Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01715/09.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/18/2010
Relator:Francisco Rothes
Descritores:PRESCRIÇÃO - FACTO INTERRUPTIVO - CITAÇÃO POSTAL (ART. 191.º DO CPPT) - CITAÇÃO PESSOAL
Sumário:I - O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPT (art. 34.º), ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT (art. 48,º, n.º 1) e não a partir da data da declaração da revogação da isenção dos impostos.
II - Perante a sucessão no tempo de leis que fixam diferentes prazos de prescrição, há que observar o disposto no art. 297.º do CC, como estipula o art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT.
III - A citação a que o art. 49.º, n.º 1, da LGT confere efeito interruptivo da prescrição não é a citação através de postal nos termos do art. 191.º do CPPT, relativamente à qual a lei não estabelece qualquer presunção do seu recebimento e respectiva data, e que tem carácter provisório, sendo que a citação só é de considerar efectuada, nos termos do art. 193.º do mesmo código, após a penhora, quando for feita pessoalmente ou, caso a citação pessoal se não mostre possível, editalmente.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 O Serviço de Finanças de Viana do Castelo instaurou uma execução fiscal contra a sociedade denominada “Socigalves , Lda.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida) para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto Municipal de Sisa e respectivos juros de mora.

1.2 A Executada, invocando o disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo que lhe indeferiu a requerida declaração de prescrição da obrigação tributária e consequente extinção da execução fiscal.

1.3 O Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo manteve o acto reclamado e remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, cujo Juiz, apreciando a reclamação, revogou o despacho reclamado e ordenou «a sua substituição por outro que […] declare prescrita a dívida exequenda e determine o arquivamento do processo de execução fiscal» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).

1.4 O Ministério Público interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando conjuntamente com o requerimento de interposição de recurso as respectivas alegações, que resumiu nas seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:
I - O M.mo Juiz [do Tribunal] a quo deu como provados os factos enunciados sob os nºs 1 a 13 do probatório da douta sentença recorrida;
II - A dívida exequenda respeita a Sisa do ano de 1994, resultante do facto de a executada, ora reclamante, ter adquirido, no dia 5/1/1994, o prédio rústico sito no lugar de Gontijo, freguesia de Darque, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz sob o artigo 60, que destino a revenda, mas não revendeu no prazo de três anos;
III - No que respeita à matéria de facto, e considerando o que foi alegado pela reclamante no articulado 14.º da petição inicial conjugado com o teor dos documentos de fls. 3 e 4 do apenso, no que se refere ao facto considerado provado sob o n.º 6, deveria o M.mo Juiz [do Tribunal] a quo fixar mais precisamente o seguinte:

6 – A ali executada, ora reclamante, foi citada da instauração do processo executivo a 7/4/2004 e foi citada da penhora a 14/10/2005.
IV - O prazo prescricional da dívida exequenda é de dez anos, contados a partir do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, de acordo com o disposto no art.º 34.º, nºs 1 e 2 do CPT, conjugado com o art.º 180.º do CIMSISSD (redacção do DL n.º 119/94 de 7/5);
V - O M.mo Juiz [do Tribunal] a quo considerou prescrita a dívida exequenda, nos termos do disposto no art.º 34.º do CPT, conjugado com o disposto no art.º 297.º do C. Civil, por considerar que a citação da executada ocorreu a 14/10/2005 e que o termo inicial do prazo de prescrição se verificou a 1/1/1995, completando-se a 1/1/2005;
VI - Todavia, considerando que a citação da executada se verificou a 7/4/2004 (conforme alteração da matéria de facto proposta na conclusão III), nesta data se interrompeu o prazo de prescrição, inutilizando-se o tempo anteriormente decorrido e começando a contar-se novo prazo de prescrição de dez anos, nos termos dos arts 49.º, n.º 1, da LGT e 326.º, n.º 1, do C. Civil. E, tendo a interrupção resultado de citação, o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, nos termos do art.º 327.º, n.º 1 do C. Civil, pelo que não se consumou a prescrição;
VII - Além disso, no caso dos autos, ficando a liquidação de sisa dependente de uma condição legal resolutiva, de acordo com o disposto nos arts 11.º, n.º 3 e 16.º, n.º 1 do CIMSISSD, o prazo de prescrição que normalmente se iniciaria a 1/1/1995, só deverá contar-se a partir de 5/1/97, de acordo com a regra prevista no art.º 306.º, nºs 1 e 2 do C. Civil, aqui aplicável por inexistência de norma especial sobre a matéria, razão pela qual o prazo de prescrição não se completou mesmo que a citação apenas se tivesse verificado a 14/10/2005;
VIII - Sendo assim, não se verificou a prescrição, quer por a citação da executada, ora reclamante, se ter verificado a 7/4/2004, quer por o prazo de prescrição se dever contar apenas a partir do prazo para verificação da condição que deu origem à isenção provisória, ou seja, a partir de 5/1/97;
IX - Decidindo como decidiu, o M.mo Juiz [do Tribunal] a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos e fez errada interpretação e aplicação das normas legais referidas nestas conclusões.

Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando improcedente a excepção de prescrição invocada pela reclamante, por não se ter consumado a prescrição, VOSSAS EXCELÊNCIAS farão, agora como sempre, a costumada

JUSTIÇA!».

1.5 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.6 A Reclamante não contra alegou.

1.7 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga fez correcto julgamento da matéria de facto, relativamente à citação da Executada, e da matéria de direito, quando considerou verificada a prescrição da dívida exequenda.

*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«Matéria de facto provada:
1 - A dívida exequenda foi liquidada por a reclamante ter adquirido, em 5/1/1994, 2/3 indivisos do prédio rústico sito no lugar de Gontijo, freguesia de Darque, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz sob o artigo 60º, que destinou a revenda.
2 - No dia 03/01/1997, por escritura pública, a reclamante vendeu o imóvel referido a Luís Pedro de Sousa Gonçalves.
3 - No dia 04-05-1998, igualmente por escritura pública, foi a venda referida no n.º anterior distratada.
4 - A reclamante foi notificada da liquidação a 01-03-2004, que tinha como termo do prazo do pagamento o dia 11-03-2004.
5 - No dia 01/04/2004, para cobrança dessa dívida foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 2348/2004/01012118.
6 - A ali executada, ora reclamante, foi citada a 14/10/2005.
7 - No dia 02/11/2005, a reclamante deduziu impugnação judicial contra a liquidação de sisa que deu origem ao processo executivo, a qual correu termos neste Tribunal com o n.º 1173/05.1BEBRG.
8 - Em 03/11/2005, a reclamante requereu a suspensão da execução, em virtude de ter apresentado impugnação judicial contra a liquidação que deu origem à execução fiscal e por naquela data já ter sido constituída garantia através de penhora.
9 - Em 10/05/2006, a reclamante requereu a substituição da penhora do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de Darque sob o artigo 3435 por penhora sobre o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 60º, e posteriormente ofereceu para substituição o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3358, da mesma freguesia, requerimento que foi deferido por despacho de 2/11/2006.
10 - No dia 08/11/2006, foi efectuada a penhora do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3358 da freguesia de Darque, penhora que foi registada a 27/11/2006.
11 - Em 11/12/2006, foi ordenada a suspensão do processo executivo, nos termos do artigo 169.º do CPPT.
12 - Por carta de 23/10/2009, depois de decidida a impugnação judicial atrás identificada, foi a reclamante notificada para proceder ao pagamento da dívida exequenda na parte em que não foi anulada, no prazo de dez dias.
13 - No dia 13/11/2009, a reclamante apresentou no órgão de execução fiscal requerimento onde defende estar prescrita a dívida exequenda, o qual foi indeferido por despacho de 09/11/2009, sendo desse despacho que vem agora reclamar.

Matéria de facto não provada:

Inexiste.

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

A matéria de facto dada como provada assenta nos documentos constantes dos autos.

Inexiste outra matéria de facto dada como provada ou não provada por nada mais ter sido alegado com interesse para a decisão da mesma, que não seja incompatível com os factos dados como provados».

2.1.2 O Recorrente põe em causa o julgamento da matéria efectuado sob o n.º 6 – que diz que a Executada «foi citada a 14/10/2005», propondo que o mesmo seja alterado de modo a dele passar a constar que a Executada «foi citada da instauração do processo executivo a 7/4/2004 e foi citada da penhora a 14/10/2004» (cf. conclusão de recurso com o n.º 3).
Antes do mais, duas notas: a primeira, relativamente à redacção proposta pelo Recorrente; a segunda, também relativa a essa redacção e à redacção dada pelo Juiz do Tribunal a quo ao n.º 6 do probatório.
Primeira: salvo o devido respeito a citação, relativamente ao executado, tem um único escopo, qual seja o de «dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução» (art. 35.º, n.º 2, do CPPT). Assim, não pode falar-se em “citação da penhora”. O que sucede é que, no processo de execução fiscal, nos casos em que a citação se faz por simples postal, registado ou não, nos termos do art. 191.º do CPPT, se se efectuar penhora, é ulteriormente feita uma citação pessoal, como resulta do art. 193.º do mesmo código.
Segunda: a nosso ver, não constitui boa técnica levar ao probatório que “o executado foi citado no dia…”. Saber se a citação em processo de execução fiscal foi ou não efectuada envolve, não só a consideração dos factos materiais respeitantes ao modo e tempo das diligências eventualmente realizadas com vista à citação, mas também a aplicação a esses factos das regras legais que regulam esse acto.
É certo que, quando não existe controvérsia a esse propósito, temos visto levar à factualidade provada que “o executado foi citado no dia…”. Mas essa técnica, se não suscita problemas quando o litígio não abrange a ocorrência daquele actos e respectiva data, já não é aceitável no caso contrário, ou seja, quando o contribuinte e a Administração discordam quanto à realização do acto ou quanto à data do mesmo ou quando, como no caso sub judice, é imprescindível para a decisão da causa a determinação da data em que foi efectuada a citação como acto gerador de determinados efeitos jurídicos (no caso eventual efeito interruptivo da prescrição).
Assim, a nosso ver, o que se poderá dar como provado, no caso de citação por via postal, na medida em que os elementos probatórios constantes dos autos o autorizem, é, designadamente, que a Administração tributária (AT) remeteu carta (ou não), sob registo postal (ou não), com aviso de recepção (ou não) e, se for caso disso, qual a data do envio ou do registo postal, se a carta foi entregue ao destinatário ou devolvida ao remetente e, neste caso, qual o motivo da devolução (nomeadamente, se o funcionário postal lavrou nota de não atendimento, de ter deixado aviso, de recusa de recebimento), qual a data da assinatura do aviso de recepção, se foi o citando ou terceira quem assinou o aviso de recepção, etc.
De igual modo, no caso de citação por contacto pessoal, o que haverá que dar como provado, face aos elementos de prova, é, designadamente, que o funcionário colheu a assinatura na certidão, em que data e de quem.
Lavradas que ficaram estas duas notas, logo intuímos que não pode manter-se o julgamento efectuado sob o n.º 6 do probatório, do mesmo modo que também não podemos acolher a redacção que o Recorrente propõe em alternativa.

2.1.3 Assim, tendo presente o que ficou dito no ponto anterior e ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), entendemos expurgar do probatório o seu n.º 6, que ora substituímos pelos factos registados sob o mesmo número e subordinados a alíneas, nos seguintes termos:
6.a) Para citação da Executada o Serviço de Finanças de Viana do Castelo remeteu-lhe carta registada em 7 de Abril de 2004 (cf. cópia da carta e do respectivo talão de registo, a fls. 3 e 4, respectivamente);
6.b) Na sequência da penhora e em cumprimento do mandado do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo que ordenou a citação da Executada, um funcionário daquele serviço de finanças lavrou certidão de citação que foi assinada por um gerente da Executada em 14 de Outubro de 2005 (cf. mandado e certidão de citação, a fls. 21).
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA
A questão que ora cumpre apreciar – decidida que ficou a questão do invocado erro no julgamento da matéria de facto – é a da prescrição da dívida exequenda.
Nos autos está em cobrança uma dívida de sisa respeitante a uma aquisição ocorrida em 1994, sisa que apenas foi liquidada em 2004, depois de a AT ter verificado o incumprimento da condição resolutiva ao abrigo da qual a transmissão tinha sido celebrada com isenção de sisa: não houve revenda no prazo estabelecido no art. 16.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Impostos sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) (() Dizia o art. 16.º, n.º 1, do CIMSISD: «As transmissões de que tratam os n.ºs 3.º, 8.º, 9.º e 12.º, alínea a), e 21.º, 26.º, 30.º e 31.º do artigo 11.º e n.º 7.º do artigo 12.º deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente:
1.º Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda;
2.º […]».), pois a venda celebrada em 1997 foi distratada em 1998.

2.2.1.1 O PRAZO DA PRESCRIÇÃO E O RESPECTIVO DIES A QUO
A primeira questão que se nos coloca é a de saber qual o prazo de prescrição da sisa, uma vez que ao longo do tempo se foram sucedendo os seguintes prazos de prescrição:
· 20 anos, à data do facto que originou a obrigação tributária – 5 de Janeiro de 1994 (() Adiante procuraremos demonstrar por que consideramos como relevante a data do facto tributário.) –, nos termos do disposto no art. 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI), aplicável ex vi do art. 180.º do CIMSISD, na redacção em vigor à data;
· a partir de 12 de Maio de 1994 (() Data em que entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de Maio, atento o disposto no art. 5.º, n.º 2, do Código Civil e no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 6/83 (que dispunha «O diploma entra em vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixação, no continente no quinto dia após a publicação, nos Açores e na Madeira no décimo quinto dia e em Macau e no estrangeiro no trigésimo dia», na ausência de fixação da data de início da vigência no próprio diploma. ), o prazo passou a ser de dez anos, por força do disposto no art. 34.º do CPT, aplicável por força da nova redacção dada ao art. 180.º do CIMSISD pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 7 de Maio (() Apesar de, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do diploma que o aprovou – o Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril –, o CPT estar em vigor desde 1 de Janeiro de 1991, o art. 4.º desse diploma, relativamente à sisa, salvaguardou a aplicação do novo prazo de prescrição de 10 anos previsto no art. 34.º do CPT para «após introdução, no respectivo Código, das normas necessárias de adaptação», o que apenas veio a acontecer com o Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de Maio, que alterou o art. 180.º do CIMSISD, por remissão para o dito art. 34.º. No sentido da não inconstitucionalidade orgânica do referido art. 4.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, pronunciou-se o Tribunal Constitucional pelo acórdão n.º 168/02, proferido no processo com o n.º 449/01, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Junho de 2002.);
· a partir de 1 de Janeiro de 1999, o prazo é de oito anos, nos termos do art. 49.º da Lei Geral Tributária (LGT), entrada em vigor naquela data, por força do disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro e que, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do mesmo diploma, revogou o art. 34.º do CPT (() Em consequência dessa revogação, o art. 180.º do CIMSISD viria a conhecer nova redacção, dada pelo Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, e que remete para os arts. 48.º e 49.º da LGT.).

Assim, para se decidir a questão da sucessão das leis no tempo, impõe-se observar o disposto no art. 297.º, n.º 1 do Código Civil (CC) (() Disposição legal que dispõe: «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».), disposição legal que a jurisprudência sempre entendeu como aplicável na determinação do prazo de prescrição aplicável no caso de sucessão de leis reguladoras do prazo no tempo (() Com interesse, vide Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, 2.ª edição, anotação 1 ao art. 5.º do diploma da aprovação, pág. 34. ) e que o art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT, consagrou expressamente como aplicável ao novo prazo de prescrição nela consagrado. O que significa que cumpre averiguar se à data em que entraram em vigor as leis que encurtaram os prazos de prescrição faltava menos tempo para o prazo se completar à luz da lei antiga.
E eis-nos chegados à primeira questão suscitada pelo Recorrente: a contagem desse prazo deve efectuar-se do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário (cf. art. 27.º do CPCI), como decidiu a sentença recorrida, ou do momento em que o direito de cobrança puder ser exercido, como sustenta o Recorrente? Vejamos:
Enquanto nas obrigações civis o prazo da prescrição não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido (cf. art. 306.º, n.º 1, do CC (() Diz o art. 306.º, n.º 1, do CC: «O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição».)), sendo que se a dívida for ilíquida o prazo só se inicia após o seu apuramento (cf. art. 306.º, n.º 4, do CC (() Diz o n.º 4 do art. 306.º do CC: «Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado».)), já nas obrigações tributárias decorrentes de impostos não é assim: nestas, a prescrição começa a correr do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do art. 27.º do CPCI ou o do art. 34.º do CPT, ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT (cf. art. 48.º, n.º 1 (() Diz o art. 48.º, n.º 1, da LGT, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005): «As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário».)).
Isto, independentemente de estar ou não já liquidada a obrigação tributária pois a prescrição refere-se directamente ao facto tributário, pelo que pode ter lugar sem que tenha ocorrido a respectiva liquidação (() Neste sentido, vide:
na doutrina, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, A prescrição no Direito Tributário, Problemas fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pág. 287;
na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Outubro de 1997, proferido no processo com o n.º 21.813, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2704 a 2707 e com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/90465c001ec49dfe802568fc003991fc?OpenDocument.).
De igual modo, como bem referiu o Juiz do Tribunal a quo, para definição do termo inicial do prazo apenas há que atender, nos termos que ficaram referidos à data do facto tributário, não relevando o momento da declaração de revogação da isenção do imposto (() Neste sentido, por todos, o recente acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 873/09, em recurso de oposição de acórdãos, ainda não publicado no jornal oficial, mas com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2fa158d8209225f7802576dd00502ffa?OpenDocument,
sendo que ao recurso por oposição de acórdãos serviu de acórdão fundamento o do Tribunal Central Administrativo de 14 de Maio de 2002, proferido no processo com o n.º 5526/01, de 15 de Maio de 2002, com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/cdc66c12e64d0ac780256bb900657ac7?OpenDocument.).
Retomando a questão da determinação do prazo aplicável, verificamos que em 12 de Maio de 1994, quando entrou em vigor relativamente à sisa o prazo de 10 anos fixado pelo CPT para a prescrição, ainda não se tinha iniciado o prazo de vinte anos fixado pelo art. 27.º do CPCI. Por outro lado, na data em que entrou em vigor a LGT – 1 de Janeiro de 1999 –, à luz do CPT (cujo prazo de prescrição de dez anos, no caso da sisa, só pode contar-se com início no dia 12 de Maio de 1994, nos termos que ficaram referidos) faltavam menos de oito anos para o termo do prazo.
Assim, podemos concluir, com a sentença recorrida, que o prazo de prescrição aplicável é o de 10 anos, previsto no CPT, a contar desde 1 de Janeiro de 1995.

2.2.1.2 A CONTAGEM DO PRAZO DA PRESCRIÇÃO
Tal prazo terá corrido sem qualquer interrupção ou suspensão até à data da citação da ora Recorrente no processo de execução fiscal, pois, como bem salientou o Juiz do Tribunal a quo, à data em que a execução fiscal foi instaurada – 1 de Abril de 2004 –, a lei em vigor já não relevava tal facto como interruptivo da prescrição, sendo que apenas conferia tal efeito à citação (cf. art. 49.º, n.º 1, da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho).
Coloca-se-nos agora a segunda questão suscitada pelo Recorrente, que é a de saber qual a citação que releva como facto interruptivo da prescrição: a citação postal feita nos termos do art. 191.º do CPPT, como sustenta agora o Recorrente (() No parecer que antecede a sentença o Representante do Ministério Público não entendeu assim, pois considerou como facto interruptivo da prescrição a citação pessoal, não concedendo relevância à citação efectuada ao abrigo do art. 191.º do CPPT.), ou a citação pessoal feita no termos do art. 192.º após a penhora, como prescreve o art. 193.º, todos do mesmo Código e tal como considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga?
A resposta que for dada a esta questão é decisiva para averiguar se a obrigação tributária está ou não prescrita: na verdade, enquanto a citação postal foi efectuada por carta registada em 7 de Abril de 2004, a citação pessoal foi efectuada em 14 de Outubro de 2005, data em que a respectiva certidão foi assinada por um gerente da Executada; ou seja, enquanto a primeira foi efectuada dentro do prazo da 10 anos contado a partir de 1 de Janeiro de 1995, a segunda foi já para além do termo desse prazo. Vejamos:
A citação prevista no art. 191.º do CPPT, a efectuar através de postal, registado ou não, é considerada como uma forma de citação que, «embora tendencialmente funcione como meio de proporcionar ao destinatário o conhecimento da instauração de uma execução fiscal contra ele, não fornece garantias para o processo de ter chegado ao conhecimento do citando», motivo por que é considerada como uma «citação meramente provisória que só dispensa uma citação definitiva (pessoal ou edital), nos casos em que não vier a ser efectuada penhora.
Com efeito, no art. 193.º deste Código, prevê-se que, quando a citação é efectuada por simples postal, se ele não vier devolvido ou não indicar nova morada do destinatário, proceder-se-á de imediato à penhora, mas, se se conseguir penhorar bens, faz-se a citação pessoal do executado, levando-se a cabo a citação edital se não for conhecida a sua morada» (() JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, II volume, anotação 5 ao art. 191.º, págs. 271/272. ).
Trata-se de uma solução que «pode aceitar-se, já que não havendo penhora de bens, não pode resultar do processo lesão patrimonial para a pessoa singular ou colectiva contra quem corre a execução e, consequentemente, não se torna indispensável assegurar que lhe é dada possibilidade de defesa contra a pretensão do exequente» (() Ibidem.). No entanto, esta solução da citação provisória, pela falta de segurança de que se reveste, não é susceptível de abrir o prazo para a defesa do executado, designadamente não abre o prazo de oposição à execução fiscal nem para o exercício de outros direitos que hajam de ser exercidos dentro daquele prazo, como resulta inequivocamente do art. 203.º, n.º 1, alínea, a), do CPPT, que alude à citação pessoal.
Note-se que «a citação através de postal, simples ou registado, não implica qualquer presunção de recepção do recebimento do mesmo, como se infere do facto de, no art. 193.º, se impor a citação pessoal do executado no momento da penhora e a citação edital se a citação pessoal não for possível» (() Idem, anotação 6 ao art. 191.º, pág. 272. ).
Tendo presente a falta de garantia processual da recepção da citação por postal nos termos do art. 191.º do CPPT, manifestada desde logo na ausência de presunção legal quanto ao seu recebimento e respectiva data, tudo decorrências da natureza provisória dessa citação, afigura-se-nos que a mesma também não é susceptível de produzir a interrupção do prazo prescricional.
Ou seja, a nosso ver a citação postal efectuada nos termos do art. 191.º do CPPT, porque não dá garantias quanto à sua realização, nem existe presunção que permita estabelecer o recebimento do postal e a respectiva data, tendo carácter provisório, não releva para efeitos de interrupção do prazo da prescrição.
Para que àquela citação fosse conferido o efeito interruptivo previsto no art. 49.º, n.º 1, da LGT, impunha-se que a lei permitisse determinar com precisão que foi efectuada a interpelação para cumprimento da obrigação e respectiva data. Ora, como deixámos já dito, tal não sucede com a citação efectuada nos termos do art. 191.º do CPPT, que tem carácter meramente provisório.
Nem se diga que este entendimento deixa o credor em posição desprotegida quando esteja próximo o termo final do prazo de prescrição. Na verdade, sempre poderia a AT ter efectuado desde logo a citação pessoal da Executada – como veio a efectuar após a penhora –, ao invés de lhe ter remetido postal para citação.
Ademais, como ficou dito na sentença proferida em 12 de Maio de 2009 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no processo de execução fiscal com o n.º 447/07.1BEBRG:

«[…] estamos em crer que a referência do legislador à citação na norma do art. 49º nº 1 do CPPT, afastando-se do regime do CPT em que bastava a mera instauração da execução, aponta no sentido da exigência da comprovação da efectiva citação, isto é, do conhecimento que é dado ao executado de que contra ele foi instaurada uma execução, aproximando-se, deste modo, do sistema consagrado no Código Civil (cfr. art. 323º deste diploma legal) – referindo a necessidade da prática de actos que dêem a conhecer ao devedor a intenção de exercer o direito como necessária à interrupção da prescrição, cfr. Pires de Lima – Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, pág. 288.

Aliás, no rigor dos termos, a citação é, nos termos do art. 228º nº 1 do CPC, “o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…)” e o executado só se considera chamado ao processo para se defender quando é citado pessoal ou editalmente, como resulta da conjugação das normas dos arts. 192º, 193 e 203º nº 1 do CPPT.

Dir-se-á, contra isto, que na citação edital, também não ocorre a certeza de que a mesma chegou ao conhecimento do executado. Assim é, com efeito. No entanto, na citação edital, ao contrário do que sucede com citação postal prevista no art. 191º, a lei estabelece, clara e inequivocamente, a data em que a citação se considera efectuada e que é no dia em que se publique o último anúncio – cfr. art. 250º nº 1 do CPC».

Assim, sendo que nos presentes autos o primeiro acto com potencialidade interruptiva do prazo de prescrição seria a citação pessoal da Executada, ocorrida em 14 de Outubro de 2005, temos que concluir, com a sentença, que, nessa data, já se tinha esgotado o prazo da prescrição.
O recurso não pode, pois, ser provido.

2.2.2 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPT (art. 34.º), ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT (art. 48,º, n.º 1) e não a partir da data da declaração da revogação da isenção dos impostos.
II - Perante a sucessão no tempo de leis que fixam diferentes prazos de prescrição, há que observar o disposto no art. 297.º do CC, como estipula o art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT.
III - A citação a que o art. 49.º, n.º 1, da LGT confere efeito interruptivo da prescrição não é a citação através de postal nos termos do art. 191.º do CPPT, relativamente à qual a lei não estabelece qualquer presunção do seu recebimento e respectiva data, e que tem carácter provisório, sendo que a citação só é de considerar efectuada, nos termos do art. 193.º do mesmo código, após a penhora, quando for feita pessoalmente ou, caso a citação pessoal se não mostre possível, editalmente.

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Sem custas, por delas estar isento o Recorrente.


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Porto, 18 de Março de 2010

(Francisco Rothes)

(Moisés Rodrigues)

(Álvaro Dantas)