Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00902/13.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/08/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACTO JURIDICAMENTE INEXISTENTE; OMISSÃO DA PRÁTICA DO ACTO;
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; NOTIFICAÇÃO PARA IDENTIFICAR O ACTO; N.º 4 DO ARTIGO 88º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (2002); RECURSO JURISDICIONAL; QUESTÕES NOVAS; ARTIGO 676º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; IMPOSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO; ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA.
Sumário:1. Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.
2. Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (2002) se o autor, convidado para identificar o acto impugnado, numa acção administrativa especial de impugnação de acto, o não faz, no prazo de dez dias, deve a entidade demandada ser absolvida da instância, sem possibilidade de substituição da petição.
3. A inexistência de acto administrativo não se confunde com o acto administrativo inexistente; no primeiro caso há a omissão da prática de um acto administrativo, no segundo verifica-se a prática de um acto a que faltam elementos estruturais que não permitem identificar sequer o tipo legal de acto que foi praticado.
4. No primeiro caso, havendo a prática de actos materiais que lesam os legítimos interesses ou direitos de um particular, o meio de reacção próprio é a acção administrativa comum - artigo 37º, n.º2, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na versão original (artigo 37º, n.º1, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015).
5. No segundo caso o meio próprio de reacção contenciosa é a acção administrativa especial, não estando aqui o autor dispensado de “produzir ou requerer a produção da prova da aparência desse acto” juridicamente inexistente, conforme expressamente consigna o n.º 3 do artigo 79º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo.
6. Tendo o autor intentado um acção administrativa especial contra acto juridicamente inexistente numa situação em que pura e simplesmente não tinha sido praticado qualquer acto administrativo, e não tendo feito, por isso, prova da prática do acto depois de notificado para o efeito, a consequência legal imperativa é a absolvição da instância não podendo a petição ser aproveitada para uma acção administrativa comum, quer face ao disposto no n.º 4 do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (2002) quer pela absoluta incompatibilidade de causas de pedir, num caso a prática de um acto, no outro a omissão da prática de um acto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:FFP e MEGSFP
Recorrido 1:Junta de Freguesia de Lavos; IMFCO, JEFO e ACN
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
FFP e esposa, MEGSFP vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 05.05.2015, pela qual foram absolvidos da instância, por impossibilidade de conhecer do objecto, os demandados Junta de Freguesia de Lavos, IMFCO, JEFO e ACN na acção administrativa especial que os ora recorrentes lhes moveram.

Invocaram para tanto que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por ser possível conhecer do objecto da acção, devidamente enquadrado, e ser adequado o meio processual escolhido.

Os recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção da sentença impugnada.

O Ministério Público emitiu parecer, também no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª – Após sucessivos pedidos nunca a ré entregou a (s) acta (s) das deliberações do executivo que lhe permitiram executar as obras em 2007 (documentos 8 e 9) na propriedade dos autores:

2ª – Tal como vem descrito na factualidade apurada a que se refere a petição inicial e que mereceu o comentário do Meritíssimo Juiz a quo “nitidamente a actividade da Administração é uma via de facto”.
3ª – Obras em violação do Plano Director Municipal, da propriedade dos autores e das deliberações suportadas em acta, quer do Executivo, quer da Assembleia da Junta, para essas obras, e subsequente construção do Parque das Merendas, bem como da violação de normas administrativas, designadamente a existência das actas. Contendo essas deliberações.

4ª – Competia aos autores o ónus de as entregar, casso existissem.

5ª – Como nunca as chegou a obter, apesar de pedidas, ficou a aguardar que viessem junto com o processo administrativo.

6ª - Conforme resulta da contestação, nos artigos 17º, 18º e 19º, depois de toda a matéria exposta na petição inicial, de má-fé os demandados dizem reconhecer o acto administrativo cuja anulação fora pedida, já que os autores os não entregaram.

7ª – A ré Junta de Freguesia estava obrigada a entregar o processo administrativo com a sua contestação.

8ª – O que não aconteceu, pois alegou na contestação desconhecer o processo a que os autores se referiam, apesar da muita correspondência trocada. Tenta considerar tais obras efectuadas em terreno próprio, apesar do IMI ser pago pelo autor Florival, conforme documentos juntos como 1,2 e 3 da petição inicial.

9ª – Assim, irrealisticamente, contra o direito de propriedade dos autores, negam a caderneta predial, o registo predial e os IMI que o autor paga e que também constam do processo civil que de que o Meritíssimo Juiz a quo mandou pedir certidão.

10ª – Ora nos presentes autos repetem praticamente tudo o que disseram.

11ª – Em lugar de dizer logo que não havia qualquer processos administrativo, nem actas que fundamentassem a inexistência do acto administrativo que levou às obras realizadas desde 2007 até à sua inauguração, usam hipotéticos e inexistentes direitos para evitar deliberações.

12ª – Mas o que fundamentalmente interessa face à decisão são os pedidos formulados pelos autores que nunca lhes passou pela cabeça inexistir qualquer processo após 2007 relativo a obras, já que inclusivamente constam supostas plantas enviadas à Camara Municipal que pelos autores forma impugnadas.

13ª - Então não há processo administrativo? Então não há acto administrativo?

14ª – De facto em processo especial – porque se entendeu estarem reunidos os respectivos pressupostos – pediu-se a anulação do acto administrativo.

15ª – Efectivamente nunca passou pela cabeça dos autores tanta falta de transparência, ilegalidades, ilicitudes, ao ponto de não haver qualquer processo (dos autores ou de terceiros) sobre a fonte de Pedrosa.

16ª – Não houve então qualquer acto administrativo legitimador dos actos de execução referidos na sentença.

17ª – Não foi passada a pretendida certidão, pelo que se seguiu uma intimação judicial, seguindo-se um ofício dúbio da Junta.

18ª – Assim sendo existe a omissão ilegal alegada pelos autores, no pedido cumulado constante da alínea b) da petição inicial, pois na falta do devido acto administrativo constante de uma deliberação quer do executivo quer da Assembleia, expressa numa acta, há omissão pura e simples do acto administrativo.

19ª – Acto administrativo que a existir supostamente deveria ser enquadrado na anulação do acto (artigo 46º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tal como foi feito, só que ele não existindo, o pedido dos autores foi convolado para omissão ilegal de acto administrativo que redunda na sua inexistência jurídica (artigo 46º, n.º1, e 2, alínea a) in fine, alínea b) dos pedidos dos autores na petição inicial e requerimento datado de 17 de Abril de 2015, 2º parágrafo.

20ª – Pelo que se entende que não havendo qualquer acto administrativo, pela sua inexistência, não há lugar ao cumprimento da obrigatoriedade de apresentação do acto administrativo, mas à continuação do processo para apreciação da omissão e inexistência jurídica do acto administrativo e nulidade dos actos executórios (obras realizadas).

21ª – Mais entendemos que face à cumulação dos pedidos a uns cabendo o processo sumaríssimo e a outros o sumário (artigos 35º e 36º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), salvo melhor opinião, pese embora a alteração do Código de Processo Civil, tendo em conta as regras gerais que prevalecem sobre as normas subsidiárias do Código de Processo Civil, a acção adequada não é a acção comum mas a acção administrativa especial sob pena de violação do artigo 5º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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II – Matéria de facto.

A decisão recorrida apoiou-se nos seguintes factos ou actos processuais que apontou no respectivo relatório:

“FFP e esposa, MEGSFP, residentes na Praceta … intentaram a presente acção administrativa especial contra a Junta de Freguesia de Lavos, indicando como contra-interessados IMFCO, JEFO e ACN.

Formulam o seu pedido nos seguintes termos:

Termos em que requer:

a) Seja decretada a nulidade do AA praticado pela Junta de freguesia de Lavos presidida ao tempo pela 1ª contra-interessada e subsequentes actos executórios que alargaram a estrada e construíram todo Parque de Merendas na propriedade dos AA, por não ter sido expropriado;

b) Seja decretada a nulidade da omissão de AA pelo 2° contra interessado destinado a repor a legalidade na propriedade dos AA por ilegal ocupação;

c) Seja decretada a nulidade da posse administrativa pela Junta de Freguesia de Lavos do Parque de Merendas e da apropriação da fonte no terreno dos AA;

d) Seja reposta a situação anterior existente à prática dos actos nulos, mantendo-se o caminho vicinal conforme registo;

e) Sejam os 1°s e 2°s contra-interessados responsabilizados extra-contratualmente pelos lucros cessantes dos AA resultantes do encravamento do Prédio impedindo o uso do restante terreno a tardoz, indemnizando os AA em 7.000 €.

Alegam, em síntese, o seguinte:

São comproprietários de um prédio rústico situado nos “Barros Vermelhos” e inscrito na matriz predial da freguesia de Lavos sob o artigo 3790 ARV. Em 7 de Abril de 2007, alertado por residentes em Lavos, o Autor constatou que no mandato da primeira contrainteressada a Junta havia alargado o caminho vicinal ai existente, fazendo uma estrada de terra batida demarcada por pequenos pilares de cimento e construíra na propriedade dos AA um poço e duas valas desde a estrada nacional até á fonte ai existente; e presentemente, a actual Junta, presidida pelo segundo Contra-interessado, marido da primeira contra-interessada, confrontada com o esbulho por interpelação dos AA, nem por isso repôs até hoje o prédio no estado anterior.

Deste modo, aliás, são todos os três (Junta e dois primeiros CIs) solidariamente responsáveis pelos danos causados, conforme artigo 9º do DL nº 67/2007 de 31/12, designadamente do dano consistente no encravamento do terreno dos AA a tardoz, dano cujo valor é estimado em 7 000 €.

A Junta de Freguesia e os CIs apresentaram contestação conjunta excepcionando a ilegitimidade dos dois primeiros CIs porque é enquanto titulares da Junta de Freguesia que lhes são imputados os factos alegados na PI e bem assim a ineptidão da P.I. por não identificar o acto administrativo impugnado.

Por impugnação, sustentaram que o caminho não foi alargado à custa do terreno dos AA, apenas se aterrou a valeta norte do caminho, que a Junta não abriu quaisquer valetas e que todos os melhoramentos foram feitos no interior do terreno da fonte do Pedrosa.

Replicando às excepções – que só isso em tal articulado releva – os A vieram reiterar a legitimidade dos dois primeiros CIs por isso que, dizem, praticaram os actos ilícitos em causa, tendo a Junta sobre eles direito de regresso, e negar a ineptidão da PI, porque nunca conseguiram que a Junta lhes entregasse prova do acto impugnado sendo certo que o parque de merendas foi inaugurado em 15/8/2009, conforme placa comemorativa, pelo que o acto revela-se nos sucessivos actos administrativos “executórios”.

Em 14 de Maio de 2014 foi proferido nos autos e por carta de 20 seguinte notificado aos AA o despacho judicial de que se transcreve a parte I:

“I - Compulsados os autos, e no sentido de determinar os termos do litigio, torna-se necessário saber se as obras invocadas pelo A foram alvo de alguma deliberação da Assembleia ou da Junta de Freguesia de Lavos.

Assim sendo, notifique este Réu para remeter aos autos, caso existam, as deliberações havidas quanto à matéria ora em crise.”

Em 28 seguinte o Mandatário da Junta de Freguesia, juntou cópias das actas cujo teor a fs. 176 dos autos aqui se dá como reproduzido, dizendo o seu mandatário, em requerimento, tratar-se das cópias das únicas actas onde se faz referência às obras invocadas pelos AA (fs. 175).

Por despacho de 7/1/2015 foram os AA notificados para, querendo, virem identificar cabalmente, designadamente quanto ao autor e ao objecto da decisão, o acto administrativo cuja declaração de nulidade pretendiam pedir, face ao que vieram indicar o acto nos seguintes termos:

“A deliberação, ou despacho da Junta de Freguesia de Lavos que ao abrigo de normas de direito público decidiu a demarcação do terreno e a construção de um Parque de Merendas ao lado da Fonte do Pedrosa.”

Notificados para, querendo, responderem a este aperfeiçoamento da PI, os Demandados nada disseram.

Finalmente, em cumprimento de despacho de 23/3/2015 foram os AA convidados a em 20 dias oferecerem prova do acto assim identificado, com cominação de absolvição da instância nos termos do artigo 88º nº 2 e 4 do CPTA.

Em 27/4 os AA juntaram requerimento cujo teor a fs. 316 aqui se dá como reproduzido destacando o segundo parágrafo em que referem que “não existiu portanto qualquer acto administrativo legitimador da demarcação do terreno nem do parque de merendas dos AA., pelo que tais actos executórias são clandestinos e ilegais, e como tal juridicamente inexistente, por omissão do AA, termos em que devem ser declaradas nulas todas as obras ilegais e como tal demolidas, eliminando-se também as cercas que impedem a passagem para a restante propriedade do AA”, juntando o seu doc 9, que consiste numa comunicação do Presidente da Junta de Freguesia de Lavos, datada de 30/3/2015, nos seguintes termos:

“Em resposta ao vosso ofício de 26/03 do corrente ano, informo:

1. Não existe qualquer acta do anterior Executivo que tivesse deliberado a delimitação parcial do prédio.

2. Não existe qualquer acta que tivesse deliberado a construção de um Parque de Merendas no terreno do seu cliente.”


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III - Enquadramento jurídico.

1. Questão prévia: a má-fé processual.

Tanto os recorrentes (conclusão 6ª), como os recorridos (parte final das contra-alegações), vêm invocar a má-fé processual da outra parte.

A decisão recorrida, porém, não aborda o tema da litigância de má-fé nem dos ora recorrentes nem dos recorridos. E o recurso jurisdicional não se destina a apreciar questões novas mas antes o acerto da decisão recorrida sobre as questões que esta decidiu.

Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

Neste sentido, uniforme, se pronunciaram os acórdãos do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254709.7 BEMDL e de 08-07-2012, no processo 00215/98 – Porto.

Termos em que não se conhece da questão da litigância de má-fé.

2. O mérito do recurso.

Da decisão recorrida consta quando ao enquadramento jurídico:

“Dispõe o artigo 79º nº 2 do CPTA que “quando seja deduzida pretensão impugnatória deve o autor juntar documento comprovativo da prática do acto ou da norma impugnados”.

Notificados para o efeito os Autores acabaram por apresentar, em complemento da PI a indicação de uma deliberação ou de um despacho atribuído à Junta de Freguesia de Lavos mas não oferecem prova do mesmo.

Admitem até que o acto não ocorreu e juntam declaração da Entidade Pública demandada atestando a inexistência histórica do acto.

É essencial para a definição do objecto do presente processo e o prosseguimento da instância, designadamente mediante a apreciação do mérito do pedido, que haja de facto um acto administrativo a remover da ordem jurídica, seja directa seja reflexamente.

Por isso mesmo é que no artigo 78º nº 2 d) do CPTA se dispõe que a PI deve conter a identificação do acto jurídico impugnado; e no artigo 79º nº 2 do mesmo diploma se confere ao Autor o ónus de instruir a PI com o comprovativo do da prática do acto impugnado.

O pedido sub judice começa pela declaração de nulidade de um indeterminado acto administrativo, da qual decorre o mais que se pede.

Os AA, a convite do tribunal, formularam uma indicação do tal acto, sem o identificarem suficientemente, pois não referem o conteúdo concreto da decisão. Esta indefinição poderia, teoricamente, ser suprida mediante a junção de comprovativo do acto, mas in casu isso está prejudicado, dada a resposta da Freguesia no sentido de que não há acto.

Os AA não só não provam o acto como acabam por admitir que não foi emitido por órgão algum da autarquia demandada.

Assim sendo, é impossível, logicamente, prosseguir na presente instância.

Isso mesmo é disposto pela conjugação dos citados artigos 78º 2 d) e 79º 2 com os nºs 2 e 4 do CPTA.

Nitidamente a actividade da Administração, descrita na PI, é uma via de facto. Ora a acção administrativa especial não é o meio processual próprio para os particulares se oporem a esta dimensão da actividade da Administração, conforme é pacífico e claramente decorre dos termos do artigo 46º nº 1 do CPTA.

Decisão

Pelo exposto, em suma, dada a falta quer de identificação bastante quer de junção do comprovativo do acto administrativo pretendido impugnar, julgo ser impossível conhecer do objecto do pedido e, nos termos dos artºs 78º nº 2 d), 79º nº 2 e 88º nºs 2 e 4, absolvo o Réu da Instância.”

Esta decisão mostra-se acertada.

Determina o artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na sua versão original, sob a epígrafe “Suprimento de excepções dilatórias e aperfeiçoamento dos articulados”:

“1 - Quando, no cumprimento do dever de suscitar e resolver todas as questões que possam obstar ao conhecimento do objecto do processo, verifique que as peças processuais enfermam de deficiências ou irregularidades de carácter formal, o juiz deve procurar corrigi-las oficiosamente.

2 - Quando a correcção oficiosa não seja possível, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, destinado a providenciar o suprimento de excepções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades do articulado, fixando o prazo de 10 dias para o suprimento ou correcção do vício, designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.

(…)

4 - A falta de suprimento ou correcção, nos termos previstos no n.º 2, das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância, sem possibilidade de substituição da petição ao abrigo do disposto no artigo seguinte.”

O Tribunal a quo perante uma acção administrativa especial com um pedido que lhe é típico, o de declaração de invalidade de um acto, e na falta de prova do acto, convidou os autores a fazerem prova do acto impugnado sob a cominação de, não o fazendo, os demandados serem absolvidos da instância, nos termos deste preceito.

Como os autores não fizeram prova da prática do acto, antes admitiram que não tinha sido praticado qualquer acto, o Tribunal decidiu o que a lei, imperativamente, prevê, absolveu os demandados da instância nos termos do n.º 4 do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Regra que, de resto, faz todo o sentido.

Não se pode impugnar um acto que não se conhece. Só perante a notícia ou o conhecimento de um acto, o visado o pode impugnar. Lógica e legalmente é impossível impugnar um acto cujo conteúdo ou sequer existência se desconhece.

Se não foi dado a conhecer e até foi informado pela Administração que não tinha sido praticado qualquer acto administrativo, não podiam os autores impugnar um acto administrativo, por falta de objecto da impugnação.

Assim como o tribunal não podia anular ou declarar nulo ou inexistente um acto que não tinha sido identificado, por impossibilidade lógica e legal.

Os autores, na verdade, confundem acto (juridicamente) inexistente com a inexistência (ou omissão) de acto administrativo.

Como nos ensina Freitas do Amaral em Curso de Direito Administrativo, Volume II, edição 2001 reimpressa, página 415 “…o acto administrativo inexistente é um quid que se pretende fazer passar por acto administrativo, mas a que faltam certos elementos estruturais constitutivos que permitam identificar um tipo legal de acto administrativo; é inexistente, por exemplo, como se disse, um acto que não tenha qualquer conteúdo”.

No caso de acto juridicamente inexistente, o autor não está dispensado, antes lhe cabe o ónus, de “produzir ou requerer a produção da prova da aparência desse acto” conforme expressamente consigna o n.º 3 do artigo 79º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (versão original).

Obviamente não tendo sido praticado qualquer acto, não se pode produzir prova sequer da aparência do acto.

Inexistência de acto jurídico não se confunde, portanto, com acto juridicamente inexistente.

No primeiro caso existe a omissão da prática de um acto; no segundo caso existe um acto praticado que, no entanto, do ponto de vista jurídico, inexiste por lhe faltar um qualquer elemento estruturante.

No caso concreto a Administração não praticou qualquer acto jurídico a que se possa imputar a falta de um elemento estruturante. Praticou actos materiais, segundo alegam os autores, que terão violado o seu direito de propriedade.

Para a hipótese de inexistência de um acto administrativo, ou seja, de uma conduta da Administração que não se traduz na prática de um acto administrativo mas que viola legítimos interesses ou direitos de particulares, como é alegadamente o caso, o meio processual adequado é a acção administrativa comum – artigo 37º, n.º2, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos na versão original (artigo 37º, n.º1, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015).

Ainda que não estivesse vedada a convolação de acção administrativa especial para acção administrativa comum face ao disposto no n.º4 do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais administrativos na sua versão – e estava - sempre seria impossível tal convolação, dado que toda a causa de pedir invocada e os pedidos formulados têm como pressuposto a prática de acto administrativo a que, erradamente, se imputa a inexistência jurídica, quando o caso é de omissão ou inexistência da prática de um qualquer acto. Ou seja, estamos perante distintas e incompatíveis causa de pedir.

Termos em que se impõe manter a sentença recorrida.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


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Porto, 08 de Janeiro de 2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro