Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01854/10.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO INTERNO/EXTERNO
Sumário:I - A falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e importa a nulidade da sentença, se tiverem sido alegados factos que não tenha sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.
II - Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
III - A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo.
IV – No caso em análise, existiu uma actividade da iniciativa da Administração Tributária, junto do Técnico Oficial de Contas, destinada à obtenção de elementos que não estavam na sua disponibilidade. Toda esta actividade de investigação ocorreu em momento anterior ao do início do período que corresponde àquele durante o qual, segundo o relatório de inspecção, decorreu a acção inspectiva. Esta factualidade não descaracteriza o procedimento, devendo-se qualifica-lo como sendo de natureza externa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:L..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

“L..., LDA.”, melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 28/06/2011, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA do 4° trimestre de 2007 e respectivos juros, no valor total de 24.969,28€.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.
A douta Sentença ora impugnada é nula, de harmonia com o preceituado no artigo 125.º, n.º 1 do C.P.P.T., na medida em que o M.mo Juiz do Tribunal “a quo” não procedeu à discriminação dos factos não provados, sendo que a tanto está obrigado, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do mesmo código.
2.
Ora, a falta de indicação dos factos não provados equipara-se, para efeitos da nulidade prevista no citado artigo 125.º, n.º 1 do C.P.P.T., e como nos diz o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, à falta de indicação da matéria de facto provada.
3.
Ainda que assim doutamente se não entenda, o que apenas como mera hipótese académica se aventa, a verdade é que a douta sentença de que ora se recorre assenta numa insuficiência notória da fundamentação de facto,
4.
nomeadamente no que respeita à questão essencial da legalidade do procedimento de inspecção que esteve na base das liquidações adicionais em IVA, referentes ao período de 2007/12T, que foram objecto de impugnação pela ora Recorrente.
5.
Com efeito, compulsado o elenco dos factos provados, constata-se que este é totalmente omisso quanto à forma como se desenvolveu a acção inspectiva, quais os motivos que a determinaram ou como teve dela conhecimento a contribuinte,
6.
sendo que, no nosso modesto entendimento, a simples inclusão das conclusões exaradas no relatório da inspecção nesse elenco, que se dão, aliás, como reproduzidas na íntegra, não permite ultrapassar essa deficiente fundamentação.
7.
Não obstante, não se exime o M.mo Juiz do Tribunal “a quo” de se pronunciar e decidir quanto a essa natureza e fundamentos, circunstância que inevitavelmente conduz à necessidade de anular a decisão final no processo de impugnação.
8.
Não prescindindo, mais se dirá que na decisão ora sindicada o M.mo Juiz da primeira instância incorre em vício de interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 13.º, 37.º, 49.º e 50.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e ainda dos artigos 17.º e 21.º, n.º 1 c) da Sexta Directiva IVA e 19.º do C.I.V.A.
9.
Quanto ao procedimento de inspecção, a primeira consideração que se impõe é a de que a recolha de elementos junto do sujeito passivo, ainda que se tratasse de averiguar a legitimidade de um reembolso, nunca poderia preceder a emissão da ordem de serviço que a permitisse,
10.
sendo ademais inquestionável que o carácter interno ou externo de uma inspecção se encontra legalmente definido no artigo 13.º do RCPIT, não estando dependente da qualificação dada pela Administração Tributária, em cada caso.
11.
Mais se entende que no caso em apreço se impunha a notificação prévia do contribuinte, relativamente ao início da acção inspectiva, a qual, ao não se verificar, conduz à invalidade do procedimento,
12.
não sendo aplicável ao caso de verificação dos pressupostos de um reembolso a dispensa prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 50.º do RCPIT.
13.
Por outro lado, ao efectuar duas inspecções ao sujeito passivo, em prazo inferior a dois anos, a uma mesma situação de facto, incorreu a Administração Tributária numa violação do princípio da proporcionalidade, previsto nos artigos 5.º e 7.º do RCPIT e 63.º, n.º 3 da LGT.
14.
Também essa violação conduz à invalidade da acção inspectiva, com as legais consequências, designadamente a anulação das liquidações impugnadas.
15.
No que respeita à invocada necessidade de a ora Recorrente dever ter recorrido ao mecanismo de regularizações previsto no artigo 78.º do CIVA, impõe-se considerar que tal mecanismo assume natureza meramente facultativa e que, para a sua aplicação, sempre se encontraria a Recorrente dependente da vontade de terceiros em agir de um modo determinado,
16.
pelo que, com vista a alcançar o objectivo supremo da neutralidade fiscal, não deve a Administração Fiscal deixar de admitir a possibilidade de a beneficiária das facturas recorrer ao mecanismo da dedução, a fim de lhe ser restituído um valor que lhe foi indevidamente liquidado
17.
e cuja retenção, por parte do Estado Português constitui, para todos os efeitos, um enriquecimento ilícito.
18.
Tal solução não se opõe às regras e princípios estruturantes do Sistema Comum de IVA, nomeadamente no que concerne ao exercício do direito à dedução.
19.
A decisão ora sindicada, ao restringir ao mecanismo das regularizações, previsto no artigo 78.º do CIVA, a possibilidade da Recorrente recuperar o valor do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente entregue ao Estado Português consubstancia uma errónea interpretação e aplicação dos artigos 17.º e 21.º, n.º 1 c) da Sexta Directiva IVA e do artigo 19.º do CIVA.
TERMOS EM QUE considerado procedente o presente recurso deve a douta Sentença recorrida ser revogada, proferindo-se, em conformidade, decisão que determine a anulação das liquidações adicionais em sede de IVA, referentes ao período de 2007/12T, assim se actuando em conformidade com a lei e se fazendo JUSTIÇA!
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A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 110, no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir:
- Nulidade da sentença, por não discriminação dos factos não provados;
- (I)legalidade do procedimento de inspecção tributária;
- (I)legalidade das correcções efectuadas - possibilidade de recuperação do IVA.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
1. Na sequência de uma acção inspectiva desenvolvida pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, ao abrigo da ordem de serviço n.° OI200800196, de 2008/11/28, relativa ao exercício de 2007 (iniciada em 2008/12/04 e terminada em 2008/12/09), determinada por irregularidades em sede de IVA, detectadas no âmbito de outra acção inspectiva, de carácter externo, efectuada à contribuinte, emitiu a D.G.I. as seguintes liquidações adicionais referentes ao período de 2007/12T, ambas datadas de 2009/01/29 e devidamente notificadas ao contribuinte:
- Liquidação de imposto n.º 09006404, no valor de € 24.108,00
- Liquidação de juros n.° 09006405, no valor de € 861,28.
2. Não aceitando como válidas tais liquidações, a Impugnante não procedeu ao seu pagamento voluntário, razão pela qual lhe foi entretanto instaurado procedimento executivo para cobrança coerciva, o qual foi autuado com o n.° 2348200901012541 e corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, encontrando-se actualmente suspenso o procedimento, em virtude de prestação, pela contribuinte, de garantia idónea;
3. Mais procedeu a aqui impugnante à apresentação de reclamação graciosa, a qual, considerada improcedente pela Administração Fiscal, motivou a interposição de recurso hierárquico;
4. As liquidações reclamadas foram emitidas com fundamento nas conclusões de uma acção inspectiva, que constam do respectivo relatório final de inspecção tributária junto aos autos (e que aqui se dá por integralmente reproduzido) e de onde consta o seguinte:
- A ora Recorrente solicitou o reembolso de IVA, no montante de €27.424,28, com referência ao período 2007-03T, o qual lhe veio a ser pago em 2007-08-30;
- A coberto de despacho interno, foi apreciado o aludido reembolso, tendo sido detectadas algumas irregularidades ao nível da dedução de imposto;
- Face a tais anomalias, procedeu-se a acção inspectiva interna, no âmbito da qual se apuraram correcções, nos montantes de €2.390,20, €21.924,00, €2.184,00, com referência aos períodos de tributação de, respectivamente, 2004-12T, 2006-12T e 2007-03T. O imposto corrigido foi pago;
- Tais correcções assentaram no facto dos documentos não possuírem os elementos constantes do artigo 35° (actual artigo 36), do CIVA, e Ofício-Circulado n.° 181044, de 1991-12-06, do Gabinete do Subdirector-Geral dos impostos para a área do IVA, além do facto de tais operações não estarem sujeitas a IVA, por serem praticadas em Espanha sobre bens imóveis, em conformidade com o disposto na alínea a), do nº 5, do artigo 6.º, do CIVA (na redacção em vigor até 31 de Dezembro de 2009);
- No período de tributação de 2007-12T a ora Recorrente declarou, no campo 40 (regularizações a favor do sujeito passivo), do quadro 06, da respectiva declaração periódica, o montante de €24.108,00, o qual contribuiu para um crédito de imposto de €26.231,28, relativamente ao qual solicitou o reembolso, o qual lhe foi pago, em 2008-05-30;
- Dos elementos recolhidos, verificou-se que o montante declarado, no aludido campo 40, respeita ao imposto que lhe havia sido corrigido relativamente aos períodos de 2006-12T e 2007-03T e tem por base facturas de substituição e autos de medição que lhes foram anexos;
- Embora os respectivos prestadores de serviços tivessem procedido à emissão de segundos vias de facturas, com vista a corrigir as omissões constantes das inicialmente processadas, o imposto constante em tais documentos não se mostra dedutível, dado que foi liquidado relativamente a operações não sujeitas a IVA, em território nacional;
- Nos termos do artigo 6.°, nº 5, alínea a), do CIVA (na redacção em vigor até 31 de Dezembro de 2009), tais operações, para efeitos de IVA, consideram-se localizadas em Espanha, por serem praticadas sobre bens imóveis aí situados;
- Aliás, conforme ficou referido no relatório de inspecção que esteve na base das correcções então propostas, tudo de acordo com o que foi decidido sobre esta matéria pelo Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (T.J.C.E.) - proc. n. ° 342/87, de 1989-12-13;
- Assim, conclui-se que a ora Recorrente beneficiou indevidamente de parte do reembolso de IVA recebido, em 2008-05-30, com referência ao período 2007-12T, pelo que se vai proceder à exigência daquela parcela de imposto, no montante de €24.180,00.
Tendo por referência o requerimento apresentado pela ora Recorrente, em exercício do direito de audição, mais se refere, no relatório de inspecção, que:
- O presente acto inspectivo efectuou-se exclusivamente nos Serviços da Administração Tributária (AT), tendo-se apenas aproveitado, numa deslocação feita às instalações do técnico oficial de contas, a coberto da ordem de serviço n.° OI200800179 (ainda em curso), para solicitar esclarecimentos sobre o assunto em questão, em vez de o fazer por carta registada. Além disso, visou somente a confirmação dos pressupostos que a ora Recorrente invocou (reembolso do IVA), pelo que se trata de uma excepção prevista no n.° do artigo 63.º, da LGT;
- O imposto indevidamente liquidado e pago pelos emitentes das facturas não legitima o direito à dedução desse mesmo imposto por parte do adquirente, conforme foi decidido sobre esta matéria pelo TJCE. Por outro lado, a solução para tais inexactidões encontra-se prevista no CIVA, mais concretamente nos n. °s 3 e 4, do artigo 78.º, do CIVA.
(...)
**
O tribunal decidiu a matéria de facto com base o acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como na prova documental junta aos autos.

2. O Direito

Começamos a nossa apreciação pela arguição de nulidade da sentença recorrida, de harmonia com o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Sustenta a Recorrente não existir qualquer indicação dos factos considerados como não provados, limitando-se a fundamentação apresentada a considerações de carácter genérico quanto à forma como operou o apuramento da matéria de facto dada como provada.
O actual regime do Código de Processo Civil (CPC) relativo à elaboração da sentença aproximou-se do regime que já vigorava no CPPT, consagrado no n.º 2 do artigo 123.º deste diploma; norma que, contudo, vai aparentemente mais longe que o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, já que impõe que o juiz discrimine “a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
A exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial na sentença, pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto.
É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da referida discriminação entre "a matéria provada da não provada" – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora, 2011, página 320, citando a declaração de voto do Senhor Conselheiro Dr. Brandão de Pinho proferida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2003, no processo n.º 0869/02.
É precisamente por ter sido eliminado o julgamento da matéria de facto, previsto no anterior artigo 653.º do CPC, que no regime actual do CPC se acolheu uma solução idêntica à prevista no CPPT.
Actualmente é, portanto, incontroverso que, na elaboração da sentença, quer em processo civil quer em processo tributário, o juiz deve declarar quais os factos que julga não provados.
Perfilhamos, no entanto, o entendimento de que o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, não exige uma descrição textual e exaustiva de cada facto não provado, bastando-se com uma simples remissão que permita identificar com exactidão o facto ou os factos a que respeita, por exemplo para os artigos das peças processuais, que possibilite às partes ou a qualquer destinatário da sentença apreender com facilidade os factos que o julgador considerou não provados, visto que a falta da sua descrição textual pode facilmente ser suprida pela sua leitura/visualização na peça ou documento processual para onde a remissão é feita.
Obedecendo aos cânones impostos pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil a norma é passível de interpretação no sentido de que o legislador do CPPT quis autonomizar a matéria provada da não provada, não impondo que esta seja obrigatoriamente descrita, ao prescrever que “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada” (negrito nosso). Se outra fosse a sua intenção, isto é, se o fim visado com a norma fosse a discriminação da matéria provada e não provada, então por certo que a redacção que teria sido utilizada seria esta: “o juiz discriminará também a matéria provada e a não provada”. A discriminação é, pois, entre uma e outra e não uma discriminação das duas.
Isto é, o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, deve ser interpretado no sentido de que a referência à matéria de facto não provada se basta com a declaração dos correspondentes factos, de modo semelhante à solução acolhida pelo actual Código de Processo Civil – neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/01/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07160/13.
Ora, é incontroverso que o tribunal recorrido não deu cumprimento a este comando legal, visto que nem sequer fez alusão, na douta sentença, a matéria de facto não provada.
Na sentença recorrida foi especificada matéria de facto, tendo a respectiva decisão assentado no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como na prova documental junta aos autos.
A questão que se poderá colocar é se a decisão recorrida da matéria de facto inclui já toda a factualidade relevante para a decisão da causa, considerando todas as soluções plausíveis de direito, tendo implícito inexistirem factos não provados.
Ora, aqui entronca a restante alegação da Recorrente, pois invoca desconhecer, em concreto, qual a matéria de facto provada e considerada, porque o tribunal recorrido se limita ali a operar a remissão para o relatório de inspecção tributária e a transcrever um excerto do documento que não contém os factos relevantes para a decisão da causa.
Alerta, como se constata, que no elenco dos factos dados como provados e, nessa conformidade, assumidos como essenciais para a boa decisão da causa, não se inclui qualquer referência a factos que permitam concluir pelo carácter ou natureza da acção inspectiva que esteve na base das liquidações adicionais em sede de IVA impugnadas pela aqui Recorrente, nem tão-pouco das razões ou motivos que determinaram essa acção de fiscalização. A fundamentação de facto exclui, ainda, qualquer menção à forma como a Administração Tributária efectuou essa acção inspectiva, nomeadamente quanto à notificação ou não ao sujeito passivo do início do procedimento.
Tem-se entendido, com efeito, que não é tecnicamente correta a selecção de factos com mera remissão para o teor de documentos (por exemplo: “Dou por reproduzido o documento de fls.”). Porque a resposta à matéria de facto é o local adequado para dar como provados (ou não provados) os factos documentados, e não os documentos em si mesmos.
Deve, porém, contrapor-se desde já que o Meritíssimo Juiz a quo não se limita, no ponto 4 da sentença recorrida, a remeter para o conteúdo do relatório de inspecção tributária. Também dá como provado que as liquidações foram emitidas com fundamento nas conclusões de uma acção inspectiva, que constam do respectivo relatório final de inspecção tributária junto aos autos, passando a transcrever o que dele consta e mostrando que a correcção foi apurada e efectuada com base no teor desse relatório.
Por outro lado, nem o artigo 123.º do CPPT nem outra norma processual impedem que, quando se pretenda dar como provado que foram prestadas determinadas informações escritas que suportaram a decisão impugnada, se transcreva parcialmente o teor do documento onde foram inseridas e se remeta, no mais, para o restante conteúdo do mesmo, quando se encontre incorporado nos autos. Até porque, muitas vezes, a transcrição total não é possível ou é inútil.
Importa extrair da petição inicial as questões que a Recorrente apresentou ao tribunal para decisão e a factualidade alegada para o efeito: invocou como causa de pedir a ilegalidade do procedimento de inspecção tributária, sustentando que a liquidação em crise foi ocasionada por uma alegada “inspecção interna”, por desenvolvimento de um procedimento autónomo, referente ao período correspondente ao quarto trimestre de 2007 de IVA, mas que a inspecção tributária aproveitou elementos recolhidos no decurso de uma outra acção inspectiva externa ao sujeito passivo, circunscrita ao exercício de 2005, quer em sede de IVA quer em sede de IRC. Pugna que esta invalidade da inspecção assenta na ausência de notificação do legal representante da empresa, em violação do disposto nos artigo 37.º e 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), uma vez que o Inspector Tributário admite ter recolhido nas instalações do técnico oficial de contas da Recorrente os elementos contabilísticos que serviram de base ao seu trabalho, o que, na tese da Recorrente, confirma não estar em causa uma acção inspectiva interna. Invocou, ainda, a ilegalidade das correcções efectuadas, sustentando ter direito ao reembolso do IVA constante nas facturas em causa, relativas a prestações de serviço intracomunitárias. Reconduzindo-se, esta última, a uma questão essencialmente de direito.
Ora, em consonância com o alegado nos artigos 1.º a 3.º petição inicial, o tribunal a quo fixou a seguinte factualidade no ponto 1.:
“1. Na sequência de uma acção inspectiva desenvolvida pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, ao abrigo da ordem de serviço n.° OI200800196, de 2008/11/28, relativa ao exercício de 2007 (iniciada em 2008/12/04 e terminada em 2008/12/09), determinada por irregularidades em sede de IVA, detectadas no âmbito de outra acção inspectiva, de carácter externo, efectuada à contribuinte, emitiu a D.G.I. as seguintes liquidações adicionais referentes ao período de 2007/12T, ambas datadas de 2009/01/29 e devidamente notificadas ao contribuinte:
- Liquidação de imposto n.º 09006404, no valor de € 24.108,00
- Liquidação de juros n.° 09006405, no valor de € 861,28.”
Assim, na decisão da matéria de facto, aceitou-se, sem questionar, que as irregularidades em sede de IVA subjacentes às liquidações em crise foram detectadas no âmbito de outra acção inspectiva, de carácter externo.
Efectivamente, nas conclusões do relatório da acção inspectiva refere-se expressamente que as irregularidades foram detectadas aquando da acção externa levada a cabo a coberto da ordem de serviço OI200800179.
Por outro lado, a Recorrente no artigo 11.º da petição inicial menciona o desenvolvimento de procedimento autónomo, referente às liquidações aqui impugnadas, “aproveitando elementos recolhidos no decurso de uma outra acção inspectiva externa ao sujeito passivo”. E, depois, no artigo 13.º da petição inicial, acrescenta-se, de forma conclusiva, que “sem existir qualquer legitimação formal para o efeito, foi “enxertada” no procedimento externo em curso à aqui recorrente uma outra acção inspectiva, tendente a apreciar os factos que estiveram na base do referido reembolso”.
Nesta conformidade, não parece resultar controvertido entre as partes que a Recorrente estava a ser objecto de uma acção inspectiva de natureza externa, a coberto da ordem de serviço OI200800179. Daí a matéria de facto vertida no item 1. da factualidade assente, com base no acordo das partes.
Em rigor, a qualificação da natureza da acção inspectiva, usando a expressão “(…) de carácter externo (…)” tem ínsito um juízo conclusivo, visto que a classificação do procedimento de inspecção quanto ao lugar da realização não dispensa o confronto dos conceitos que se mostram densificados no artigo 13º do RCPIT:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
Portanto, somente perante o elenco de factos simples poderíamos, depois, concluir qual a natureza do procedimento de inspecção quanto ao lugar da realização.
No entanto, uma vez que as partes não colocaram em causa o facto de a acção levada a cabo a coberto da ordem de serviço OI200800179 ser classificada como externa, nenhuma alteração, a este respeito, se fará à decisão da matéria de facto, por se presumir, tal conclusão, não ter no seu silogismo básico quaisquer factos simples controvertidos.
Centrar-nos-emos, assim, na acção inspectiva subjacente às correcções e liquidações em apreço nos autos.
Nesta parte, a sentença recorrida resumiu a decisão da matéria de facto ao teor das conclusões do relatório final da respectiva inspecção tributária – cfr. o já referido ponto 4.
Vejamos, por outro lado, a forma como a Recorrente alegou os factos relevantes para a apreciação da validade do procedimento de inspecção tributária:
No artigo 15.º da petição inicial, podemos ler «muito embora não se tenha eximido de reconhecer que se havia “aproveitado” do facto de se estar a desenvolver outra acção para se obterem alguns “esclarecimentos sobre o assunto em questão”, nas “instalações do técnico oficial de contas” (…)» - retirado da resposta da Administração Tributária (AT) à pronúncia da Recorrente em sede de exercício do direito de audição.
É nesta sequência que a Recorrente, no artigo 18.º da sua petição inicial, conclui: «considerando que a explicação avançada pelo M.mo Inspector Tributário, no ponto em que admite ter recolhido nas instalações do técnico oficial de contas da “L..., Lda.” os elementos contabilísticos que serviram de base ao seu trabalho, confirma inteiramente a nossa tese, de que em causa não estava uma acção inspectiva “interna”».
Assim, o facto alegado e em que se baseia a conclusão de direito da Recorrente, extrai-se das conclusões do próprio relatório de inspecção tributária: a admissão pelo Inspector Tributário de ter recolhido elementos contabilísticos nas instalações do técnico oficial de contas da Recorrente.
Tal factualidade foi apurada pelo tribunal a quo, encontrando-se reproduzida na decisão da matéria de facto e assentando na prova documental junta aos autos.
Sustenta, por último, que a fundamentação de facto na sentença recorrida exclui ainda qualquer menção à forma como a Administração Tributária efectuou essa acção inspectiva, nomeadamente quanto à notificação ou não ao sujeito passivo do início do procedimento.
Ora, no artigo 19.º da petição inicial, a Recorrente refere-se expressamente à ausência de notificação do legal representante da empresa, tendo concluído que tal conduz à invalidade da inspecção, não podendo produzir quaisquer efeitos, nomeadamente em sede de liquidação de tributos, invocando o disposto nos artigos 37.º e 49.º do RCPIT.
Efectivamente, considerando as soluções plausíveis de direito, verificamos que este facto - ausência de notificação do legal representante da empresa – é pertinente para a decisão da causa.
Isto porque a qualificação do procedimento, como inspecção interna ou externa, não depende da livre qualificação que a AT lhe atribua, antes obedecendo a critérios legais que confirmam, ou não, a designação escolhida – cfr. o já referido artigo 13.º do RCPIT.
Logo, dependendo da natureza do procedimento quanto ao local da sua realização, teremos regras diversas a seguir, consagradas legalmente:
A regulamentação do procedimento encontra-se nos artigos 44.º e seguintes do RCPIT.
Ora, como resulta do artigo 46.º, do RGIT, só «o início do procedimento externo de inspecção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão (...)», considerando-se credenciados os funcionários da DGI munidos de ordem de serviço; sendo que não há lugar a emissão de ordem de serviço quando as acções de inspecção tenham por objectivo a consulta, recolha e cruzamento de elementos, entre o mais; e as acções de inspecção que visem a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto de sujeitos passivos com quem o sujeito inspeccionado mantenha relações económicas são efectuadas mediante entrega, por parte do funcionário, da nota de diligência que indicara a tarefa executada.
Também, nos termos do artigo 49.º, do RCPIT, só «o procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início»; e não há lugar a notificação prévia do procedimento de inspecção quando o procedimento vise apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documentos destinados a confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário e nos demais casos previstos no artigo 50.º, do RCPIT. Embora a lei não a proíba, a verdade é que só exige a notificação prévia nesses casos e da inspecção externa.
Assim, de acordo com o disposto nos artigos 46.º, n.º 4, alínea a) e 50.º, n.° 1, alínea a) do RCPIT, o procedimento de inspecção que tenha por objectivo a consulta, recolha e cruzamento de documentos destinados à confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário não carece de ordem de serviço nem de notificação prévia, pois que a mesma visa apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documentos.
Nesta conformidade, pugnando a Recorrente pela presença de procedimento externo de inspecção subjacente às liquidações impugnadas, a ausência de notificação prévia é um facto relevante para a apreciação da legalidade do procedimento.
Logo, este facto alegado no artigo 19.º da petição inicial não pode ser liminarmente afastado, considerando todas as soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida. Pelo que, aqui chegados, não temos dúvidas em concluir que está contido naquele artigo facto relevante para a decisão que, tendo sido alegado, deve ser considerado no julgamento de facto, dando-o como provado ou não provado.
Ora, tal facto não consta na decisão recorrida e a falta de referenciação do mesmo nos factos provados ou não provados, que pode relevar para a decisão da causa, integra a nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Não obstante impor-se a declaração de nulidade da sentença recorrida, passaremos a conhecer do objecto da apelação, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
No entanto, previamente, uma vez que a factualidade apurada foi eliminada por força da declaração de nulidade, urge fixá-la, alterando a decisão da matéria de facto, na linha do que ficou exposto supra.
Como mencionámos supra, quando se pretenda dar como provado que foram prestadas determinadas informações escritas que suportaram a decisão impugnada, nada impede que se transcreva parcialmente o teor do documento onde foram inseridas e se remeta, no mais, para o restante conteúdo do mesmo, quando se encontre incorporado nos autos. Tal foi efectuado no ponto 4. da decisão da matéria de facto. No entanto, para melhor e mais ampla compreensão dos passos que foram dados no procedimento de inspecção e uma vez que os mesmos se mostram descritos nas conclusões do relatório de inspecção, procederemos a uma transcrição mais abrangente do que a que foi realizada pelo tribunal recorrido.

Assim, com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Na sequência de uma acção inspectiva desenvolvida pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, ao abrigo da ordem de serviço n.° OI200800196, de 2008/11/28, relativa ao exercício de 2007 (iniciada em 2008/12/04 e terminada em 2008/12/09), determinada por irregularidades em sede de IVA, detectadas no âmbito de outra acção inspectiva, de carácter externo, efectuada à contribuinte, emitiu a D.G.I. as seguintes liquidações adicionais referentes ao período de 2007/12T, ambas datadas de 2009/01/29 e devidamente notificadas ao contribuinte:
- Liquidação de imposto n.º 09006404, no valor de € 24.108,00
- Liquidação de juros n.° 09006405, no valor de € 861,28.
2. Não aceitando como válidas tais liquidações, a Impugnante não procedeu ao seu pagamento voluntário, razão pela qual lhe foi entretanto instaurado procedimento executivo para cobrança coerciva, o qual foi autuado com o n.° 2348200901012541 e corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, encontrando-se actualmente suspenso o procedimento, em virtude de prestação, pela contribuinte, de garantia idónea;
3. Mais procedeu a aqui impugnante à apresentação de reclamação graciosa, a qual, considerada improcedente pela Administração Fiscal, motivou a interposição de recurso hierárquico;
4. As liquidações reclamadas foram emitidas com fundamento nas conclusões de uma acção inspectiva, que constam do respectivo relatório final de inspecção tributária junto aos autos (e que aqui se dá por integralmente reproduzido) e de onde consta o seguinte:
- A ora Recorrente solicitou o reembolso de IVA, no montante de €27.424,28, com referência ao período 2007-03T, o qual lhe veio a ser pago em 2007-08-30;
- A coberto de despacho interno, foi apreciado o aludido reembolso, tendo sido detectadas algumas irregularidades ao nível da dedução de imposto;
- Face a tais anomalias, procedeu-se a acção inspectiva interna, no âmbito da qual se apuraram correcções, nos montantes de €2.390,20, €21.924,00, €2.184,00, com referência aos períodos de tributação de, respectivamente, 2004-12T, 2006-12T e 2007-03T. O imposto corrigido foi pago;
- Tais correcções assentaram no facto dos documentos não possuírem os elementos constantes do artigo 35° (actual artigo 36), do CIVA, e Ofício-Circulado n.° 181044, de 1991-12-06, do Gabinete do Subdirector-Geral dos impostos para a área do IVA, além do facto de tais operações não estarem sujeitas a IVA, por serem praticadas em Espanha sobre bens imóveis, em conformidade com o disposto na alínea a), do nº 5, do artigo 6.º, do CIVA (na redacção em vigor até 31 de Dezembro de 2009);
- No período de tributação de 2007-12T a ora Recorrente declarou, no campo 40 (regularizações a favor do sujeito passivo), do quadro 06, da respectiva declaração periódica, o montante de €24.108,00, o qual contribuiu para um crédito de imposto de €26.231,28, relativamente ao qual solicitou o reembolso, o qual lhe foi pago, em 2008-05-30;
- Dos elementos recolhidos, verificou-se que o montante declarado, no aludido campo 40, respeita ao imposto que lhe havia sido corrigido relativamente aos períodos de 2006-12T e 2007-03T e tem por base facturas de substituição e autos de medição que lhes foram anexos;
- Embora os respectivos prestadores de serviços tivessem procedido à emissão de segundos vias de facturas, com vista a corrigir as omissões constantes das inicialmente processadas, o imposto constante em tais documentos não se mostra dedutível, dado que foi liquidado relativamente a operações não sujeitas a IVA, em território nacional;
- Nos termos do artigo 6.°, nº 5, alínea a), do CIVA (na redacção em vigor até 31 de Dezembro de 2009), tais operações, para efeitos de IVA, consideram-se localizadas em Espanha, por serem praticadas sobre bens imóveis aí situados;
- Aliás, conforme ficou referido no relatório de inspecção que esteve na base das correcções então propostas, tudo de acordo com o que foi decidido sobre esta matéria pelo Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (T.J.C.E.) - proc. n. ° 342/87, de 1989-12-13;
- Assim, conclui-se que a ora Recorrente beneficiou indevidamente de parte do reembolso de IVA recebido, em 2008-05-30, com referência ao período 2007-12T, pelo que se vai proceder à exigência daquela parcela de imposto, no montante de €24.180,00.
Tendo por referência o requerimento apresentado pela ora Recorrente, em exercício do direito de audição, mais se refere, no relatório de inspecção, que:
- Em 12/11/2008, a AT iniciou o procedimento de inspecção tributária relativo ao exercício de 2005, de âmbito parcial para efeitos de IRC e IVA, a coberto da ordem de serviço externa OI200800179.
- No decurso deste procedimento, internamente, para além do exercício em causa, a AT procedeu a uma análise exaustiva, quer em termos declarativos quer em termos de pagamento dos impostos a que está obrigado.
- Dessa análise, a AT verificou que o sujeito passivo em 14/05/2007, no período de imposto de 2007 03T, solicitou o reembolso de IVA no montante de €27.424,28.
- A coberto do despacho interno n.º DI200700562 foi apreciado o aludido reembolso, tendo sido detectadas algumas irregularidades em termos de dedução de imposto.
- Face a tais anomalias, foram emitidas as ordens de serviço internas n.º OI200700251/2/3/4, donde resultaram correcções no montante de €26.498,20 (2004 12T – 2.390,20, 2006 12T – 21.924,00 e 2007 03T – 2.184,00).
- Tais correcções assentaram no facto dos documentos não possuírem os elementos constantes do artigo 35.º do Código do IVA e ainda tais operações não estarem sujeitas a IVA, dado serem praticadas em Espanha sobre bens imóveis (alínea a), n.º 5, art. 6.º do CIVA).
- No período de imposto de 2007 12T, o sujeito passivo incluiu no campo 40 da respectiva DP o montante €24.108,00, resultando daí o crédito de €26.231,28, solicitando o respectivo reembolso que lhe veio a ser pago em 30/05/2008.
- Posteriormente, a coberto da OI200800179, em resultado de uma deslocação feita às instalações do técnico oficial de contas do sujeito passivo, verbalmente, a AT questionou o responsável da contabilidade dos motivos daquela regularização, tendo sido declarado, também verbalmente, que aquele montante dizia respeito ao imposto que lhe havia sido corrigido nos períodos de 2006 12T e 2007 03T, tendo por base, agora, facturas de substituição e autos de medição anexos, facultando à AT, livremente, sem qualquer objecção, fotocópias daqueles documentos, evitando-se, desta forma, notificar a Recorrente, por carta registada para prestar os respectivos esclarecimentos.
- Na posse destes elementos, fornecidos voluntariamente pelo responsável da contabilidade, foi proposta a emissão da respectiva ordem de serviço interna.
- O presente acto inspectivo efectuou-se exclusivamente nos Serviços da Administração Tributária (AT), tendo-se apenas aproveitado, numa deslocação feita às instalações do técnico oficial de contas, a coberto da ordem de serviço n.° OI200800179 (ainda em curso), para solicitar esclarecimentos sobre o assunto em questão, em vez de o fazer por carta registada.
- O acto inspectivo para análise do reembolso solicitado no período de 2007 03T foi feito a coberto de credenciais internas (DI200700562 e OI200700251/2/3/4) e visou somente a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invocou (reembolso do IVA), pelo que se trata de uma excepção prevista no n.°3 do artigo 63.º, da LGT;
- O imposto indevidamente liquidado e pago pelos emitentes das facturas não legitima o direito à dedução desse mesmo imposto por parte do adquirente, conforme foi decidido sobre esta matéria pelo TJCE. Por outro lado, a solução para tais inexactidões encontra-se prevista no CIVA, mais concretamente nos n. °s 3 e 4, do artigo 78.º, do CIVA.
5. O representante legal da autora não foi notificado previamente ao procedimento inspectivo que se iniciou em 04/12/2008.

Alicerçou-se a convicção do tribunal, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos juntos aos autos, constantes do processo administrativo apenso aos mesmos e face à admissão por acordo das partes.
O facto alegado no artigo 19.º da petição inicial “ausência de notificação do legal representante da empresa” não foi impugnado pela Fazenda Pública.
Nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, o juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos.
Estivemos perante as dificuldades inerentes à prova de um facto negativo. No entanto, compulsados os elementos constantes dos autos e do processo administrativo apenso aos mesmos, verificamos que não existe qualquer documento probatório no sentido da verificação da notificação prévia do início do procedimento ao sujeito passivo. Acresce que a postura processual da Fazenda Pública indicia não ter sido efectuada essa notificação, fazendo a opção pela defesa da presença de um procedimento interno (precisamente onde não está prevista a obrigatoriedade legal dessa notificação prévia). Tal é visível nas conclusões do relatório de inspecção tributária, na decisão da reclamação graciosa e na decisão do recurso hierárquico, para onde remete a contestação da Fazenda Pública.
Nestes termos, este tribunal, apreciando livremente a conduta da Fazenda Pública para efeitos probatórios (cfr. artigo 110.º, nº 7 do CPPT) e tendo colhido os elementos constantes dos presentes autos, formou convicção, com a segurança e certeza exigíveis, que o representante legal da autora não foi notificado previamente ao procedimento inspectivo que se iniciou em 04/12/2008.
Tal mostrou-se preponderante na tomada de decisão, por parte deste tribunal de recurso, de proceder à alteração da decisão da matéria de facto, decidindo em substituição, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), obviando à determinação da baixa dos autos à primeira instância para apuramento da factualidade que se julgou em falta e pertinente para a decisão da causa.

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão do pleito, sendo certo que as demais asserções em causa consubstanciam meras conclusões de facto ou considerações de direito.

Apreciemos, agora, as restantes questões delimitadas pelas conclusões do presente recurso:
Aponta a Recorrente que a sentença recorrida incorre em vício de interpretação e aplicação da lei, nomeadamente, dos artigos 13.º, 37.º, 49.º e 50.º do RCPIT e ainda dos artigos 17.º e 21.º, n.º 1, alínea c) da Sexta Directiva IVA e 19.º do Código do IVA.
Quanto à primeira questão, defende a Recorrente ser o referido RCPIT que define quando estamos perante uma acção inspectiva interna ou quando essa acção assume carácter externo, não deixando a letra da lei margem para dúvidas quanto ao carácter externo da situação “sub iudice”.
No que respeita a este procedimento de inspecção, sublinha, ainda, não ser aplicável, in casu, a dispensa de notificação prévia prevista no artigo 50.º, n.º 1 a) do RCPIT, uma vez que a Administração Fiscal havia preterido a possibilidade de efectuar o controlo do pedido de reembolso, anteriormente à sua concessão e a verificação dos pressupostos para esse reembolso não pode ser assumida como uma simples “confirmação da situação tributária do sujeito passivo…”.
Consta das conclusões do relatório da acção inspectiva em apreço que em 12/11/2008, a AT iniciou o procedimento de inspecção tributária relativo ao exercício de 2005, de âmbito parcial para efeitos de IRC e IVA, a coberto da ordem de serviço externa OI200800179.
No decurso deste procedimento, internamente, para além do exercício em causa, a AT procedeu a uma análise exaustiva, quer em termos declarativos quer em termos de pagamento dos impostos a que está obrigado.
Dessa análise, a AT verificou que a Recorrente em 14/05/2007, no período de imposto de 2007 03T, solicitou o reembolso de IVA no montante de €27.424,28.
A coberto do despacho interno n.º DI200700562 foi apreciado o aludido reembolso, tendo sido detectadas algumas irregularidades em termos de dedução de imposto.
Face a tais anomalias, foram emitidas as ordens de serviço internas n.º OI200700251/2/3/4, donde resultaram correcções no montante de €26.498,20.
Tais correcções assentaram no facto dos documentos não possuírem os elementos constantes do artigo 35.º do Código do IVA e ainda tais operações não estarem sujeitas a IVA, dado serem praticadas em Espanha sobre bens imóveis.
No período de imposto de 2007 12T, a Recorrente incluiu no campo 40 da respectiva DP o montante €24.108,00, resultando daí o crédito de €26.231,28, solicitando o respectivo reembolso que lhe veio a ser pago em 30/05/2008.
Posteriormente, a coberto da OI200800179, em resultado de uma deslocação feita às instalações do técnico oficial de contas da Recorrente, verbalmente, a AT questionou o responsável da contabilidade dos motivos daquela regularização, tendo sido declarado, também verbalmente, que aquele montante dizia respeito ao imposto que lhe havia sido corrigido nos períodos de 2006 12T e 2007 03T, tendo por base, agora, facturas de substituição e autos de medição anexos, facultando à AT, livremente, sem qualquer objecção, fotocópias daqueles documentos, evitando-se, desta forma, notificar a Recorrente, por carta registada para prestar os respectivos esclarecimentos.
Na posse destes elementos, fornecidos voluntariamente pelo responsável da contabilidade, foi proposta a emissão da respectiva ordem de serviço interna.
Assim, a presente acção inspectiva, relativa ao exercício de 2007, referente ao período de IVA de 2007 12T, foi efectuada a coberto da ordem de serviço n.º OI200800196, de 28/11/2008, tendo tido início em 04/12/2008 e terminado em 09/12/2008; tendo como principal objectivo proceder à correcção do IVA que se mostra devido.
Reitera-se que todos estes elementos e descrição do procedimento se mostram explanados nas conclusões do relatório da acção inspectiva em análise, conforme se reproduziu na decisão da matéria de facto.
Desde logo, ressalta que em 12/11/2008 foi dado início a um procedimento de inspecção tributária relativo ao exercício de 2005, a coberto da ordem de serviço externa OI200800179, e que, no decurso deste procedimento, a AT efectuou uma análise exaustiva para além do exercício em causa, designadamente, com referência ao IVA.
Verifica-se, ainda, que os elementos e as irregularidades aí detectadas deram origem a um relatório de acção inspectiva autónomo, em causa nos presentes autos, referente especificamente ao período do IVA de 2007 12T.
Nesta conformidade, temos que dar como assente que as correcções efectuadas e notificadas à Recorrente, relativas a IVA de 2007 12T, tiveram como fonte elementos recolhidos no procedimento de inspecção externa ao exercício de 2005 (ordem se serviço externa OI200800179).
No artigo 63.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) (na redacção inicial, vigente até às alterações introduzidas pela Lei n.º 37/10, de 2 de Setembro) estabelecem-se limitações genéricas relativas ao procedimento de inspecção, designadamente proibindo-se a realização de «mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas».
Assim, antes de mais, importa apurar se a acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária ao IVA de 2007 12T constitui acto de procedimento externo ou interno de fiscalização.
O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos extrai-se do artigo 13.º do RCPIT, como já havíamos adiantado, em que se esclarece que o procedimento é interno «quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos» e é externo «quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso».
O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos assenta, assim, na existência ou não de actos praticados fora dos serviços da Administração Tributária para obtenção dos elementos relevantes: se os actos se praticaram exclusivamente nesses serviços, está-se perante um procedimento interno; se algum ou alguns actos necessários para apurar os factos tributários foram praticados fora desses serviços, «total ou parcialmente», está-se perante um procedimento externo.
O que permite concluir que a análise de documentos que foram obtidos pela Administração Tributária com base em actos praticados fora dos seus serviços é de qualificar como acto de procedimento de inspecção externa, pois, independentemente de a actividade de análise se ter efectuado nas instalações da Administração Tributária, não se baseou exclusivamente na análise formal e de coerência dos documentos de que a administração tributária dispunha sem ter praticado os actos de inspecção externa. A inspecção só será qualificável como interna quando foi efectuada com base em documentos não obtidos através de actos inspectivos exteriores aos serviços.
À face desta classificação das inspecções, a actividade da Administração Tributária
subjacente ao acto impugnado assume as características de procedimento de inspecção
externo, pois não se baseou em mera «análise formal e de coerência dos documentos» de que a administração tributária dispunha sem ter efectuado actos de inspecção externa, mas sim em resultado de uma deslocação feita às instalações do técnico oficial de contas da Recorrente, a coberto da OI200800179, isto é, em elementos que chegaram ao conhecimento da Administração Tributária no âmbito de uma inspecção externa, como se refere no ponto 1. da matéria de facto apurada. Só nesse momento foi possível apurar que estavam na base da solicitação do reembolso do IVA de 2007 12T facturas de substituição referentes ao mesmo IVA que já havia sido corrigido nos períodos de 2006 12T e 2007 03T, tendo sido facultados os respectivos documentos à AT pelo responsável pela contabilidade da Recorrente.
Assim, não obstante no relatório de inspecção se qualificar a acção inspectiva relativa ao IVA de 2007 12T de interna, a classificação adequada dos actos inspectivos consubstanciados por tal análise baseada em elementos obtidos numa inspecção externa é a de actos de um procedimento de inspecção externa – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 4817/11.
Como se sabe, “a qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração praticar” – cfr. Joaquim Freitas da Rocha, in RCPIT, anotado e comentado, Coimbra Editora, 1ª Edição, pág. 83.
Como aponta este autor, “o procedimento interno é uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividade de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo. No quadro desse procedimento interno pode a inspecção tributária solicitar informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, podendo ser feitas correcções em resultado do que for apurado”.
Ora, independentemente de a AT defender que somente solicitou informações e esclarecimentos acerca do pedido de reembolso do IVA, relativo ao período de 2007 12T, e que o poderia ter efectuado por carta registada ao sujeito passivo; somente aproveitou a oportunidade de uma deslocação feita às instalações do técnico oficial de contas. O certo é que os elementos, informações e documentos fornecidos foram prestados fora dos serviços da AT e a coberto de uma inspecção tributária externa.
Dir-se-á que toda a inspecção decorreu nos serviços da administração, o que logo lhe outorga carácter interno.
Só que esta inspecção foi precedida de uma diligência de recolha de informação nas instalações do técnico oficial de contas, informação essa que esteve na origem e fundamentação de todo o relatório.
Informação que só ficou disponível para a AT porque a recolheu junto do técnico oficial de contas da Recorrente, deslocando-se às instalações deste.
Se a inspecção se tivesse iniciado com estas primeiras diligências, nenhumas dúvidas haveria de que tratava de uma inspecção externa. Não é o facto de somente ter tido início posteriormente, em 04/12/2008, que lhe retira a natureza externa.
Pelo que, não tendo a qualificação da AT carácter vinculativo, e tendo sido a actuação da AT junto de terceiros que possibilitou que a mesma procedesse à correcção efectuada, forçoso é concluir ter a presente inspecção tributária natureza externa, na medida em que assumiu carácter autónomo em relação à iniciada em 12/11/2008.
E se deu início a nova inspecção externa, parece claro que deveria ter sido notificado previamente ao sujeito passivo (artigo 49.º, n.º 1 RCPIT).
Concluindo-se, como se concluiu, que a actividade levada a cabo pela AT não constitui uma mera acção de recolha de informação, antes se traduzindo no início de uma acção de inspecção externa, parece claro que a AT não observou as exigências legais que o RCPIT lhe impõe, concretamente no que toca à notificação prévia (cfr. artigos 49.º, n.º 1 e 50.º, n.º 1, alínea a) do RCPIT), à ordem de serviço n.º OI200800196, de 28/11/2008.
A violação destas normas constitui vício de violação de lei, não podendo deixar de traduzir vício determinante da anulabilidade da liquidação de IVA e juros compensatórios que resultou de tal procedimento, nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT.
Procede, assim, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, referente ao período de 2007 12T, no montante total de €24.969,28.
Procedendo, pois, estas conclusões que vimos de analisar, a decisão desta questão que nos vinha colocada deixa prejudicado o conhecimento da última questão que autonomizámos inicialmente, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 663.º, n.º 2 do CPC.

Conclusão/Sumário

I - A falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e importa a nulidade da sentença, se tiverem sido alegados factos que não tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.
II - Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
III - A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo.
IV – No caso em análise, existiu uma actividade da iniciativa da Administração Tributária, junto do Técnico Oficial de Contas, destinada à obtenção de elementos que não estavam na sua disponibilidade. Toda esta actividade de investigação ocorreu em momento anterior ao do início do período que corresponde àquele durante o qual, segundo o relatório de inspecção, decorreu a acção inspectiva. Esta factualidade não descaracteriza o procedimento, devendo-se qualifica-lo como sendo de natureza externa.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto, declarando-se, em consequência, a nulidade da sentença recorrida e, julgando-se procedente a impugnação judicial, anulam-se os actos de liquidação impugnados.

Custas pela Recorrida, em 1ª instância.

D.N.

Porto, 13 de Novembro de 2014.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves