Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00561/20.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:LEGITIMIDADE PROCESSUAL PARA RECORRER
Sumário:I – O legislador preconizou dois critérios para aferir a legitimidade para interpor recurso jurisdicional, a saber: (i) o “vencimento na decisão recorrida” e (ii) a existência de prejuízo direto e efetivo para quem recorre” [cfr. nº.1 e 4 do artigo 141º do CPTA].

II Se quem recorrer for parte principal no processo o critério a seguir é o da “vencimento da causa” [cfr. nº.1]; mas se, porventura, não for parte ou parte acessória, então a regra a ponderar é a da “existência de prejuízo direto e efetivo para quem recorre” [nº.4].

III- O vencimento afere-se pelo decaimento face ao pedido formulado e não pela eventual repercussão negativa da ponderação de direito aduzida na decisão judicial.

IV- Apurando-se que a Recorrente não ficou prejudicada ou afetada pela decisão judicial recorrida, não é adjetivamente admissível a interposição do presente recurso jurisdicional, por falta de legitimidade processual da Recorrente.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., LDA
Recorrido 1:AMAVE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Não admitir o recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da inadmissibilidade legal de interposição do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
A., LDA, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante T.A.F. de Braga], de 24.11.2020, que julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir, e, consequentemente, absolveu a Ré AMAVE - ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DO VALE DO AVE da instância.
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:“(…)
1. Não é verdade que, com a improcedência da ação administrativa especial, que correu termos sob o n° 1180/06.7BEBRG, os atos administrativos em apreço nos autos se tenham consolidado do ponto de vista da sua legalidade.
2. De facto, não pode de forma alguma retirar-se da improcedência de qualquer ação de impugnação (anterior ação administrativa especial, à luz do antigo CPTA) a conclusão de que o ato administrativo objeto dessa ação é válido, mas apenas que os concretos vícios assacados ao ato administrativo pela Impugnante nessa ação não se verificavam.
3. Tal não se confunde, portanto, com uma sentença declarativa da legalidade e validade do ato impugnado, que exatamente é o que a Recorrida efetivamente pretendia obter com a ação administrativa comum ora intentada.
4. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28-6-2019, proferido no proc.° n.° 473/16.0BEAVR, por se tratar de uma situação muitíssimo idêntica à destes autos, no qual se declara que “A sentença da 1.a ação decidiu uma questão específica da ação de anulação do acto [...]. Não tem por objeto nem decide qualquer questão relativa à instauração de uma ação comum.” (negrito nosso)
5. E ainda o acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-12-2017, proc. 3435/16.3T8VIS-A.C1, onde se disse que [...] VI - A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos. VII - Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá que procura-la na questão fundamental levantada nas duas ações. [...] IX- A autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu. ” (negrito e sublinhado nossos)
6. Isto exposto, é (ainda mais) evidente que também não se formou caso julgado pelo simples trânsito em julgado da ação administrativa especial que foi intentada pela Recorrente, pois (i) não só não se verificou qualquer identidade de pedidos, como (ii) também não se verificou qualquer identidade de sujeitos do ponto de vista de quem os formula!
7. Com efeito, na ação administrativa especial intentada, pretendia a Recorrente a anulação do ato administrativo que lhe aplicou uma sanção contratual no montante de 1.296.045,99 € (um milhão, duzentos e noventa e seis mil e quarenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos).
8. Além disso, como foi julgado improcedente o pedido de aditamento da Recorrente para que fosse incluído no pedido formulado a segunda multa contratual no montante de 92.026,93 € (noventa e dois mil e vinte e seis euros e noventa e três cêntimos), a sentença proferida na ação administrativa especial intentada nem se debruçou sobre esta última sanção contratual aplicada pela Recorrida.
9. Por sua vez, na presente ação administrativa comum, a Recorrida peticiona que a Recorrente seja condenada no pagamento de tais sanções contratuais, o que também não se confunde com o pedido formulado pela Recorrente (não pela Recorrida) na ação administrativa especial anterior, e sendo certo que esta ação administrativa comum inclui no seu objeto o ato administrativo que aplica a segunda sanção contratual, ao contrário do que se verificou na ação administrativa especial anterior.
10. Por este motivo, é evidente a inexistência de caso julgado por manifesta inexistência de identidade entre os pedidos formulados numa e noutra ação, assim como do ponto de vista do seu objeto.
11. Ademais, mesmo que, por mera cautela de patrocínio, se admitisse que o ato administrativo que aplicou a primeira sanção contratual se estabilizou na ordem jurídica, o mesmo não se pode dizer relativamente ao segundo ato administrativo comunicado à Recorrente a 19-7-2006, sobre o qual a ação administrativa especial intentada não se debruçou (sequer para declarar a improcedência dos vícios então invocados).
12. Por outro lado, como a Recorrente também invocou, sempre que esteja em causa a nulidade de um ato administrativo, tal vício pode ser invocado a qualquer tempo, pelo que tanto a primeira como a segunda sanção contratual aplicadas à Recorrente podem ser impugnadas com fundamento em vício de nulidade.
13. É justamente por isso que a Recorrida intenta a presente ação administrativa comum, para dispor (porque, efetivamente, ainda não dispõe) de uma sentença judicial que declare a legalidade destes atos administrativos e - só então - os estabilize na ordem jurídica, tornando-os executáveis - sobretudo o segundo ato administrativo que não foi objeto de impugnação anterior.
14. Por conseguinte, tem toda a razão o Tribunal a quo quando identifica o interesse da ora Recorrente em que a presente ação seja tramitada e devidamente julgada do ponto de vista da legalidade destes atos administrativos, pois, por um lado, não é esse o escopo de uma ação administrativa especial como aquela que foi anteriormente intentada, pelo que não pode considerar-se que tal apreciação jurídica foi feita e, portanto, está definida a legalidade do ato;
15. E, por outro lado, não pode ignorar-se que o segundo ato administrativo não integrou o objeto daquela ação administrativa especial, pelo que nem sequer cabe na argumentação da sentença recorrida.
16. Como se não bastasse, foi ainda evidenciado pela Recorrente que as questões jurídicas suscitadas na ação administrativa especial transitada em julgado não são as mesmas que agora se discutem na ação administrativa comum.
17. Neste sentido, na anterior ação administrativa especial, a pretensão impugnatória da Recorrente tinha como principal argumento a questão jurídica da contagem do prazo de execução do contrato, que a Recorrida defendeu ser um prazo contínuo de 365 dias, ao passo que a Recorrente entendia que a execução do contrato estava necessariamente sujeita a prazos parcelares associados a cada fase dos trabalhos e a um prazo global, correspondente ao cômputo daqueles. Além da questão jurídica da contagem do prazo de execução contratual, a Recorrente invocou ainda a violação do princípio da proporcionalidade no que respeita à aplicação da multa contratual pela ora Recorrida.
18. Ao invés, na presente ação administrativa comum, já não está em causa nem foi invocada a violação do princípio da proporcionalidade quanto às sanções contratuais aplicadas, nem a violação de lei relativamente à contagem do prazo de execução contratual.
19. Nesta ação, as questões jurídicas em discussão são bem diferentes daquelas que compunham o litígio anterior, tendo sido arguidos pela Recorrente novos fundamentos de direito que deverão determinar a improcedência do pedido de condenação da Recorrida, conforme melhor se expôs em sede de alegações.
20. Assim, e em face de tudo o que se deixa exposto e demonstrado, considera-se inevitável a conclusão de que a sentença recorrida, ao declarar a falta de interesse em agir da Recorrida/Autora por verificação de caso julgado (com base na ação administrativa especial anterior que correu termos sob o n.° 1180/06.7BEBRG), padece de erro de julgamento quanto à verificação dessa exceção dilatória, o que se impõe ser corrigido através da prolação de acórdão que revogue a sentença proferida e determine o prosseguimento da ação administrativa comum intentada pela Recorrida e, nessa medida, que o Tribunal a quo aprecie efetivamente da (i)legalidade dos atos administrativos praticados pela Recorrida (…)”.
*
*
Notificada que foi para o efeito, a Recorrida Amave - Associação de Municípios do Vale do Ave não produziu contra-alegações.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer, tendo concluído pela (i) inadmissibilidade legal de interposição do presente recurso jurisdicional, ou, quando assim não se entenda, pela (ii) improcedência do mesmo.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber (i) se resulta legalmente admissível a interposição do presente recurso jurisdicional, e, em caso afirmativo, (ii) se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
* *
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:
“(…)
1) Em 15-07-2003, a AMAVE e a A. celebraram um “Contrato para a execução de cartografia numérica à escala 1:10.000 e ortopografia da região do Vale do Ave” [cf. doc. 1 junto com a petição inicial].
2) Do caderno de encargos subjacente ao contrato referido no item anterior constava, entre o mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]”
[cf. doc. 2 junto com a petição inicial]
3) Em 23-05-2006, o Conselho Diretivo da AMAVE tomou a seguinte deliberação:
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]”
[cf. doc. 3 junto com a petição inicial]
4) Em 11-07-2006, o Conselho Diretivo da AMAVE tomou a seguinte deliberação:
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]”
[cf. doc. 5 junto com a petição inicial]
5) Em 01-09-2006, a A. intentou uma ação administrativa especial contra a AMAVE, peticionando o seguinte
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]”
[cf. doc. 1 junto com a réplica]
6) Na pendência da ação intentada pela A., foi indeferida a alteração do pedido requerida por aquela, através da qual requeria o “aditamento” ao pedido formulado, estribando-se no facto de lhe ter sido notificada a comunicação de 19-07-2006, referente à deliberação mencionada no antecedente item 4), para pagar nova multa contratual de 92.026,93€ com base em alegado incumprimento contratual [cf. despacho constante de fls. com a refª 007484025 e a sentença constante de fls. com a refª 007484028].
7) Em 13-01-2012, foi proferida a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a qual julgou improcedente a ação intentada pela A., a que se alude no item anterior, absolvendo a AMAVE dos pedidos [cf. doc. a fls. com a refª 007484028, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido].
8) Em 27-06-2014, na sequência do recurso interposto pela A. da decisão referida no item anterior, foi proferido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, o qual negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida [cf. doc. a fls. com a refª 007484031, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido] (…)”.
*
IV.2 - DO DIREITO
Cumpre apreciar se (i) resulta legalmente admissível a interposição do presente recurso jurisdicional, e, em caso afirmativo, (ii) se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Assim, e com reporte para a primeira questão decidenda supra elencada, cabe notar que a problemática que ora importa dirimir vem expressamente suscitada pelo M.P. no parecer que faz fls. 449 e seguintes dos autos.
Efetivamente, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Superior é do entendimento de que carece a Recorrente de falta interesse em agir interpondo o presente recurso, pelo que não deve o mesmo ser admitido.
Ora, desde já se adianta que se acompanha a Ministério Público na sua visão de não conhecimento do objeto do recurso.
Na verdade, a presente ação foi interposta pela AMAVE - Associação de Municípios do Vale do Ave contra a A. Lda., visando a condenação desta a pagar àquela o montante de € 1.368.864,64 de multas contratualmente previstas e aplicadas, mas ainda em dívida, acrescido de juros vencidos de € 344.414,52, num total de € 1.713.279.16, acrescido dos juros que a partir da presente data se vencerem sobre o capital de € 1.368.864,64, à taxa que sucessivamente vigorar, até integral pagamento.
Ora, como sabemos, a decisão judicial ora em censura absolveu a Ré A. Lda. com fundamento na verificação da exceção da falta de interesse em agir por parte da Autora AMAVE - Associação de Municípios do Vale do Ave, com a qual se conformou a Autora, não tendo recorrido da mesma.
Vem agora a Ré A. Lda., não obstante a sua absolvição da instância, interpor recurso jurisdicional, invocando legitimidade para a sua interposição, por lhe ser desfavorável.
Realmente, a Ré sustenta que “(…) a sentença proferida não [lhe] podia ser mais gravosa e prejudicial, (…) Pois dela parece resultar que a Autora pode avançar diretamente para a execução atos administrativos de aplicação de sanções contratuais, uma vez, de acordo com a presente sentença, tais atos já nem sequer carecem de ser apreciados do ponto de vista da sua legalidade (…) Donde, portanto, é evidente e inevitável a conclusão de que a Ré é a única e efetiva prejudicada pela presente decisão, por se ter entendido que a ação administrativa especial anteriormente intentada pela Ré, e que julgou improcedentes os vícios do ato administrativo nela invocados, se substituía à apreciação jurídica solicitada ao tribunal através da presente ação administrativo comum (…)”.
Mas sem amparo de razão.
Explicitemos pormenorizadamente esta nossa convicção, determinando, de antemão, a lei processual aplicável à situação sub judice.
Assim, e no domínio versado, sublinhe-se que o Decreto-Lei nº. 214-G/2015, de 2 de outubro, procedeu a uma reforma substancial do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], aprovado pela Lei nº. 15/2002, de 22 de fevereiro, e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], aprovado pela Lei nº. 13/2002, de 19 de fevereiro - os dois diplomas estruturantes do sistema português de contencioso administrativo.
Estabelece o art. 15º, nº. 2 do Decreto-lei nº 214-G/2015 de 02.10. que “As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei no 15/2002 de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis nos 4-A/2003 de 19 de fevereiro, 59/2008 de 11 de setembro e 63/2011 de 14 de dezembro, só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor”.
O Decreto-lei nº. 214-G/2015 de 02.10, entrou em vigor 60 dias após a data da sua aplicação [cfr. 15º., nº. 1], ou seja, a 02.12.2015.
Considerando que a presente ação deu entrada em juízo no dia 19.03.2020, será de aplicar à mesma o C.P.T.A., na versão do Decreto-Lei nº. 214-G/2015.
Ora, e no que para o que aqui releva, dispõe o artigo 141º do C.P.T.A., sob a epígrafe “Legitimidade”, o seguinte ”(…)
1 - Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.
2 - Nos processos impugnatórios, considera-se designadamente vencido, para o efeito do disposto no número anterior, o autor que, tendo invocado várias causas de invalidade contra o mesmo ato administrativo, tenha decaído relativamente à verificação de alguma delas, na medida em que o reconhecimento, pelo tribunal de recurso, da existência dessa causa de invalidade impeça ou limite a possibilidade de renovação do ato anulado.
3 - Ainda que um ato administrativo tenha sido anulado com fundamento na verificação de diferentes causas de invalidade, a sentença pode ser impugnada com base na inexistência de apenas uma dessas causas de invalidade, na medida em que do reconhecimento da inexistência dessa causa de invalidade dependa a possibilidade de o ato anulado vir a ser renovado.
4 - Pode ainda recorrer das decisões dos tribunais administrativos quem seja direta e efetivamente prejudicado por elas, ainda que não seja parte na causa ou seja apenas parte acessória (…)”.
Dos preceitos de lei ordinária ora transcritos destaca-se a “certeza férrea” que o legislador preconizou dois critérios para aferir a legitimidade para interpor recurso jurisdicional, a saber: (i) o “vencimento na decisão recorrida” e (ii) a existência de prejuízo direto e efetivo para quem recorre” [cfr. nº.1 e 4 do artigo 141º do CPTA].
A aplicação de um ou outro critério depende da qualidade interveniente de quem recorre.
Realmente, se quem recorrer for parte principal no processo o critério a seguir é o do “vencimento da causa” [cfr. nº.1].
Se, porventura, não for parte ou parte acessória, então a regra a ponderar é a da “existência de prejuízo direto e efetivo para quem recorre” [nº.4].
Volvendo ao caso em apreciação, dúvidas não subsistem que a Recorrente figura como parte principal no caso dos autos, o que significa que, neste particular conspecto, não assiste razão à Recorrente ao convocar a “existência de prejuízo direto e efetivo para quem recorre” para fundar a sua legitimidade para recorrer da decisão judicial promanada nos autos.
Realmente, de harmonia com o que se vem de expor, o critério a seguir para aferir a legitimidade da Recorrente é o do “vencimento da causa”.
Ora, o vencimento afere-se pelo decaimento face ao pedido formulado e não pela eventual repercussão negativa da ponderação de direito aduzida na decisão judicial.
Com efeito, para efeito de determinação do “ganho de causa ou vencimento da ação”, releva, não o eventual reflexo negativo do horizonte argumentativo vertido na decisão recorrida, mas apenas, e tão só, a obtenção ou não em juízo daquilo que se peticionou.
De facto, é parte vencida a prejudicada ou afetada pela decisão e esta é a parte que não obteve em juízo aquilo que pediu.
A Recorrente nada peticionou, tendo beneficiado da procedência da matéria excetiva suscitada nos autos, dessa forma evitando a eventual procedência da ação, e, como tal, a sua condenação no pagamento dos montantes reclamados nos autos.
Realmente, a sentença proferida a fls. 307 e seguintes dos autos [suporte digital] foi totalmente favorável à Ré, aqui Recorrente, pois nela se considerou ser procedente a suscitada exceção dilatória de falta de interesse em agir, e, por isso, se determinou a absolvição da instância contra esta instaurada.
Assim, e não relevando as razões aventadas pela Recorrente em torno da motivação de direito espraiada na decisão recorrido, é de manifesta evidência que a Recorrente não ficou prejudicada ou afetada pela decisão judicial recorrida.
O que conduz à constatação que a Recorrente carece de legitimidade processual para interpor o presente recurso jurisdicional, não sendo, por isso, adjetivamente admissível a interposição do presente recurso jurisdicional.
Deve, portanto, julgar-se inadmissível a interposição do presente recurso jurisdicional, por ilegitimidade da Recorrente, o que determina a prejudicialidade do conhecimento das questões suscitadas no presente recurso jurisdicional.
Ao que se provirá no dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NÃO ADMITIR o recurso jurisdicional da decisão jurisdicional recorrida, por ilegitimidade da Recorrente.
Custas pela Recorrente
Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 17 de dezembro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Luís Migueis Garcia