Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02277/05.6BEPRT-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
CADUCIDADE DO DIREITO DE EXECUTAR O JULGADO
INÍCIO DO PRAZO DE EXECUÇÃO ESPONTÂNEA
Sumário:I) O dever de cumprir espontaneamente o julgado tributário surge com o trânsito em julgado deste e não com a remessa do processo ao órgão competente para a execução, sendo que o disposto na LGT prevalece sobre o CPPT, como resulta do art. 1º do CPPT.
II) Além disso, sendo esta matéria relativa a garantia dos contribuintes está sujeita ao princípio da reserva (relativa) de lei, nos termos do disposto nos arts. 103º nº 2 e 165º nº 1, al. i), ambos da Constituição da República Portuguesa, o que significa que para que o desiderato constitucional seja respeitado, a definição, por decreto-lei, de matéria relativa às garantias dos contribuintes, está dependente de prévia lei habilitante, o que sucedeu, no caso da LGT, mas que não existiu para o CPPT.
III) Assim, se o momento crucial nesta sede reside no trânsito em julgado da decisão, aquilo que se afigura natural é que o prazo de execução espontânea se conte a partir desse momento, e não a partir da tal notificação a que alude o art. 146º nº 2 do CPPT.
IV) Nos termos do art. 175º, nº1 do CPTA, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar julgados anulatórios de actos administrativos deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da decisão que serve de base à execução.
V) Quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no nº 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau do jurisdição, sendo que a petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contados desde o termo do prazo do nº 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legitima do inexecução a que se refere o mesmo preceito - art. 176º nºs 1 e 2 do CPTA (na redacção anterior à que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 02-10).
VI) No que concerne ao direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, quando se tem presente a natureza do princípio ora referido, crê-se que sai reforçada a tese que emerge do presente aresto, na medida em que a mesma define com total clareza quer a posição da AT quer a posição do contribuinte, sendo inequívoco que logo que a sentença transita em julgado, a AT deve providenciar pela sua imediata execução, podendo o contribuinte, que conhece a data em que a decisão transitou em julgado (e assim não tem de estar na expectativa de uma eventual notificação que, afinal, ninguém tem ideia sobre o momento em que a mesma irá ser efectuada), no momento oportuno, recorrer à figura da execução de julgado caso a AT não tenha executado a decisão no prazo que tinha para o fazer de forma espontânea, situação essa que salvaguarda, isso sim, o princípio a que alude a decisão recorrida, pois que define de forma clara os termos em que a AT deve proceder à execução do julgado, permitindo ao contribuinte agir de imediato caso tal execução não seja concretizada no prazo que a lei confere à administração para o efeito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M... e J...
Votação:Maioria
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente representada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30-05-2016, que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida por M… e J…, em sede de EXECUÇÃO DE JULGADO com referência à sentença proferida nos autos principais, tendo sido decidido que a quantia exequenda, a pagar pela executada, deveria ser fixada nos seguintes termos:
- o montante de juros de mora que incidem sobre o montante de € 47.500,00, contados desde o termo do prazo de execução espontânea, em 28.8.2012 até o pagamento, ocorrido em 4.4.2014, à taxa sucessivamente em vigor, fixada nas Portarias previstas no art. 559º, nº 1, do Código Civil;
- o montante de juros de mora que incidem sobre o montante de € 3.087,50, contados desde o termo do prazo de execução espontânea, em 28.8.2012 até o pagamento, ocorrido em 23.4.2014, à taxa sucessivamente em vigor, fixada nas Portarias previstas no art. 559º, nº 1, do Código Civil.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 107-124), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. É quanto à questão da tempestividade da execução do julgado que a Recorrente manifesta o seu desacordo com o decidido.
B. Destarte, salvo o devido respeito, somos da opinião que a douta sentença, procedeu à errónea interpretação dos artigos 146.º do CPPT e dos artigos 160.º, 162.º, 173.º, 175.º e 176.º do CPTA e a sua aplicação ao caso concreto.
C. Isto porque o direito de exigir judicialmente um eventual cumprimento da decisão judicial encontrava-se precludido, o que resulta da disciplina legal que se passa a explicitar.
D. Dispõe o n.º 2 do artigo 102.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT) que a execução das sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos.
E. De acordo como regime vertido no n.º 1 do artigo 160.º, do CPTA os prazos dentro dos quais se impõe à Administração a execução das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos correm a partir do respectivo trânsito em julgado”.
F. E no n.º 1 do artigo 175.º, do CPTA, que salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de 3 meses, a contar do respectivo trânsito em julgado.
G. Se tal não se verificar, determina o n.º 2 do artigo 176.º do CPTA que o interessado dispõe do prazo de seis meses para pedir a respectiva execução ao tribunal competente.
H. Referindo-se ao artigo 170.º, concluem Aroso de Almeida, Mário e Fernandes Cadilha, Carlos Alberto, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2.ª edição revista, 2007, páginas 970 e 971:
“ (…) resulta deste n.º 2 que, tal como sucede no âmbito do processo de execução para prestação de factos ou de coisas, o acesso à tutela executiva também neste domínio não depende da prévia apresentação de um requerimento perante a entidade obrigada: se esta não der espontâneo cumprimento, dentro do prazo de que dispõe para o efeito, ao dever que lhe incumbe, o exequente pode, pois, pedir, de imediato, a execução judicial. Na petição, o exequente deve especificar o modo pelo qual considera que a execução deve ser realizada.
Chama-se a atenção para o facto de que, de acordo com o preceito em análise, a petição de execução deve ser apresentada no prazo de seis meses. (…) A exemplo do que foi dito a propósito do artigo 164.º (…) afigura-se que o prazo de seis meses do n.º 2 do artigo 170.º é um prazo de caducidade, que se conta nos termos do artigo 279.º do Código Civil (…) solução que tem subjacente a preocupação de assegurar uma mais rápida estabilização das situações jurídicas.
I. E ainda, nas palavras de Vieira de Andrade, José Carlos, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 9.ª Edição, páginas 397 e seguintes, refere que:
“O processo executivo visa obter, pela via judicial, as providências materiais que concretizem, no plano dos factos, aquilo que foi juridicamente determinado pelo tribunal no processo declarativo, quer se trate de quantia certa, da entrega de coisa certa ou da prestação de facto, positivo ou negativo… o interessado (em regra um particular) não tem o ónus de requerer à Administração a execução da sentença, para a colocar em mora: findo o prazo estabelecido – 30 dias, para pagamento de quantia certa; três meses nos restantes casos – os particulares têm o direito (e o ónus) de iniciar o processo de execução.
A grande questão que se levanta é a do prazo estabelecido para apresentação da petição executiva, que, salvo lei especial, é de 6 meses, a contar do fim do prazo de execução espontânea. (…) Resulta daqui que, terminado esse prazo, embora a Administração continue a ter o dever de cumprir a sentença, já não é possível exigir judicialmente a respectiva execução específica (sublinhados nossos).
J. Posto isto, no que concerne ao caso concreto, verificamos que o douto acórdão do TCA Norte transitou em julgado em 28.05.2012,
K. Logo, o prazo para a sua execução espontânea teve o seu termo em 10.7.2012 (caso se considere aplicável o prazo de 30 dias previsto no artigo 170.º n.º 1 ou 175.º n.º 3 do CPTA) ou 3.10.2012 (caso se considere aplicável o prazo de três meses estipulado no n.º 1 do art. 175.º do CPTA, conforme entendeu o Tribunal a quo).
L. Assim, é manifesto que aquando da propositura da presente acção, em 3.11.2014, há muito havia decorrido o prazo de seis meses para a execução de julgado estabelecido no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA.
M. Donde resulta a caducidade do direito de acção dos Autores, ora Recorridos, porquanto já não lhes era permitido, nesta data, exigir judicialmente a execução, integral ou parcial, da decisão judicial proferida, (não relevando para este efeito o facto de a Entidade Demandada ter procedido à execução da sentença em 04.04.2014 e em 23.04.2014 respectivamente).
N. Como sublinha Vieira de Andrade, José Carlos, obra citada, página 410, a fixação do prazo de seis meses terá por objectivo “repor rapidamente a legalidade judicialmente afirmada, tendo em conta sobretudo os interesses públicos e dos contra-interessados, e partindo do princípio de que o potencial exequente estará atento e obviamente interessado nessa solução rápida”.
O. Não obstante a obrigação que impende sobre a Administração fiscal de reconstituir a situação que existiria se não fosse cometida a ilegalidade (art. 100.º da LGT).
P. O processo de execução do julgado está sujeito ao princípio da plenitude da execução, no sentido de que, se tempestivamente instaurado, nele se há-de apurar da legalidade de todos os actos de execução do julgado anulatório, para o efeito se lhe apensando os recursos em que a legalidade de qualquer desses actos seja posta em causa (neste sentido vide processo n.º 29726 do STA de 27/3/2003).
Q. A fixação do prazo de caducidade de seis meses, após o termo do prazo de execução espontânea da Administração, para exercício do direito à execução do julgado não ofende o direito à tutela jurisdicional efectiva.
R. O estabelecimento de um prazo de caducidade para o exercício do direito de acção só viola o direito à tutela jurisdicional efectiva se, em vez de simplesmente condicionar, disciplinando-o, o exercício do direito, restringir o seu conteúdo por, pela sua exiguidade, inviabilizar ou tornar particularmente oneroso esse exercício.
S. Aplicando os enunciados princípios, na parte relevante, ao caso dos autos, teremos necessariamente de concluir pela caducidade do direito de execução.
T. Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 175, n.º 1, do CPTA " Salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses”
U. Referindo expressamente o n.º 2 do art. 176.º do CPTA que “ a petição de execução deve ser apresentada no prazo de 6 meses contado desde o termo do prazo do n.º 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legitima de inexecução a que se refere o mesmo preceito”.
V. Sobre a interpretação das leis fiscais rege a LGT que, no art. 11º, sob a epígrafe “Interpretação”, estabelece que “Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (nº1). Logo a seguir, no seu nº 2 determina-se que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”. Finalmente, no nº 3 dispõe-se que “Persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.”
W. Assim sendo, também no direito fiscal, o preceito fundamental da hermenêutica jurídica radica no art. 9º do Código Civil, sobre interpretação da lei.
X. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Cfr. Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I., pp.58/59.) referem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Y. Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, “a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei” (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187 ss.).
Z. Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO (Cfr. O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.), “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”.
AA. Ora, o artigo 176.º n.º 2 do CPTA é claro ao dispor que a petição de execução deve ser apresentada no prazo de 6 meses contado desde o termo do prazo do n.º 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legitima de inexecução a que se refere o mesmo preceito.
BB. Esta é a vontade real do legislador, clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal.
CC. Nestes termos, forçoso é concluir que o dever de execução bem como o direito de requerer a execução, se inicia com o trânsito em julgado da decisão, sob pena de se extinguir, por caducidade, o direito de promover a execução judicial.
DD. Este entendimento é asseverado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo 05226/09 de 22/10/2009:
“ O dever de executar a sentença deve ser integralmente cumprido no prazo de 3 meses (cfr. art. 175º, nº 1, do CPTA). Este prazo tem natureza procedimental, contando-se, por isso, nos termos do art. 72º do CPA.
Após o decurso do referido prazo sem que a sentença tenha sido integralmente executada, começa a correr o prazo de caducidade de 6 meses, previsto no nº 2 do art. 176º do CPTA, para intentar a execução da sentença de anulação.
A tempestividade da proposição da execução constitui um pressuposto processual (cfr. J.C. Vieira de Andrade em “A Justiça Administrativa”, 6a ed., pág. 290) cuja falta obsta ao conhecimento do objecto do processo e que tem como consequência a caducidade do direito de executar.
A caducidade do direito de acção é, no âmbito do CPTA, uma excepção dilatória (cfr. art. 89º, nº 1, al. h) de conhecimento oficioso (cfr. art. 87º, nº 1, al. a), cuja procedência tem como consequência a absolvição do R. da instância – cfr. Mário Aroso de e Carlos Fernandes Cadilha in “Comentário ao CPTA”, 2005, págs. 439, 455, 457 e 458.
Assim, ao contrário do que sustenta o recorrente, a caducidade fundada no decurso do prazo de exercício do direito de instaurar a execução da sentença é de conhecimento oficioso.” (Destaque nosso).
EE. Deixando transcorrer esse prazo a requerente permitiu que se extinguisse, por caducidade, o direito de promover a execução do acórdão anulatório.
FF. É assim perfeitamente manifesto que a Sentença a quo viola o regime legal decorrente dos art.º 160.º, 162.º, 173.º, 175.º e 176.º todos do CPTA
GG. O que determina a revogação do julgado recorrido, devendo ser considerada procedente a excepção dilatória invocada e absolvida a Entidade Demandada da instância;
Nestes temos, no demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs., deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando a decisão do Tribunal “a quo”, com todas as legais e devidas consequências.
PORÉM V. EX.ª(s) DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA”

Os recorridos M… e J… não apresentaram contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

Colhidos os vistos, vem o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em apreciar a caducidade do direito de executar o julgado.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Factos Provados:
Com interesse para a decisão a proferir, mostram-se provados os seguintes factos:
1. No processo de execução fiscal nº 3387200201504398, do Serviço de Finanças do Porto 7, instaurado contra T…, Lda, foi penhorado e vendido o direito ao usufruto, detido por R…, sobre a fracção “…”, apartamento nº 3, do prédio sito em…, freguesia de Carvoeiro, concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…º-C (fls. 173 a 228 e 252 a 331 do PEF apenso).
2. O direito penhorado foi vendido mediante propostas em carta fechada, tendo sido, em 6.10.2005, adjudicado a M…, que apresentou a proposta de valor mais elevado, pelo preço de € 47.500,00 (fls. 333 a 334 e 340 a 341 do PEF apenso).
3. M…, após notificação para o efeito, efectuou o depósito do preço, no valor de € 47.500,00, em 6.10.2005 (fls. 339 do PEF).
4. M…, em 6.10.2005, pagou a quantia de € 3.087,50, a título de IMT, bem como as quantias de € 380,00 e € 10,00, a título de Imposto de Selo (fls. 335 a 338 do PEF apenso).
5. M… e J…o, aqui exequentes, em 14.10.2005, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acção de anulação de venda, a que coube o nº 2277/05.6BEPRT, pedindo a anulação da venda do direito ao usufruto sobre a fracção “…”, apartamento nº 3, do prédio sito em …, freguesia de Carvoeiro, concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…º-C, bem como a restituição da importância despendida com a aquisição, acrescida das despesas com ela feitas e juros vencidos até à efectiva restituição (cfr. petição inicial dos autos principais).
6. A acção foi julgada procedente, por sentença proferida em 27.4.2011, onde se decidiu pela procedência “do pedido de anulação de venda com a consequente devolução da quantia paga, acrescida dos respectivos juros legais” (fls. 237 a 240 do processo principal).
7. A sentença proferida foi confirmada, por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, em 10.5.2012 (fls. 295 a 298 do processo principal).
8. O acórdão referido em 2., foi notificado às partes, por via postal registada, expedida no dia 15.5.2012 (fls. 301 a 306 do processo principal).
9. Os autos principais foram devolvidos ao TAF do Porto, tendo sido recebidos em 9.8.2012 (fls. 311 do proc. principal).
10. Após elaboração da conta, os autos principais foram devolvidos ao Serviço de Finanças do Porto 4 em 6.3.2013 (informação de fls. 325 do proc. principal).
11. Os requerentes não foram notificados da remessa do processo ao Serviço de Finanças.
12. A presente execução de julgados foi instaurada, remetida por via postal, ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 31.10.2014 (cfr. fls. 3, do proc. físico).
13. Por despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças, datado de 7.3.2014, foi ordenada a restituição aos exequentes, da quantia referente ao depósito do preço de venda, no valor de € 47.500,00, bem como dos valores de € 3.087,00, relativo a IMT e € 380,00, respeitante a imposto de selo (fls. 328 do proc. principal).
14. A AT procedeu à restituição dos valores de € 47.500,00, em 4.4.2014 e € 3.087,00, em 23.4.2014 (docs. nº 1 e 2, juntos com a p.i. e admitido no art. 6º da p.i.).
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes dos autos e do processo principal e no acordo das partes, conforme se indicou nos factos provados.
O facto nº 11 resulta da consulta do processo principal, onde não consta cópia de qualquer notificação dando conta da remessa dos autos ao Serviço de Finanças.”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida a tarefa de indagar da questão da caducidade do direito de executar o julgado.

Neste domínio, a decisão recorrida afastou o exposto pela ora Recorrente, ponderando que:
“…
Da caducidade do direito de acção:
Na contestação apresentada, a executada invocou a caducidade do direito de acção.
Importa, antes de mais, definir qual o quadro jurídico aplicável ao presente caso.
Nos termos do art. 146º, nº 1, do CPPT, “são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução dos julgados, os quais serão regulados pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos”, pelo que, no que toca à execução de julgados, ter-se-á de recorrer às normas processuais administrativas.
E, no que concerne à execução de sentenças de anulação de actos, como ocorre na situação em apreço, regem os arts. 173º e ss, dispondo o art. 175º, nº 1, que o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses, sendo que, nos termos do art. 176º, nº 1, quando a Administração não dê execução à sentença de anulação, no prazo estabelecido no nº 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição.
Dispunha (ao tempo da instauração da acção de anulação de venda), o art. 100º da LGT que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir de termo do prazo da execução da decisão”.
Refere, por seu turno, o art. 146º, nº 2, do CPPT que “o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado da decisão”.
Conforme se decidiu no acórdão proferido pelo pleno da secção de contencioso tributário do STA, de 2.12.2009, rec. nº 570A/08 (pronunciando-se sobre a desconformidade entre as disposições contidas no art. 100º, da LGT e 146º, nº 2, do CPPT), a obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial.
Naquele aresto deixou-se consignado o seguinte: “De qualquer forma, o que importa é concluir que a obrigação da administração tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial, que não é necessário requerimento do interessado para existir essa obrigação e que a falta de tal requerimento no prazo indicado no n° 2 do artigo 146º do CPPT não faz precludir o direito deste de a exigir perante a administração tributária e os tribunais a execução do julgado”.
Porém, importa aqui saber, a partir de quando se conta o prazo previsto no art. 176º, nº 1 do CPTA, ou seja, a partir de que facto se conta o prazo para instauração da acção de execução de julgados.
Esta questão foi abordada e decidida no acórdão do STA, proferido em 15.5.2013, no processo nº 1317/12, onde se lê:
«A melhor doutrina (Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado e comentado 6ª edição vol. II pag. 530) é a que defende que “O requerimento de execução deverá ser considerado tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de execução espontânea, contado a partir da remessa do processo à administração tributária”, independentemente da obrigação que assiste à mesma administração de executar imediatamente os julgados logo após o trânsito em julgado da decisão judicial (artº 100º da LGT) e mesmo que não seja apresentado o aludido requerimento pelo contribuinte de remessa do processo.
E, mais adiante na mesma obra e local referenciado:
“Por outro lado determinando a remessa do processo à administração tributária indirectamente o início do prazo para o contribuinte requerer a execução de julgado, deverá entender-se que a preclusão do seu direito de requerer a execução só ocorrerá se lhe for efectuada notificação da data em que for efectuada a remessa, pois sem esse conhecimento o contribuinte não terá conhecimento da data em que terminará o prazo de execução espontânea, que é também aquela em que começa o prazo de que dispõe para requerer a execução de julgado”
[…]
Acresce citar aqui o ac. deste STA de 17/06/2009 tirado no recurso nº 73/09 de onde se destaca porque, totalmente, elucidativa a seguinte passagem: “(…) Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para a execução espontânea pela Administração tributária se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), parece que deve entender-se, como sustenta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do nº 2 do artigo 229º do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).
Não tendo a remessa do processo sido notificada à interessada, nem lhe tendo sido igualmente notificada qualquer nova liquidação de imposto ou correcção da liquidação anterior em execução do decidido, não deve entender-se ter caducado o seu direito para requerer a execução do julgado pois que tal efeito, decorrente em parte da inércia do tribunal ou da Administração em comunicar-lhe o facto do qual depende o termo inicial de um prazo através do qual faz valer o seu direito à execução, seria atentatório do seu direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República).».
Conclui-se, assim, que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no art. 175º do mesmo diploma legal, é determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o art. 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
Compulsada a factualidade considerada provada, constata-se que os requerentes, no processo principal de anulação de venda, não foram notificados da remessa do processo ao Serviço de Finanças, pelo que, nos termos expostos supra, terá de se considerar que a execução de julgados é tempestiva. ...”.

Nas suas alegações, a Recorrente defende que o douto acórdão do TCA Norte transitou em julgado em 28.05.2012, logo, o prazo para a sua execução espontânea teve o seu termo em 10.7.2012 (caso se considere aplicável o prazo de 30 dias previsto no artigo 170.º n.º 1 ou 175.º n.º 3 do CPTA) ou 3.10.2012 (caso se considere aplicável o prazo de três meses estipulado no n.º 1 do art. 175.º do CPTA, conforme entendeu o Tribunal a quo), de modo que, é manifesto que aquando da propositura da presente acção, em 3.11.2014, há muito havia decorrido o prazo de seis meses para a execução de julgado estabelecido no n.º 2 do artigo 176.º do CPTA, donde resulta a caducidade do direito de acção dos Autores, ora Recorridos, porquanto já não lhes era permitido, nesta data, exigir judicialmente a execução, integral ou parcial, da decisão judicial proferida, (não relevando para este efeito o facto de a Entidade Demandada ter procedido à execução da sentença em 04.04.2014 e em 23.04.2014 respectivamente).
Mais refere que não obstante a obrigação que impende sobre a Administração fiscal de reconstituir a situação que existiria se não fosse cometida a ilegalidade (art. 100.º da LGT), o processo de execução do julgado está sujeito ao princípio da plenitude da execução, no sentido de que, se tempestivamente instaurado, nele se há-de apurar da legalidade de todos os actos de execução do julgado anulatório, para o efeito se lhe apensando os recursos em que a legalidade de qualquer desses actos seja posta em causa e a fixação do prazo de caducidade de seis meses, após o termo do prazo de execução espontânea da Administração, para exercício do direito à execução do julgado não ofende o direito à tutela jurisdicional efectiva, na medida em que o estabelecimento de um prazo de caducidade para o exercício do direito de acção só viola o direito à tutela jurisdicional efectiva se, em vez de simplesmente condicionar, disciplinando-o, o exercício do direito, restringir o seu conteúdo por, pela sua exiguidade, inviabilizar ou tornar particularmente oneroso esse exercício.

Que dizer?

Como é sabido, o princípio da tutela jurisdicional efectiva [direito fundamental dos cidadãos - artigos 20º e 268º nº 4, da CRP] compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo [dimensão declarativa], bem como a possibilidade de a fazer executar [dimensão executiva] e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão [dimensão cautelar].

Desde logo, o art. 205º nº 2 da Constituição da República Portuguesa refere que “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, sendo que o nº 3 do mesmo dispositivo legal estipula que “a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução”.

Sobre este último elemento, deparamos com o art. 146º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário onde se aponta que “para além do meio previsto no artigo seguinte, são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução dos julgados, os quais serão regulados pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos.

Nesta sequência, e quando se analisa o exposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, temos que nos termos do art. 158º nº 1 daquele diploma “as decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.”, sendo que nos termos do nº 2 “a prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte.”.

Tal significa que a obrigação de respeito pelo caso julgado formado sobre a decisão judicial anulatória impede a administração tributária de actuar de forma que com ela seja incompaginável e implica que os actos praticados na sequência de anulação judicial anulatória que violem o caso julgado sejam nulos, por força do disposto no art. 133º nº 2 alínea h) do Código de Procedimento Administrativo (actual art. 161º nº 2 al. i)).

Por outro lado, os autores desses actos incorrem em responsabilidade civil, criminal e disciplinar (art. 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa).

Quanto ao conteúdo do dever de executar, impõe-se ter presente o disposto no art. 100º da Lei Geral Tributário, o qual aponta que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

Do mesmo modo, o art. 173º nº 1 do CPTA (na redacção anterior à que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 02-10) refere que “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.”.

A partir daqui, sem perder de vista o significado do que fica exposto, cabe ter presente a grande questão que envolve os autos e que se prende com o início do prazo de execução espontânea, sendo que a decisão recorrida entendeu que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no art. 175º do mesmo diploma legal, é determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o art. 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.

E diga-se em abono do exposto na decisão recorrida que a Jurisprudência do S.T.A. apresenta vários arestos que suportam o exposto pela mesma.

Na verdade, tal como refere o Ac. do S.T.A. de 12-02-2015, Proc. nº 01169/14, www.dgsi.pt, “… Tal questão foi já apreciada e decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 15/05/2013, no processo nº 1317/12, cuja doutrina sufragamos sem reservas de convicção face à sua proficiente fundamentação e à qual nada se nos oferece acrescentar. Razão porque nos limitaremos a transcrever o que nesse acórdão ficou dito:

«A melhor doutrina (Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado e comentado 6ª edição vol. II pag.530 é a que defende que “O requerimento de execução deverá ser considerado tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de execução espontânea, contado a partir da remessa do processo à administração tributária”, independentemente da obrigação que assiste à mesma administração de executar imediatamente os julgados logo após o trânsito em julgado da decisão judicial (artº 100º da LGT) e mesmo que não seja apresentado o aludido requerimento pelo contribuinte de remessa do processo.

E, mais adiante na mesma obra e local referenciados:
“Por outro lado determinando a remessa do processo à administração tributária indirectamente o início do prazo para o contribuinte requerer a execução de julgado, deverá entender-se que a preclusão do seu direito de requerer a execução só ocorrerá se lhe for efectuada notificação da data em que for efectuada a remessa, pois sem esse conhecimento o contribuinte não terá conhecimento da data em que terminará o prazo de execução espontânea, que é também aquela em que começa o prazo de que dispõe para requerer a execução de julgado” […]
No nosso caso é certo que não se mostra fixada no probatório a data de tal eventual remessa pelo que não é líquido que tenha caducado o direito das contribuintes de requererem a execução de julgados como se considerou na 1ª Instância, sendo esse o fundamento da não convolação, decisão que não se pode manter.

Acresce citar aqui o ac. deste STA de 17/06/2009 tirado no recurso nº 73/09 de onde se destaca porque, totalmente, elucidativa a seguinte passagem: “(…) Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para a execução espontânea pela Administração tributária se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), parece que deve entender-se, como sustenta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).

Não tendo a remessa do processo sido notificada à interessada, nem lhe tendo sido igualmente notificada qualquer nova liquidação de imposto ou correcção da liquidação anterior em execução do decidido, não deve entender-se ter caducado o seu direito para requerer a execução do julgado pois que tal efeito, decorrente em parte da inércia do tribunal ou da Administração em comunicar-lhe o facto do qual depende o termo inicial de um prazo através do qual faz valer o seu direito à execução, seria atentatório do seu direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República).».

Significa isto que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no art. 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o art. 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa. …”.

Esta matéria introduz uma das situações mais discutidas neste âmbito e que se prende com a compatibilização entre o art. 100º da LGT e o art. 146º nº 2 do CPPT, norma que estabelece que “… [o] prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado da decisão”, sendo que, neste domínio, com o devido respeito cremos que o procedimento terá de ser outro em relação ao enunciado, em função dos princípios atrás assinalados, não podendo olvidar-se que existe também jurisprudência do S.T.A. que aponta no sentido que se sufraga e que corresponde ao entendimento defendido pela Recorrente.

Desde logo, nesta matéria, entende-se que o disposto na LGT prevalece sobre o CPPT, como resulta do art. 1º do CPPT, (nesse sentido, Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, pág. 528), o qual refere que “o presente Código aplica-se, sem prejuízo do disposto no direito comunitário, noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna, na lei geral tributária ou em legislação especial, incluindo as normas que regulam a liquidação e cobrança dos tributos parafiscais (…)”.

Além disso, sendo esta matéria relativa a garantia dos contribuintes está sujeita ao princípio da reserva (relativa) de lei, nos termos do disposto nos arts. 103º nº 2 e 165º nº 1, al. i), ambos da Constituição da República Portuguesa, o que significa que para que o desiderato constitucional seja respeitado, a definição, por decreto-lei, de matéria relativa às garantias dos contribuintes, está dependente de prévia lei habilitante, o que sucedeu, no caso da LGT, mas que não existiu para o CPPT, pelo que a concluir-se pela prevalência do n.º 2 do art.º 146.º, do CPPT, sempre este estaria ferido de inconstitucionalidade (Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. II, pág. 529).

O mesmo Autor refere ainda que “[d]e qualquer forma, o que importa é concluir que a obrigação da administração tributária executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial, que não é necessário requerimento do interessado para existir essa obrigação e que a falta de tal requerimento no prazo indicado no n.º 2 do art. 146.º do CPPT não faz precludir o direito deste a exigir perante a administração tributária e os tribunais a execução de julgado” (ob. cit. pág. 530).

Idêntico entendimento foi adoptado no Acórdão do STA de 3/12/2008, proc. n.º 0570-A/08: “I - O artº 146º, nº 2 do CPPT na medida em que não se compatibiliza com o disposto no artº 100º da LGT é organicamente inconstitucional. II - De qualquer forma, a obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço de finanças competente. III - A falta de tal requerimento no prazo indicado no nº 2 do artº 146º do CPPT, não faz precludir o direito do contribuinte de a exigir perante a administração tributária e os tribunais a execução de julgado.”.

Do mesmo modo, com origem no mesmo processo do acórdão supra citado, foi proferido o Acórdão do Pleno CT do STA de 02/12/2009, proc. n.º 0570-A/08:“A obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço competente para a execução”.

Sublinhe-se ainda que aquela jurisprudência mantém-se actual, conforme resulta do Acórdão do STA de 12/02/2014, processo nº 01528/13, se decidiu o seguinte: I - O dever de cumprir espontaneamente o julgado tributário surge com o trânsito em julgado deste e não com a remessa do processo ao órgão competente para a execução. II - Se o requerimento de execução de julgado anulatório deu entrada no Tribunal decorridos mais de três meses sobre a data em que presumivelmente o trânsito em julgado da sentença exequenda se verificou não pode concluir-se ter sido prematuramente apresentado. III - O interessado dispõe de mera faculdade, que não do dever, de requerer a remessa dos autos ao órgão da administração competente para a execução da decisão judicial tributária. IV - Se o facto de não ter em seu poder o processo físico dificulta o cumprimento por parte da Administração tributária do seu dever de cumprir o julgado, caberá ao Representante da Fazenda Pública procurar superar essa dificuldade (artigo 15.º n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPPT), designadamente requerendo ao Tribunal a devolução do processo ao órgão competente para a execução ou solicitando os elementos tidos como necessários para cabal cumprimento do julgado.”

Pelo exposto, conclui-se pela aplicação do disposto no art. 100.º da LGT, pelo que a obrigação da administração tributária executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial.

Nesta sequência, crê-se que se impõe esta leitura mais incisiva desta matéria, até porque aquilo que se impõe à administração tributária é a execução do julgado, o que determina que, naturalmente, o prazo de execução espontânea esteja ligado ao momento em que surge a obrigação de executar, ou seja, com o trânsito em julgado da decisão.

Como vimos, não é sempre esta a posição do S.T.A., que faz uma leitura da situação procurando integrar o exposto no art. 146º nº 2 do CPPT, deixando como que em suspenso o que fica dito a propósito do momento em que existe a obrigação de executar, o que constitui, quer se queira quer não, uma suspensão/negação do princípio enunciado.

Com efeito, se tal momento reside no trânsito em julgado da decisão, aquilo que se afigura natural é que o prazo de execução espontânea se conte a partir desse momento, e não a partir da tal notificação a que alude o art. 146º nº 2 do CPPT.

Tal posição, crê-se, não tem razão de ser, exibindo resquícios de uma postura algo paternalista no que concerne à situação da administração tributária, que argumenta sempre com a necessidade de dispor do processo administrativo tributário para avançar com o processo de execução.

No domínio aqui em análise, não podemos continuar a contemporizar com este modo de proceder, dado que, sendo a administração tributária parte do processo, é manifesto que a mesma tem conhecimento da decisão e tem de saber que, caso a decisão não seja posta em crise, a mesma, decorrido o prazo previsto na lei, transita em julgado, impondo-se agir em conformidade, sendo que se considera como uma obrigação de quem representa a administração tributária do processo, não só dar conhecimento a quem de direito da decisão do processo, como ainda providenciar pela disponibilização dos meios necessários para proceder à execução da decisão, caso se conforme com a mesma.

Isto para dizer que, nesta sede, a solução do art. 146º nº 2 do CPPT não tem qualquer sentido, na medida em que, a menor operacionalidade dos tribunais neste domínio não pode servir de escudo para a administração tributária se eximir às suas responsabilidades, do mesmo modo que começa a ser penosa a alusão à descoordenação da actividade da administração tributária em que o sector do contencioso se limita a actuar no âmbito do processo, demitindo-se de qualquer outra actividade a partir do momento em que o processo finda.

Diga-se ainda que nos termos do art. 27º nº 1 do CPPT “… os tribunais tributários registam e arquivam … os processos judiciais instaurados, sempre que possível em suporte informático, por forma que seja possível a sua consulta a partir de vários critérios de pesquisa.”, o que significa que, também a este nível, não se vislumbra qualquer argumento que caucione a solução alternativa que aqui se rejeita.

Avançando, diga-se que nos termos do art. 175º, nº1 do CPTA, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar julgados anulatórios de actos administrativos deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da decisão que serve de base à execução.
Pois bem, o probatório informa que a acção foi julgada procedente, por sentença proferida em 27.4.2011, onde se decidiu pela procedência “do pedido de anulação de venda com a consequente devolução da quantia paga, acrescida dos respectivos juros legais” e que a sentença proferida foi confirmada, por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, em 10.5.2012, sendo que o acórdão referido foi notificado às partes, por via postal registada, expedida no dia 15.5.2012.
Tal significa a decisão em apreço transitou em 18-06-2012, considerando aqui a possibilidade de recurso ao abrigo do art. 150º do CPTA.
Quando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no nº 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição, sendo que a petição, que é autuada por apenso aos autos em que foi proferida a sentença de anulação, deve ser apresentada no prazo de seis meses contados desde o termo do prazo do nº 1 do artigo anterior ou da notificação da invocação de causa legítima do inexecução a que se refere o mesmo preceito - art. 176º nºs 1 e 2 do CPTA (na redacção anterior à que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 02-10).
Assim sendo, considerando que a decisão sob execução transitou em Junho de 2012, é manifesto que, tendo os Exequentes apresentado a petição inicial subjacente à presente execução, por via postal, em 31.10.2014, tal situação acontece em momento em que o prazo para o efeito estava já esgotado, o que significa que não se pode conceder abrigo à posição do Tribunal recorrido quando julgou não verificada a excepção de caducidade do direito de executar o julgado.

No que concerne ao direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa a que alude a decisão recorrida, quando se tem presente a natureza do princípio ora referido, com o devido respeito, crê-se que sai reforçada a tese que emerge do presente aresto, na medida em que a mesma define com total clareza quer a posição da AT quer a posição do contribuinte, sendo inequívoco que logo que a sentença transita em julgado, a AT deve providenciar pela sua imediata execução, podendo o contribuinte, que conhece a data em que a decisão transitou em julgado (e assim não tem de estar na expectativa de uma eventual notificação que, afinal, ninguém tem ideia sobre o momento em que a mesma irá ser efectuada), no momento oportuno, recorrer à figura da execução de julgado caso a AT não tenha executado a decisão no prazo que tinha para o fazer de forma espontânea, situação essa que salvaguarda, isso sim, o princípio a que alude a decisão recorrida, pois que define de forma clara os termos em que a AT deve proceder à execução do julgado, permitindo ao contribuinte agir de imediato caso tal execução não seja concretizada no prazo que a lei confere à administração para o efeito.
Neste domínio, cremos ainda pertinente convocar a figura da caducidade para efeitos de liquidação, pois que esse é outro dos argumentos que fortalece o exposto, dado que, durante o prazo de execução espontânea, não funciona o exposto no art. 45º nº 1 da LGT porquanto se entende que a AT está a cumprir o julgado, o que significa que, noutro tipo de situação em que não está apenas em causa a restituição de um determinado valor monetário, a AT poderá beneficiar de um prolongamento maior ou menor nesta sede em função das vicissitudes que envolvam o processo principal até à sua remessa ao Serviço de Finanças, situação que poderá implicar que o contribuinte venha a ser confrontado com uma liquidação efectuada muito tempo depois da decisão sem que possa lançar mão do art. 45º da LGT, caso em que porventura poderão estar em causa princípios elementares no que concerne à defesa dos direitos dos contribuintes.
Finalmente, a situação apontada no presente aresto não traduz qualquer situação susceptível de afectar os direitos dos contribuintes, pois que os direitos em causa estão perfeitamente enquadrados e acautelados, decorrendo primeiro um prazo para o cumprimento espontâneo da obrigação, facultando-se depois ao contribuinte um prazo para a execução coerciva da tal obrigação, tendo como pano de fundo o trânsito em julgado da decisão que serve de base à execução, elemento que é claro para ambas as partes, não subsistindo qualquer dúvida quanto ao enquadramento da situação.
Sendo assim, como é, a decisão recorrida não pode manter-se, impondo-se acolher a posição da Recorrente no sentido de que verifica a excepção de caducidade do direito de executar o julgado, com as legais consequências.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, na procedência da excepção de caducidade do direito de acção (executar o julgado), absolver a aqui Recorrente do pedido.
Custas pelos Recorridos apenas em 1ª Instância.
Notifique-se. D.N..
Porto, 28 de Setembro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova (Com voto de vencido que segue:
A contagem do prazo para cumprimento de decisão do tribunal, para a Fazenda, conta-se do trânsito em julgado da decisão, dispondo do prazo de 30 dias para cumprir espontaneamente o julgado, cabendo a esta, também, o dever de requerer a remessa do processo para o órgão de execução fiscal, se for caso disso.
Por sua vez, o contribuinte, decorrido o prazo de 30 dias [arts. 175º, n.ºs 2 e 3, do CPTA ex vi do art. 102º da LGT], poderá exercer coercivamente o seu direito. Mas não caducará o direito de executar enquanto não for notificado da remessa do processo ao órgão de execução, na esteira do que vem sendo decidido pelo STA nomeadamente o Ac. de 17/6/2009, no rec. 073/09.
Não acompanho, por isso, a presente decisão por entender que a tutela jurisdicional efetiva ficaria gravemente comprometida com a solução apontada.
Ass. Cristina da Nova)