Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00332/12.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/18/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:António Patkoczy
Descritores:MAIS-VALIAS REALIZADAS POR S.G.P.S.. BENEFÍCIO FISCAL. CASOS DE EXCLUSÃO DO DIREITO Á DEDUÇÃO AO LUCRO TRIBUTÁVEL ÍNSITO NO Nº 3, DO ARTº 32º DO E.B.F.
Sumário:I- O beneficio fiscal concedido ás S.G.P.S. quanto ás mais-valias realizadas com a transmissão de participações sociais por si detidas, efectuadas ao abrigo do disposto no nº 2, do artº 32º do E.B.F., não é de considerar nas situações elencadas no nº 3, do mesmo preceito legal, no qual o legislador fiscal pretendeu limitar as condições da sua atribuição em razão dos fins extra- fiscais que subjazem a tal beneficio.
II- Não se verifica qualquer violação dos princípios constitucionais relativos á capacidade contributiva, da proporcionalidade, ou da igualdade dos s.p., em tais casos restritivos da sua consideração, atento a sua natureza jurídica. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:I., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

A sociedade ”I., S.A.” vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelo recorrente contra a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios do exercício de 2007.

O recorrente formula, para o efeito, as seguintes conclusões:
“ i) Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida, em 19 de novembro de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente contra o ato de liquidação adicional de IRC n.° 2001 00000217435 e, bem assim, contra a liquidação de Juros Compensatórios n.° 2011 0000027834, condenando, ainda, o ora Recorrente em custas;
ii) Na petição inicial de Impugnação Judicial a ora Recorrente invocou, em síntese i) a ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.° 2001 00000217435 e da correspondente liquidação de Juros Compensatórios por força da inconstitucionalidade do n.° 3, do artigo 32. ° do EBF, por violação
dos princípios da igualdade, proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso e da capacidade contributiva e ii) a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
iii) A Sentença recorrida concluiu, em síntese, após analisar o artigo 32.° do EBF, em especial, os seus n.°s 2 e 3, vigente à data dos factos e aplicável às SGPS, que a tributação das mais-valias resultantes da transmissão da quarta tranche das ações empresa C., SGPS, S.A., adquiridas através de contrato de compra e venda celebrado, em 4/11/2005, com a A. - Sociedade de Capital de Risco, por sua vez representado pelo Fundo de Capital de Risco para Investidores Qualificados A. FIEP, e que foram transmitidas ao H., LP, em 24/08/2007, não viola qualquer princípio constitucional, nomeadamente, os princípios da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso, do princípio da proibição do excesso, do princípio da capacidade contributiva e do princípio da repartição justa dos encargos públicos;
iv) E, pois, contra este entendimento que a ora Recorrente se insurge, uma vez que o mesmo resulta de uma errada apreciação da matéria de facto dada como provada e, bem assim, de aplicação do direito;
v) Como ficou demonstrado, em primeira instância, no âmbito do contrato com a A., representado pelo Fundo de capital de Risco A. FIEP foi adquirida a quarta tranche das ações da sociedade C., SGPS, S.A., passando a ora Recorrente a deter 100% das ações desta sociedade;
vi) Em resultado da alienação das ações detidas na sociedade C., SGPS, S.A. ao H., LP, foi apurada uma mais-valia contabilística de EUR 47.098.795,11 (100.0000.000-52.901.204,89), mais-valia que não foi tida em linha de conta pela ora Recorrente aquando do cálculo do seu lucro tributável no exercício de 2007, por considerar, a conselho dos seus consultores fiscais, P.- Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda., que a mesma não concorria para o apuramento daquele lucro;
vii) Atendendo ao valor da mais-valia foi solicitada a emissão de um parecer sobre o regime fiscal aplicável à mais-valia realizada com a alienação das ações ao H., LP., tendo a P. concluído pela não tributação das mais-valias realizadas com a alienação das ações ao H., LP, conforme conclusões constantes do seu parecer;
viii) Este entendimento foi confirmado aquando do trabalho de revisão da Declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2007, ou seja, a consultora P. veio novamente a concluir pela não tributação da mais-valia realizada;
ix) Deverá, pois, concluir-se, que a desconsideração, para efeitos fiscais, desta mais-valia não foi casuística ou infundada, mas fundada na opinião dos consultores fiscais da ora Recorrente, os quais foram peremptórios na conclusão de que a aquela mais-valia não era tributada;
x) Este entendimento levou a que, decorrido mais de um ano entre a data da aquisição das ações e a sua alienação, e após pareceres favoráveis emitidos pela P., a ora Recorrente considerasse que se encontrarem reunidas as condições para beneficiar da exclusão de tributação legalmente prevista para as mais-valias realizadas por SGPS;
xi) Foi, pois, com absoluta surpresa que a ora Recorrente se viu confrontada, na sequência da ação de inspeção, com a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios no valor global de EUR 3.392.494,75 que veio materializar as correções apuradas pela Administração Tributária;
xii) Acontece, porém, que, contrariamente ao que consideraram os Serviços de Inspeção Tributária ao emitirem as liquidações de IRC e de Juros Compensatórios em apreço e, agora, a Sentença recorrida ao consagrar um prazo de detenção alargado e, consequentemente, mais gravoso, para as aquisições de partes de capital a entidades sujeitas a um regime especial de tributação, o legislador estabelece um regime fiscal distinto para situações idênticas, violando grosseiramente o princípio da igualdade tributária;
xiii) Com efeito, a aplicação literal desta norma conduz ao resultado absurdo de se atribuir um tratamento fiscal à aquisição das primeiras três tranches de ações da C., SGPS, S.A. e outro tratamento fiscal completamente oposto à aquisição da quarta tranche, sendo que todas as tranches respeitam a única realidade: ações C., SGPS, S.A., o que significa que o ativo em si é o mesmo - ações da C., SGPS, S.A. e o fim pretendido é o mesmo, pelo que não faz qualquer sentido tratar de forma diferente duas situações idênticas;
xiv) Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que, contrariamente ao que foi o entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária e agora da Sentença recorrida, o ato de liquidação de IRC, praticado com base nas interpretações e aplicações operadas pelos Serviços de Inspeção do IRC da norma em causa, está viciado de ilegalidade, por violação do princípio, constitucional e legal, da igualdade;
xv) Na norma em apreço - o n.° 3 do artigo 32.° do EBF - o fundamento da desigualdade centra-se em objetivos anti-abuso, ou seja, o legislador pretendeu prevenir a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscais no que toca ao benefício de exclusão de tributação das mais-valias apuradas por SGPS, razão pela qual consagrou um prazo de detenção das partes de capital mais gravoso quando adquiridas a entidades “com domicílio, sede ou direção efetiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante da lista aprovada por Portaria do Ministro das Finanças”, opção que é perfeitamente legítima e compreensível à luz do funcionamento dos denominados “paraísos fiscais”;
xvi) Contudo, esta realidade não é confundível, por ser completamente distinta, com a realidade das entidades relacionadas e das entidades residentes em território português e sujeitas a um regime especial de tributação;
xvii) Desde logo, é questionável a opção legislativa de inclusão das entidades relacionadas para efeitos da norma anti-abuso, pois as operações entre as mesmas terão, necessariamente, de obedecer às regras de preços de transferência consagradas no artigo 62.° do Código do IRC, razão pela qual não faz qualquer sentido estipular um prazo alargado de detenção das partes de capital adquiridas, contratadas, aceites e praticadas em termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis;
xviii) No caso vertente, a F., enquanto fundo de capital de risco está isento de IRC relativamente aos rendimentos por si obtidos, isenção que só se aplica aos fundos de capital de risco que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, pelo que a Administração Tributária portuguesa tem plenos poderes e legitimidade para, na esfera dos fundos de capital de risco, proceder às inspeções Fiscais que julgue necessárias e convenientes para apurar e observar as realidades Fiscais, para verificar o cumprimento das obrigações tributárias e para prevenção das infrações tributárias;
xix) Não é pois, equiparável a isenção atribuída a estas entidades a um regime comummente associado a falta de transparência Fiscal como é o dos chamados “paraísos Fiscais”, razão pela qual é inegável a discriminação arbitrária de tratamento, operada diretamente pela interpretação e aplicação que da norma foi feita pelos Serviços de Inspeção, sem qualquer fundamento constitucional e legal e que constitui uma iniquidade arbitrária, bem como uma violação grosseira e inequívoca, como acima se disse já, do princípio da igualdade;
xx) Com efeito, a violação de tal princípio tanto decorrerá da concessão de tratamento diferenciado a realidades idênticas, como de tratamento idêntico a realidades diferenciadas (cfr. Acórdão n.° 232/03 do Tribunal Constitucional);
xxi) in casu, o resultado da interpretação, feita pela Administração Tributária e agora do Tribunal a quo, da norma do EBF em questão, é a aplicação de um regime mais gravoso - tributação - à mais-valia resultante da aquisição da quarta tranche de ações da C., SGPS, S.A, ao passo que a mais-valia apurada relativamente às primeiras três tranches está excluída de tributação;
xxii) É, pois, evidente, face às decorrências que advêm do princípio constitucional da igualdade, nada justifica esta diferença de tratamento, porquanto estamos perante uma realidade precisamente idêntica: a aquisição pela mesma entidade - a ora Recorrente - do mesmo ativo - as ações da C., SGPS, S.A.;
xxiii) Mas sobretudo porque não é constitucionalmente aceitável e menos sentido faz prejudicar de forma tão onerosa a ora Recorrente por um facto que escapa por completo ao seu controle como seja a natureza jurídica do alienante das ações e o seu respetivo enquadramento Fiscal;
xxiv) Ou seja, contrariamente ao que foi decido em primeira instância, é profundamente injusto e discriminatório sujeitar a dois tratamentos fiscais opostos - tributação e não tributação - a aquisição do mesmo ativo na esfera da ora Recorrente com base apenas na natureza jurídica do alienante;
xxv) Com efeito, o dever da procura da verdade material e sobretudo da justiça no caso concreto, princípios enformadores da nossa ordem jurídica, não pode tolerar este tipo de violações grosseiras a princípios de tamanha solenidade como o princípio da igualdade;
xxvi) Não restam, pois, quaisquer dúvidas quanto à inconstitucionalidade do n.° 3 do art. 32.° do EBF na interpretação que lhe foi dada pela administração fiscal e, consequentemente, a nulidade do ato administrativo de liquidação ora contestado;
xxvii) Em suma: face à doutrina e jurisprudência invocadas e transcritas, resulta claro que, no âmbito do n.° 3 do artigo 32. ° do EBF, o legislador não respeitou as obrigações de igualdade e não descriminação que o vinculavam;
xxviii) Afigura-se, pois, inquestionável que, no caso vertente, nos encontramos perante uma dualidade de critérios de apreciação de situações material e formalmente idênticas, pelo que não restam quaisquer dúvidas de que contrariamente ao que foi decidido em primeira instância é profundamente discriminatório exigir que as ações adquiridas ao F. sejam detidas durante três anos para se excluir de tributação a respetiva mais-valia resultante da sua alienação, ao passo que para as ações adquiridas a outras entidades apenas se exige a sua detenção por um ano para obter o mesmo tratamento fiscal;
xxix) Através das presentes alegações de recurso foi, ainda, possível demonstrar que foi opção do legislador atribuir aos fundos de capital de risco o benefício constante do artigo 23.° do EBF, pelo que não se compreende nem se pode aceitar que a receita perdida na atribuição deste benefício fiscal seja compensada com a tributação ilegítima das entidades que adquirem partes de capital aos fundos beneficiados;
xxx) Não foi sua opção adquirir as ações da C., SGPS, S.A. especificamente a um fundo de capital de risco isento, a Recorrente porque era a entidade que detinha a quarta e última tranche das ações em causa;
xxxi) A natureza jurídica e respetivo enquadramento fiscal do alienante das ações não devia nem podia ter nenhum impacto na tributação da mais-valia obtida pela ora Recorrente, ou seja, não é legítimo isentar, por um lado, os fundos de capital de risco, e, por outro, penalizar as entidades que lhes adquiram partes de capital, quando tais entidades não têm qualquer tipo de controlo ou intervenção sobre os ditos fundos;
xxxii) A essa luz, a penalização imposta à ora Recorrente não pode deixar de ser qualificada como desrespeitadora, desde logo em face dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da igualdade na repartição de encargos públicos, cuja observância é imposta à Administração Tributária pelo artigo 55.° da LGT e que são corolário do princípio da proibição do excesso (ou da proporcionalidade em sentido amplo), um dos subprincípios concretizadores do princípio do Estado de Direito Democrático (cfr. sobre o princípio da proibição do excesso, nomeadamente quanto à captação da diversidade de facetas que o mesmo envolve, o Acórdão n.° 634/93);
xxxiii) Assim, não obstante se compreenda as razões que lerão levado o legislador a consagrar uma medida anti-abuso, como aquela que consta do n.° 3 do artigo 32° do EBF relativamente aos “paraísos fiscais”, não se pode aceitar, em face aos contornos do princípio da proibição do excesso, que dos contornos dessa norma (e da interpretação e aplicação que dela é feita pela administração fiscal), resulte o resultado aberrante que aqui se contesta - a tributação nuns casos, e a respetiva isenção noutros, de operações exatamente iguais, bem como a penalização de sujeitos passivos que nada tem que ver com a razão de ser dessa norma. Com efeito, tal solução legal surge-nos, ao menos, como incompatível com o respeito pela dimensão de indispensabilidade e de proporcionalidade em sentido estrito;
xxxiv) Desde logo, na medida em que ela não constitui, claramente, o meio menos restritivo na prossecução do objetivo pretendido, uma vez que se tal medida pode ter fundamento quando se trate de entidades sediadas em paraísos fiscais, não tem qualquer justificação quando em causa estejam fundos sedeados em Portugal, regidos pela lei portuguesa e sujeitos ao controlo e fiscalização da administração fiscal nacional;
xxxv) Por outro lado, ela é, ao mesmo tempo, manifestamente excessiva e desrazoável na restrição aos direitos dos sujeitos passivos da relação tributária, ao menos nas circunstâncias em que se encontra a Recorrente, ou seja, a penalização que se quer fazer recair sobre esta vai muito para além do justificado ou, sequer, do aceitável, face à natureza do fim que o legislador pretendia, presuntivamente, alcançar;
xxxvi) Até porque, reitere-se outros caminhos poderiam ter sido seguidos, nos quais a desconformidade entre o objetivo e o instrumento da sua realização se traduziria, seguramente, num carácter muito menos gravoso deste último;
xxxvii) Ficou, ainda, demonstrado através das presentes alegações de recurso que o ato de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios viola a capacidade contributiva, critério básico na nossa Constituição Fiscal, sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103° e 104° da Constituição da República Portuguesa, pelo que se conclui que o n.° 3 do artigo 32° do EBF viola o princípio da proibição do excesso e o princípio da capacidade contributiva, sendo por essa via inconstitucional; 
xxxviii) Contrariamente ao que entendeu a Sentença recorrida, os fundamentos da reclamação graciosa não estão balizados pela taxatividade, pelo que qualquer ilegalidade é invocável;
xxxix) Deste modo, é ilegal a liquidação feita ao abrigo de uma norma que não é válida face a uma norma de hierarquia superior;
xl) Deverá, pois, concluir-se que a inconstitucionalidade da norma que sustenta o ato de liquidação afeta a validade do próprio e fere-o do vício da anulabilidade, pelo que ao abrigo do artigo 99.°, por remissão do artigo 70.°, n.° 1, ambos do CPPT, esta ilegalidade é fundamento da reclamação graciosa deduzida, razão pela qual deverá ser apreciada pela Administração Tributária, não se podendo esta ter escusado à sua análise por a tal estar obrigada à luz do princípio da decisão, consagrado no artigo 56.° da LGT, sendo que ao abrigo do artigo 77° do mesmo diploma, a obrigação de fundamentação é um requisito básico do dever de decisão.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO,
DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA A MESMA POR UMA DECISÃO QUE DÊ TOTAL PROVIMENTO À PRETENSÃO DO RECORRENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”

A recorrida F.P não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista do Magistrado do Ministério Publico que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Aí expendeu-se o seguinte entendimento:
“…Independentemente dos pareceres em que se escudou para aquisição da tranche tributada, o contrário das "... outras três —tranches” não foram adquiridas a tal Fundo. Pelo que não há identidade de situações que implique a —violação do princípio da igualdade, não obstante o ativo seja o mesmo e o fim pretendido também. Mas a natureza jurídica do alienante é diferente.
Os benefícios fiscais, como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/11/2012, proferido no processo n.° 0529/12, são derrogatórios dos princípios da generalidade e da igualdade da tributação, e são insuscetíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objeto de interpretação estrita ou declarativa.’’
Assim, atentos os factos dados como provados, merece acolhimento o entendimento vertido na sentença recorrida confirmando as liquidações adicionais quer de IRC quer dos juros compensatórios, pois as mais-valias obtidas pela impugnante “I. SGPS — S.A. “ com a venda das acções , no montante de € 11.623.512,89 (cf. quadro de apuramento a fls. 4 do RIT) , concorrem para a formação do lucro tributável, por força do disposto pelo n.° 3 do artigo 31° do EBF à data da propositura da acção , entretanto alterado para os n.°s 2 e 3 do art.° 32 ,° do mesmo EBF ”.
*
Com dispensa dos Vistos Legais e com a concordância dos Juízes –Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. – cfr nº4, do artº 657º , do CPC.
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A questão que importa apreciar é de saber se a sentença padece de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao considerar como válido o acto tributário controvertido e dos juros compensatórios apurados.
***

II Fundamentação
Matéria de Facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. A Impugnante é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) que tem por objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício da atividade (cfr. relatório da inspeção tributária, a fls. do Processo Administrativo).
2. A coberto da ordem de serviço n.° OI201002227, a Impugnante foi sujeita a um procedimento de inspeção relativo ao ano de 2007. (cfr. relatório da inspeção tributária, a fls. do Processo Administrativo).
3. No âmbito da inspeção tributária, foram sugeridas correções à matéria coletável, de natureza meramente aritmética, ao exercício de 2007 (cfr. relatório de inspeção, a fls. do Processo Administrativo).
4. Na sequência da referida ação inspetiva, elaboraram os SIT o competente projeto de relatório, o qual foi notificado ao sujeito passivo tendo o mesmo exercido o direito de audição.
5. Em 01/02/2011 foi elaborado “Relatório de Inspeção”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
(...)
ii Discrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
… em 2007-08-24, alienaram ao H., LP. registado em Guemsey - iihas do Canal, a totalidade das acções da empresa participada C., 5GP, SA, no valor global de € 100.000.000, conforme contrato em anexo 2, da seguinte forma:
P00 É @4.000.000, por entrada no património do fundo;
) C 16.000.000, por venda para o património do fundo;
nesta alienação resultou uma mais-valia contabilística de € 47.098.795,11 (100.000.0007901 204,89), que foi deduzida no quadro 07 da declaração de rendimentos - campo 237 - considerarem que a mesma não concorria para o apuramento do lucro tributável ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 32°' do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
As acções em causa foram adquiridas da seguinte forma:
M 10 000 acções, foram adquiridas por subscrição aquando da constituição da empresa C., SGPS.SA, pelo valor global de € 50.000;
, 4 190.000 acções foram adquiridas por € 20 950.000, no seguimento de numa operação de aumento de capital efectuada em 2002-10-31;
3103.253 acções foram adquiridas por € 21 501.265, no seguimento de outra operação de aumento de capital efectuada em 2004-02-14;
. 2 911 087 acções foram adquiridas em 2005-11-04, por € 16.384.939,89, à sociedade A. - Sociedade de Capital de Risco, SA, contribuinte n.° (...) as quais integravam o património autónomo do Fundo de Capital de Risco para Investidores Qualificados A. F…, gerido por aquela sociedade, conforme contrato em anexo 3.
De acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 31° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (actual artigo 32°), o disposto no n.» 2 do mesmo artigo, "não 6 aplicável relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capitai tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n ° 4 do artigo 58° do Código do IRC, ou a entidades com domicilio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeites a um regime especial de tributação, e desde que tenham sido detidas, pela alienante. por período inferior a trás anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número, relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão, (sublinhado nosso)
Os fundos de capital de risco encontravam-se e encontram-se sujeitos a um regime especial de tributação, pois beneficiam de isenção de IRC conforme artigo 22. °-A do EBF (actual artigo 23”), pelo que as 2.911.087 acções adquiridas em 2005-11-04, por€ 16.384.939,89,50, foram detidas por período inferior a três anos, uma vez que foram vendidas em 1-24, pelo que. a mais-valia fiscal apurada com a venda destas acções, no montante 823.S12.89, concorre para a formação do lucro tributável, conforme dispõe o n º 3 do artº 31º, do EBF, actual artigo 32»)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

2- No quadro seguinte sintetiza-se o apuramento do lucro tributável corrigido.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
6. Foi então feita uma correção à matéria tributável no valor de € 11.623.512,89, tendo-se emitido liquidação adicional de IRC, com o n.° 20118310001156, de 09/02/2011, no montante de € 3.100.131,48, bem como juros compensatórios (fls. 96 do p.a.).
7. Em 11/02/2011, foi emitida nota de compensação, com valor a pagar no montante de € 3126696,35 (fls. 41 do p.a.).
8. Da liquidação adicional (e respetivos juros compensatórios), o sujeito passivo apresentou, em 24/05/2011, reclamação graciosa, autuada sob o n.° 1880201104000676. (fls. 111 e ss. do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9. Tal reclamação foi indeferida por despacho datado de 27/11/2011, com fundamento em que “Não constando dos fundamentos de reclamação graciosa a inconstitucionalidade da norma legal, a mesma não é suscetível de análise em sede deste procedimento, sendo que a fiscalização da inconstitucionalidade apenas compete ao Tribunal Constitucional, nos termos definidos nos arts. 277.°e 283. ° da CRP” (fls. 87 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
10. Em 28/11/2011, o Impugnante interpôs recurso hierárquico, autuado sob o n° 1880201110000028, na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (fls. 88 e ss do .p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11. Em 27/04/2012, o Impugnante apresentou no presente Tribunal petição de impugnação judicial na sequência do indeferimento tácito do recurso hierárquico.
*


A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos e do processo administrativo apenso consta, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
*
Factos não provados:
Inexistem outros factos a dar como não provados com relevo para a decisão em causa.”

III De Direito

Sendo sindicada a sentença proferida nos autos que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC, constata-se que a decisão controvertida se fundamentou na seguinte argumentação:
“A Impugnante é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) que tem por objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício da atividade, sendo o enquadramento do exercício da atividade das SGPS regulado pelo Decreto-Lei n.° 495/88, de 30/12.
Alegou a Impugnante o seguinte:
Em 2007 adquiriu uma participação no Fundo - o H., LP -, mediante entrada em espécie da totalidade das ações que detinha da sociedade C., SGPS, S.A.
Por sua vez, as tranches das ações da C., SGPS, S.A. foram adquiridas em quatro momentos: uma subscrição de aumento de capital, dois aumentos de capital e a última concretizada em 04/11/2005 através de Contrato de Compra e Venda de Ações com a A. - Sociedade de Capital de Risco, por sua vez em nome e representação do Fundo de Capital de Risco para Investidores Qualificados A. F.. (“F..”), que, à data da aquisição, não era um fundo de capital de risco, tendo alterado a sua natureza jurídica posteriormente.
Assim, por tal aquisição, a Impugnante passou a deter 100% das ações da C., SGPS, S.A.
Em resultado da alienação das ações ao H., LP, em 24/08/2007, foi apurada uma mais-valia contabilística que não foi tida em conta pela Impugnante aquando do cálculo do lucro tributável do exercício de 2007, por ter sido entendido que a mesma não concorria para o apuramento daquele lucro.
Em sede inspetiva, a AT procedeu a correção, da qual resultou liquidação adicional de € 3392.494,75.
Discorda a Impugnante do entendimento da AT, que considerou que a Impugnante só poderia beneficiar do regime de exclusão de tributação das mais-valias se houvessem decorrido mais de três anos entre a aquisição da quarta tranche das ações da C., SGPS, S.A. e a sua alienação, por ter sido adquirida a um fundo de capital de risco - o F...
Ora, o F.., enquanto fundo de capital de risco, preenche o requisito de aplicação do disposto no artigo 23. ° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ex artigo 22. °-A), estando sujeito a um regime especial de tributação para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 32° do EFB.
Sucede que, ao consagrar um prazo de detenção alargado e, assim, mais gravoso, para as aquisições de partes de capital a entidades sujeitas a um regime especial de tributação, o legislador estabelece um regime fiscal distinto para situações idênticas, violando grosseiramente o princípio da igualdade tributária.
No caso concreto, atribui-se um tratamento fiscal distinto à aquisição das primeiras três tranches das ações da C., SGPS. S.A., (excluída de tributação) e outro tratamento à aquisição da quarta tranche, quando o ativo é o mesmo e o fim pretendido também, com base apenas na natureza jurídica do alienante.
Assim, impõe-se a conclusão da inconstitucionalidade do n.° 3 do artigo 32. ° do EFB na interpretação que lhe foi dada pela administração fiscal e, em decorrência disso, a nulidade do ato administrativo de liquidação ora contestado. Pois que não se vislumbra qualquer fundamento material bastante para equiparar a situação dos fundos de capital de risco à dos “paraísos fiscais”.
É discriminatório exigir que as ações adquiridas ao F… sejam detidas durante três anos para se excluir de tributação a respetiva mais-valia resultante da sua alienação, ao passo que para as ações adquiridas a outras entidades apenas se exige a sua detenção por um ano para obter o mesmo tratamento fiscal.


Assim ocorre também a violação dos princípios da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso, do princípio da capacidade contributiva e do princípio da repartição justa dos encargos públicos.
Foi opção do legislador atribuir aos fundos de capital de risco o benefício constante do artigo 23.° do EBF; o que não se compreende é que a receita perdida na atribuição deste benefício fiscal seja compensada com a tributação ilegítima das entidades que adquirem partes de capital aos fundos beneficiados.
Exigir a apenas alguns contribuintes - os que adquirem partes de capital aos referidos fundos - o encargo daquele benefício é profundamente injusto e violador dos princípios da capacidade contributiva e da justa repartição dos encargos públicos. A Impugnante é alheia à isenção atribuída aos fundos de capital de risco. Não foi sua opção adquirir as ações da C., SGPS, S.A. especificamente a um fundo de capital de risco isento. Fê-lo porque era a entidade que detinha a quarta e última tranche das ações em causa.
Discorda deste entendimento a Fazenda Pública.
Resulta do relatório de inspeção que da análise aos elementos contabilísticos da empresa apuraram os SIT que, em 24/08/2007, o Impugnante alienou ao H.,, LP, registado em Guernsey - Ilhas do Canal a totalidade das ações da empresa participada C., SGPS, SA., pelo valor global de € 100.000.000, (conforme contrato em anexo 2 ao RIT), da seguinte forma: € 84.000.000, por entrada no património do fundo; € 16.000.000, por venda para o património do fundo H.,, LP, registado em Guernsey - Ilhas do Canal, integra a lista (n.° 14) dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis - “Paraísos Fiscais” - , aprovada pela Portaria n.° 150/2004 de 13 de Fevereiro.
Verificaram os SIT que a mais-valia contabilística de € 47.098.795,11 (100.000.000-52.901.204,89), resultante desta alienação tinha sido deduzida no quadro 07 da declaração de rendimentos (campo 237) por o Impugnante considerar que a mesma não concorria para o apuramento do lucro tributável ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 32° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (com a seguinte redação: “2 - As mais- valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”).
Apuraram os SIT que as ações em causa tinham sido adquiridas em quatro “tranches” da seguinte forma: 10.000 ações adquiridas por subscrição, aquando da constituição da empresa C., SGPS, SA, pelo valor global de €50.000; 4.190.000 ações adquiridas por € 20.950.000, no seguimento de uma operação de aumento de capital efetuada em 31/10/2002; 3.103.253 ações adquiridas por € 21.501.265, no seguimento de outra operação de aumento de capital efetuada em 14/02/2004; 2.911.087 ações adquiridas em 04/11/2005, por €16.384.939,89, à sociedade A. - Sociedade de Capital de Risco, SA, contribuinte n.° (...), as quais integravam o património autónomo do Fundo de Capital de Risco para Investidores Qualificados A. F.., gerido por aquela sociedade (cfr. contrato em anexo 3 ao RIT).
A 4ª “tranche” de ações (2.911.087) foi sido adquirida em 04/11/2005, por € 16.384.939,89 ao Fundo de Capital de Risco para Investidores Qualificados A. F.., entidade residente em território português sujeita a um regime especial de tributação, [pois os fundos de capital de risco beneficiavam de isenção de IRC conforme artigo 22. °-A do EBF (artigo 23. ° à data da instauração da ação) e vendida em 24/08/2007, [por conseguinte, as ações tinham sido detidas por período inferior a três anos].
Entendeu, então a AT pela aplicação do disposto no n.° 3 do artigo 31° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (artigo 32°), cujo teor era que o disposto no n.° 2 do mesmo artigo, “não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas (...) quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades (...) ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e desde que tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos (...)”.
Concluíram os SIT que a mais-valia fiscal apurada com a venda destas ações, no montante de €11.623.512,89 (cfr. quadro de apuramento ínsito a fls. 4 do RIT), deveria concorrer para a formação do lucro tributável, conforme dispõe o n.° 3 do artigo 31° do EBF (artigo 32° à data da propositura da ação.).
Consequentemente foi corrigido o lucro tributável e a respetiva matéria coletável.
Vejamos:
A questão central cinge-se à circunstância de a Impugnante ter visto tributadas as mais-valias obtidas na alienação de participações sociais (“ 4.ª tranche”) adquiridas a entidade sujeita a um regime especial de tributação e alienadas, apenas pelo facto de entre a data de aquisição e a data de alienação mediarem menos de três anos, por aplicação do referido n.° 3 do artigo 31.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho,
Estabeleceu o legislador no artigo 31. °, n.° 2 do EBF (n° 2 do artigo 32° à data da propositura da ação), que:
«As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».
Analisando o artigo verifica-se que para que mais-valias/menos-valias, e os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorram para a formação do lucro tributável de uma sociedade hão de verificar-se os seguintes requisitos:
(i) Que a sociedade em causa seja uma SGPS,
(ii) Que se trate de mais-valias/menos-valias se reportem a partes de capital de que essas SGPS fossem titulares,
(iii) Que tais partes de capital hajam sido detidas pela SGPS por um período não inferior a um ano.
A regra referente às mais-valias obtidas pelas SGPS é a da sua não tributação (n.° 2, do artigo 31. ° do EBF).
O n.° 3 veio afastar a aplicação do n.° 2 do mesmo preceito quando uma SGPS (ou SCR ou ICR) tenha adquirido a participação social a uma entidade com a qual existam relações especiais, ou a entidades com domicílio, sede ou direção efetiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, ou sujeita a um regime especial de tributação e desde que tenha sido detida pela alienante por período inferior a 3 anos ou quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade que não pudesse beneficiar do regime especial estabelecido no n.° 2 do artigo 32.°
Com esta disposição, o legislador procurou evitar que os sujeitos passivos pudessem, através da manipulação dos preços das transações, auferir vantagens fiscais que, de outro modo, não seriam alcançadas.
No que ao presente caso importa, face ao disposto no aludido n.° 3, é afastada a aplicação do regime especial relativo às mais-valias e aos encargos financeiros, sempre que as partes de capital alienadas tenham sido adquiridas a uma entidade sujeita a um regime especial de tributação e tenham sido detidas por um período inferior a três anos, o que se deverá considerar verificado, nomeadamente, sempre que a aquisição de partes de capital tenha sido efetuada a outra SGPS ou SCR.
Como se referiu no Acórdão do STA, processo n.° 0144/14 de 13/07/2015, essa exigência da detenção por período não inferior a um ano «está em total consonância com o regime consagrado no Decreto-Lei n.° 495/88 — aí se determina que as SGPS “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas” e que “uma participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício de atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional” o que tal ocorre quando a participação “é detida pela SGPS por período superior a um ano” (cf art°1°)».
Com efeito, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 495/88, pretendeu o legislador “proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participadas sociais em ordem à sua gestão centralizada e especializada” por forma a facilitar e incentivar “a criação de grupos económicos enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português”. Torna-se, pois, evidente, porque claramente expresso que o legislador entendeu dar um tratamento mais favorável às SGPS que às restantes sociedades, com propósito claramente de fomento económico e reforço do tecido empresarial, que, como sabemos, com a entrada no mercado único se tornou imperiosa para o desenvolvimento do país.
No Estatuto dos Benefícios Fiscais, por razões de política económica, entendeu o legislador conceder às SGPS um tratamento mais favorável em termos de tributação que o que concedeu às demais empresas.
Só há benefício fiscal quando se aplica um desagravamento a uma situação de tributação. Como expresso no artigo 2.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL 215/89, de 1 de Julho:
“1 - Consideram-se benefícios fiscais as medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.
2 - São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.
3 - Os benefícios fiscais são considerados despesas fiscais, as quais podem ser previstas no Orçamento do Estado ou em documento anexo e, sendo caso disso, nos orçamentos das Regiões Autónomas e das autarquias locais”.
Os benefícios fiscais são medidas excecionais, aplicadas para a satisfação de interesses públicos extrafiscais relevantes e estes serão de valor superior ao da tributação que impedem. Do ponto de vista orçamental são despesa do estado na medida que correspondem ao valor que o estado renunciou a cobrar, que seria devido, não fosse a aprovação do referido benefício fiscal.
Como se disse, para além das condições antes enunciadas, veio, posteriormente o legislador a estabelecer no n.° 3 do artigo 31. ° do EBF que esse regime de isenção não é aplicável “às mais-valias realizadas (...) quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.° 4 do artigo 63. ° do Código do IRC ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e desde que tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos (...) e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos”.
No caso presente a Impugnante enquadra-se nesta situação. Isto é, houve uma aquisição de ações a uma entidade sujeita a um regime especial de tributação, um fundo de capital de risco, que beneficiava de isenção de IRC conforme artigo 22. °-A do EBF (atual artigo 23. °). E que depois foi vendida, sem que tivesse estado na titularidade da Impugnante por mais de três anos. Note-se que a data de aquisição é de 04/11/2005 e a data de alienação é de 24/08/2007.
Porém, entende a Impugnante que pelo facto de tal “tranche” ter sido adquirida a este Fundo, não deveria ter sido tributada, à semelhança das demais, pois que deveria ter tido um tratamento igual.
Porém, desde logo se afigura que não lhe assiste razão, porque as outras três “tranches” não foram adquiridas a tal Fundo. Pelo que não há identidade de situações que implique a “violação do princípio da igualdade”, não obstante o ativo seja o mesmo e o fim pretendido também. Mas a natureza jurídica do alienante é diferente.
Os benefícios fiscais, como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/11/2012, proferido no processo n.° 0529/12, são derrogatórios dos princípios da generalidade e da igualdade da tributação, e são insuscetíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objeto de interpretação estrita ou declarativa.
As normas que estabelecem benefícios fiscais são normas de carácter excecional, que derrogam os princípios gerais que presidem à tributação, da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (cfr. Nuno de Sá Gomes in Manual de Direito Fiscal, 11a edição com adenda, 2000, páginas 323/326).
Fundada na sua natureza excecional e antissistemática por definição, estão, como indica Sérgio Vasques [in Manual de Direito Fiscal, pág. 312], «em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto», impõe-se que sejam objeto de interpretação estrita ou declarativa.
As normas em análise não são normas antiabuso, em sentido próprio, que visam combater «qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinados atos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos atos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação», (como definido por, Gustavo Lopes Courinha, in A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos para a sua Compreensão, Almedina, 2009, pág. 172), ainda que, como ocorre no n.° 3 do artigo 32.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto- Lei n.° 215/89, de 1 de Julho, se sirvam de delimitações negativas da isenção usando situações que teriam tal natureza se estivéssemos no campo da tributação.
O legislador, em sede de benefícios fiscais, porque recusa a tributação, goza de amplitude para definir com exatidão quais as concretas situações que não serão tributadas, sem que possa levantar-lhes as eventuais desconformidades com as regras da tributação pela real capacidade contributiva que só ocorrerá caso não seja o caso enquadrável no benefício fiscal. O contribuinte que não goze de benefício fiscal pode exigir que a tributação tenha em conta a sua capacidade contributiva, mas não pode, com base nela, ou na veracidade das operações que realizou, ou na sua conformação com os valores do mercado exigir que seja também isenta de tributação uma situação que o legislador não teve em vista abranger.
Não se trata de qualquer situação que a Administração Tributária tem dificuldade em controlar realidades económicas, financeiras e tributárias que escapam à jurisdição e competência territorial”, e face às quais pode utilizar uma norma antiabuso, mas de uma situação que o estado decidiu não tributar.
Quando o Estado decide não tributar as SGPS, definindo as situações em que o faz, não faz qualquer sentido trazer para a análise dos preceitos respetivos os princípios e as normas relativas ao combate à fraude e evasão fiscal, dado que estas pressupõem que o imposto seja devido e o contribuinte o não queira pagar, enquanto na situação em análise a norma consagra que o imposto não é devido, o que é o inverso.
A norma é clara, indica os requisitos necessários para que se possa beneficiar do benefício fiscal.
Como a Impugnante não preenche todos esses requisitos, a operação financeira de transação das participações sociais será tributada como são tributadas todas as operações financeiras do mesmo tipo, realizadas por qualquer outra empresa.
Não há violação de qualquer preceito constitucional. O que acontece é que essa capacidade contributiva não reúne todos os pressupostos para não ser tributada, como poderia se as participações sociais houvessem sido detidas pela recorrente por mais tempo.
Em síntese, o legislador considerou que em certas situações as mais-valias obtidas pelas SGPS não seriam tributadas. Definiu de forma clara as situações em que aceitava não tributar tais mais-valias, excluindo todas as outras situações não enquadráveis na tipologia do artigo 31. ° n.° 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho.
Uma dessas situações nele não enquadráveis é precisamente quando, as partes de capital tenham sido adquiridas a residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, a detenção das participações não se prolongue por mais de 3 anos.
Assim, não se compreende a alegação da Impugnante de violação dos princípios da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso, do princípio da capacidade contributiva e do princípio da repartição justa dos encargos públicos.
É certo que foi opção do legislador atribuir aos fundos de capital de risco o benefício constante do artigo 23. ° do EBF.
Mas não há que concluir “que a receita perdida na atribuição deste benefício fiscal [é] compensada com a tributação ilegítima das entidades que adquirem partes de capital aos fundos beneficiados”
E nem diga a Impugnante que “Não foi sua opção adquirir as ações da C., SGPS, S.A. especificamente a um fundo de capital de risco isento” e que, com isso, não deveria ser tributada, quando foi precisamente a sua opção alienar as ações antes de ter completado o prazo de três anos para garantir a sua não tributação. Foi opção da Impugnante o momento em que vendeu tais ações.
A Impugnante que, por ser uma SGPS, é alvo de uma discriminação fiscal positiva face às empresas que o não são, podendo beneficiar de isenção de imposto nas mais-valias realizadas com a alienação das partes de capital, em certas circunstâncias, só tem que cumprir essas circunstâncias, definidas legalmente, se pretende obter o benefício.
Pretende, pois, a Impugnante obter um alargamento das circunstâncias de não tributação, de molde a obter uma isenção não prevista na lei, pelo que a ação não pode proceder, pois que só a si deve o facto de ter sido tributada.
De todo o modo, o pedido nunca poderia proceder na sua parte final, quando se pede a “substituição” de uma decisão de indeferimento de reclamação por outra, pois que compete ao tribunal anular, ou não, a liquidação. Não pode efetuar a substituição de um ato tributário por outro.
Improcede a ação.

V. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a ação improcedente.”
*
Após subida dos autos a este Tribunal, a recorrente apresentou requerimento no sentido de se conhecer da prescrição da dívida exequenda. Formulou para o efeito as seguintes alegações:

l.°
Conforme resulta dos autos, o presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC n.° 2001 00000217435, referente ao exercício de 2007, e, bem assim, contra a liquidação de Juros Compensatórios n.° 2011 0000027834, das quais resultou imposto a pagar no valor de 6 3.392.494,75 (cfr. cit. Documento n.° 1).
2.º
Uma vez que a ora Recorrente não dispunha de meios financeiros que lhe permitissem pagar a referida dívida, o Serviço de Finanças de (...) instaurou o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307, do qual resultava imposto a pagar no valor total de €3.138.916,20 (cfr. processo instrutor).
3.°
O referido Ofício de citação foi emitido em 18 de abril de 2011, mas até à presente data a ora Requerente nunca prestou garantia para suspensão do referido processo de execução fiscal.
4.º
Ora, de acordo com o artigo 48.°, n.° 1, da LGT “As dividas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do (ermo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectivada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.” (sublinhado da Recorrente).
5.º
Sendo que, por força do disposto no artigo 49. °, n.° I, da LGT “A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição”.
6.º
A citação para o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307 foi efetuada pelo Serviço de Finanças de (...), através de Ofício de citação datado de 18 abril de 2011, o qual foi notificado à ora Recorrente em 26 de abril de 2011 (cf. processo instrutor).
Verifica-se, pois, que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49,°, n.° I, da LGT, a citação para o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307 interrompeu a contagem do prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48.°, n.° 1, da LGT.
8.º
Sobre os efeitos da interrupção da prescrição esclarece a doutrina que “Ao conceito de interrupção deverá ser aplicável o n.° 1 do art. 326. ° do CC. De acordo com esta disposição legal, «A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do facto interruptivo.» Ou seja, desta norma resulta que a interrupção, por regra, faz reiniciar o prazo de prescrição simultaneamente com a ocorrência do facto interruptivo, considerando-se este como tendo natureza instantânea. Não será convocado o disposto no n.° 1 do artigo 327. ° do CC, por se tratar de norma especial, exclusivamente aplicável às obrigações civilísticas. Não existe qualquer lacuna referente aos efeitos da interrupção nas leis tributárias que justifique a necessidade de recurso à norma do n.° l do artigo 327." do CC no âmbito tributário. Se a lei fiscal pretendesse atribuir efeitos especiais à interrupção da prescrição resultantes de citação, para além dos efeitos-regra (instantâneos), tê-lo-ia especificado acrescentando ainda esta douta doutrina que “A aceitação do efeito duradouro da interrupção da prescrição poderia pôr em causa os valores da certeza e segurança jurídicas, que se visam com o instituto da prescrição, uma vez que equivaleria a admitir que a prescrição poderia ser retardada injustificadamente ou indefinidamente, podendo nunca mesmo nunca ocorrer designadamente, quando o facto interruptivo fosse a citação no processo de execução fiscal. No âmbito da causa interruptivo da citação em execução, verifica-se que o processo de execução fiscal não tem como causa extintiva uma decisão final, nem ocorre o trânsito em julgado. O processo de execução fiscal onde ocorre a citação não tem como causa extintiva o trânsito em julgado, nem poderia ter. De facto, as causas extintivas do processo de execução fiscal são apenas as previstas no art. 176. ° do CPPT. Assim, não ocorrendo qualquer decisão final que ponha termo ao processo, a aceitação de um efeito duradouro, no caso de interrupção do prazo de prescrição motivada pela citação do executado, traduzir-se-ia numa impossibilidade de prescrição da dívida tributária. Tal não é, porém, consentâneo com os princípios da certeza e segurança jurídicas e do Estado de Direito. (...) Atendendo a que no processo de execução fiscal não existe uma decisão final que ponha termo ao processo e que transite em julgado, não faz sentido aplicar o disposto no n.° I do artigo 327° do CC e afirmar que a citação terá o efeito duradouro aí referido. A aplicação subsidiária de uma norma não poderá fazer-se contra princípios fundamentais do ordenamento jurídico. " (cfr. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2015, Pires, José Maria Fernandes; Bulcão, Gonçalo; Vidal, José Ramos; Menezes, Maria João, Almedina 2015, pág. 461 e 462).
9.º
Entende, pois, esta douta doutrina que a citação, enquanto facto interruptivo da prescrição, tem um efeito imediato, salvo quando o processo de execução fiscal esteja suspenso através de garantia, referindo que “Em nosso entendimento, o reinicio da contagem da prescrição ocorre de imediato (salvo causas suspensivas). Para tal contribuem as seguintes razões: A posição acerca do efeito duradouro elimina o efeito suspensivo desses meios processuais que a lei contempla. Na verdade, se esses meios de contencioso administrativo ou judicial interrompem de forma duradoura a prescrição, porque motivo o legislador as teria também como causas de suspensão da contagem de prescrição?
O efeito duradouro da interrupção da prescrição parece-nos insustentável, particularmente no que respeita à citação, dado que tornaria automaticamente insusceptíveis de prescrição as dívidas em cujo processo de execução tenha ocorrido a diligência da citação. Este efeito ocorreria mesmo nos casos em que a administração tributária se desinteressasse pela cobrança da dívida, o que contraria toda a dogmática subjacente ao instituto da prescrição. Por outro lado, o entendimento de que a declaração em falhas extingue a execução é manifestamente forçado e não conforme com a lei. A aplicação supletiva do Código Civil deve depender sempre de uma real e manifesta lacuna da LGT, o que não é manifestamente o caso, dada a clareza da lei no que respeita aos efeitos da interposição dos processos de contencioso tributário, administrativo ou judicial." (cfr. cit. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2015, Pires, José Maria Fernandes; Bulcão, Gonçalo; Vidal, José Ramos; Menezes, Maria João, Almedina 2015, pág. 462).
10.º
Sobre esta matéria também já se pronunciou a jurisprudência dos Tribunais Superiores ao concluir que “III - Ar normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas «garantias dos contribuintes», pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria. IV - O art. 5. °, n.° 5, do DL n.° 124/96, de W de Agosto, ao criar uma nova cansa de suspensão da execução fiscal, é organicamente inconstitucional, à face dos arts. 106.°, n.° 2, 68. °, n.° 7, alínea i), e 201.°, n.°s 1, alínea b), e 3, da CRP na redação de 1992, por ter sido emitido pelo Governo, sem ser ao abrigo de autorização legislativa, em matéria inserida na resenha relativa de competência legislativa da Assembleia da República." (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 14 de outubro de 2009, no processo n.° 0528/09, disponível em www.dgsi.pt).
11.°
Esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não deixa margem para quaisquer dúvidas, devendo o seu entendimento ser acolhido também nos presentes autos, uma vez que efetua uma correta interpretação e aplicação da lei em matéria das causas suspensivas do prazo de prescrição em matéria de dívidas tributárias.
12.º
Como bem refere a citada jurisprudência do STA, as regras que regulam a prescrição, incluindo as causas de suspensão da prescrição, reguladas pelo artigo 49. ° da LGT, inserem-se nas “garantias dos contribuintes”, pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente, do acórdão de 5 de julho de 2010 proferido no processo n.° 133/10.
13.º
Uma vez que o artigo 49.°, n.° 2, da LGT regula, de forma expressa, as causas de suspensão do prazo do prazo de prescrição em matéria tributária, não constando deste elenco a citação, deverá concluir-se que não existe qualquer lacuna na legislação tributária relativamente às causas de suspensão do prazo de prescrição que careça de ser suprida, devendo, antes, concluir-se que o legislador se exprimiu corretamente ao elencar no artigo 49.°, n.“ 2, da LGT as causas suspensivas do prazo de presunção em matéria tributária e que, por esse motivo, não existe qualquer razão para que se recorra ao disposto no artigo 321°, do Código Civil (“CC”).
Com efeito, o artigo 326. ° do CC, sob a epígrafe “efeitos da interrupção", determina o efeito da citação, enquanto causa interruptiva do prazo de prescrição, ao estabelecer que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte ”,
15.°
Por seu turno, o artigo 327. ° do CC, sob a epígrafe “duração da interrupção” determina que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitrai, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo".
16.º
Ora, conforme demonstrado, só relativamente ao efeito da citação se verifica uma falta de regulamentação na legislação tributária, o que obriga a recorrer ao disposto no artigo 326." do CC, o mesmo não sucedendo relativamente às causas de suspensão do prazo de prescrição, as quais se encontram regulamentadas no artigo49°, n.° 2, da LGT.
17.º
Ora, uma vez que as causas de suspensão do prazo de prescrição constituem uma garantia dos contribuintes, quando relativas às relações jurídico-tributárias, as mesmas estão estritamente subordinadas ao princípio da reserva de lei formal, consagrado no artigo 103°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), pelo que o recurso ao artigo 327° do CC relativamente às causas de suspensão do prazo de prescrição de dívidas tributárias e a conclusão de que citação determina a suspensão do prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo está ferida de inconstitucionalidade por violação do artigo 103,°, n.° 2, e 165°, n.“ 1, alínea i), da CRP,

Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que, à luz da lei vigente, a dívida em apreço prescreveu no passado dia 26 de abril de 2019, data em que se completou o prazo de prescrição de 8 anos, previsto no artigo 48", n." 1, da LGT, contado da data do facto interruptivo ocorrido com a citação da Recorrente, ou seja, desde a data em que ocorreu a citação para o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307.
19.º
Importa, ainda, referir que, de acordo com o disposto no artigo 49°, n.° 2, da LGT, entretanto revogado pelo artigo 90° da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro, “A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
20.º
Por seu turno, o artigo 49. °, n.° 3, da LGT, introduzido pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro determina que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificarem primeiro lugar”.
21.º
Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que após a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2007, a interrupção tem lugar uma única vez e com o facto interruptivo que ocorrer em primeiro lugar.
22.º
Neste mesmo sentido esclarece a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que “III - Assim, pese embora tenha ocorrido causa de interrupção da prescrição antes da entrada em vigor da nova redacção do n.° 3 do art. 49.° da LGT, que deve relevar para efeitos da contagem do prazo da prescrição, não pode deixar de ler relevância interruptiva a citação do executado em 2007, que constitui o primeiro acto interruptivo da prescrição após o início da vigência do diploma que introduziu a referida alteração da norma.
IV - O prazo da prescrição suspende-se enquanto estiver pendente a impugnação judicial que, por força da garantia prestada para o efeito, determine a suspensão da cobrança da dívida (cfr. n.° 4 do art. 49° da LGT).” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 10 de agosto de 2016, no processo n.u 0939/16, disponível em www.dgsi.pt).
23.º
Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que tendo ocorrido várias causas interruptivas do prazo de prescrição após a entrada em vigor da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro apenas a primeira - a citação, em 26 de abril de 2011, para o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307 - interrompeu o prazo de prescrição, devendo, pois, desconsiderar-se as causas interruptivas posteriores.
24º
Do mesmo modo, e conforme já referido e resulta do processo instrutor, a ora Recorrente nunca prestou garantia suscetível de atribuir efeito suspensivo à reclamação graciosa ou à impugnação judicial que corre agora termos em sede de recurso junto deste douto Tribunal.
25.º
Ora, volvendo ao caso em apreço, verifica-se que a ora Recorrente foi citada para o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307 em 26 de abril de 2011 sendo que, posteriormente, a ora Recorrente deduziu, em 25 de maio de 2011, a reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRC e a respetiva liquidação de Juros Compensatórios e, mais tarde, deduziu, em 27 de abril de 2012, impugnação judicial contra a decisão da reclamação graciosa que corre agora termos, em sede de recurso, junto deste douto Tribunal de recurso (cf. processo instrutor).
Acontece, porém, que nenhuma destas duas últimas causas interruptivas do prazo de prescrição - dedução de reclamação graciosa e posterior dedução de impugnação judicial - são oponíveis à ora Recorrente atento o disposto no artigo 49.°, n.° 3, da LGT, disposição legal que esclarece que apenas a primeira causa interruptiva do prazo de prescrição é oponível à Recorrente, ou seja, in casu a citação para o processo de execução fiscal ocorrida em 26 de abril de 2011.
27.º
Importa ainda sublinhar que dos presentes autos, em especial, do seu processo instrutor, constam todos os elementos que permitem a este douto Tribunal de recurso oficiosamente confirmar a prescrição da dívida em apreço nos termos anteriormente descritos.
28.º
Ora, conforme esclarece a jurisprudência deste douto Tribunal “Tem sido entendimento reiterado deste TCAN que o conhecimento da prescrição, no âmbito dos poderes oficiosos do tribunal de recurso só será possível no recurso se no processo constarem todos os elementos necessários para efeito.” (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido, em 8 de março de 2018, no processo n.° 02746/09.9 BRPRT, disponível em www.dgsi.pt).
29.º
No caso vertente, todos os factos acima descritos e evidenciados resultam do processo instrutor, nomeadamente, a citação para o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307 bem como a apresentação da reclamação graciosa e posterior impugnação judicial.
30.°
Do mesmo modo, resulta do processo instrutor e, consequentemente, é do conhecimento deste douto Tribunal de recurso que, até à presente data, a ora Recorrente não prestou garantia para suspensão do processo de execução fiscal n.° 1880201101014307. 
Em face do exposto, deverá concluir-se que a dívida de IRC e Juros Compensatórios, referente ao exercício de 2007, já prescreveu na presente data, devendo, pois, este douto Tribunal Central Administrativo Norte reconhecer a prescrição da dívida em apreço, repondo, deste modo, a legalidade.”

Ouvido a F.P. sobre aquela pretensão, a mesma vem sustentar o seguinte:

“No processo executivo em apreço está em causa uma liquidação de IRC do ano de 2007, efetuada em 09 de fevereiro de 2011, sendo que, nos termos do n.° 1, do artigo 48. ° da LGT, o prazo de prescrição aplicável é de oito anos, com início em 1 de janeiro de 2008, em virtude de o facto tributário ter ocorrido em 31 de dezembro de 2007.
Na hipótese de não terem existido quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição, a obrigação tributária extinguir-se-ia em 31 de dezembro de 2015.
No processo executivo (PEF n.° 1880201101014307, instaurado em 15 de abril de 2011, tendo ocorrido a citação pessoal em 26 de abril de 2011.
Verifica-se a existência de um facto interruptivo da prescrição, com a citação da devedora originária, em 26 de abril de 2011, o que não só elimina todo o tempo decorrido, como obsta ao início da contagem do prazo de prescrição da dívida em cobrança coerciva antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo - por aplicação do efeito duradouro da interrupção.
Pelo que podemos concluir que a dívida em causa nos autos não se encontra prescrita.
Por se relevar importante para o processo em análise, junto se anexam as decisões proferidas pelo TAF de Penafiel e pelo TCA Norte no âmbito das reclamações de atos do órgão de execução fiscal apresentadas por J…., NIF 184170354 (Processo n.° 398/19.7BEPNF) e M…., NIF 191129909 (Processo n.° 397/19.9BEPNF), ambos na qualidade de revertidos da devedora originária.”
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Atento a que a prescrição da dívida exequenda que tem por base a liquidação do imposto controvertido nos presentes autos é de conhecimento oficioso pelo Tribunal, e que a mesma pode ser conhecida a titulo incidental em sede impugnatória do acto de liquidação, em razão da inutilidade superveniente da lide por carecer de fundamento apreciar da validade do mesmo em caso de se verificar a inexigibilidade da dívida assim constituída.- cfr nesse sentido J. Lopes de Sousa, em comentário ao artº 99º do CPPT, in “CPPT Anotado”, 4ª Ed. 2003, págs. 442- 443.
Mister é que dos autos constem os elementos necessários ao conhecimento do mérito da mesma. - cfr nº 2, do artº 608º, “ ex vii”, do nº2, do artº 663º, todos do CPC.
Vejamos.
Factos que se consideram apurados:
a) No processo executivo nº 1880201101014307, instaurado em 15 de abril de 2011 contra a sociedade “I.,S.A.”, está em causa uma liquidação adicional de IRC , efetuada em 09 de fevereiro de 2011, com o n.° 2001 00000217435, referente ao exercício de 2007, e, bem assim, contra a liquidação de Juros Compensatórios n.° 2011 0000027834, das quais resultou imposto a pagar no valor de 3.392.494,75. – por acordo
b) A citação para o processo de execução fiscal n.° 1880201101014307 foi efetuada pelo Serviço de Finanças de (...), através de Ofício de citação datado de 18 abril de 2011, o qual foi notificado à ora Recorrente em 26 de abril de 2011- por acordo
c) Posteriormente, a ora Recorrente deduziu, em 25 de maio de 2011, a reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRC e a respetiva liquidação de Juros Compensatórios e, mais tarde, deduziu, em 27 de abril de 2012, impugnação judicial contra a decisão da reclamação graciosa que corre agora termos, em sede de recurso, junto deste douto Tribunal de recurso, não tendo prestado garantia nos autos- por acordo.
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Apurados os factos relevantes para apreciar do mérito da invocada prescrição, não suscita duvidas que , nos termos do disposto no nº1, do artº 48º, conjugado com o nº 1, do artº 49º, todos da LGT, o prazo de prescrição , sendo de oito anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário, i.e. a partir de 31.12.2007, veio- se a interromper na data da citação do executado no processo de execução, em 26.04.2011, o qual opera uma única vez, nos termos do disposto no nº 3, do mesmo preceito legal, inexistindo motivo de suspensão de tal prazo ao abrigo do disposto no nº 4, do mesmo artº, atento que não foi prestada garantia nos autos ou qualquer circunstância que determinasse a suspensão da cobrança da dívida ao abrigo do disposto no artº169º ,do CPPT. Não obstante,
A questão que ora importa conhecer tem a ver, por um lado, com os efeitos daquela interrupção da prescrição, que conforme entendimento unanime da jurisprudência e da doutrina (assim acolhendo o disposto no nº1, do artº 326º do C. Civil), o que significa que tal interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, como igualmente defende o recorrente, por outro, com a duração dessa interrupção, que no entendimento pacífico da jurisprudência mais recente vem acolhendo a solução normativa consagrada no nº1, do artº 327º, do C. Civil, com o sentido que em processo de execução fiscal a citação do executado para a causa implica que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo- cfr por todos o Ac. Do STA, de 20.12.2017, proferido no Proc. Nº 01358/17. Ora,
Ainda que se teçam várias considerações sobre o âmbito especifico da execução fiscal e da decisão transitada em julgado susceptível de determinar o termo do processo nos termos processuais estritamente civilísticas, entendidos pelo recorrente como não transponíveis para efeitos da cobrança coerciva das dívidas tributárias, não compete a este Tribunal infirmar aquele entendimento do STA, cabendo-lhe seguir tal orientação jurisprudencial por concordar com a mesma, não colhendo a tese de que a aplicação daquela regra de duração da interrupção da prescrição se traduza em nova causa de suspensão da prescrição não prevista na lei porquanto, uma coisa são os efeitos da interrupção da prescrição nesses casos em que se verifica aquela causa interruptiva e em que começa a contar-se novo prazo apenas a partir do momento em que tal causa cessa ou perde relevância, outra são as situações previstas na lei em que o prazo prescricional não começa a correr ou o seu curso se suspende em razão da verificação de uma causa suspensiva. – Vd. “Teoria Geral da Relação Juridica”, Vol. II, de M. de Andrade, 1960 e Vaz Serra in “Prescrição e caducidade”, BMJ, nºs 105 a 107. Carece assim de suporte legal a invocada inconstitucionalidade formal decorrente dessa pretensa inovação em matéria de garantias dos administrados sem lei habilitante já que aquela jurisprudência não estabeleceu qualquer causa não prevista na lei de suspensão da prescrição, antes limitou-se a estender os efeitos da interrupção da prescrição até ao fim do processo de execução fiscal em caso de citação do executado para a causa. De resto,
Na exegese daquele entendimento da aplicação daquela causa de duração de interrupção da prescrição colhida no Dtº Civil, tem sustentação no disposto no nº 2, do artº 11º da LGT, quanto á interpretação das normas tributárias cujo sentido não decorra directamente da lei fiscal, antes resultam do sentido dado por tal ramo de direito, na medida em que regula tais efeitos interruptivos da dita prescrição, o que não contraria qualquer principio constitucional que se teça a seu propósito. Vd a seu propósito o Ac.do STA, de 13.03.2019, proferido no Proc. Nº 01437/18.4 BELRS, de que ora se respiga o seguinte:
“[...]
3. A questão colocada no presente recurso consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que não ocorrera a extinção, por prescrição, das dívidas em cobrança na execução fiscal nº 33012001 01013254 e que emergem de actos de liquidação de IRC relativos aos exercícios de 1996 e 1997.
Tal como consta da sentença recorrida, o Reclamante defendeu a ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal por entender que a sua citação para essa execução, ocorrida em 13/09/2001, enquanto acto interruptivo do prazo de prescrição, tem efeito interruptivo puramente instantâneo, e não um efeito duradouro, sob pena de violação do art.º 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Todavia, assim não entendeu o julgador em 1ª instância, que depois de concluir, de forma fundamentada, ser aplicável o prazo de prescrição de 8 anos previsto no art.º 48º da LGT, julgou não assistir razão ao Reclamante, porquanto a sua citação constitui um acto interruptivo de efeito duradouro, ou seja, não permite que novo prazo comece a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, em conformidade com o disposto no art.º 327º nº 1 do Código Civil.
Como nela se deixou explicitado, «a devedora originária foi citada no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos em 13.09.2001 (alínea B) do probatório), facto que constitui causa de interrupção do prazo de prescrição nos termos do artigo 49º, nº 1, da LGT» e nos termos desse preceito «a citação do executado interrompe a prescrição, interrupção que, no caso das obrigações tributárias, provoca dois efeitos, a saber: - efeito instantâneo de inutilização de todo o prazo decorrido anteriormente (artigo 326º nº 1 do Código Civil); - efeito duradouro de paralisação, que implica que o novo prazo não começa a correr enquanto não transite em julgado, ou não forme caso decidido a decisão que ponha termo ao processo que teve o efeito interruptivo, conforme resulta do artigo 327º, nº 1, do Código Civil (vd., Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp. 57).».
«Assim, em 13.09.2001 interrompeu-se o prazo de prescrição, ficando inutilizado todo o prazo que anteriormente havia corrido. E, sendo o efeito interruptivo a citação, não tendo decorrido à data da mesma o prazo de prescrição, encontra-se, ainda hoje, a decorrer o efeito duradouro de paralisação, que implica que o novo prazo não começa a correr enquanto não transite em julgado ou não forme caso decidido a decisão que ponha termo ao processo que provocou o efeito interruptivo, ou seja, o processo de execução fiscal (cfr. neste sentido, o acórdão do STA de 09.05.2012, proferido no processo nº 0282/12).
Deste modo, há que concluir não se encontrar prescrita a obrigação tributária relativa ao IRC do exercício de 1996. Consequentemente, e por maioria de razão, também a dívida exequenda relativa a IRC do ano de 1997, não prescreveu.
Este é precisamente o entendimento vertido no acórdão do STA referido pela Reclamante, proferido em 10.01.2018 no processo no 01360/17, que não obstante conter um voto de vencido, mantém por maioria a posição sufragada de modo unânime até então pela Jurisprudência do STA (vd. a título exemplificativo, os acórdão de 20.12.2017, proc. 897/16 e de 06.12.2017, proc. 1300/17, de 27.01.2016, proc. no 01698/15; de 07.01.2016, proc. 01564/15; de 16.11.2011, proc. no 0289/11; de 12.08.2009, proc. no 0748/09).
Por outro lado, a posição expressa pela Reclamante de que a interpretação das causas de suspensão expressas no despacho reclamado quanto aos efeitos da suspensão do processo de execução após a citação do executado se apresenta ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, também suscitada pela Exma. Juíza Conselheira vencida no acórdão do STA trazido à colação pela Reclamante, carece em absoluto de sustentação, não se vislumbrando de que modo tal inconstitucionalidade se pode revelar, na medida em que, como se disse naquele mesmo aresto, por remissão para o acórdão proferido em 06.12.2017, no proc. 1300/17: ”Importa lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto de direito comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem normação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição. Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto em tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico. (…)».
Dado que neste recurso o Reclamante se limita a insistir que a citação, enquanto acto interruptivo do prazo de prescrição, tem um efeito interruptivo puramente instantâneo, e não duradouro, sob pena de violação das normas constitucionais que aponta, vejamos se lhe assiste razão.
Desde logo, importa notar que na sentença não foi evocado ou aplicado o regime legal de suspensão do prazo de prescrição – contido no art.º 49º nº 4 da LGT – ou, sequer, considerada a existência de um qualquer acto suspensivo desse prazo. O que foi evocado e aplicado foi o efeito duradouro de um acto interruptivo (citação) face à regra geral fixada nos artigos 326º nº 1 e 327º do Código Civil, tendo em conta que actualmente a Lei Geral Tributária (LGT) nada dispõe sobre a matéria e que a prescrição constitui um instituto jurídico previsto, nos seus termos gerais, no Código Civil.
Com efeito, mesmo relativamente a dívidas tributárias, as normas do Código Civil não podem deixar de ser observadas caso a situação não obtenha regulação especial na LGT ou em diploma próprio, já que a prescrição constitui um dos institutos gerais do direito cujas regras gerais se encontram vertidas naquele Código.
É certo que a prescrição da obrigação tributária se justifica pela necessidade da estabilização das relações jurídicas tributárias, de segurança e de paz jurídica, mas essa necessidade não confere ao respectivo devedor o direito a prazos de prescrição menores do que os previstos para o devedor de obrigação civil, ou o direito a enfrentar menos actos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição destas obrigações, ou, sequer, o direito a obter diferenciados efeitos (duradouros ou instantâneos) para os actos interruptivos relativamente ao devedor de obrigação civil, pois não existe regra ou princípio (legal ou constitucional) que o imponha.” Assim entende-se que,

Não se encontrando extinto o processo de execução controvertido, mantém-se os ditos efeitos interruptivos da prescrição desde a data de citação do executado, pelo que improcede a predita prescrição da dívida exequenda.
*
Quanto ao erro de julgamento invocado pelo Recorrente, sustenta-se a mesma na alegada interpretação feita pela ATA quanto ao disposto no nº 3, do artº 32º, do E.B.F. na medida em que sujeitou a IRC as ditas mais-valias apuradas pela alienação onerosa de partes de capital quando realizadas pela Recorrente enquanto sociedade gestora de participações sociais ,por entender que, tratando-se de aquisição de uma parte do capital a entidade residente em território nacional sujeita a um regime especial de tributação, a mesma só não concorreria para a formação do lucro tributável se fossem detidas pelo respectivo alienante por período superior a três anos, o que não sendo o caso, implicou a sua consideração e respectiva liquidação adicional ora controvertida. O que dizer de tal entendimento que, alegadamente significaria a violação dos ditos princípios da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da igualdade? .
Em 1º lugar, muito singelamente se dirá que, tal como bem aponta a sentença ora controvertida, tal impedimento da consideração do benefício fiscal - o qual se traduz numa verdadeira dedução á matéria colectável de tais mais-valias na medida em que tais ganhos não concorrem para a formação do respectivo lucro tributável nos casos contemplados no nº 2 do referido preceito daquele E.B.F. quando as mesmas sejam realizadas por tais sociedades gestoras, resulta dos termos literais do preceito em causa, na medida em que aí se contempla expressamente a exclusão nos casos supra referidos de tal beneficio, sendo certo que o Recorrente não questiona os factos em que a mesma assenta, relativa à qualidade do transmitente das ditas participações sociais, ao qual é indiferente a natureza de tais participações sociais, antes relevando o enquadramento fiscal de tais entidades enquanto sujeitas a um regime especial de tributação como era o caso ( cfr nº 1, do artº 23º ,do E.B.F.), sendo de todo irrelevante a vontade subjectiva do adquirente, já que o legislador apenas se interessou em estabelecer que condicionantes entendeu impor ao funcionamento do beneficio fiscal nos diversos casos aí contemplados, que no caso em análise, não têm qualquer intuito anti- abuso, apenas se pretende limitar tal beneficio ( de não tributação das mais-valias realizadas) na esfera jurídica do adquirente de partes de capital em razão dos concretos enquadramentos societários e fiscais das entidades transmitentes de tais partes sociais. Em 2º lugar, assim se entende que o Mº Juiz do Tribunal “A Quo”, tenha referido e bem, com sustentação na Jurisprudência que se acompanha, que em matéria de benefícios fiscais e dos seus contornos não se pode aferir do respeito pelos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade atento a natureza jurídica inerente ao próprio conceito de beneficio fiscal- cfr artº 2º do E.B.F.
Como se deixou consignado no Ac. Do STA, de 13.07.2015, proferido no Proc. Nº 0144/14, perfeitamente transponível para o caso dos autos, a circunstância do legislador fiscal estabelecer as condições em que se permite impedir a tributação em razão dos interesses extra-fiscais considerados relevantes que lhe se sobrepõe não podem significar que tal redunda em qualquer violação dos ditos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade em razão da proibição do excesso, ainda que em derrogação da regra geral e para as situações nelas expressamente contempladas ( no caso no nº 3, do preceito). Aí se afirma que:
“…A norma é clara, indica os requisitos necessários para que a recorrente possa beneficiar do benefício fiscal. Como a recorrente não preenche todos esses requisitos, a operação financeira de transacção das participações sociais será tributada como são tributadas todas as operações financeiras do mesmo tipo, realizadas por qualquer outra empresa. Não há violação de qualquer preceito constitucional, nem a recorrente se vê a braços com uma presunção inilidível que presume uma capacidade contributiva que não tenha tido efectivamente. O que acontece é que essa capacidade contributiva não reúne todos os pressupostos para não ser tributada, como poderia se as participações sociais houvessem sido detidas pela recorrente por mais tempo.
Não há nas analisadas normas do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL 215/89, de 1 de Julho qualquer violação do princípio da igualdade por a lei tratar de forma mais penalizante situações de mero controle dos preços de transacção do que situações em que há artifícios ou pagamentos a off-shores, porque não há aqui qualquer controlo de preços de transacção a realizar.
Em síntese, o legislador considerou que em certas situações as mais-valias obtidas pelas SGPS não seriam tributadas, sem ter dado qualquer indicação de entender que tais mais-valias não representam, para aquele tipo de sociedades, capacidade contributiva. Definiu de forma clara as situações em que aceitava não tributar tais mais-valias, excluindo todas as outras situações não enquadráveis na tipologia do art° 31º n° 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL 215/89, de 1 de Julho. Uma dessas situações nele não enquadráveis é precisamente quando, existindo relações especiais entre as empresas intervenientes na operação, a detenção das participações não se prolongue por mais de 3 anos. Não há qualquer questão de presunção de uma capacidade contributiva, ou suspeita de fraude em que se imporia a admissão de prova da regularidade das transacções, há apenas a definição de um período temporal de detenção das participações sociais que a recorrente aceita não ter preenchido.
A recorrente que por ser uma SGPS é alvo de uma discriminação fiscal positiva face às empresas que o não são, podendo beneficiar de isenção de imposto nas mais-valias realizadas com a alienação das partes de capital, em certas circunstâncias, pretende, com este recurso, um alargamento dessas circunstâncias de molde a obter uma isenção não prevista na lei, pelo que é manifesta a improcedência do recurso.”
Aliás,
Tal matéria já foi apreciada pelo T.C. que tem vindo a considerar, ainda que a propósito de uma outra das situações contempladas naquele nº3, do artº 32º do E.B.F, e cujos fundamentos , no entendimento deste TCA Norte, são igualmente válidos no presente caso, que tais condicionalismos impostos pela mesma não contendem, não só com os referidos princípios de capacidade contributiva e da proporcionalidade, mas ainda com o principio da igualdade na vertente da não discriminação.
Assim, e por todos vd. Acórdão do T.C. nº 139/2016, de 08.03.2016.
Aí se expendeu a seguinte argumentação:
“I – Na vigência do n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro, as mais-valias realizadas pelas SGPS mediante a transmissão onerosa de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, não concorriam para a formação do lucro tributável destas sociedades;

II – Tal isenção não se aplicava, todavia, relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital houvessem sido adquiridas a entidades com as quais as SGPS tivessem relações especiais, no caso de terem sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos, por força do disposto no n.º 3 do artigo 31.º do EBF, na aludida redação;

III – Os benefícios fiscais situam-se num plano distinto e procedem de uma diversa razão de ser relativamente às normas de tributação, tratando-se de medidas de caráter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, do EBF);

IV – A relação decorrente das normas que preveem o benefício fiscal referido em I – uma isenção de imposto, que o legislador pode ou não conceder, por ponderação de interesses extrafiscais – não relevam como tema ou contexto de discussão da maior ou menor capacidade contributiva, que releva unicamente para a apreciação dos termos da tributação-regra. Daí que a restrição ao benefício referida em II não viole o princípio da capacidade contributiva;

V – Na ponderação da norma que estabelece a restrição indicada em II em face do princípio da igualdade, o padrão de (des)igualdade não deve medir-se entre os termos da tributação e os termos da isenção, mas antes entre diferentes sujeitos ou categorias de sujeitos que beneficiam ou não beneficiam da isenção. Neste contexto, uma sociedade que tenha adquirido participações sociais a outra com a qual tem relações especiais não se encontra numa situação igual ou equivalente à de uma sociedade que realize a mesma transação fora dessas relações especiais, atenta a razoabilidade de, neste contexto, serem prevenidas operações de evitação fiscal.

VI – A restrição referida em II mostra-se adequada, necessária e proporcional à satisfação do interesse de evitar um planeamento fiscal, dentro dos grupos de sociedades, que vise um aproveitamento excessivo de um benefício ao qual o legislador pretendeu conferir natureza restrita.

VII – Tal restrição não implica a violação do direito à prova da sociedade alienante das participações sociais, na medida em que não existe qualquer facto presumido que o sujeito passivo pudesse afastar, já que a norma não opera como meio de prova de qualquer facto, ainda que a evitação de uma hipotética fraude possa ter sido a razão de política legislativa que conduziu o legislador a limitar a aplicação do benefício.”.
No caso presente também se dirá que a situação de uma sociedade que adquire as participações sociais a uma sociedade que beneficia de isenção de IRC não é idêntica a uma sociedade que adquire tais participações a uma sociedade sujeita a imposto- também naquela se pretende evitar um planeamento fiscal ainda que entre diferentes sociedades e independentemente de quem resulta beneficiado. Como se afirma naquele Acórdão do TC, pretende-se evitar “um aproveitamento excessivo de um beneficio ... de que o legislador pretendeu conferir natureza restrita…”.
Nos termos expostos não colhe a invocação de qualquer violação dos ditos princípios materiais em matéria fiscal ínsitos na C.R.P.
Quanto aos juros compensatórios apurados, atento o entendimento da legalidade do acto tributário controvertido, resulta que os mesmos são devidos em razão do retardamento da liquidação do imposto devido por facto a si imputável- cfr artº 35º da LGT.
Quanto ao conhecimento, em sede impugnatória administrativa, das alegadas inconstitucionalidades da referida norma legal, é evidente que tal ilegalidade do acto tributário podia ser aí invocada, nos termos do disposto no nº 1, do artº 70º do CPPT, já questão distinta é o de saber se a entidade administrativa competente para decidir a reclamação pode conhecer da inconstitucionalidade de uma disposição legal. Ora, sabendo-se que ao abrigo do principio da legalidade a que a ATA está adstrita, a mesma não pode deixar de aplicar uma norma por entender que a mesma é inconstitucional, salvo os casos em que a mesma foi declarada como tal pelo T.C. , com força obrigatória geral (cfr. artº. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (artº 18º, nº 1, da CRP) e não sendo esse o caso ora controvertido, não era exigível que a ATA tomasse qualquer posição sobre a mesma. –cfr nesse sentido Ac. Do STA, de 04.12.2019, proferido no Processo nº 0121/12.7.
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Dispositivo

Pelo exposto, entende este Tribunal Superior como totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, sendo mantida a sentença proferida pelo Tribunal “A Quo”, que julgou a acção totalmente improcedente, assim se mantendo o acto tributário de liquidação de IRC do exercício de 2007 , acrescido dos juros compensatórios apurados.
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Custas pelo recorrente.

Porto, 18-06-2020

António Patkoczy
Ana Patrocínio
Cristina Bento