Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01715/09.3BEBRG |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 03/18/2010 |
Relator: | Francisco Rothes |
Descritores: | PRESCRIÇÃO - FACTO INTERRUPTIVO - CITAÇÃO POSTAL (ART. 191.º DO CPPT) - CITAÇÃO PESSOAL |
Sumário: | I - O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPT (art. 34.º), ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT (art. 48,º, n.º 1) e não a partir da data da declaração da revogação da isenção dos impostos. II - Perante a sucessão no tempo de leis que fixam diferentes prazos de prescrição, há que observar o disposto no art. 297.º do CC, como estipula o art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT. III - A citação a que o art. 49.º, n.º 1, da LGT confere efeito interruptivo da prescrição não é a citação através de postal nos termos do art. 191.º do CPPT, relativamente à qual a lei não estabelece qualquer presunção do seu recebimento e respectiva data, e que tem carácter provisório, sendo que a citação só é de considerar efectuada, nos termos do art. 193.º do mesmo código, após a penhora, quando for feita pessoalmente ou, caso a citação pessoal se não mostre possível, editalmente. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 O Serviço de Finanças de Viana do Castelo instaurou uma execução fiscal contra a sociedade denominada “Socigalves , Lda.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida) para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto Municipal de Sisa e respectivos juros de mora. 1.2 A Executada, invocando o disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo que lhe indeferiu a requerida declaração de prescrição da obrigação tributária e consequente extinção da execução fiscal. 1.3 O Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo manteve o acto reclamado e remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, cujo Juiz, apreciando a reclamação, revogou o despacho reclamado e ordenou «a sua substituição por outro que […] declare prescrita a dívida exequenda e determine o arquivamento do processo de execução fiscal» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.). 1.4 O Ministério Público interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando conjuntamente com o requerimento de interposição de recurso as respectivas alegações, que resumiu nas seguintes conclusões: «CONCLUSÕES: 6 – A ali executada, ora reclamante, foi citada da instauração do processo executivo a 7/4/2004 e foi citada da penhora a 14/10/2005. Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando improcedente a excepção de prescrição invocada pela reclamante, por não se ter consumado a prescrição, VOSSAS EXCELÊNCIAS farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA!». 1.5 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.6 A Reclamante não contra alegou. 1.7 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo. 1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga fez correcto julgamento da matéria de facto, relativamente à citação da Executada, e da matéria de direito, quando considerou verificada a prescrição da dívida exequenda. * 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: «Matéria de facto provada: Matéria de facto não provada: Inexiste. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada: A matéria de facto dada como provada assenta nos documentos constantes dos autos. Inexiste outra matéria de facto dada como provada ou não provada por nada mais ter sido alegado com interesse para a decisão da mesma, que não seja incompatível com os factos dados como provados». 2.1.2 O Recorrente põe em causa o julgamento da matéria efectuado sob o n.º 6 – que diz que a Executada «foi citada a 14/10/2005», propondo que o mesmo seja alterado de modo a dele passar a constar que a Executada «foi citada da instauração do processo executivo a 7/4/2004 e foi citada da penhora a 14/10/2004» (cf. conclusão de recurso com o n.º 3).Antes do mais, duas notas: a primeira, relativamente à redacção proposta pelo Recorrente; a segunda, também relativa a essa redacção e à redacção dada pelo Juiz do Tribunal a quo ao n.º 6 do probatório. Primeira: salvo o devido respeito a citação, relativamente ao executado, tem um único escopo, qual seja o de «dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução» (art. 35.º, n.º 2, do CPPT). Assim, não pode falar-se em “citação da penhora”. O que sucede é que, no processo de execução fiscal, nos casos em que a citação se faz por simples postal, registado ou não, nos termos do art. 191.º do CPPT, se se efectuar penhora, é ulteriormente feita uma citação pessoal, como resulta do art. 193.º do mesmo código. Segunda: a nosso ver, não constitui boa técnica levar ao probatório que “o executado foi citado no dia…”. Saber se a citação em processo de execução fiscal foi ou não efectuada envolve, não só a consideração dos factos materiais respeitantes ao modo e tempo das diligências eventualmente realizadas com vista à citação, mas também a aplicação a esses factos das regras legais que regulam esse acto. É certo que, quando não existe controvérsia a esse propósito, temos visto levar à factualidade provada que “o executado foi citado no dia…”. Mas essa técnica, se não suscita problemas quando o litígio não abrange a ocorrência daquele actos e respectiva data, já não é aceitável no caso contrário, ou seja, quando o contribuinte e a Administração discordam quanto à realização do acto ou quanto à data do mesmo ou quando, como no caso sub judice, é imprescindível para a decisão da causa a determinação da data em que foi efectuada a citação como acto gerador de determinados efeitos jurídicos (no caso eventual efeito interruptivo da prescrição). Assim, a nosso ver, o que se poderá dar como provado, no caso de citação por via postal, na medida em que os elementos probatórios constantes dos autos o autorizem, é, designadamente, que a Administração tributária (AT) remeteu carta (ou não), sob registo postal (ou não), com aviso de recepção (ou não) e, se for caso disso, qual a data do envio ou do registo postal, se a carta foi entregue ao destinatário ou devolvida ao remetente e, neste caso, qual o motivo da devolução (nomeadamente, se o funcionário postal lavrou nota de não atendimento, de ter deixado aviso, de recusa de recebimento), qual a data da assinatura do aviso de recepção, se foi o citando ou terceira quem assinou o aviso de recepção, etc. De igual modo, no caso de citação por contacto pessoal, o que haverá que dar como provado, face aos elementos de prova, é, designadamente, que o funcionário colheu a assinatura na certidão, em que data e de quem. Lavradas que ficaram estas duas notas, logo intuímos que não pode manter-se o julgamento efectuado sob o n.º 6 do probatório, do mesmo modo que também não podemos acolher a redacção que o Recorrente propõe em alternativa. 2.1.3 Assim, tendo presente o que ficou dito no ponto anterior e ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), entendemos expurgar do probatório o seu n.º 6, que ora substituímos pelos factos registados sob o mesmo número e subordinados a alíneas, nos seguintes termos: 6.a) Para citação da Executada o Serviço de Finanças de Viana do Castelo remeteu-lhe carta registada em 7 de Abril de 2004 (cf. cópia da carta e do respectivo talão de registo, a fls. 3 e 4, respectivamente); 6.b) Na sequência da penhora e em cumprimento do mandado do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo que ordenou a citação da Executada, um funcionário daquele serviço de finanças lavrou certidão de citação que foi assinada por um gerente da Executada em 14 de Outubro de 2005 (cf. mandado e certidão de citação, a fls. 21). * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO2.2.1 DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA A questão que ora cumpre apreciar – decidida que ficou a questão do invocado erro no julgamento da matéria de facto – é a da prescrição da dívida exequenda. Nos autos está em cobrança uma dívida de sisa respeitante a uma aquisição ocorrida em 1994, sisa que apenas foi liquidada em 2004, depois de a AT ter verificado o incumprimento da condição resolutiva ao abrigo da qual a transmissão tinha sido celebrada com isenção de sisa: não houve revenda no prazo estabelecido no art. 16.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Impostos sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) (() Dizia o art. 16.º, n.º 1, do CIMSISD: «As transmissões de que tratam os n.ºs 3.º, 8.º, 9.º e 12.º, alínea a), e 21.º, 26.º, 30.º e 31.º do artigo 11.º e n.º 7.º do artigo 12.º deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente: 1.º Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda; 2.º […]».), pois a venda celebrada em 1997 foi distratada em 1998. 2.2.1.1 O PRAZO DA PRESCRIÇÃO E O RESPECTIVO DIES A QUO A primeira questão que se nos coloca é a de saber qual o prazo de prescrição da sisa, uma vez que ao longo do tempo se foram sucedendo os seguintes prazos de prescrição: · 20 anos, à data do facto que originou a obrigação tributária – 5 de Janeiro de 1994 (() Adiante procuraremos demonstrar por que consideramos como relevante a data do facto tributário.) –, nos termos do disposto no art. 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI), aplicável ex vi do art. 180.º do CIMSISD, na redacção em vigor à data; · a partir de 12 de Maio de 1994 (() Data em que entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de Maio, atento o disposto no art. 5.º, n.º 2, do Código Civil e no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 6/83 (que dispunha «O diploma entra em vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixação, no continente no quinto dia após a publicação, nos Açores e na Madeira no décimo quinto dia e em Macau e no estrangeiro no trigésimo dia», na ausência de fixação da data de início da vigência no próprio diploma. ), o prazo passou a ser de dez anos, por força do disposto no art. 34.º do CPT, aplicável por força da nova redacção dada ao art. 180.º do CIMSISD pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 7 de Maio (() Apesar de, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do diploma que o aprovou – o Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril –, o CPT estar em vigor desde 1 de Janeiro de 1991, o art. 4.º desse diploma, relativamente à sisa, salvaguardou a aplicação do novo prazo de prescrição de 10 anos previsto no art. 34.º do CPT para «após introdução, no respectivo Código, das normas necessárias de adaptação», o que apenas veio a acontecer com o Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de Maio, que alterou o art. 180.º do CIMSISD, por remissão para o dito art. 34.º. No sentido da não inconstitucionalidade orgânica do referido art. 4.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, pronunciou-se o Tribunal Constitucional pelo acórdão n.º 168/02, proferido no processo com o n.º 449/01, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Junho de 2002.); · a partir de 1 de Janeiro de 1999, o prazo é de oito anos, nos termos do art. 49.º da Lei Geral Tributária (LGT), entrada em vigor naquela data, por força do disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro e que, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do mesmo diploma, revogou o art. 34.º do CPT (() Em consequência dessa revogação, o art. 180.º do CIMSISD viria a conhecer nova redacção, dada pelo Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, e que remete para os arts. 48.º e 49.º da LGT.). Assim, para se decidir a questão da sucessão das leis no tempo, impõe-se observar o disposto no art. 297.º, n.º 1 do Código Civil (CC) (() Disposição legal que dispõe: «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».), disposição legal que a jurisprudência sempre entendeu como aplicável na determinação do prazo de prescrição aplicável no caso de sucessão de leis reguladoras do prazo no tempo (() Com interesse, vide Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, 2.ª edição, anotação 1 ao art. 5.º do diploma da aprovação, pág. 34. ) e que o art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT, consagrou expressamente como aplicável ao novo prazo de prescrição nela consagrado. O que significa que cumpre averiguar se à data em que entraram em vigor as leis que encurtaram os prazos de prescrição faltava menos tempo para o prazo se completar à luz da lei antiga. «[…] estamos em crer que a referência do legislador à citação na norma do art. 49º nº 1 do CPPT, afastando-se do regime do CPT em que bastava a mera instauração da execução, aponta no sentido da exigência da comprovação da efectiva citação, isto é, do conhecimento que é dado ao executado de que contra ele foi instaurada uma execução, aproximando-se, deste modo, do sistema consagrado no Código Civil (cfr. art. 323º deste diploma legal) – referindo a necessidade da prática de actos que dêem a conhecer ao devedor a intenção de exercer o direito como necessária à interrupção da prescrição, cfr. Pires de Lima – Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, pág. 288. Aliás, no rigor dos termos, a citação é, nos termos do art. 228º nº 1 do CPC, “o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…)” e o executado só se considera chamado ao processo para se defender quando é citado pessoal ou editalmente, como resulta da conjugação das normas dos arts. 192º, 193 e 203º nº 1 do CPPT. Dir-se-á, contra isto, que na citação edital, também não ocorre a certeza de que a mesma chegou ao conhecimento do executado. Assim é, com efeito. No entanto, na citação edital, ao contrário do que sucede com citação postal prevista no art. 191º, a lei estabelece, clara e inequivocamente, a data em que a citação se considera efectuada e que é no dia em que se publique o último anúncio – cfr. art. 250º nº 1 do CPC». Assim, sendo que nos presentes autos o primeiro acto com potencialidade interruptiva do prazo de prescrição seria a citação pessoal da Executada, ocorrida em 14 de Outubro de 2005, temos que concluir, com a sentença, que, nessa data, já se tinha esgotado o prazo da prescrição. I - O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPT (art. 34.º), ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT (art. 48,º, n.º 1) e não a partir da data da declaração da revogação da isenção dos impostos. * * * 3. DECISÃOFace ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Sem custas, por delas estar isento o Recorrente. * Porto, 18 de Março de 2010 (Francisco Rothes) (Moisés Rodrigues) (Álvaro Dantas) |