de assegurar uma protecção equitativa aos trabalhadores assalariados em causa, deverá definir-se o estado de insolvência à luz das tendências legislativas dos Estados-Membros, devendo abranger-se, através dessa noção, os processos de insolvência que não sejam processos de liquidação. (4). [veja-se Acórdão de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o., C-198/13, EU:C:2014:2055, n.o 44]
O seu art.º 2º definiu:
1. Para efeitos do disposto na presente directiva, considera-se que um empregador se encontra em estado de insolvência quando tenha sido requerida a abertura de um processo colectivo, com base na insolvência do empregador, previsto pelas disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado-Membro, que determine a inibição total ou parcial desse empregador da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico, ou de uma pessoa que exerça uma função análoga, e quando a autoridade competente por força das referidas disposições tenha:
a) Decidido a abertura do processo; ou
b) Declarado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do activo disponível para justificar a abertura do processo.
(….)
4. A presente directiva não impede os Estados-Membros de alargarem a protecção dos trabalhadores assalariados a outras situações de insolvência, como a cessação de facto de pagamentos com carácter permanente, constatadas por via de processos que não os mencionados no n.º 1, que estejam previstos no direito nacional.
E também faz parte dos considerandos que “Neste contexto, os Estados-Membros deverão ter a faculdade de dispor, a fim de determinar a obrigação de pagamento da instituição de garantia, que qualquer situação de insolvência que dê lugar a vários processos de insolvência será tratada como se se tratasse de um único processo de insolvência.” (4) e que “Os Estados-Membros podem estabelecer limites à responsabilidade das instituições de garantia, que devem ser compatíveis com o objectivo social da directiva e podem tomar em consideração os diferentes valores dos créditos.” (7).
Como reconhece o TJUE (Virginie Marie Gabrielle Guigo c. Fond «Garantirani vzemania na rabotnitsite i sluzhitelite», Processo n.º C-338/17 (EU:C:2018:605), por acórdão de 25-07-2018) “as disposições da Diretiva 2008/94 relativas à faculdade conferida aos Estados-Membros de limitarem a sua garantia demonstram que o sistema estabelecido pela referida diretiva tem em conta a capacidade financeira desses Estados-Membros e que procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia (v., por analogia, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 29, e Despacho de 10 de abril de 2014, Macedo Maia e o., C-511/12, não publicado, EU:C:2014:268, n.º 21)”.
Nessa medida se dispôs, no art.º 4º, n.º 3, que “Os Estados-Membros podem estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efectuados pela instituição de garantia. Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objectivo social da presente directiva.
Convirá deixar aqui recordado que o art.º 3.°, n.° 2, da Directiva 80/987, na sua versão inicial, antes da sua alteração pela Directiva 2002/74, só previa a escolha pelos Estados-Membros entre as três datas de referência que enumerava; naturalmente que o limite de pagamento das importâncias tinha alimento pelo que de contributo só um desses períodos de referência pudesse proporcionar.
As alterações introduzidas pela Directiva 2002/74 e mantidas pela Directiva 2008/94 suprimiram a menção dessas três datas; o art.º 3.° (segundo parágrafo), desta última directiva deixou aos Estados-Membros a liberdade de determinar uma data adequada.
Mas não se afigura que a liberdade de consagração alternativa ao que possa ser data a tomar em conta para determinação do período de referência tenha condão de “multiplicar” a “protecção mínima” visada com efeito de pulverização de limite de pagamento.
Os casos em que é permitido limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia, conforme previstos no artigo 4.o da Directiva 2008/94, devem ser objecto de interpretação estrita (cfr. Acs. de 17-11-2011, van Ardennen, C-435/10, EU:C:2011:751, n.o 34, e de 28-11-2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.o 31).
Todavia, tal interpretação restritiva não pode ter por efeito esvaziar de conteúdo a faculdade expressamente reservada aos Estados-Membros de limitarem a referida obrigação de pagamento (cfr. Ac. de 28-11-2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.o 32).
E importa recordar que «A Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretada no sentido de que não obriga os Estados-Membros a prever garantias para os créditos dos trabalhadores em cada etapa do processo de insolvência do seu empregador.» (Ac. do TJUE, de 18-04-2013, proc. n.º C-247/12).
E, conforme tal Directiva, abrangendo, através dessa noção, os processos de insolvência que não sejam processos de liquidação.
O limite assinalado na legislação nacional, ao “pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior”, isto é, com referência ao “pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação” - com relação a todos eles, não se confinando aos créditos que dentro de cada período de referência possam ser pagos; aliás o art.º 2º, nº 5, mesmo ao tomar em conta como unidade o período de referência indica “o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência -, tem o “limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.”.
Os normais cânones de interpretação apontam para que este “limite máximo global” de protecção leve em conta o pagamento de todos os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação cujo Fundo assegura na sequência de todas e qualquer uma das situações que possam desencadear essa protecção, constituindo limite quanto a créditos que possam ser pagos dentro de cada período de referência e também no seu conjunto; merecedores de protecção por via do pagamento em que o Fundo fica sub-rogado serão todos os créditos laborais que caibam em qualquer um deles, mas também até ao limite global estabelecido para todos eles (“qualquer situação de insolvência que dê lugar a vários processos de insolvência será tratada como se se tratasse de um único processo de insolvência.”); o que é conforme à Directiva 2008/94.
Não contém afirmação de que “o limite imposto no artigo 3.º se aplica a todos os pedido que o Autor dirija ao Fundo durante a sua vida ativa”; não é isso que se encara ou resulta; o trabalhador não tem consagrada toda uma ilimitada protecção para a vida activa; tão só a protecção mínima face a “insolvência do empregador” (na acepção que, para estes efeitos, devemos ter de insolvência); essa a relação moldada, para com um seu empregador, com limites; o indicado limite para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação assinala o quanto o Estado, através do Fundo, nessa relação laboral, seja por insolvência (propriamente dita) seja por situação economicamente difícil, confere protecção.
Importa salientar que, embora um Estado-Membro possa designar-se a si próprio devedor da obrigação de pagamento dos créditos salariais garantidos por força da Directiva 2008/94 (cfr. Ac. Gharehveran, C-441/99, EU:C:2001:551, n.° 39), o Fundo de Garantia Salarial emerge aqui apenas como instituição de garantia em conformidade com a Directiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.
Cfr. Ac. deste TCAN, de 30-1-2017, proc. n.º 3110/15.6BEPRT: “O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites às importâncias pagas.”:
O crédito perante a entidade falida, ainda que reconhecido judicialmente serve apenas como limite máximo do crédito perante o Fundo de Garantia Salarial: este nunca deverá pagar mais do que este crédito. O que não significa, antes está vedado como regra pela lei que o Fundo de Garantia Salarial deva pagar todo o crédito que existia perante a entidade patronal falida.
(…)
O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de salários, subsídios e indemnizações devidas por lei em caso de despedimento a trabalhadores por conta de outrem quando os seus empregadores não podem pagar, por estarem numa situação de insolvência ou economicamente debilitados, (mas) dentro dos limites temporais e quantitativos assinalados no diploma, pois que, se nos é permitida a expressão, o FGS é um Fundo mas não um Saco sem Fundo…”
O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo.
O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.
Assim, o pagamento de créditos laborais à autora na sequência de sentença de declaração de insolvência do empregador ao levar em conta na definição do limite de quantias a pagar o pagamento que já havia assegurado por anterior processo especial de revitalização mostra-se ser correcto agir; sem que espante que para tanto recorra ao que em anterior procedimento obteve definição; nada de lei repugna; e é ao que bem serve.
A recorrente afirma que “a Sentença recorrida faz uma aplicação e interpretação restrita e errada do referido art.º 3., e das mencionadas normas constitucionais e comunitárias”.
Tanto o referido art.º 3º teve correcta interpretação, como se mostra conforme ao que é direito comunitário - pelo menos no que é conformidade à Directiva 2008/94, não se percepcionando outra fonte para bitola a um erro de julgamento -, como nenhuma violação do art.º 59º da CRP verdadeiramente a autora substancia ou mesmo que por traços mínimos se proporciona concluir.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 28 de Outubro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa