Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02237/15.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/06/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO;
DEVOLUÇÃO DE VERBAS DESTINADAS AO INVESTIMENTO AGRÍCOLA; EVIDÊNCIA; PREJUÍZOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO; PONDERAÇÃO DE INTERESSES; ALÍNEA A) E ALÍNEA B) DO N.º1, E N.º2, DO ARTIGO 120º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:1. Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente, face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
3. O facto de a exploração agrícola do requerente ser a sua única fonte de rendimentos, e este ter como bens apenas duas viaturas que utiliza como instrumento do seu trabalho, é previsível produzirem-se prejuízos de difícil reparação com a não suspensão do acto que determinou a devolução de apoio ao investimento agrícola recebido, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pois se mostra como quase certo que teria de alienar os referidos bens, ficando sem quaisquer condições para prover o seu sustento e do seu filho.
4. Ponderando, por um lado, o interesse do recorrido, em prover ao seu sustento e do seu filho e, por outro, o interesse da entidade requerida de obter a devolução de uma verba que entende ser devolvida, deve prevalecer o primeiro, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP..
Recorrido 1:RMPS.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP., veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 26.01.2016, que deferiu a providência cautelar deduzida RMPS, para suspensão da eficácia do acto, de 29.07.2015, do Presidente do Conselho Directivo do Instituto requerido que no âmbito de um projecto de investimento modificou unilateralmente o contrato de financiamento e determinou ao requerente a devolução da quantia de € 71.751,66 recebido a título de subsídio.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento relativamente à interpretação e aplicação do nº 1 e do n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não sendo aplicável por não se encontrar verificado no caso concreto o non malus fumus iuris nem o “periculum in mora”, ao que acresce que da ponderação dos interesses em jogo sempre se diria, por mera hipótese académica, sem conceder, que se a ora recorrida comprovasse as graves dificuldades financeiras e os prejuízos sérios, caso a acção principal viesse a ser declarada improcedente, o Instituto ver-se-ia na impossibilidade de jamais repor a legalidade da situação e obter o pagamento da quantia indevidamente paga ao ora recorrido.

Foram apresentadas contra-alegações, a defender a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*
I - São estas as conclusões das alegações e que definem o objecto do presente recurso:

1ª - O recorrente celebrou com o recorrido um contrato de financiamento, com o n.° 02009573/0, ao abrigo do PRODER, em 3.1.2011, nos termos do qual o recorrido se propunha à realização de um investimento elegível no montante de 452. 506,45€, ao qual corresponderia um subsidio no montante de 203.088,74 €.

2ª - No âmbito das ajudas PRODER o pagamento do subsídio como regra geral só é pago depois do beneficiário ter realizado o investimento e após ter apresentado, no recorrente, os respectivos documentos de despesa, todavia, está legalmente prevista uma exceção: esta consiste na possibilidade de, a pedido do beneficiário, lhe ser entregue a titulo de adiantamento um certo e determinado montante, sem que o mesmo tenha comprovado previamente a realização de investimento (nº 4 do artº 19 da Portaria 289-A/2008).

3ª- O recorrido solicitou um pedido de adiantamento do valor de 101.544,37€ e prestou garantia bancária, em 8 de Fevereiro de 2011, no valor de 111.698,81 € (doc. 5 da pi).

4ª - O adiantamento solicitado pelo recorrido foi-lhe pago, em 18 de Março de 2011.

5ª - Nos termos do artº 18, nº1 da referida Portaria os beneficiários ficavam obrigados a iniciarem os investimentos no prazo máximo de 6 meses e a concluir o projecto no prazo máximo de 2 anos, prazos estes cuja contagem se fazia a partir da data da assinatura do contrato, sendo que estava legalmente prevista a possibilidade de prorrogação destes prazos com base em autorização do IFAP (nº3).

6ª- Em 14.04.2013, o recorrido apresentou um pedido de pagamento no qual juntou os comprovativos de despesa de investimento no montante de 203.698,15€, na sequência do que, em 31.12.2013, lhe foi pago o montante de 60. 926,62€.

7ª -O recorrido apenas conseguiu comprovar investimentos no valor de 203.698,15€.

8ª - Ao recorrido foram entregues dois montantes no valor total de 162.470,99€, dos quais 101.544,37€ a titulo de adiantamento.

9ª- Dado que o recorrido solicitou que o projecto fosse dado por concluído pelo valor do investimento comprovado, mostrou-se necessário, apurar o montante do subsídio devido.

10ª- Assim, tendo por base o investimento comprovado pelo recorrido (203.698,15€), apurou-se que o montante devido a título de subsídio era de 90.719,33€, sendo que neste apuramento foram aplicadas as regras prevista nos anexos IV e V, por remissão do artº11 da Portaria 289-A/2008.

11ª - Ou seja, o recorrido só tinha realizado e comprovado investimentos que correspondiam a um subsídio de 90.719,33€, mas tinha recebido do IFAP o montante total de 162.470,99€.

12ª - O recorrido tinha assim que devolver ao IFAP o valor de 71.751,66€ (162.470,99€ - 90.719,33€).

13ª - Este do acréscimo na posse do recorrido radica no facto de o mesmo ter solicitado um adiantamento e de não ter apresentado despesas de investimento suficientes para o justificar.

14ª - É falso que os pagamentos efectuados pelo IFAP sejam devidos a erro, pelo que a tese expendida pelo recorrido para se desobrigar da respectiva devolução nenhum fundamento tem.

15ª - Aliás, a clausula B.11 do contrato refere que a regularização do adiantamento previsto no artº 56º do regulamento (CE) nº 1974/2006, de 15 de Dezembro tem que ser feita até ao finda execução material do projecto, pelo que face ao comprovado pelo recorrido no 1º e único pedido de pagamento e o pedido do recorrido para dar por concluído o projecto, se concluía que o recorrido tinha recebido subsídio por valor superior ao investimento efectivamente executado e comprovado, sendo que o subsidio indevidamente recebido teria que ser devolvido ao recorrente.

16ª - Acresce que o recorrido, ao ter recebido um adiantamento e de não ter realizado o projecto, nos termos contratualmente previstos, violou as regras previstas na regulamentação comunitária que dispõe sobre os Fundos da União (designadamente sobre o FEOGA), facto que constitui irregularidade, na medida em que é uma despesa indevida e lesa, assim, o orçamento da União.

17ª- Assim, a execução parcial do projecto aprovado e contratado, constituía uma irregularidade, nos termos da alínea Z) do artº3 do DL 37-A/2008 que refere: «Irregularidade» qualquer violação de uma disposição de direito comunitário ou nacional que resulte de um acto ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar qualquer dos orçamentos indicados na alínea j), quer pela diminuição ou supressão de receitas quer pelo pagamento de uma despesa indevida.

18ª -Dado que o recorrido recebeu indevidamente subsidio, deve o mesmo proceder á respectiva devolução, que no caso, corresponde 71.751,66€, e porque lhe foi pago o montante de 162.470,99€, quando apenas era devido o montante de 90.719,03€, face ao investimento comprovado.

19ª - A tese do recorrido de que nada tem que devolver é totalmente desprovida de fundamento legal, traduzindo-se na prática em reter subsídio para o qual não apresentou comprovativos de investimento, mas que legalmente e de boa-fé lhe foi adiantadamente disponibilizado, pelo IFAP.

20ª - Nos termos dos artº 9 e 11, do DL 37-A/2008, de 5.03 e das cláusulas E.1 a F.1 das “obrigações gerais” do contrato, nomeadamente, em caso de incumprimento pelo beneficiário, o IFAP pode resolver ou modificar o contrato, constituindo-se o beneficiário na obrigação de reembolso das importâncias indevidamente recebidas.

21ª - Enfim, o que está em causa nos autos é a devolução do montante de 71.751,66€, que foi pago ao recorrido, a título de adiantamento, nos termos legalmente previstos, devolução esta que é devida porque o recorrido, não comprovou despesas de investimento que suportassem tal montante e porque quis dar por concluído o projecto não pelo montante 452. 506,45€, mas apenas pelo montante de 203.698,15€, sendo os investimentos comprovados apenas correspondiam ao montante de subsidio de 90.719,03€,

22ª - Após terem sido assegurados os direitos procedimentais do recorrido (ofício n.° 05727/2015, da DAI-UREC, de 1/4/2015) o IFAP notificou-o da decisão final através do ofício 21854/2015DAI_UREC, de 29.07.2015, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

23ª - A decisão final tomada pelo IFAP encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, é legal e a única possível face ao realizado pelo recorrido, sendo que o acto administrativo praticado pelo IFAP, IP se encontra plenamente justificado de facto e acobertado pela lei.

24ª - Face ao exposto e pelos fundamentos supra expendidos, salvo o devido respeito pela sentença proferida, resulta evidente a manifesta falta de procedência da acção principal.

25ª - Em sede de análise do artº 120, nº1, alínea b) do CPTA o tribunal considerou como provado relativamente ao recorrido que “a exploração agrícola é a sua única fonte de rendimentos”.

26ª - Todavia, tal entendimento foi feito com base em documentos desactualizados – IRS de 2014-, não existe qualquer informação nos autos sobre o estado da exploração em 2015.

27ª - Sem atender ao facto de que nos anos de 2012 a 2014 a exploração se manteve à base dos subsídios que foi recebendo, sem qualquer produtividade, e,

28ª - Sem relevar que o recorrido se absteve de juntar aos autos outros documentos como os balancetes mensais da exploração, extractos das suas contas bancárias, rendimentos mensais da exploração, respectivas despesas, como era seu ónus.

29ª - Não foi feita prova de que a exploração estava activa e que era a única fonte de rendimento do recorrido, pelo que a sentença ora em crise assenta em pressupostos cuja prova não se fez nos autos

30ª - Acresce que da matéria de facto provada nada consta quanto ao prejuízo de difícil reparação, sendo que, tal é nomeadamente consequência do facto do recorrido não ter feito, qualquer prova das consequências que lhe adiriam do pagamento imediato dos valores em questão, que perturbações concretas e graves acarretariam, pelo que a douta sentença assenta assim, em cenários meramente hipotéticos, genéricos e conclusivos, não invocando quaisquer factos concretos e especificados, a partir dos quais se possa retirar danos e prejuízos, efectivos, eminentes e dificilmente reparáveis.

31ª - Em todo o caso, nos termos do nº 4 do artigo 120º do CPTA para evitar a prossecução da execução fiscal, poderá sempre o recorrido prestar uma garantia, por qualquer uma das formas legais aí previstas.

32ª - Ora, para além de alegar este receio de uma forma genérica, o Tribunal recorrido não concretizou, à semelhança do recorrido no âmbito da sua petição do processo cautelar, quaisquer factos susceptíveis de integrar um risco sério de facto consumado, susceptíveis de enraizar um discurso lógico que credivelmente o suporte, sendo que uma futura sentença de provimento do processo principal, o que só por mera hipótese se refere, sem conceder, não perde utilidade.

33ª - Ora, conforme tem sido entendimento jurisprudencial, de que se cita a título exemplificativo, acórdão proferido, em 10.02.2003, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do Proc. n° 12518/03, «deve ser indeferida a providência cautelar de suspensão do procedimento, visto que os interesses susceptíveis de serem lesados não podem reportar-se a prejuízos simplesmente hipotéticos, abstractos ou eventuais».

34ª - A decisão ora recorrida enferma de erro de julgamento relativamente à interpretação e aplicação da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, não se podendo considerar verificado o requisito do “periculum in mora”, uma vez que nos autos nada se provou quanto à real e efectiva situação económica e financeira do ora recorrido, nem é possível extrair qualquer ilação sobre a repercussão que terá na sua vida o pagamento da quantia a repor.

35ª - O Tribunal a quo, parte para a análise do requisito plasmado no n° 2 do art° 120° do CPTA, considerando que «Ponderando as circunstâncias afigura-se que não existem razões de interesse público que se superiorizem à gravidade das consequências que resultarão para o Requerente da não concessão da providência requerida, que poderá ficar privado da sua única fonte de rendimentos.”

36ª - Como bem salienta o Prof. Mário Aroso de Almeida, a justa comparação dos interesses em jogo passa, pelo contrário, a exigir que o tribunal proceda, em cada caso, à “ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público (e para interesses privados contrapostos), com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer para o Recorrido” (in “O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos”, pag. 292, 3. Edição Rev. e Actualizada, 2004).

37ª - “O artigo 120.°, n.° 2, introduz um inovador critério de ponderação, num mesmo patamar, dos diversos interesses públicos e privados, que, no caso concreto, se perfilem, sejam eles do Recorrido, da entidade demandada ou de eventuais contra-interessados, determinando que a providência ou as providências sejam recusadas quando essa ponderação permita concluir que os “danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências” (Prof. Mário Aroso de Almeida, opus cit., pag. 293).

38ª - Refere ainda o Prof. Mário Aroso, (in “O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos” 1ª Ed. Fevereiro de 2003 – pag. 261) relativamente aos “…prejuízos de difícil reparação, o critério não pode ser o da insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas deve ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar”.

39ª - Estão em causa dinheiros públicos, atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da União Europeia no caso em apreço, FEOGA, os quais, independentemente de obter o pagamento da quantia indevidamente paga através da recorrido, o Instituto teria sempre de suportar, nos termos legais, perante a Comunidade Europeia.

40ª - Ora a reposição da quantia a efectuar pelo recorrido não é um prejuízo efectivo, porque, caso venha a ser declarada procedente a acção principal, o que só por mera hipótese se refere sem, no entanto, conceder, esse montante seria sempre restituído ao ora recorrido, sendo que o contrário já não é verdade, porque se recorrido se se encontrar com dificuldades financeiras, caso venha a ser declarada improcedente a acção principal, o Instituto ver-se-á na impossibilidade de repor a legalidade da situação.

41ª - O IFAP, IP tem por missão, entre outras, proceder à validação e ao pagamento decorrente do financiamento da aplicação das medidas definidas a nível nacional e comunitário, no âmbito da agricultura, desenvolvimento rural, pescas e sectores conexos.

42ª - Compete-lhe, de igual forma, e nos termos do artº 12º do DL nº 195/2012, de 23/8, promover os actos de natureza administrativa e judicial, necessários à cobrança dos valores indevidamente recebidos e à aplicação de sanções decorrentes das decisões de reposição tomadas, resultantes do recebimento indevido de fundos nacionais ou comunitários dos quais seja entidade pagadora.

43ª - Esta competência específica – englobada que está nos critérios de acreditação do IFAP como organismo pagador de fundos comunitários – está necessariamente associada às obrigações e ao cumprimento das regras e prazos impostos pela UE, em matéria de recuperação de valores indevidamente recebidos, das quais destaca-se os decorrentes dos artigos 54º e 58º do REG nº 1306/2013, ou dos artºs 72º e 122º do REG. nº 1303/2013, que estabelecem que os EM devem adoptar todas as medidas e disposições legislativas, regulamentares e administrativas ou quaisquer outras necessárias para assegurarem uma protecção eficaz dos interesses financeiros da UE, com vista, nomeadamente, a garantir uma protecção eficaz e a prevenir, detectar e corrigir fraudes e irregularidades, bem como recuperar os montantes indevidamente pagos.

44ª - Relativamente às consequências financeiras pelo não cumprimento destas regras, cumpre, desde logo, destacar o disposto no artigo 54º do REG nº 1303/2013, que dispõe que os montantes que devam ser recuperados por conta de irregularidades ou negligência, devem ser solicitados aos beneficiários (vg decisão final) no prazo máximo de 18 meses contados da aprovação de um relatório de controlo ou, se for o caso, da data em que o mesmo chegou ao conhecimento do organismo responsável pela recuperação (vg IFAP). Caso este prazo não seja respeitado, a Comissão pode aplicar uma correcção financeira total sobre os montantes em dívida.

45ª - Por outro lado, dispõe ainda o artigo 54º do REG nº 1303/2013 que, se a recuperação não se tiver realizado no prazo de 4 anos após a decisão final ou no prazo de 8 anos caso a recuperação seja objecto de uma acção judicial, 50% do montante em dívida é automaticamente assumido pelo Estado Membro.

46ª - Não obstante, poderá sempre a Comissão, em sede de apuramento de conformidade (cfr. artigo 34º do Rege. nº 908/2014) ou no âmbito de uma qualquer outra auditoria/inquérito, aplicar correcções financeiras ao orçamento do EM, caso conclua que as respectivas despesas não foram efectuadas em conformidade com as normas da UE, nomeadamente as respeitantes à recuperação de pagamentos indevidos.

47ª - A ser assim, e tendo sobretudo presente a referida regra “50/50”, prevista no artigo 54º do citado Regulamento, a liquidação total do montante em dívida terá de ocorrer por forma a que, decorridos os 8 anos contados desde o “primeiro ato administrativo ou judicial” (ocorridos em 2014), e na medida do possível, uma de duas situações (débito encontrar-se integralmente cobrado ou, em alternativa, seja considerado incobrável), se encontre verificada, sob pena de o orçamento nacional sofrer uma correcção financeira automática de 50% do montante total que se mostrar em dívida.

48ª - Assim, conforme supra referido, caso não sejam recuperados os montantes devidos a irregularidades, nos prazos legalmente estipulados, poderá ser imputável ao Estado-Membro 50% desses montantes, através dum sistema de responsabilização financeira, nos termos do mencionado artigo 54º do Regulamento (CE) nº 1303/2013, do Conselho, de 21/06.

49ª - Ora, atento o exposto, e, sobretudo, porque o Instituto está legalmente vinculado, através dum sistema de responsabilização financeira, a recuperar os montantes devidos a irregularidades, nos prazos legalmente estipulados, da ponderação de interesses em causa resulta que se deverá salvaguardar os interesses financeiros da União Europeia e do orçamento nacional relativamente aos interesses particulares em causa, considerando a presente improcedente.

50ª - Deste modo, a decisão ora recorrida enferma de erro de julgamento relativamente à interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 120º do CPTA, não sendo aplicável por não se encontrar verificado o “periculum in mora”, pelos motivos já referidos, ao que acresce que da ponderação dos interesses em jogo sempre se diria, por mera hipótese académica, sem conceder, que se a ora recorrida comprovasse as graves dificuldades financeiras e os prejuízos sérios, caso a acção principal viesse a ser declarada improcedente, o Instituto ver-se-ia na impossibilidade de jamais repor a legalidade da situação e obter o pagamento da quantia indevidamente paga ao ora recorrido.


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II – Matéria de facto.
Embora referindo erro de julgamento na decisão recorrida quanto á matéria de facto, em bom rigor o recorrente não põe em causa os factos alinhados na decisão recorrida mas antes as ilações – de facto e de direito – tiradas a partir daqueles factos.

Deveremos assim dar como indiciariamente provada a seguinte matéria de facto, alinhada na decisão recorrida, com relevo:

A) Por ofício datado de 29.07.2015, o autor foi notificado da decisão proferida pelo Presidente do Conselho Directivo do IFAP, no âmbito do processo n.º 764/2015/PRV/DEV, nos seguintes termos:

“(…)

Finda a fase de instrução no procedimento administrativo, relativo ao assunto supra identificado, cumpre tomar a decisão final, o que se faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. Através do ofício de audiência prévia, com Ref. 005727/2015, de 01/04/2015, para o conteúdo do qual remetemos na íntegra, foi notificado da intenção deste Instituto de determinar a modificação unilateral do Contrato, com a consequente exigência do pagamento do montante indevidamente recebido: no valor de 71.751,66 €.

2. Tal intenção encontrou fundamento, na sequência da ação de controlo administrativo, nomeadamente em sede de análise do prazo de execução da operação em apreço, tendo-se constatado o incumprimento do prazo aprovado para a sua conclusão, até 03/01/2013, correspondente a 24 meses após a assinatura do Contrato de Financiamento, que ocorreu em 03/01/2011.

3. Com efeito, verificou-se o incumprimento daquele prazo, sem que tenha sido solicitada a sua prorrogação, o que contraria quer a legislação aplicável, quer as obrigações contratualmente assumidas.

4. Concretamente, foi aprovado o montante de investimento elegível de 452.506,45€, correspondente a um montante de subsídio ao investimento, de 203 088,74€, tendo sido liquidado, em 18/03/2011, o valor de 101.544,37€, a título de Adiantamento, o qual se encontra parcialmente regularizado.

5. Importa esclarecer que a evidência do cumprimento do prazo de execução, verifica-se através da apresentação de um pedido de pagamento e que, não obstante não ter sido solicitado, foi-lhe concedido, a titulo excecional, em 14/0212013, pela Autoridade de Gestão (AG) do Proder, um prazo adicional de 3 meses, para concluir o projeto e apresentar o último pedido de pagamento, tendo submetido em 14/04/2013, um pedido de pagamento intercalar.

6 Uma vez que em 20/01/2014, volta a constatar-se o incumprimento dos prazos de execução, foi notificado novamente, pela AG Proder, da concessão do prazo de 1 mês para concluir o projeto, apresentando o último pedido de pagamento, sem que tal tenha ocorrido.

7. Nesta conformidade, e após visita de verificação física, realizada em 29/04/2014, e análise do pedido de pagamento submetido, conclui-se que os montantes executados permitem cumprir, globalmente, os objetivos do projeto, o qual apresenta uma execução material de cerca de 45%, correspondendo a um valor de investimento elegível de 203.698,16€ e a 90.719,33€ de subsídio ao investimento.

8. Todavia, tendo em conta que foi recebido o valor total de 162.470,99€, no qual se inclui o montante de 101.544,37€, a título de Adiantamento, há lugar à devolução da diferença, no valor de 71.751,66€, face à execução financeira confirmada.

9. Em sequência, foi rececionada resposta a este ofício, em 21/04/2015, remetida através de mandatário, na qual recorre, essencialmente, a fundamentação de natureza jurídica, remetendo para jurisprudência, designadamente diversos acórdãos do Tribunal Constitucional, alegando, nomeadamente a violação do princípio da proporcionalidade, considerando que a decisão viola o disposto no artigo 266° da CRP e o nº 2 do artigo 7° do CPA.

10. Mais alega que o projeto sofreu vicissitudes, alheias à vontade do interessado, às quais o IFAP não é sensível, ao exigir a avultada quantia de 71.751.66€, sem justificar a fórmula de cálculo deste montante e quais os fundamentos para concluir pela execução material do projeto em apenas 45%.

11. É, por conseguinte, alegado o vício de falta de fundamentação, por não serem expostos os fundamentos de direito da decisão a qual considera pautar-se por uma "abordagem obscura contraditória e insuficiente que não esclarece de forma cabal o particular" Mais uma vez, remete para diversos normativos legais, que considera incumpridos, no que respeita ao dever de fundamentação dos atos administrativos.

12. Por último, alega também, não ter ficado claro, se na visita de verificação física no local, o projeto estava a cumprir os prazos de execução ou se o IFAP apenas tomou conhecimento da eventual situação de incumprimento dos prazos de execução, nessa visita.

13 Todavia, cumpre-nos referir que as alegações apresentadas não permitem sanar a irregularidade detetada, que consiste, tal como comunicado no ofício de Audiência Prévia, no incumprimento do prazo de conclusão, aprovado e prorrogado pela AG Proder, referindo-se que o artigo 18° da Portaria n° 289-A/2008, de 11 abril, determina os prazos de execução das operações, podendo ler-se no n° 1, que os prazos máximos para os beneficiários iniciarem e concluírem a execução física das operações são, respetivamente, de 6 a 24 meses contados a partir da data de assinatura do contrato de financiamento, a qual ocorreu em 03/01/2011, Não obstante o prazo de conclusão legalmente definido, até 03/01/2013, ter sido ultrapassado, foi concedido, em 04/02/2013, a titulo excecional, o prazo adicional de 3 meses, sendo que em 20/01/2014, voltou a constatar-se o incumprimento do prazo de conclusão, tenda sido, uma vez mais, concedido o prazo adicional de 1 mês, sem que a situação do projeto se tenha alterado.

14. E, neste contexto, após a análise da execução financeira, a AG Proder verificou a realização de 45% do investimento elegível, sendo que a verba executada permitia cumprir, globalmente, os objetivos e pressupostos de aprovação, tendo decidido, em 15/01/2015, o encerramento do projeto, pelo montante de investimento comprovado.

15. Acresce, quanto á alegação das vicissitudes do projeto, que o contrato de financiamento determina, na Cláusula B 4, a obrigatoriedade de comunicar à Autoridade de Gestão, todos os fatos suscetíveis de interferir na normal execução da operação, nos termos aprovados.

16. Mais se refere, relativamente à alegação de poder ter-se verificado o incumprimento do prazo de execução, na visita de verificação física que, tal como devidamente expresso no ofício de Audiência Prévia, a evidência do cumprimento do prazo de execução é aferida através da apresentação dos respetivos pedidos de pagamento.

17. O que sucede é que após essa análise, e após a análise do pedido de pagamento submetido, concluiu-se pelo cumprimento dos objetivos do projeto, adequando, contudo, os valores de investimento elegível e de subsídio ao investimento, para 203.698,16€ e 90.719,33€, respetivamente. E nessa conformidade, atendendo a que o valor de investimento elegível é superior a 40.000,00€, foi efetuada, de acordo com procedimento estabelecido, uma visita de verificação física ao local, para aferir da regularidade física do investimento executado, a qual constatou que o projeto se encontrava em situação regular, no que se refere à execução física.

18. O projeto foi, por conseguinte, executado por montantes inferiores ao aprovado, correspondendo, como tal, a inferior montante de subsídio ao investimento, sendo que foi concedido um adiantamento, que se encontra parcialmente regularizado.

19. Igualmente se refere que a Cláusula B 1 do Contrato, determina a obrigatoriedade aplicar integralmente o apoio para os fins que foi concedido, cumprindo pontualmente os compromissos e as obrigações previstas no contrato, no regulamento especifico e na demais legislação aplicável, podendo ler-se na Cláusula B 4 a obrigatoriedade de comunicar à Autoridade de Gestão, no prazo de 10 dias sobre a sua ocorrência, todos os fatos suscetíveis de interferir na normal execução da operação, nos termos aprovados, dispondo, ainda, a Cláusula C.l., que o IFAP, a Autoridade de Gestão e as demais competentes entidades nacionais e comunitárias podem, a todo o tempo e pela forma que tiverem por conveniente, fiscalizar a execução do projeto, a efetiva aplicação dos apoios, a manutenção dos requisitas de concessão, assim como o respeito dos compromissos assumidos.

20. Face ao exposto, e após ouvida a Autoridade de Gestão do PRODER, determina-se a modificação do contrato de financiamento n° 02009573/0, e a devolução do valor de 71.751,66€, recebido a titulo de subsidio ao investimento, por incumprimento dos prazos legais de execução, o que por sua vez conduziu a uma execução financeira inferior à aprovada, tendo sido recebido o montante de 101.544,37, a titulo de adiantamento.

21. Assim, e para efeitos de reposição voluntária do montante de 71.751,66€, fica pelo presente notificado, de que a mesma poderá ser efetuada utilizando uma das modalidades abaixo indicadas, no prazo de trinta dias a contar da data da receção do ofício.

22. Findo o prazo referido no parágrafo anterior, e caso não se verifique a restituição voluntária da quantia referida, será o montante em divida compensado nos termos legais, com créditos que venham a ser-lhe atribuídos, seguindo-se na falta ou insuficiência destes, a instauração do processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do valor em divida, no qual serão pedidos para além do capital os juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral reembolso.”

- Cfr. fls. 58 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) Da declaração de rendimentos – IRS - modelo 3 do autor extrai-se o seguinte:

RMPS

NIF 231...

Solteiro

Anexo C – Categoria B (regime de contabilidade organizada) 1

Anexo C:

Agrícolas, Silvícolas e Pecuários

Resultado líquido do período (–) 20.913,18

Prejuízo para efeitos fiscais (–) 20.913,18

- Cfr. fls. 116 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) Do portal das finanças consta o seguinte:

RMPS

Património predial/cadernetas

N.º de prédios 0

Lista de veículos automóveis associados ao contribuinte:

**-**-VX

**-**-HR

- Cfr. fls. 120 e 121 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.


*

III - Enquadramento jurídico.

1. A evidência da procedência da pretensão a deduzir no processo principal; a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que uma providência cautelar é decretada quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

Algo evidente é algo que não oferece dúvida, incontestável, certo (ver dicionário no sítio http://www.priberam.pt/).

O que é evidente não precisa de ser explicado, para um destinatário mediano, bem entendido. O que precisa de explicação já não é evidente.

Aqui falamos, claro está, de uma evidência não meramente lógica mas jurídica, a evidência de que a pretensão é procedente.

Mas para não se descolar os conceitos jurídicos do conceito comum, de forma a que os destinatários das decisões as possam compreender o melhor possível, só poderemos dar por preenchida esta previsão legal quando a procedência se imponha claramente, seja incontestável, certa para quem tem o mínimo de formação jurídica.

Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente (neste sentido ver os acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.1.2006, recurso 01295/05, e de 28-06-2007, recurso 02225/07).

Pois apenas nestes casos se justifica a desnecessidade de demonstrar os requisitos exigidos por lei para o decretamento das providências cautelares, em concreto os que são exigidos nas restantes alíneas do mesmo n.º1, e no n.º 2, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

São, portanto, raros os casos em que esta previsão se pode dar por preenchida.

Como dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, p. 120, “Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações”.

Ou, como se refere, entre outros, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.04.2010, processo 02484/09.2BEPRT:

“Só em relação aos vícios graves, aqueles que concretizam uma lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do acto, é que é possível verificar o requisito previsto no artigo 120º, alínea a) do CPTA porque em relação à violação de preceitos de forma em sentido amplo, o que inclui a forma e o próprio procedimento, incluindo vícios cominados com a anulabilidade, nem sempre a preterição da forma conduz à anulação.”

Fora das situações em que a solução jurídica se imponha sem necessidade de qualquer indagação ou explicação para além da simples indicação da evidência, e das situações de vícios graves, impõe-se demonstrar os requisitos para o deferimento da providência, mencionados nas aludidas alíneas b) e c).

No caso concreto, o recorrido imputa ao acto em apreço, a impugnar na acção principal, os seguintes vícios:

1. O vício de violação de lei, dado não ter sido considerada a previsão, aplicável ao caso concreto, de excepção, do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento n.º 65/2011, da Comissão de 27 de Janeiro: “a obrigação de reembolso referida no n.º 1 não é aplicável se o pagamento tiver sido efectuado por erro da autoridade e se o erro não pudesse razoavelmente ter sido detectado pelo beneficiário”.

2. O vício de erro nos pressupostos de facto, por se ter considerado que recorrido apenas havia realizado 45% do montante global do investimento, uma vez que, invoca, suportou despesas no valor de € 79.281,00, razão pela qual o valor a reembolsar seria inferior.

3. O vício de falta de fundamentação; e

4. A violação do princípio da proporcionalidade.

Já o recorrente entende que nenhum destes vícios se verifica dado que o recorrido não comprovou despesas de investimento que suportassem o recebimento do montante que efectivamente recebeu.

Ora, ao menos no que diz respeito aos dois primeiros vícios, importa proceder a um estudo minimamente aprofundado, não se mostrando evidente, ao contrário do sustentado pelo recorrente, a improcedência da acção principal.

Conclui-se, portanto, que no caso presente não é evidente nem a procedência nem a improcedência, como pretende o recorrente, da pretensão a deduzir no processo principal, afastando-se aqui a aplicação do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2. A alínea b) do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Cabe agora verificar se estão preenchidos os critérios referidos na alínea b) do mesmo preceito, dado estarmos perante uma típica providência conservatória.

Determina este preceito:

“Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009, Proc. n.º 0826/09, reiterando entendimento jurisprudencial que ali invoca, face “… ao art. 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do acto) e cuja verificação é cumulativa: - o fumus boni iuris, na sua formulação negativa; - o periculum in mora; - a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.

No que diz respeito, desde logo, ao fumus non malus iuris, sustentou-se, impressivamente, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2009, proc. n.º 0156/09, que o «tribunal apenas se deve basear, para a formulação dos juízos a que se refere o art. 120.º, numa apreciação perfunctória, que é própria da tutela cautelar, sobre a (in)existência de circunstâncias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa e sobre a probabilidade de êxito que o requerente poderá ter no processo principal. Trata-se, pois, de juízos formulados sob reserva de, no processo principal, se poder chegar a uma conclusão diferente».

O critério do “fumus boni iuris”, aqui na sua formulação negativa, é, nestes casos da alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mais suave (ver Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 310) ou seja, a providência deve ser decretada (se estiverem preenchidos os outros pressupostos) se não existirem elementos que tornem evidente a improcedência ou a inviabilidade da pretensão material.

Também se pode dizer, no caso, que face aos termos, discutíveis, da controvérsia se torna, ao menos, plausível a posição do requerente, pelo que deverá ter-se como verificado este pressuposto, tal como decidido.

Sobretudo, como se disse, em relação aos vícios de violação de lei e erro nos pressupostos, vertente em que a tese do autor se mostra plausível.

Quanto ao “periculum in mora”, refere, Mário Aroso de Almeida (in, obra citada, pág. 309) que “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado””.

Continua este autor a referir que “a providência deve também ser concedida, sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “ A Justiça Administrativa 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.

Analisando a nossa situação concreta verificamos que estamos perante uma situação potenciadora de causar prejuízos de difícil reparação.

O requerente, ora recorrido, invocou o facto de a exploração agrícola ser a sua única fonte de rendimentos, e ter como bens apenas duas viaturas que utiliza como instrumento do seu trabalho; caso o acto não fosse suspenso, teria de alienar os referidos bens para devolver o montante de subsídio, ficando sem quaisquer condições para prover o seu sustento e do seu filho.

E apresentou documentos comprovativos que não foram postos em causa na sua genuinidade e autenticidade.

Em particular no que diz respeito à declaração de IRS de 2014, este documento, ao contrário do pretendido pelo recorrente, não é um documento desactualizado: dada a data de entrada do requerimento em juízo, era a última declaração de IRS apresentada pelo requerente, ora recorrido.

Em todo o caso, não tendo estes factos sido contraditados pelo requerido, ora recorrente, na sua oposição, deverá concluir-se que a mesma se verifica – n.º 4 do artigo 83º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Não se verifica erro, menos ainda grosseiro, em aceitar tais factos, a título meramente indiciário, para decidir pela suspensão da eficácia do acto, com base apenas nos documentos juntos e face à falta de impugnação dos factos em análise pelo requerido, ora recorrente.

A partir de tais factos, é forçosa a conclusão de que se verifica uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação, dada a criação de uma situação para o requerente, ora recorrido, de impossibilidade de se auto sustentar, bem como ao seu filho.

Pelo que nenhuma censura há a fazer nesta parte à decisão recorrida.

3. A ponderação de interesses. O n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …”

Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão. – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.

Neste aspecto tem de se ponderar o interesse do recorrido, em prover ao seu sustento e do seu filho e, da parte do recorrente, em obter a devolução de uma verba que entende ser devolvida.

Mostra-se manifestamente superior o interesse do requerente.

O que impõe o deferimento do pedido de suspensão, tal como decidido pela sentença recorrida.


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IV- Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pelo recorrente.
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Porto, 6 de Maio de 2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha