Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00032/03 - COIMBRA
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/09/2005
Relator:Dulce Neto
Descritores:RECURSO APLICAÇÃO COIMA - PRESCRIÇÃO - OMISSÃO PRONÚNCIA - DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
Sumário:1. A omissão de pronúncia só exista quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar quaisquer factos que a recorrente considera essenciais para a ilação jurídica que deles pretende extrair ou qualquer circunstancialismo invocado em abono de determinada tese.
2. Transitado em julgado determinado despacho interlocutório antes da decisão final do processo contra-ordenacional, não pode o tribunal voltar a pronunciar-se, no recurso desta decisão final, sobre o decidido nesse despacho, ficando vinculado ao respectivo conteúdo, o que se prende com a chamada autoridade do caso julgado decorrente da decisão transitada em julgado.
3. No domínio do CPT não havia suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional derivado da pendência de recurso da decisão de aplicação de coima, da mera adesão ao regime de regularização das dívidas previsto no DL nº 124/96, da aplicação da doutrina constante do Despacho nº 17/97-XIII do SEAF, ou do regime de suspensão do processo previsto no art. 182º do CPT, pois que as causas de suspensão da prescrição eram apenas as especificamente previstas no art. 35º do CPT.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:

O Ministério Público recorre da decisão proferida pelo Mmº Juiz do TAF de Coimbra no processo contra-ordenacional instaurado contra “A.., Ldª”, a qual julgou extinto, por prescrição, o referido procedimento contra-ordenacional.
Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:
1º. À sociedade “A.., Ldª”, com sede em Coimbra, foram aplicadas várias coimas, no valor global de 1.360,00€.
2º. Não se conformando com aquele despacho, a citada sociedade interpôs dele recurso contencioso para este Tribunal, tendo invocado, além do mais, a prescrição do procedimento contra-ordenacional, sem, todavia, ter fundamentado a verificação de tal pretensa excepção.
3º. Através do requerimento de fls. 58, o ora recorrente requereu que se notificasse o representante da Fazenda Pública, junto deste tribunal, para se pronunciar sobre o objecto de recurso e nos termos do nº 2 do art. 81º do RGIT.
4º. Todavia, a Mª Juíza a quo decidiu indeferir aquele requerimento, a pretexto de não ser aquele “o momento oportuno para o efeito” (cfr. 1ª parte do despacho de fls. 59).
5º. Sucede que a Mmª Juiz a quo decidiu, sem ouvir a Fazenda Pública e omitindo aquela notificação, conhecer, logo de seguida, do recurso contencioso, dando-lhe provimento, por ter julgado extinto, pela prescrição, o procedimento contra-ordenacional em causa, aplicando, para o efeito, o disposto no nº 3 do art. 121º do C. Penal, sem todavia, ter considerado todas as causas de suspensão do prazo daquela prescrição, como se impunha, pelas razões que, adiante, se explicitarão.
6º. Em síntese, a Mmª Juíza violou o princípio do contraditório, claramente consignado no nº 3 do art. 3º do C.P.Civil, aplicável nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3º al. b) do RGIT, 41º nº 1 do DL 433/82, de 27/10 e 4º do C.Penal.
7º. Sucede que a fls. 29 consta que a citada sociedade aderiu ao regime de regularização de dívidas, previsto no DL nº 124/96, de 10-08.
8º. Assim, havia que conhecer, além de outras – fixadas para o procedimento criminal (no douto acórdão do plenário das secções criminais do STJ nº 2/2002 – processo nº 378/99 – 5ª Secção – de 17/01/02, publicado no DR – I Série – nº 54, de 5/03/02, foi fixada jurisprudência no sentido de que o regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações...) - das causas de suspensão, e respectiva duração, previstas no art. 2º da Lei nº 51º-A/96, de 9/12 e nas disposições associadas do nº 5 do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 17/97 – XIII, de 14/03/97, publicado no DR nº 78 – II Série, de 3/4/97, - e 182º nº 1 al. a) do CPT, então em vigor, cujo regime é o aplicável in casu, conforme se decidiu na decisão ora recorrida, para se poder concluir se se chegou a consumar ou não a pretensa prescrição em causa.
9º. Em suma, a Mmª Juíza não conheceu daquela questão, indispensável para a boa decisão da causa, pelo que a decisão recorrida enferma, na óptica do ora recorrente, da nulidade, por omissão de pronúncia prevista no art. 379º nº 1 al. c) do C.P.Penal, aplicável subsidiariamente, nos termos atrás expostos.
10º. Daí que se deva declarar tal nulidade, com todas as consequências legais.
11º. Por outro lado, aquela omissão implica a insuficiência da matéria de facto para a correcta decisão da causa, pelo que a decisão final sempre deveria ser anulada, nos termos do nº 4 do art. 712º do C.P.Civil, aplicável supletivamente, de acordo com as disposições supracitadas.
Assim decidindo, Vªs. Exªs. farão a habitual JUSTIÇA.
* * *
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal de recurso emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Invocando o recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusões 8ª a 10ª), importa conhecer prioritariamente tal questão.
Na tese do recorrente, a sentença sofre de nulidade por omissão de pronúncia em virtude de nela se terem ignorado as causas de suspensão da prescrição previstas no art. 2º da Lei nº 51º-A/96, de 9/12 e nas disposições associadas do nº 5 do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 17/97-XIII, de 14/03/97 e no art. 182º nº 1 al. a) do CPT, sem o que não se podia ter julgado, como se julgou, pela prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Ora, como se sabe, a nulidade de sentença por omissão de pronúncia, prevista tanto no art. 125º do CPPT como no art. 668º al. d) do CPC, está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art. 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Daí que a omissão de pronúncia só exista quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar quaisquer argumentos, razões ou factos necessários à boa decisão dessas questões (neste sentido, entre tantos outros, o Ac. do STA de 7-06-95, in ADSTA, nº 404º/405º, pág. 978 e o Ac. STJ de 17-04-91, in AJ, 18º, pág.92).
Donde decorre não existir omissão de pronúncia quando a decisão não toma conhecimento de factos que a recorrente considera essenciais para a ilação jurídica que deles pretende extrair, nem de todo o circunstancialismo invocado em abono de determinada tese.
Assim, a nulidade da sentença só poderia verificar-se se ocorresse falta de conhecimento da concreta questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, já que invocada pela arguida no recurso judicial da decisão de aplicação da coima, o que não ocorreu, pois que foi precisamente por força da respectiva procedência que esse recurso procedeu.
O facto de a sentença não ter considerado o circunstancialismo referido pelo ora recorrente e que, na perspectiva deste, seriam determinantes da suspensão do prazo de prescrição, poderá constituir erro de julgamento, mas nunca omissão de pronúncia.
Inexiste, pois, a invocada nulidade.
* * *
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1) Contra “A.., Ldª”, foi levantado o auto de notícia de fls. 2, em 15/03/96, por não ter liquidado IVA nas vendas efectuadas em 1992 a 1994 e ter cometido várias omissões nas compras e em termos de contabilidade dos exercícios de 1992 a 1994, que aqui se dá por reproduzido, e foi condenada, por decisão de 23/05/03, que aqui se dá igualmente por reproduzida, na coima de 1.360,00€;
2) A recorrente foi notificada para efeitos do art. 199º do CPT em 02/11/98;
3) A recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima em 07/06/03;
4) Por despacho de 27/02/97 foi o processo suspenso para efeitos do art. 182º do CPT, notificado por registo de 12/03/97, tendo o prazo para pagamento do imposto terminado em 02/06/97.

Dado o seu interesse para a boa decisão da causa, acorda-se em ampliar o probatório com os seguintes factos provados:
5) O auto de notícia referido em supra 1) deu origem à instauração em 15/04/96 do presente processo contra-ordenacional;
6) A recorrente aderiu às facilidades de pagamento de impostos instituída pelo DL n° 124/96, de 10/08, tendo pago o IRC e o IVA que deram origem à aplicação da coima, tendo a última liquidação ocorrido em 31/12/98 - cfr. fls. 36, 39 a 42);
7) Dá-se aqui por integralmente reproduzida a decisão administrativa de aplicação de coima à arguida, proferida em 23/05/03 e que consta de fls.43/44.
* * *
Segundo o recorrente, Ministério Público, a Mmª Juiz “a quo” violou o princípio do contraditório consignado no art. 3º do CPC, aplicável ex vi do art. 3º al. b) do RGIT e do art. 41º nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10, dado que decidiu o recurso interposto pela arguida da decisão de aplicação de coima sem dar à Fazenda Pública a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria desse recurso nos termos do art. 81º nº 2 do RGIT.
Vejamos.
O exame dos autos revela que logo que este subiram ao Tribunal de 1ª Instância para apreciação do recurso da decisão de aplicação de coima foram com vista ao Ministério Público, o qual requereu que se procedesse à notificação da Fazenda Pública para se pronunciar sobre o objecto do recurso em harmonia com o disposto no art. 81º nº 2 do RGIT, requerimento que foi expressamente indeferido por despacho da Mmª Juíza proferido em 15/12/03 (cfr. fls. 59) por entender que não era esse o momento oportuno para se proceder a tal notificação e que o recurso iria ser julgado por meio de simples despacho, caso a isso não se opusessem o MºPº e a arguida.
Notificado esse despacho à arguida e ao MºPº (este em 16/02/04 - cfr. fls. 63), nada disseram ou requereram, razão por que veio a ser proferida a decisão ora recorrida em 9/11/04.
Donde resulta que aquele despacho, que indeferiu a pretensão do MºPº de ver notificada a FP para se pronunciar sobre o objecto do recurso, já transitara em julgado quando foi proferida a decisão final da causa, por falta de oportuna interposição de recurso jurisdicional em harmonia com o disposto no art. 285º do CPPT.
Ora, no que concerne aos efeitos processuais do caso julgado, resulta da lei, no quadro da estabilidade das decisões judiciais, que proferida a decisão judicial se extingue, em regra, o poder decisório do órgão jurisdicional que a proferiu (artigo 666º n.ºs 1 e 3 do CPC). E transitada em julgado que seja a decisão, não pode ser objecto de reclamação ou de recurso ordinário (artigo 677º do CPC).
Isto é, operado que seja o caso julgado por virtude do trânsito em julgado de determinada decisão, não pode o tribunal voltar a pronunciar-se sobre o decidido, ficando vinculado ao respectivo conteúdo, o que se prende com a chamada autoridade do caso julgado decorrente da decisão transitada em julgado.
Decidida que está, com força de caso julgado, essa questão da notificação da FP, não pode ela ser de novo suscitada e apreciada no recurso interposto da sentença final, razão por que não se irá tomar conhecimento dessa questão.

Importa, pois, analisar se as causas de suspensão do procedimento criminal são extensivas ao presente procedimento contra-ordenacional, e se a adesão ao regime de regularização das dívidas fiscais previsto no DL nº 124/96 e o disposto no art. 182º do CPT determinam igualmente essa suspensão, sabido que estão em causa infracções fiscais não aduaneira praticadas em 1992/93/94, isto é, no domínio da vigência do CPT, diploma que a decisão recorrida considerou como sendo o aplicável por ser o mais favorável ao arguido, decisão que nessa matéria não foi objecto de contestação.
Com efeito, na sentença recorrida decidiu-se que não se verificava qualquer acto suspensivo do prazo de prescrição do procedimento tipificado no regime geral das contra-ordenações, e que decorrera já o prazo previsto no nº 3 do art. 121º do Código Penal (segundo o qual a prescrição ocorre sempre que, desde o início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade), razão por que se julgou prescrito esse procedimento à luz do disposto no art. 35º do CPT e do citado art. 121º nº 3 do C.Penal.
Decisão que se nos afigura correcta, pois que tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência, não havia à luz do regime previsto no art. 35º do CPT suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional derivada da pendência do processo após a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação de coima (cfr. entre outros, os Acórdãos proferidos pelo STA em 9/07/03, no Proc. nº 540/03; em 22/09/04, no Proc. nº 570/04; em 29/09/04, no Proc. nº 521/04; em 30/11/04, no Proc. nº 1017/04; em 19/01/05, no Proc. nº 1294/04. Pelo TCAN, nos Acórdãos proferidos em 7/04/05 nos Recursos nº 11/01-COIMBRA, 1/01-COIMBRA e 16/02-COIMBRA, em 14/04/05 nos Recursos nºs 25/02-COIMBRA, 12/02-COIMBRA e 19/02-COIMBRA. E pelo TCAS, no Acórdão proferido em 16/03/05 no Proc. nº 451/05).
Em sustentação dessa tese, que subscrevemos, pode ler-se no Acórdão do STA de 30/11/04, proferido no Proc nº 1017/04, o seguinte:
«O regime da prescrição das contra-ordenações fiscais não aduaneiras vigente à data da prática da infracção (...) constava do art. 35.º do C.P.T. que estabelecia o seguinte:
Artigo 35.º
Prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais
1 - O procedimento por contra-ordenações fiscais prescreve no prazo de cinco anos a contar do momento da prática da infracção.
2 - Sempre que o processo por contra-ordenações fiscais for suspenso por motivo da instauração de processo gracioso ou judicial onde se discuta situação tributária de que dependa a qualificação da infracção, fica também suspenso o prazo de prescrição do respectivo procedimento.
3 - No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação fiscal, o prazo de prescrição suspende-se desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.
4 - A prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais interrompe-se com qualquer notificação ou comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados, com a realização de quaisquer diligências de prova ou com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição e defesa.
5 - Em caso de concurso de crimes e contra-ordenações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção do procedimento por contra-ordenação.
Como se vê, prevêem-se neste artigo causas especiais de suspensão e interrupção da prescrição, sem qualquer remissão para legislação subsidiária, pelo que é de concluir que são apenas estas as causas de suspensão e interrupção a considerar, para além da prevista no n.º 4 do art. 203.º do mesmo Código, para os casos em que houve suspensão do processo contra-ordenacional, o que não ocorreu.
Não havendo indicação nos autos da existência de qualquer causa de suspensão da prescrição, e sendo de 5 anos o prazo de prescrição, por força da aplicação subsidiária do art. 121.º, n.º 3, do Código Penal, o prazo máximo de prescrição será de 7 anos e meio, a contar da data da prática de cada uma das infracções».
Razão por que se pode afirmar que em face do disposto no art. 35º do CPT, onde se prevêem as únicas e específicas causas de suspensão e interrupção da prescrição do procedimento contra-ordenacional, o direito contra-ordenacional tributário é alheio à controvérsia sobre a aplicação ao procedimento contra-ordenacional geral do regime de suspensão da prescrição do procedimento criminal.
Por isso, só constitui causa de suspensão desse prazo prescricional o pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação (nº 3 do art. 35º), e já o não a mera adesão ao regime de regularização das dívidas fiscais previsto no DL nº 124/96, ou a aplicação da doutrina vertida no Despacho nº 17/97-XIII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (segundo o qual as coimas devem ser aplicadas após o pagamento pontual e integral das obrigações tributárias abrangidas pelo DL 124/96) ou a suspensão do processo para efeitos de liquidação do imposto, pois que nenhuma delas está prevista no citado art. 35º do CPT como causa de suspensão da prescrição.
De qualquer forma, o facto de se ter provado que a arguida aderiu às facilidades de pagamento de impostos instituída pelo DL n° 124/96, de 10/08, não podia provocar, no caso, a suspensão da prescrição prevista no art. 35º, dado que esse pedido de pagamento terá ocorrido já após a instauração em 15/04/96 do processo contra-ordenacional, pois que tal diploma lhe é posterior.
Termos em que improcedem todas as conclusões do recurso.
* * *
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por o recorrente delas estar isento.
Porto, 09 de Junho de 2005
Dulce Neto
Fonseca Carvalho
Valente Torrão