Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00147/11.8BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:PERDA DE MANDATO
REUNIÕES DE JUNTA DE FREGUESIA
DELIBERAÇÕES
INDISPENSABILIDADE DA ACTA
Sumário: I. A Junta de Freguesia é o órgão executivo colegial da freguesia, e às suas reuniões aplica-se a norma geral segundo a qual de cada reunião será lavrada acta, que conterá um resumo de tudo o que nela tiver ocorrido, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas e a forma e o resultado das respectivas votações;
II. É ao Presidente da Junta de Freguesia que incumbe, e em princípio, ditar para a acta, ou zelar para que nela seja vertido com exactidão, o teor das deliberações aprovadas na reunião;
III. Exarada pela entidade competente, com a finalidade legal de dar notícia de tudo aquilo que ocorreu na reunião, nomeadamente das deliberações que nela foram tomadas, a acta constitui um documento autêntico, cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade;
IV. A acta constitui, ainda, requisito de eficácia dos actos administrativos decididos na reunião do órgão colegial.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:06/08/2011
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:J...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Perda de Mandato (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O Ministério Público interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro – em 12.04.2011 – que julgou improcedente a acção por ele intentada visando a perda de mandato autárquico de J…esta sentença recorrida constitui saneador/sentença proferido no âmbito de acção administrativa urgente na qual o autor Ministério Público [MP] pede ao Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] que declare perdido o mandato de J… como Vogal da Junta de Freguesia de Fajões.
Conclui assim as suas alegações:
1- Entende o Ministério Público que as reuniões ordinárias da Junta de Freguesia de Fajões de 05.05, 19.05, 02.06, 16.06, 30.06 e 14.07 de 2010 estavam devidamente publicitadas de acordo com o disposto no artigo 30º, nº2 da Lei nº169/99, de 18.09 [alterada pela Lei nº5-A/2002, de 11.01], atendendo ao facto de ter sido deliberado manter a prática seguida pelo anterior executivo dessa Junta de Freguesia de reunir de forma ordinária, às quartas-feiras quinzenalmente das 18H00 às 20H00;
2- É que naquela acta, ainda que de forma não explícita pois não se estabeleceu de forma concreta os dias e horas certos das reuniões ordinárias, deliberou-se "dar continuidade aos procedimentos" e o que também é certo é que existe um edital com a mesma data da reunião a indicar que a "Reunião da Junta é à quarta-feira das 18h00 às 20H00, quinzenalmente";
3- Afigura-se ao ora recorrente que face à dúvida suscitada, isto é, se na primeira reunião do executivo da Junta de Freguesia, efectuada no dia 06.11.2009, foi tomada tal decisão de reunir, de forma ordinária, quinzenalmente às quartas-feiras das 18H00 às 20h00, deveria a Meritíssima Juíza "a quo" socorrer-se da prova testemunhal indicada pelas partes para que tal dúvida fosse definitivamente afastada;
4- Para apuramento da legalidade da convocatória às ditas reuniões aquela acta e o edital devem ser conjugados, e, uma vez que também o ora recorrido apresentou outro edital como correspondendo ao deliberado na reunião, tornava-se necessário para a descoberta da verdade a audição da prova testemunhal indicada pelas partes;
5- A sentença recorrida assentou em lógica essencialmente formal e, respeitosamente, o recorrente entende que não levou em conta os valores jurídicos subjacentes à Lei em causa;
6- Face à divergência entre os editais, existia mais um motivo para a Meritíssima Juíza "a quo" apurar de forma clara as razões pelas quais o requerido não compareceu às reuniões ordinárias da Junta de Freguesia indicadas na PI para que foi eleito já que dá como assente que a reunião de 06.11.2009 se realizou e considera irrelevante a arguição feita pelo requerido no sentido de ser falso o documento nº9 [folha 159 do processo físico], mas também considera haver divergência entre este edital e o que foi apresentado pelo ora recorrido na contestação e que "Esta divergência não é de somenos";
7- Só através da prova testemunhal se poderá concluir se o ora recorrido tinha ou não que ser convocado por outra forma legalmente prevista, ou pelo contrário se verificava a situação prevista no nº2 do artigo 30º da Lei nº169/99, de 18.09;
8- Quando existam factos controvertidos que necessitem de prova pode ser interposto recurso do despacho saneador nos termos do artigo 90º do CPTA;
9- A Meritíssima Juíza "a quo" ao entender na sentença recorrida ser desnecessária a produção da prova testemunhal violou os artigos 8º nº1 alínea a) da Lei nº27/96, de 01.08, 13º nº1 da LAL, e 90º CPTA [Nota do Relator: apesar do recorrente referir o artigo 13º nº1 da LAL, norma esta que nunca é referida na sentença recorrida, e nem tem a ver directamente com o mérito do recurso, estando em causa na sentença, em vez dessa, a do artigo 31º nº1 da LAL, concluímos ter havido mero erro de simpatia, que entendemos aqui corrigir, substituindo artigo 13º nº1 da LAL por 31º nº1 da LAL];
10- Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada, e determinar-se que se proceda à inquirição das testemunhas indicadas na petição inicial, seguindo-se os demais trâmites legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir o recurso jurisdicional.
De Facto
Ao abrigo do disposto no artigo 713º nº6 do CPC [ex vi 140º do CPTA], e porque a matéria de facto vertida pelo TAF em 16 pontos provados não se mostra impugnada nem se mostra necessária a sua alteração, limitamo-nos a remeter para o conteúdo desse julgamento de facto, que aqui damos por integralmente reproduzido.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. O autor, Ministério Público, lançou mão desta acção urgente para pedir ao TAF que declarasse a perda de mandato autárquico do vogal da Junta de Freguesia de Fajões [Oliveira de Azeméis], J [artigos 11º, nº1 e nº2, e 15º, da Lei nº27/96, de 01.08].
Para o efeito, articulou que o referido autarca não compareceu, sem motivo justificativo, a 6 reuniões ordinárias da Junta de Freguesia de Fajões para as quais tinha sido devidamente convocado [reuniões de 05.05, 19.05, 02.06, 16.06, 30.06 e 14.07, do ano de 2010. Ver artigo 8º nº1 alínea a) da Lei 169/99, de 18.09].
O TAF, em sede de saneador, depois de ter improcedido algumas questões dilatórias suscitadas pelo réu, fixou a matéria de facto que considerou pertinente e provada, e, apreciando esta à luz da referida causa de pedir e lei aplicável, julgou improcedente o pedido de perda de mandato por entender, fundamentalmente, que o autarca réu não foi devidamente convocado para as reuniões ordinárias a que faltou.
É desta decisão que discorda o autor, Ministério Público. Agora, enquanto recorrente, vem imputar-lhe erro de julgamento de direito, por entender que as reuniões ordinárias a que o réu faltou tinham sido devidamente publicitadas [artigo 30º nº2 da Lei 169/99 de 18.09], e que se o TAF tivesse dúvidas deveria ter ouvido as testemunhas arroladas na parte final da sua petição.
À apreciação deste erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto deste recurso jurisdicional.

III. Na parte que respeita ao objecto deste recurso, a sentença recorrida julgou assim:
[…]
- Ora, para que a não comparência de membro de órgão autárquico às respectivas reuniões seja operante, designadamente para aqueles efeitos, impõe-se que o mesmo tenha sido regularmente para elas convocado, já que, sem isso, a falta de comparência não será injustificada.
No que respeita ao funcionamento da Junta de Freguesia, órgão executivo colegial […] de que o requerido é membro vogal, desempenhando as funções de tesoureiro para as quais foi eleito pela Assembleia de Freguesia […] dispõem os artigos 30º a 32º da referida Lei nº169/99, de 18.09, o seguinte:
Artigo 30º
Periodicidade das reuniões
1- A junta de freguesia reúne ordinariamente uma vez por mês, ou quinzenalmente, se o julgar conveniente, e extraordinariamente sempre que necessário.
2- A junta de freguesia delibera sobre os dias e horas das reuniões ordinárias, podendo estabelecer dia e hora certos para as mesmas, devendo neste último caso publicar editais, o que dispensa outras formas de convocação.
Artigo 31º
Convocação das reuniões ordinárias
1- Na falta da deliberação a que se refere o nº2 do artigo anterior compete ao presidente da junta fixar o dia e hora certos das reuniões ordinárias e publicitar a decisão nos termos e com os efeitos da parte final da mesma disposição.
2- Quaisquer alterações ao dia e hora marcados nos termos do nº1 devem ser comunicadas a todos os membros da junta com três dias de antecedência e por carta com aviso de recepção ou através de protocolo.
[…]
O Ministério Público, aqui autor, faz expresso apelo ao disposto no nº2 do artigo 30º da Lei nº169/99, alegando que na primeira reunião da Junta de Freguesia, em que esteve presente o requerido, realizada em 06.11.2009, foi deliberado manter a prática seguida pelo anterior executivo da Junta de Freguesia, de reunir de forma ordinária, às quartas-feiras, quinzenalmente e das 18H00 às 20H00 [juntando para comprovação do alegado os documentos nºs 8 e 9], que tais reuniões eram devidamente publicitadas de harmonia com o disposto no artigo 30º, nº2, da Lei 169/99, pelo que estavam dispensadas outras formas de convocação [juntando para comprovação do alegado o documento nº9], que tal prática era há muito seguida pela Junta de Freguesia de Fajões.
Porém, compulsado o teor da acta daquela reunião [vertido em 2 supra da factualidade assente] não resulta que ali tenha sido deliberado por aquele órgão, nem estabelecido, dia e hora certos para as suas reuniões ordinárias. Na verdade, o vertido nos pontos 3 e 4 da acta daquela reunião, e em que parece assentar o raciocínio aduzido pelo Ministério Público, é unicamente o seguinte:
Ponto 3- Com a colaboração da Administrativa Sónia Carmelita de Almeida, o Executivo foi informado , de forma parcial, do funcionamento da Secretaria da Junta de Freguesia, sendo decidido dar continuidade aos procedimentos até nova programação.
Ponto 4- Relativamente ao atendimento ao público, foi decidido, por unanimidade, manter o actual horário de atendimento ao público, quer nos Serviços Administrativos, quer no atendimento do Executivo da Junta de Freguesia.
Não resulta, pois, daquela acta, que naquela reunião o órgão colegial Junta de Freguesia tenha deliberado que a periodicidade das suas reuniões ordinárias seria, em vez de mensal, quinzenal, nem resulta qual o dia e hora certos para tais reuniões. E só ocorrendo deliberação nesse sentido a publicação de editais [publicitando isso mesmo – o dia e hora certos deliberados pela Junta de Freguesia para as suas reuniões ordinárias] dispensa outras formas de convocação. Acrescendo dizer que qualquer anterior prática, ainda que reiterada ou habitual [a que o autor Ministério Público faz apelo ao alegar que tal prática era há muito seguida pela Junta de Freguesia de Fajões - vide artigo 5º da petição inicial] que tenha sido seguida pelos então membros da Junta de Freguesia não vincula os seus novos membros, nem é critério ou fundamento que tenha merecido acolhimento legal no Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos Órgãos dos Municípios e das Freguesias [Lei nº169/99], sendo, por conseguinte, neste aspecto, irrelevante [princípio da legalidade nos termos em que o mesmo é acolhido no artigo 266º da CRP e no artigo 3º do CPA].
E muito embora o artigo 31º da Lei nº169/99 estabeleça que na falta da deliberação da Junta de Freguesia sobre os dias e horas das reuniões ordinárias, designadamente estabelecendo dia e hora certos para as mesmas [deliberação a que alude o nº2 do seu artigo 30º] compete então ao Presidente da Junta de Freguesia fixar dia e hora certos das reuniões ordinárias, publicitando então a decisão através de editais, o que igualmente dispensa outras formas de convocação, a verdade é que não decorre dos autos, nem aliás foi alegado, que tenha sido o Presidente da Junta de Freguesia que tenha tomado tal decisão, já que o que foi alegado é que foi na primeira reunião da Junta de Freguesia, levada a cabo no dia 06.11.2009, que foi tomada tal decisão por todos os membros presentes, incluindo o requerido, que ali esteve presente. Sendo assim irrelevante a arguição feita pelo requerido, no sentido de ser falso o documento nº9 junto com a petição inicial [e cujo teor foi vertido em 15 supra da factualidade assente] sustentando que o que tem estado afixado nas instalações da Junta de Freguesia desde a sua primeira reunião de 06.11.2009 é o edital que junta sob documento nº2 com a sua contestação [cujo teor foi vertido em 16 supra da factualidade assente] – ver artigos 27º a 33º da sua contestação. Devendo notar-se que a divergência do teor entre um e outro documento respeita tão só à periodicidade das reuniões, decorrendo do primeiro que a mesmas ocorreriam à quarta-feira, quinzenalmente, e do segundo que as mesmas decorreriam à quarta-feira, durante o horário de atendimento semanal, do que resultaria a periodicidade semanal das reuniões, sendo concordantes no que respeita à hora: das 18H00 às 20H00 horas [horário de atendimento ao público].
Esta divergência não é de somenos, já que a gravidade da sanção de perda de mandato de membro de um órgão colegial não se compadece com eventual incerteza quanto à sua regular convocação para as reuniões relativamente às quais se sustenta não ter o mesmo comparecido sem motivo justificativo, sendo que a ela acresce a circunstância de a lei exigir o cumprimento de forma, que é garantia da verificação da substância, da sua convocação.
[…]
Concluindo, como fizemos, não ter sido observado nem o formalismo previsto no nº2 do artigo 30º nem o previsto no nº1 do artigo 31º da Lei nº169/99, de 18.09, quanto à fixação dos dias e horas certos para as reuniões ordinárias da Junta de Freguesia, forçoso é não considerar o requerido regularmente convocado para as reuniões da Junta de Freguesia dos dias 05.05, 19.05, 02.06, 16.06, 30.06 e 14.07 de 2010, não sendo, por conseguinte, de considerar que, para efeitos do disposto no artigo 8º nº1 alínea a) da Lei 27/96, de 01.08, o requerido a elas não compareceu sem motivo justificativo.
[…]
Não se mostrando verificados, nos termos expostos, os pressupostos enunciados na invocada alínea a) do nº1 do artigo 8º da Lei nº27/96, de 01.08, improcede o pedido aqui formulado pelo Ministério Público de declaração de perda de mandato do requerido.
[…]
O recorrente reputa este julgamento de errado, porque, em seu entender, não só foi deliberado na primeira reunião do novo executivo, ocorrida em 06.11.2009, e na qual participou o réu, manter a prática seguida pelo anterior executivo de reunir quinzenalmente, às quartas-feiras, das 18H00 às 20H00, como essa deliberação foi devidamente publicitada, de acordo com o disposto no artigo 30º nº2 da Lei nº169/99, de 18.09, através do HORÁRIO que consta do ponto 15 do provado.
Acrescenta que se o TAF tivesse dúvidas sobre a ocorrência da dita deliberação, ou sobre se a sua publicitação foi efectuada através do HORÁRIO referido ou do EDITAL que consta do ponto 16 do provado, e que foi apresentado pelo ora réu, devia tê-las resolvido mediante a produção da prova testemunhal arrolada pelas partes.
E são estas dúvidas, a que acaba aderindo, que o levam a pedir a este tribunal superior a revogação da sentença e a continuação da tramitação do processo no TAF, com inquirição das testemunhas.
Como veremos, a pretensão revogatória deduzida pelo recorrente não poderá ser totalmente procedente, o que não impede, cremos, que o deva ser parcialmente.

IV. Como resulta da lei, a junta de freguesia é o órgão executivo colegial da freguesia [artigo 23º nº1 da Lei nº169/99 de 18.09]. E às suas reuniões aplica-se, como norma geral, o artigo 27º do CPA, segundo o qual de cada reunião será lavrada acta, que conterá um resumo de tudo o que nela tiver ocorrido, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas e a forma e o resultado das respectivas votações.
É ao presidente da junta de freguesia que compete elaborar a ordem do dia, convocar, abrir e encerrar as reuniões, dirigir os trabalhos e assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações [ver artigos 38º nº1 alínea b) da Lei nº169/99, de 18.09, e 14º nº2 do CPA]. Sendo a ele que incumbe, portanto, e em princípio, ditar para a acta, ou zelar para que na mesma seja vertido, com toda a exactidão, o teor das deliberações aprovadas na reunião.
Esta exigência do registo das deliberações em acta, tem a ver, desde logo, com o facto das decisões colegiais, ao contrário do que acontece, normalmente, com decisões oriundas de órgãos individuais, revestirem, em geral, forma oral. Assim, para que possam ser objecto de análise e prova, e fonte de certeza e segurança jurídicas, têm que ser reduzidas a escrito, em acta. Esta representa, portanto, o registo formal das deliberações tomadas. A acta não é a própria deliberação, mas contém-na, dá notícia dela. Não é, pois, nem a deliberação nem elemento dela constitutivo [documento ad substantiam], mas antes documento ad probationem.
Exarada pela entidade competente, com a finalidade legal de dar notícia de tudo aquilo que ocorreu na reunião, e nomeadamente das deliberações que nela foram tomadas, a acta constitui um documento autêntico [371º CC], cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade [372º CC].
Mais, as deliberações que são tomadas pelos órgãos colegiais, só são eficazes, e, portanto, só estão aptas a produzir efeitos jurídicos, quando aprovadas as actas que as registam. A acta constitui, assim, requisito de eficácia dos actos administrativos decididos numa reunião de órgão colegial.
Tendo isto presente, que resulta da lei ou é pacífico na doutrina e na jurisprudência, voltemos ao nosso caso.
E a questão que em primeiro lugar se coloca é a de saber se na reunião de 06.11.2009, na qual o ora réu esteve presente, a Junta de Freguesia de Feijões deliberou sobre os dias e horas das reuniões ordinárias, estabelecendo que as mesmas se realizariam à quarta-feira, quinzenalmente, das 18H00 às 20H00.
Certo é que não consta da respectiva acta qualquer deliberação nesse sentido, dado que, por muito esforço que faça, não conseguirá o intérprete extrair tal conclusão da letra dos seus pontos três e quatro.
E não constando da acta da primeira reunião do novo executivo, que constitui o documento legalmente apto a provar tudo aquilo que na reunião se passou, nomeadamente as deliberações que aí foram tomadas, essa deliberação, mesmo no caso de ter sido indevidamente omitida na acta, certo é que nunca poderia ser eficaz por falta desse requisito formal. E não sendo eficaz não se poderia impor ao ora réu, enquanto membro do executivo autárquico.
Resulta, assim, que não tendo ocorrido deliberação da Junta de Freguesia de Feijões sobre os dias e horas das suas reuniões ordinárias, ou, pelo menos, não constando essa eventual deliberação do executivo da acta da reunião de 06.11.2009, não poderá qualquer dos documentos invocados pelas partes, seja o indicado pelo autor [ver ponto 15 do provado], seja o invocado pelo réu [ver ponto 16 do provado], dar-lhe publicidade. Isto por uma incontornável razão, é que não se publicita o que não existe, ou, embora existindo, é juridicamente ineficaz.
Note-se que, muito embora nos venhamos a referir à hipótese da deliberação ter sido tomada pelo executivo e ter sido omitida na acta, o certo é que esta possibilidade nem sequer é levantada pelas partes, surgindo aqui como imposição de um discurso argumentativo que se pretende suficientemente abrangente.
Devem improceder, pois, as razões aduzidas pelo recorrente, em ordem à revogação da sentença recorrida, e referentes ao artigo 30º nº2 da Lei nº169/99, de 18.09, uma vez que não se provou ter havido qualquer deliberação do executivo acerca dos dias e horas das suas reuniões ordinárias, sendo certo que da respectiva acta ela não consta.
Porém, embora o faça em termos de necessidade de produção de prova, e sem desenvolver, constatamos que o recorrente invoca, também, erro de julgamento quanto ao artigo 31º nº1 da Lei nº169/99, de 18.09, que permite ao presidente da junta, na falta de deliberação do executivo sobre o assunto, fixar o dia e hora certos das reuniões ordinárias e publicitar a decisão por editais, ficando dispensada outra forma de convocação [é isto que resulta do texto do artigo 31º nº1, e da remissão nele feita para o artigo 30º nº2, ambos da Lei em referência].
Ora, consta do ponto 15 da matéria de facto provada o conteúdo de um horário, que alegadamente estaria afixado ao público, assinado pelo Presidente da Junta da Freguesia, segundo o qual as reuniões da Junta de Freguesia se realizam quinzenalmente, à quarta-feira, das 18H00 às 20H00 [documento nº9 junto pelo autor, Ministério Público, com a petição inicial].
E consta do ponto 16 da matéria de facto provada o conteúdo de um edital que, na versão do réu, estaria afixado ao público em vez do anterior horário, que reputa de falso. Esse edital mostra-se assinado pelo Presidente da Junta da Freguesia, e reza, na parte pertinente, que as reuniões da Junta de Freguesia se realizam durante o horário de atendimento semanal, à quarta-feira, das 18H00 às 20H00 [documento nº2 junto pelo réu, com a contestação].
Qualquer um destes documentos se apresenta como tendo sido emanado do Presidente da Junta de Feijões, sendo certo que um deles, o horário, segundo o autor, o edital, segundo o réu, estaria acessível ao público. E qualquer um deles fixa o dia da reunião do executivo às quartas-feiras das 18H00 às 20H00. Apenas o segundo não estabelece periodicidade quinzenal.
Face à falta de deliberação da Junta de Freguesia, nos termos do artigo 30º nº2 da Lei 169/99, que vimos acontecer, tudo aponta para que os documentos referidos, ou qualquer um deles, publicitem uma decisão do respectivo Presidente da Junta, decisão essa para a qual é competente à luz do artigo 31º nº1 da mesma lei.
Só que, resulta da lei [artigo 30º nº1 da Lei 169/99, de 18.09], não podendo a frequência das reuniões ordinárias da junta de freguesia ser superior a quinzenal, constatamos que, contrariamente ao que sucede no caso do dito horário, no invocado edital não é feita uma determinação clara dos dias certos para essas reuniões. Na verdade, enquanto naquele se estabelece uma periodicidade quinzenal, o que permite a determinação das concretas quartas-feiras de reunião, neste, refere-se, de forma assaz indeterminada, como dia de reunião a quarta-feira, sem estabelecer qualquer periodicidade que permita determinar os dias concretos.
Mostra-se, pois, indispensável saber qual era o documento que realmente publicitava a decisão do Presidente da Junta de Fajões, se o documento horário, se o documento edital, pois dessa concretização dependerá, cremos bem, o desfecho da acção de perda de mandato.
Trata-se de matéria controvertida: enquanto o autor afirma que o documento horário estava afixado publicamente [ponto 4º da petição inicial], o réu reputa este documento de falso, e alega que o documento que estava afixado no local a isso destinado das instalações da Junta era o edital por ele junto aos autos [pontos 23º b), 27º a 29º e 32º da contestação].
Deverá, assim, ser concedido provimento ao presente recurso, e os autos baixarem ao TAF para aí serem devidamente instruídos, nos termos assinalados, e caso nada mais obste a tal.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, o seguinte:
- Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional, e, em conformidade, revogar a sentença recorrida na parte em que julga improcedente o juízo feito à luz do artigo 31º nº1 da Lei 169/99, de 18.09, mantendo-a no restante;
- Ordenar que os autos baixem ao TAF de Aveiro, para serem instruídos sobre a matéria de facto controvertida que foi indicada, e subsequentemente decididos à luz do disposto no artigo 31º nº1 da Lei 169/99, de 18.09, caso nada mais obste a tal.
Sem custas – artigo 4º nº1 alínea a) do RCP, e porque não houve contra-alegações.
D.N.
Porto, 01.07.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho