Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00632/19.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/26/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:EXECUÇÃO. GARANTIA. CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA VOLUNTÁRIA POR SUJEITO NÃO EXECUTADO. JUSTIFICADO INTERESSE PRÓPRIO DA SOCIEDADE GARANTE.
Sumário:1 – A constituição de uma hipoteca voluntária a favor da Administração Tributária por parte de uma sociedade alheia à dívida tributária, mas que mantém uma relação comercial, ainda que de forma indirecta, com a Executada, sendo um modo de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, tem de ser reconhecida, abstractamente e à luz do artigo 199.º do CPPT, como garantia idónea com vista à suspensão do processo de execução fiscal. ~

2 - A idoneidade, em concreto, da hipoteca voluntária oferecida, ainda que respeitante a património de uma terceira entidade [uma sociedade comercial] como garantia para suspender a execução fiscal, está sujeita a uma apreciação casuística pelo órgão competente da Administração Tributária, em face da susceptibilidade do património hipotecado responder pelo integral pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

3 - A Administração Tributária não pode recusar a constituição de uma hipoteca voluntária a seu favor, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com total desprezo pelos interesses legítimos da Executada.

4 - A Administração Tributária só pode recusar uma hipoteca voluntária constituída a seu favor, se puder concluir, perante razões objectivas, que ela não garante, em concreto, o integral pagamento da quantia exequenda e do acrescido.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:O. O., Ld.ª
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08 de julho de 2019, que julgou procedente, por provada, a pretensão contra si deduzida, atinente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, e que em consequência, determinou a anulação do despacho proferido em 28 de dezembro de 2018, por delegação de competências, pela Diretora de Finanças da Direção de Finanças do …, que indeferiu o pedido de apreciação de garantia sob a forma de hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre imóvel de entidade terceira, para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal (PEFs) 3190201801192353 e apensos [3190201801192361, 3190201801192370, 3190201801192388, 3190201801192396, 3190201801192400, 3190201801192418, 3190201801192426, 3190201801207296 e 3190201801208900].

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 08.07.2019 que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal e, em consequência, determinou a anulação do despacho proferido em 28.12.2018, por delegação de competências, pela Ex.ma Senhora Diretora de Finanças da Direção de Finanças do P…, que indeferiu o pedido de apreciação de garantia sob a forma de hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre imóvel de entidade terceira, para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal (PEFs) 3190201801192353 e apensos (3190201801192361, 3190201801192370, 3190201801192388, 3190201801192396, 3190201801192400, 3190201801192418, 3190201801192426, 3190201801207296 e 3190201801208900).

B. Segundo o douto decisório: “Ora, como se disse supra, a AT, na decisão reclamada não apresenta qualquer razão que permitisse ao Tribunal aferir que foram respeitados os princípios da suficiência e da proporcionalidade, já que a mesma é completamente omissa quanto a elementos essenciais constantes do processo, violando, nos termos em que foi proferida, efectivamente, os princípios da proporcionalidade e da suficiência uma vez que considera que a dívida hipotecária é superior ao valor patrimonial dos imóveis, sem mais nada acrescentar, sendo que se impunha que algo mais tivesse sido dito, de forma a justificar a recusa de aceitação da hipoteca voluntária.”,

C. determinando, portanto, a anulação do ato reclamado: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo totalmente procedente, por provada, a presente Reclamação, anulando-se o ato reclamado, com as legais consequências.”.

D. Ou seja, o Tribunal “a quo” considera que “Ora, como se conclui da análise da decisão recorrida, da mesma não se depreendem dois factores essenciais: por um lado, porque motivo não se considerou o valor real da dívida ao banco e não o valor total da dita hipoteca constante do registo predial, uma vez que nem uma palavra é dita sobre tal questão, e por outro lado, porque motivo se considerou que os motivos adiantados pela Reclamante não provaram o justificado interesse próprio da sociedade proprietária dos bens.”.

E. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e, consequente, erro de julgamento em matéria de direito, decorrente da errada aplicação do disposto no número 2 do artigo 52º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e ainda no número 3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

E ainda, sem prescindir,

F. de excesso de pronúncia, atendendo a que o decisório foi sustentado em factos que não foram alegados pela reclamante, o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do número 1 do artigo 125º CPPT e alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT.

Com interesse para a decisão, foram considerados provados, em síntese, os seguintes factos:
G. Correm termos no Serviço de Finanças do Porto 5 (SF), os PEFs 3190201801192353 e apensos (3190201801192361, 3190201801192370, 3190201801192388, 3190201801192396, 3190201801192400, 3190201801192418, 3190201801192426, 3190201801207296 e 3190201801208900), instaurados contra a Reclamante, por dívidas IVA e IRC, no valor total de quantia exequenda de € 139.341,09.

H. Para efeitos de suspensão dos autos, a reclamante requereu a prestação de garantia a apresentar sob a forma de hipoteca voluntária sobre dois imóveis de entidade terceira.

I. Em reação ao requerido foi proferido um despacho de indeferimento, por delegação de competências, pela Ex.ma Senhora Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do ….

J. E no prosseguimento da sua notificação, a reclamante reagiu com a presente Reclamação.

Consta ainda do probatório,
K. que o valor em dívida ao Banco Santander Totta, SA., garantido pelas hipotecas sobre os imóveis apresentados como garantia, sob a forma de hipoteca voluntária; as frações M e N do artigo matricial 7116, inscrito na matriz predial da Freguesia da S., concelho e distrito do …, era à data de 08.10.2018 de € 513.397,64.

E também,

L. que as referidas frações encontram-se arrendadas à sociedade “H. P. P. D., Lda.”, a quem é cedida a exploração do estabelecimento comercial por parte da reclamante.
Mas não constam e nem tão pouco sobre os mesmos foram apreciados e/ou ponderados os argumentos vertidos em sede de contestação, e,

M. por isso se requer a ampliação da matéria de facto de modo a que da mesma passem a constar:
H) Não obstante a reclamante ter carreado para os autos um documento da instituição bancária a declarar que o valor em dívida referente às hipotecas voluntárias já enunciadas, à data de 08-10-2018 era de € 513.397,64., cfr. § 27 do articulado da contestação.
I) Tendo em conta que as garantias incidentes sobre imóveis obedecem ao princípio do trato sucessivo do registo, pelo que é dada preferência à realização dos créditos cuja garantia foi anteriormente registada, cfr. § 28 do articulado da contestação.
J) Constitui um direito real de garantia que se caracteriza, pois, por, ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção à causa do crédito, vigorando, antes, o princípio da prioridade na constituição, cfr. § 29 do articulado da contestação.
K) da consulta à PI e respetivos anexos, não foi possível verificar que os sócios da sociedade garante, melhor identificados no quadro constantes do § 17 da presente resposta, tenham deliberado por unanimidade pela prestação da garantia imobiliária em questão à sociedade reclamante com o fundamento da existência da justificação do interesse próprio tendo em conta interesses económicos, cfr. § 35 do articulado da contestação.
L) da consulta às últimas IES disponíveis, que se junta como Doc. 2 e Doc. 3 e ainda, à certidão da competente Conservatória da Registo Comercial verifica-se que entre a sociedade reclamante e a sociedade garante não existe uma relação de domínio, ou seja, a sociedade garante não tem participação na sociedade reclamante.”, cfr. § 37 do articulado da contestação.”

N. Resulta do artigo 686º do Código Civil: “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.

O. E nos termos do artigo 6º do CSC, a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei.

P. Em regra, ao prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades, a sociedade garante pratica atos contrários ao fim para que foi constituída, daí decorrendo a nulidade de tais atos, salvo ocorrendo duas exceções previstas no nº 3 do artigo 6º do CSC: a existência de “justificado interesse próprio da sociedade garante”, ou a existência de “relação de domínio ou de grupo”.

Q. No caso em apreço quanto ao justificado interesse próprio da sociedade garante, com base nas importantes relações comerciais.

R. Tal omissão, no entendimento da Fazenda Pública, leva a um erro de julgamento em matéria de facto e de direito, que irremediavelmente, entorpece o decisório, uma vez que, a falta de valoração da prova produzida abala a validade formal e substancial da sentença produzida.

S. O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no número 5 do artigo 607º do CPC, vigora para o Tribunal de 1ª instância e, de igual modo, para o Tribunal da Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

T. Em tal circunstância, compete ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância, pois só assim atuando está, efetivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos, (cfr. Ac. STJ, de 18/05/2017, Proc. 4305/15.8T8SNT.L1.S1).

Prosseguindo,

U. a douta sentença decidiu pela procedência da Reclamação porque: " …, a AT, na decisão reclamada não apresenta qualquer razão que permitisse ao Tribunal aferir que foram respeitados os princípios da suficiência e da proporcionalidade, já que a mesma é completamente omissa quanto a elementos essenciais constantes do processo, violando, nos termos em que foi proferida, efetivamente, os princípios da proporcionalidade e da suficiência uma vez que considera que a dívida hipotecária é superior ao valor patrimonial dos imóveis, sem mais nada acrescentar, sendo que se impunha que algo mais tivesse sido dito, de forma a justificar a recusa de aceitação da hipoteca voluntária.”,

V. e perscrutada a douta Petição Inicial (PI) o thema decidendum¸ segundo o aliás douto entendimento do Tribunal a quo, consiste em apreciar, conforme alegado pela Reclamante, da eventual violação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, por parte da decisão reclamada.

Vejamos,
W. o despacho proferido em 28.12.2018, por delegação de competências, pela Exma. Senhora Diretora de Finanças Adjunta, da Direção de Finanças do Porto, indeferiu o pedido de prestação de garantia sob a forma de hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre imóveis, com base em dois argumentos.

X. O primeiro argumento advém do facto de, tendo a reclamante apresentado para garantia as frações “M” e “N” do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias C, S I, S, M, S. N e V sob o artigo 7116, propriedade da sociedade A. M. – Compra e Venda e Revenda de I. U., Lda., NIF (…),

Y. sobre as mesmas penderem ónus que as tornam manifestamente insuficientes para assegurar os créditos tributários em causa.

Z. O valor patrimonial dos prédios é assim manifestamente insuficiente para garantir a dívida exequenda em causa nestes autos, uma vez que se forem executadas as hipotecas, os valores patrimoniais das frações são consumidos para satisfação do crédito de que é titular o Banco Santander Totta, SA.

AA. Nos termos do artigo 693º do Código Civil, ao capital devido, acrescem os acessórios do crédito que constem do registo, juros, quer sejam remuneratórios quer moratórios.

BB. Não obstante a reclamante ter carreado para os autos um documento da instituição bancária a declarar que o valor em dívida referente às hipotecas voluntárias já enunciadas, à data de 08.10.2018 era de € 513.397,64.

CC. Tendo em conta que as garantias incidentes sobre imóveis obedecem ao princípio do trato sucessivo do registo, pelo que é dada preferência à realização dos créditos cuja garantia foi anteriormente registada.

DD. Constitui um direito real de garantia que se caracteriza pois por, ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção à causa do crédito, vigorando, antes, o princípio da prioridade na constituição do respetivo registo.

EE. É o que resulta do artigo 686º do Código Civil (CC): “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.

FF. O segundo prende-se com a falta de cumprimento dos pressupostos do determinado no número 3 do artigo 6º do CSC.

Ora,

GG. o número 3 do artigo 6º do CSC estabelece que: “considera-se contrário ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo”.

HH. Ou seja, a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei.

II. Em regra, ao prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades, a sociedade garante pratica atos contrários ao fim para que foi constituída, daí decorrendo a nulidade de tais atos, salvo ocorrendo duas exceções previstas no número 3 do artigo 6º do CSC: a existência de “justificado interesse próprio da sociedade garante”, ou a existência de “relação de domínio ou de grupo”.

JJ. No caso em apreço quanto ao justificado interesse próprio da sociedade garante, com base nas importantes relações comerciais,

KK. da consulta à PI e respetivos anexos, não foi possível verificar que, os sócios da sociedade garante, tenham deliberado por unanimidade pela prestação da garantia imobiliária em questão à sociedade reclamante com o fundamento da existência do justificado interesse próprio tendo em conta interesses económicos.

No que à relação de domínio ou grupo respeita, temos que,

LL. da consulta às últimas IES disponíveis e ainda, à certidão da competente Conservatória da Registo Comercial verifica-se que entre a sociedade reclamante e a sociedade garante não existe uma relação de domínio, ou seja, a sociedade garante não tem participação na sociedade reclamante (cfr. Ac. do STA de 18/12/2013, proc. 1731/13).

MM. Estava, pois, em causa a segurança do pagamento de dívida tributária vencida de montante avultado, legitimadora da atuação da AT, seguindo exigências maiores na assunção das soluções adequadas à salvaguarda dos interesses do Estado, no recebimento das quantias que lhe são devidas, especialmente quanto à aferição sobre a (in)suficiência dos bens dados à garantia para satisfação da dívida exequenda e acrescido.

NN. Note-se que, na sua atuação, a AT encontra-se adstrita ao princípio tributário da proibição de concessão de moratórias no pagamento dos tributos, previsto no número 3 do artigo 36º da LGT bem como,

OO. à natureza/carácter indisponível da obrigação tributária, cfr. o número 2 do artigo 30º, também da LGT.

PP. Aliás, os princípios jurídicos subjacentes ao instituto da prestação de garantia reconduzem-se à necessidade de o Estado assegurar que o contribuinte, em caso de litígio com a AT esteja em condições económicas de, finalizada a contenda – quando e se improcedente, – cumprir com a quantia exequenda devida.

QQ. Este instituto consagra, pois, o princípio da prossecução do interesse público na conduta da Administração Fiscal, em todas as suas vertentes.

RR. O instituto jurídico da prestação da garantia subsume-se, prima facie, à função primordial da AT e de todo o complexo normativo tributário, ou seja, “…das normas que têm por objectivo assegurar a capacidade funcional do Estado, proporcionando-lhe os meios financeiros que suportam tanto a existência como do seu funcionamento.”, in José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5ª Edição, Almedina.

SS. Ora, a necessidade de obtenção de receita fiscal é uma incumbência decorrente de um imperativo constitucional previsto nos termos do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, o qual prescreve no seu número 1 que “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas…”, pois de outra forma não se poderá assegurar “… uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.”

TT. Donde, a ratio do instituto da prestação da garantia é, pois, a de assegurar o pagamento da dívida tributária – a qual é inteiramente indisponível – efetivando-se, desse modo, os interesses públicos do Estado, cf. idem n.º 3 do art.º 30 da LGT já citado.

UU. Portanto e contrariamente ao doutamente decidido, entende a Fazenda Pública que o ato reclamado encontra-se objetivamente, devidamente e legalmente fundamentado em matéria de facto, tendo sido analisada e ponderada a situação concreta da reclamante, no que respeita à (in) suficiência da garantia apresentada e da possibilidade de aceitação da garantia oferecida por entidade terceira.

Sem prescindir,

VV. ao decidir-se pela procedência da reclamação com o fundamento na violação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência pelo facto de não ter havido por parte da AT a apresentação de qualquer razão que permitisse ao Tribunal aferir se foram respeitados os aludidos princípios,

WW. é entendimento da Fazenda Pública de que o Tribunal a quo extravasou a delimitação imposta pelo princípio do dispositivo à atividade jurisprudencial (número 2 do artigo 608º do CPC).

XX. Tendo em conta que aquele Tribunal sustentou a sua decisão no seguinte “…, já que a mesma é completamente omissa quanto a elementos essenciais constantes do processo do processo, violando, nos termos em que foi proferida, efectivamente, os princípios da proporcionalidade e da suficiência uma vez que considera que a dívida hipotecária é superior a valor patrimonial dos imóveis, sem mais nada acrescentar, sendo que se impunha que algo mais tivesse sido dito, de forma a justificar a recusa de aceitação da hipoteca voluntária.”.
Ora,
YY. é convicção da Fazenda Pública e ressalvado o devido respeito por diversa opinião que o Tribunal a quo sob a “capa” de uma alegada violação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, emitiu pronúncia sobre factos não alegados pela reclamante.

ZZ. E omitiu pronúncia sobre factos alegados pela Fazenda Pública em sede de contestação, sem sequer os valorar, questionar ou sindicar.


AAA. Nos termos do preceituado na alínea d) do número 1 do artigo 615º do CPC é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.

BBB. Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de um excesso de pronúncia (cfr. 2º segmento da norma).

CCC. Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no número 2 do artigo 608º do CPC.

DDD. O qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes como é o caso concreto (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

EEE. Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes.

FFF. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.

GGG. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido), (cf. sumário do Ac. TCA Sul, de 11/01/2018, Proc. 338/17.8BESNT).

HHH. O que, salvo o respeito por diversa opinião, só pode resultar na nulidade da sentença recorrida, nos termos do número 1 do artigo 125º CPPT e alínea d) do número 1 do artigo 615º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT.

III. A douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e, consequente, erro de julgamento em matéria de direito, decorrente da errada aplicação do disposto no número 2 do artigo 52º da LGT e no artigo 199º do CPPT.

E sem prescindir,

JJJ. também enforma de excesso de pronúncia, nos termos número 1 do artigo 125º CPPT e alínea d) do número 1 do artigo 615º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.“
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A Recorrida apresentou Contra-alegações, tendo a final elencado as conclusões que ora se reproduzem:

“A) Os argumentos vertidos nas alíneas H) a L) das Alegações apresentadas pela Recorrente não podem ser aditados ao acervo probatório porque se tratam de juízos conclusivos/valorativos ou de Direito, insuscetíveis de integrarem a matéria de facto.

B) Apenas os argumentos que revistam a natureza de factualidade pode ser suscetível de ser incluída/aditada em sede de ampliação de matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo tributário, nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPT.

C) O TCA não pode ampliar a decisão da matéria de facto com base em argumentos que não constituam matéria de facto, mas antes juízos de valor ou conclusões.

D) A decisão da matéria de facto constante da douta sentença, foi proferida tendo por base os documentos e informações constantes do processo.

E) Inexistem quaisquer razões que justifiquem o aditamento ao acervo probatório de mais factualidade.

F) A decisão da matéria de facto proferida mostra-se ser a adequada e justa face aos elementos e informações carreados nos autos.

G) O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes.

H) Devemos distinguir causa de pedir das razões, de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir.

I) A doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para extrair que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra nulidade, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37.

J) O despacho que recaiu sobre o pedido de apresentação de garantia foi no sentido da sua não aceitação, sustentando-se tão só no mesmo, não estarem reunidos os requisitos constantes do artigo 6º do Código da Sociedades Comerciais e que os bens oferecidos não constituem garantia idónea em virtude dos ónus que pendem sobre eles.

K) A Recorrida invocou na sua petição inicial, a violação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência que devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, como emerge de forma muito clara da petição inicial.

L) A Recorrida alegou e demonstrou ter provado o interesse legítimo da sociedade garante na prestação da garantia e alegou ainda na sua Reclamação, o que demonstrou, ser a garantia de valor superior à devida/exigível.


M) O Tribunal «a quo» limitou-se a apreciar a questão suscitada pela Recorrida nos autos, tendo em conta o alegado pela Recorrida na Reclamação apresentada, nomeadamente, quanto à prova da existência de justificado interesse próprio da sociedade garante e à suficiência da garantia apresentada.

N) Considerando o facto de na decisão reclamada nada se acrescentar ou dizer que justifique a recusa da garantia, designadamente, quanto ao alegado não preenchimento dos pressupostos do artigo 6º do Código da Sociedades Comerciais e da suficiência da garantia apresentada, o Tribunal «a quo» não poderia decidir noutro sentido que não naquele que consta da decisão recorrida de que a decisão reclamada viola os princípios da suficiência e da proporcionalidade que devem estar subjacentes à constituição da garantia e sua manutenção.

O) O Tribunal recorrido limitou-se a articular o vertido na petição inicial com as conclusões apresentadas, nos termos do artigo 277.º, n.º 1 do CPPT, cingindo-se aos pedidos e causas de pedir aí consideradas escritas.

P) A douta sentença limitou-se a analisar a prova produzida e a enquadrar a factualidade juridicamente relevante e suscitada pela Reclamante, concluindo de acordo com os poderes que a lei lhe confere e subsumindo a factualidade ao direito aplicável.

Q) Tendo a Reclamante expressamente suscitado na sua Reclamação a violação dos princípios da suficiência e proporcionalidade, tendo alegado o seu inconformismo com o teor da decisão de recusa da garantia, considerando a prova abundante que fez da existência do interesse justificado da sociedade garante e do valor suficiente da garantia, o Tribunal «a quo» podia e devia concluir no sentido da douta decisão recorrida, isto é, da violação dos princípios da suficiência e proporcionalidade.

R) A pronúncia firmada pelo Tribunal «a quo» corresponde ao peticionado pela ora Recorrida.

S) O Tribunal recorrido fez uma correta aplicação do Direito aos factos, tendo interpretado corretamente as disposições contidas nos artigos 52.º, n.º 2 da LGT, 199.º do CPPT e 6.º, n.º 3 do CSC.

T) A Recorrente não pode tentar colmatar os erros e falhas do despacho de indeferimento da garantia, trazendo em sede de recurso novos argumentos que não constam justificados no despacho objeto da reclamação

U) Do despacho de indeferimento da garantia apresentada não constam, como se impunha, quais as razões pelas quais não se considerou o valor real e efetivamente em dívida ao banco e não o valor total da hipoteca constante do registo predial

V) Assim como nada se diz no referido despacho de indeferimento quanto aos motivos pelos quais, e considerando as razões invocadas pela Recorrida, se considerou não estar provado o justificado interesse próprio da sociedade proprietária dos bens.

W) A douta sentença não padece de nenhum dos vícios que lhe são apontados.

Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, assim se fazendo JUSTIÇA!”
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Também a Reclamante havia interposto recurso jurisdicional do Douto despacho datado de 30 de abril de 2019, pelo qual foi decidido indeferir a produção de prova testemunhal nos autos, com a alegação de que poderia vir a desistir do mesmo no futuro [cfr. fls. 182 a 185 dos autos em suporte físico].
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, e de se manter por isso a Sentença recorrida, por não se configurar qualquer erro de julgamento [Cfr. fls. 226 e 226 verso dos autos em suporte físico].
***
Colhidos os vistos das Ex.mas Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, e que se centram em saber, por um lado, se ocorre excesso de pronúncia, com fundamento em que a Sentença recorrida foi sustentada em factos que não foram alegados pela Reclamante, o que no entender da Recorrente acarreta a nulidade da sentença, nos termos do número 1 do artigo 125.º CPPT e alínea d) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e por outro lado, se ocorre erro de julgamento quanto à matéria de facto [e assim, da necessidade de se proceder à ampliação da matéria de facto], por errada valoração dos elementos constantes dos autos, e consequentemente, erro de julgamento em matéria de direito, decorrente da errada aplicação do disposto no número 2 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e ainda do número 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
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III - FUNDAMENTOS
III.i - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

III. MATÉRIA DE FACTO APURADA
III-A – Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Correm termos no SF de Porto 5, os processos de execução fiscal nºs 3190201801192353 e aps., instaurado contra a Reclamante, por dívidas de IVA e IRC, no valor total de € 139.341,09, cfr. teor de fls. 45 a 109 dos autos (p.f.).

B) Em 20-09-2018 a Reclamante requereu a prestação de garantia naquele PEF, com o seguinte teor, que consta de fls. 53 e 54 dos autos (p.f.):

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

C) Em 28-12-2018 foi proferido o seguinte despacho pela Directora de Finanças Adjunta da DF do Porto, que consta de fls. 76 a 79 dos autos (p.f.):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

D) Aquele despacho foi notificado à Reclamante por carta registada datada de 04-01-2019, cfr. teor de fls. 80 e 81 dos autos (p.f.).

E) A presente Reclamação foi apresentada no SF de Porto 5 em 18- 01-2019, cfr. teor de fls. 2 dos autos (p.f.).

F) Em 08-10-2018 o valor em dívida ao Banco Santander Totta garantido pelas hipotecas das fracções M e N do artº urbano 7116 da freguesia da Sé, Concelho do Porto era de € 513.397, 64, cfr. teor de fls. 37 dos autos (p.f.)

G) Essas fracções encontram-se arrendadas à Sociedade “P., Lda”, a quem foi cedida a exploração do estabelecimento comercial por parte da Reclamante, cfr. teor de fls. 39 a 42 dos autos (p.f.).

III-B – Factos não provados
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos.“
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Sob a conclusão M) das Alegações de recurso da Recorrente, sustenta a mesma que da Sentença recorrida não constam, nem foram apreciados e/ou ponderados os argumentos por si vertidos em sede de Resposta, sendo por essa razão que peticiona a ampliação da matéria de facto, de forma a que constem do probatório factos por si relacionados sob as alíneas H, I, J, K e L .

Neste domínio, referiu a Recorrida que os argumentos vertidos nas referidas alíneas H) a L) não podem ser aditados ao acervo probatório porque se tratam de juízos conclusivos/valorativos ou de Direito, insuscetíveis de integrarem a matéria de facto.

E como julgamos, assiste razão à Recorrida.

Desde logo, para efeitos da apresentação da pretensão recursiva por parte da Recorrente Fazenda Pública, impendia sobre si o ónus de delimitar com precisão o objeto do recurso e o sentido da sua pretensão recursória, e neste particular, alegar quais os factos que no seu entender deviam ser levados ao probatório [e não apenas o constante da parte que transcreveu da sua Resposta], e que pela sua relevância seriam essenciais para que a valoração da prova por parte do Tribunal recorrido fosse outra, e assim, diversa a Sentença proferida.

Ora, depois de cotejado o teor das referidas alíneas H, I, J, K e L, delas não se extrai que factos pretende a Recorrente sejam levados ao probatório, a título de ampliação da matéria de facto, pois que, efectivamente, esse arrrazoado [se bem que constante da Resposta apresentada pela Fazenda Pública], ou integra matéria de direito e sua interpretação, ou constituem juízos conclusivos [o que é o caso do vertido nas alíneas H, I e J – Cfr. pontos 27, 28 e 29 da Resposta], que pelo seu aditamento, em absolutamente nada importariam na sindicância do acto reclamado, sendo que quanto às demais [o vertido nas alíneas K e L – Cfr. pontos 35 e 37 da Resposta], essa matéria mostra-se irrelevante para o conhecimento do mérito do pedido, pois que, é certo, não resulta do teor do acto reclamado [e da informaçáo que lhe está subjacente], que a AT tenho prosseguido no inquisitório dessa matéria, pois como resulta da Sentença recorrida, tendo a AT liberdade para recusar uma hipoteca voluntária, essa discricionaridade implica para si “… deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas que esclareçam claramente que existe fundada insuficiência dos bens oferecidos para cobrir a dívida exequenda.

Assim, cotejado o acto reclamado [e a informação que lhe está na base], e visando o vertido nas referidas alíneas K e L, cuja matéria a Recorrente pretende ver aditada ao probatório, e com as quais visa tratar agora os requisitos a que se reporta o artigo 6.º, n.ºs 1 e 3 do CSC, no que toca à existência de uma relação de domínio, a mesma não é controvertida, pois que tal nunca foi alegado pela Executada, ora Recorrida, sendo que quanto à prova da existência de justificado interesse próprio da sociedade garante, que a Executada prosseguiu, a AT apenas referiu que os documentos juntos pela Executada não provavam esse interesse, sem que se fique a saber por que termos e pressupostos é que fundou esse seu sentido decisório, sendo também patente o juízo conclusivo do acto reclamado.

De maneira que, face ao expendido supra, julgamos pela inatendibilidade da alteração da matéria de facto como requerido pela Recorrente.
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Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC [correspondente ao anterior artigo 712.º do CPC], aplicável ex vi artigos 2.º, alínea e) e 281.º do CPPT, Acordamos em aditar à matéria de facto dada como provada, a factualidade que segue:

H) No âmbito do pedido de prestação de garantia antecipada, a que se reporta a alínea B) supra, a Executada informou a AT [Cfr. n.ºs 9 13 do pedido], entre o mais, que a sociedade A. M., Ld.ª “… está disposta a efectuar escritura pública voluntária dos referidos imóveis [fracções M e N], nos próximos dias.”, e que “… os bens agora oferecidos têm valor suficiente para garantir a quantia exequenda e acrescidos …”.

I) O valor patrimonial tributário [VPT] global das fracções M e N, propriedade da sociedade comercial A. M., Ld.ª é de €802.877,23 – Cfr. ponto 7 da informação elaborada no seio da AT, em 28 de dezembro de 2018, constante dos autos em suporte físico.

J) Por e-mail expedido do seio da AT e dirigido à Senhora mandatária da Executada em 13 de novembro de 2018, foi a mesma notificada para provar a existência de justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação de garantia, ou provar a existência de relação de domínio ou de grupo entre ambas as sociedades, tudo em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.ºs 1 e 3 do CSC – Cfr. ponto 10 da informação elaborada no seio da ATA, em 28 de dezembro de 2018, constante dos autos em suporte físico.

K) A esse mail respondeu a Senhora mandatária da Executada, com junção de documentos – Cfr. fls. 38 a 43 dos autos em suporte físico;
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III.i.i - DAS NULIDADES: A invocada nulidade por excesso de pronúncia.

Assente que está a factualidade apurada, cumpre então entrar na análise da realidade em apreço nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Conforme assim dispõe o artigo 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a sentença é nula quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil [artigo 608.º do actual CPC], de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia.

Deste modo, pese embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio [tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas], ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para efeitos do contencioso tributário, é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Aqui chegados.

A Recorrente invoca contra a Sentença recorrida, que a mesma padece de erro de nulidade por excesso de pronúncia [misturando essa alegação, por vezes, também com a ocorrência de erro de julgamento de facto e de direito], como por si expendido sob as conclusões F), U), V) a YY), AAA) a HHH) e JJJ), elencadas a final das Alegações de recurso.

Sustenta a ocorrência de excesso de pronúncia da Sentença recorrida, nos termos número 1 do artigo 125.º CPPT e alínea d) do número 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, alegando para tanto, em suma, que o julgamento do Tribunal a quo consistiu apenas em apreciar, conforme alegado pela Reclamante, da eventual violação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, por parte da decisão reclamada, mas que esta decisão [reclamada] proferida em 28 de dezembro de 2018, pela Diretora de Finanças Adjunta, da Direção de Finanças do P…, veio a indeferir o pedido de prestação de garantia sob a forma de hipoteca voluntária prestada pela sociedade comercial A. M., Ld.ª. a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre imóveis, com base em dois argumentos. Referiu que quanto ao 1.º desses argumentos, o mesmo assenta no facto de sobre as duas fracções M e N penderem ónus que as tornam manifestamente insuficientes para assegurar os créditos tributários em causa [o que, no seu entender, determina que o valor patrimonial dos prédios seja manifestamente insuficiente para garantir a dívida exequenda em causa nestes autos, pois se forem executadas as hipotecas, os valores patrimoniais das frações são consumidos para satisfação do crédito de que é titular o Banco Santander Totta, SA, apesar de a Reclamante ter carreado para os autos um documento da instituição bancária a declarar que o valor em dívida referente às hipotecas voluntárias já enunciadas, à data de 08 de outubro de 2018 era de € 513.397,64 – Cfr. alínea F) do probatório. E quanto ao 2.º desses argumentos, a Recorrente faz assentar o mesmo em torno do facto de a constituição de hipotecas voluntárias sobre as duas fracções por parte da sociedade comercial A. M., Ld.ª, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não cumprir com os pressupostos do preceituado no artigo 6.º, n.º 3 do CSC.

Cumpre apreciar.

Ora, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal decide para além do que é pedido e exposto pelas partes, ou seja, em violação do princípio do dispositivo, que delimita o thema decidendum.

Conforme ensina Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, página 114-146, o excesso de pronúncia, ou pronúncia indevida ocorre quando o juiz conheceu, na sentença, de questão que não podia tomar conhecimento, ou seja, quando o mesmo se ocupou de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se for questão do conhecimento oficioso.

Neste patamar.

A Recorrente Fazenda Pública conclui que a Sentença recorrida padece de excesso de pronúncia porque julgou violados pela decisão reclamada proferida em 28 de dezembro de 2018, os princípios da proporcionalidade e da suficiência.

Ora, depois de cotejada a Petição inicial, dela se extrai [Cfr. pontos 25 a 42], que o julgamento empreendido pelo Tribunal a quo em torno da violação daqueles invocados princípios, decorre precisamente da causa de pedir imanente ao articulado, e bem assim do pedido deduzido a final, em que peticiona a anulação, por ilegal, da decisão de indeferimento da garantia prestada, daí resultando, de forma manifesta, que pela Sentença recorrida, julgando daquela violação, o Tribunal a quo mais não fez do que actuar dentro dos limites processuais e substantivos que lhe são devidos conhecer, pois que o Tribunal decidiu dentro do que lhe foi exposto e pedido pela Reclamante, ou seja, em clara decorrência princípio do dispositivo, que delimita o thema decidendum.

Depois de o Tribunal recorrido ter apreciado o teor do acto reclamado, prolatado no seio da AT no sentido de que a garantia oferecida pela Reclamante não cumpria os requisitos previstos no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, por ser prestada por sociedade terceira e porque os bens imóveis oferecidos eram manifestamente insuficientes para garantia dos processos de execução fiscal em causa, decidiu nos termos que por facilidade para aqui se extraem como segue:
“[...]
Ora, como se conclui da análise da decisão recorrida, da mesma não se depreendem dois factores essenciais: por um lado, porque motivo não se considerou o valor real de dívida ao banco e não o valor total da hipoteca constante do registo predial, uma vez que nem uma palavra é dita sobre tal questão, e por outro lado, porque motivo se considerou que os motivos adiantados pela Reclamante não provavam o justificado interesse próprio da sociedade proprietária dos bens.
[...]
Por outro lado e mais pertinente ainda, não resulta da decisão reclamada qualquer justificação para a conclusão alcançada de que o valor dos imóveis não era suficiente para acobertar a dívida exequenda, designadamente, porque é que não se descontou no valor da hipoteca inicial o valor já saldado da dívida ao banco.
[...]
Ora, como se disse supra, a AT, na decisão reclamada não apresenta qualquer razão que permitisse ao Tribunal aferir que foram respeitados os princípios da suficiência e da proporcionalidade, já que a mesma é completamente omissa quanto a elementos essenciais constantes do processo, violando, nos termos em que foi proferida, efectivamente, os princípios da proporcionalidade e da suficiência uma vez que considera que a dívida hipotecária é superior ao valor patrimonial dos imóveis, sem mais nada acrescentar, sendo que se impunha que algo mais tivesse sido dito, de forma a justificar a recusa de aceitação da hipoteca voluntária.
[...]“

Ou seja, o Tribunal recorrido julgou da violação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, como invocado pela Reclamante, tendo subjacente o facto de não terem sido tratados no acto reclamado dois factores essenciais, a saber, porque é que a AT não considerou o valor real da dívida ao banco, pois que nada apreciou a AT sobre essa questão, e por outro lado, porque motivo não considerou a AT que os motivos adiantados pela Reclamante [que diga-se, foram apresentados pela Reclamante, na sequência de notificação da AT para esse efeito] não provavam o justificado interesse próprio da sociedade proprietária dos bens, e neste conspecto, porque é que a AT veio a concluir que o valor dos imóveis não era suficiente para acobertar a dívida exequenda, pois que, como resulta do probatório, o valor em dívida ao Banco Santander era de €513.397,64, a dívida exequenda era de €139.341,09, e o valor patrimonial global das duas frações era de €802.877,23, valores aqueles que, manifestamente, são inferiores aos valores das dívidas [de €513.397,64, por parte da sociedade garante, e de €139.341,09 por parte da Executada/Reclamante], o que torna implausível a justificação da recusa de aceitação da hipoteca voluntária por parte da AT – Cfr. alíneas A), F), I), J) e K) do probatório.

De maneira que, bem ao contrário do expendido pela Recorrente nas identificadas conclusões das suas Alegações, tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido as questões que lhe foram suscitadas com fundamento em factos que foram alegados pela Reclamante, e porque está em causa a sindicância do acto reclamado, não se verifica assim a arguida nulidade por excesso de pronúncia, pelo que, por aqui improcede a pretensão recursiva da Fazenda Pública.
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IV - DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08 de julho de 2019, que julgou procedente a Reclamação apresentada pela ora Recorrida, a sociedade comercial O. O., Ld.ª, e anulou o acto reclamado, da autoria da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto, datado de 28 de dezembro de 2018, pelo qual indeferiu o pedido de prestação de garantia que a mesma lhe havia apresentado, em ordem a suspender a execução que contra si corre termos.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva a sindicância das premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Sob as conclusões E), N), O), P), G, R), S), X), Y), Z), JJ, KK), LL, MM) e III), elencadas a final das Alegações de recurso, a Recorrente assaca à Sentença recorrida erro de julgamento em torno da matéria de facto, e simultaneamente também de direito.

Importa assim proceder ao conhecimento do mérito do recurso, visando o invocado erro de julgamento da Sentença recorrida, seja de facto seja de direito, como assim sustentou a Recorrente.

Quanto ao erro de julgamento de facto, tal ocorre nas situações em que o juiz decide mal ou contra os factos apurados, sendo que, tal erro respeita a qualquer elemento ou característica da situação em apreço nos autos que não revista natureza jurídica. Por seu turno, a sindicância e a alteração pelo Tribunal Central Administrativo da decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo pressupõe, não só a indicação daqueles concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes dos autos que impunham a tomada de decisão diversa sobre os concretos pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC [anteriores artigos 658-B e 712.º], sendo que para legitimar este TCA Norte a corrigir a matéria de facto dada como provada na primeira instância por erro de apreciação das provas seria necessário que os meios de prova indicados determinassem decisão diversa da que foi proferida. E neste domínio, importa ainda ter presente que as provas estão submetidas à livre apreciação pelo Tribunal a quo, nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC [anterior artigo 655.º], sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais [Cfr. artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil].

Ora, em face ao que já apreciamos supra, e que aqui reiteramos, não ocorre erro de julgamento em torno da matéria de facto, porquanto os factos apurados, seja pelo Tribunal recorrido, seja por interposição deste TCAN, foi a que resultou da instrução dos autos, inexistindo outros factos que pudessem influir na tomada de um outro sentido decisório por parte do Tribunal a quo, e que quanto ao aditamento efectuado por este TCAN, tal apenas visou a densificação da matéria de facto que já havia sido apurada pelo Tribunal recorrido.

Efectivamente, pelo requerimento junto aos autos pela Recorrida, como doc. n.º 16 com a sua Petição inicial, a fls. 38 dos autos em suporte físico, a mesma refere ter sido notificada pelo Serviço de Finanças para efeitos de fazer prova da existência de justificado interesse próprio da sociedade garante A. M., Ld.ª na prestação de garantia a favor da Reclamante, ora Recorrida, por via da hipoteca voluntária de duas fracções autónomas do artigo urbano n.º 7116, sitas na avenida (…) – Cfr. alíneas J) e K) do probatório.

Como resultou provado, os dois imóveis em causa, as fracções M e N, são propriedade da sociedade comercial A. M., Ld.ª, a qual celebrou com a sociedade comercial P.., Ld.ª, no ano de 2015, um contrato de arrendamento, em que as mesmas figuram como objecto do arrendamento, e em que a proprietária recebe por elas, da arrendatária, a título de renda, a quantia de €4.000,00 por mês. Referiu ainda a Reclamante, ora Recorrida, que nesse mesmo ano de 2015, celebrou com a sociedade comercial P…, Ld.ª, um contrato de locação de estabelecimento comercial, em que aquela [Recorrida], na qualidade de legitima possuidora desse estabelecimento comercial, onde se incluem as identificadas fracções, cedeu à sociedade comercial P…Ld.ª, a exploração do estabelecimento comercial que corresponde a um hotel, pela contraprestação mensal de €12.500,00 até 31 de julho de 2015, e que desde 01 de maio de 2016 até ao fim do contrato, a prestação é de €30.000,00 – Cfr. alíneas G), I) e K) do probatório.

No âmbito da Petição inicial [Cfr. ponto 25], a Reclamante, ora Recorrida, referiu que os seus sócios são os mesmos da sociedade A. M., Ld.ª, e que o valor patrimonial das dias fracções era de €802.877,23, e que apesar de a hipoteca sobre elas registada ser de €971.700,00, que o valor da dívida ao banco era de apenas €519.715,00, e que ao prestar a garantia, a sociedade A. M., Ld.ª, permite a continuação de uma relação triangular para assegurar o regular recebimento de uma renda – Cfr. alíneas F) e I) do probatório.

Ora, a Recorrente não coloca/colocou em causa a existência, seja do contrato de arrendamento, seja do contrato de locação de estabelecimento comercial, sendo que, efectivamente, nessa relação poligonal, a sociedade A. M., Ld.ª, que recebe da P., Ld.ª, a renda de €4.000,00, e a Reclamante, ora Recorrida, recebe a renda mensal de €30.000,00, e desse modo, que a garantia oferecida devia ter sido ponderada quanto à sua constituição por parte da AT, quer porque existe um interesse próprio da sociedade garante A. M., Ld.ª, quer porque abstractamente considerado, a hipoteca voluntária configura uma garantia idónea face ao disposto no artigo 199.º do CPPT, e por se afigurarem preenchidos os requisitos a que se reporta o artigo 6.º do CSC.

E a Reclamante sustenta que a A. M., Ld.ª está a receber da P., Ld.ª uma renda mensal no valor de €4.000,00 [pelo arrendamento das fracções M e N], porque a Reclamante cedeu a exploração do estabelecimento comercial [do hotel] à mesma P., Ld.ª, e que ao prestar a garantia no PEF, a A. M., Ld.ª assegura assim o regular recebimento da renda.

Ora, a A. M., Ld.ª, por força de relações estabelecidas com a Reclamante, aceitou [como assim esta declarou] efectuar uma hipoteca voluntária daquelas duas fracções a favor da Reclamante, para garantir o pagamento da dívida exequenda, a qual é inferior ao valor patrimonial das duas fracções, mesmo depois de subtraído o débito bancário que por elas tem aquela [A. M., Ld.ª] junto do Banco Santander.

E para validar aquela aceitação por parte da A. M., Ld.ª, a AT só tinha de notificá-la para efeitos da constituição da hipoteca a seu favor, sob pena de se ter por absolutamente prejudicada essa aceitação, como lhe havia indicado a Reclamante.

Como assim se extrai do início da Sentença recorrida [Cfr. fls. 10], “O despacho reclamado, em síntese, decidiu que a garantia oferecida pela Reclamante não cumpria os requisitos previstos no artº 6º da CSC quanto à prestação de garantia por sociedade terceira e ainda que os bens imóveis oferecidos eram manifestamente insuficientes para garantia dos processos de execução fiscal em causa.“

Efectivamente, é o que decorre do expendido na informação emitida no seio da DF do P… datada de 28 de dezembro de 2018, com o que concordou a Directora de Finanças Adjunta, por seu despacho dessa mesma data, pois que, depois de terem sido fixados os factos tidos por relevantes, e de convocado o disposto nos artigos 52.º da LGT, 169.º e 199.º, ambos do CPPT, e de referir que o valor da garantia calculada nessa data era de €179.134,21, assim como, de que sobre as fracções M e N se encontra registado um ónus a favor do Banco Popular no valor de €971.700,00 que é de valor superior ao valor patrimonial de ambas as fracções, e dessa forma, entendido que os bens imóveis oferecidos são manifestamente insuficientes para garantia dos PEF´S. Mais se apreciou e decidiu pelo acto reclamado [que se louvou na informação prestada], que tendo a mandatária da executada sido notificada para efeitos de provar a existência de justificado interesse próprio da sociedade garante, ou provar a relação de domínio ou de grupo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.ºs 1 e 3 do CSC, a DF do Porto apenas apreciou que a Executada referiu que os sócios da garante e da Executada são os mesmos, e que não existe uma relação de domínio entre a executada e a sociedade garante, porque esta não tem uma relação de domínio para com a Executada, e dessa forma, que não estão reunidos os requisitos a que se reporta o artigo 6.º do CSC, e bem assim, de que os documentos juntos após a notificação da Senhora mandatária, não provam a existência de justificado interesse próprio. Em jeito de “Conclusão“, foi enunciado nessa informação, que “... não se encontram reunidos os requisitos constantes do artigo 6.º do CSC e, sem prescindir, os bens oferecidos não constituem garantia idónea em virtude dos ónus que pendem sobre eles, pelo que se propõe o indeferimento do pedido“.

Por ter interesse para o julgamento a proferir, para aqui extraímos parte da fundamentação aduzida pelo Tribunal recorrido [que tomou amparo no Acórdão datado de 13 de novembro de 2013, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 1460/13], e decidiu pela anulação do acto reclamado, como segue:
“[…]
Ora, como se conclui da análise da decisão recorrida, da mesma não se depreendem dois factores essenciais: por um lado, porque motivo não se considerou o valor real de dívida ao banco e não o valor total da hipoteca constante do registo predial, uma vez que nem uma palavra é dita sobre tal questão, e por outro lado, porque motivo se considerou que os motivos adiantados pela Reclamante não provavam o justificado interesse próprio da sociedade proprietária dos bens. [sublinhado da nossa autoria]
Convém não esquecer, desde logo, que estamos perante uma garantia oferecida de constituição de hipoteca voluntária de imóveis e não, por exemplo, perante uma fiança prestada por uma sociedade terceira, situação bastante diversa e na qual seria mais relevante a questão do interesse próprio.
Por outro lado e mais pertinente ainda, não resulta da decisão reclamada qualquer justificação para a conclusão alcançada de que o valor dos imóveis não era suficiente para acobertar a dívida exequenda, designadamente, porque é que não se descontou no valor da hipoteca inicial o valor já saldado da dívida ao banco. [sublinhado da nossa autoria]
Como se decidiu no Acórdão citado, quando está em causa uma hipoteca voluntária, a AT tem uma maior liberdade para decidir se a aceita ou não, atento o teor do artº 195º do CPPT, mas essa liberdade implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas que esclareçam claramente que existe fundada insuficiência dos bens oferecidos para acobertar a dívida exequenda.
Ora, como se disse supra, a AT, na decisão reclamada não apresenta qualquer razão que permitisse ao Tribunal aferir que foram respeitados os princípios da suficiência e da proporcionalidade, já que a mesma é completamente omissa quanto a elementos essenciais constantes do processo, [sublinhado da nossa autoria] violando, nos termos em que foi proferida, efectivamente, os princípios da proporcionalidade e da suficiência uma vez que considera que a dívida hipotecária é superior ao valor patrimonial dos imóveis, sem mais nada acrescentar, sendo que se impunha que algo mais tivesse sido dito, de forma a justificar a recusa de aceitação da hipoteca voluntária.
[…]”

E como assim julgamos, a Sentença recorrida, neste conspecto, também não merece reparo.

Efectivamente, a DF do Porto notificou a Executada para efeitos de fundamentação e prova, seja do justificado interesse próprio da sociedade garante, ou da existência da relação de domínio ou de grupo, e se bem que sobre este último requisito a mesma nada disse, já assim não aconteceu em torno do justificado interesse próprio da sociedade garante.

E seja sobre essa matéria, seja sobre a prova documental atinente ao facto de impender sobre as duas frações M e N, não a hipoteca voluntária pelo valor de €971.700,00, mas que à data se fixava a dívida pelo valor de €513.397,64, e de o VPT global das duas frações ser de €802.877,23, a DF do Porto nada apreciou criticamente, tendo decidido, conclusivamente, que “Os documentos juntos após notificação da Senhora mandatária, não provam a existência de justificado interesse próprio”, ou seja, não apreciou o como e o porquê de essa prova não ter sido prosseguida/efectuada pela Executada.

A Recorrente sustenta ainda que a Sentença Recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos, e também por errada aplicação do disposto nos artigos 52.º, n.º 2 da LGT e 199.º do CPPT.

Dispõe o artigo 52.º da LGT, sob a epígrafe “Garantia da cobrança da prestação tributária“, no seu n.º 2, que “A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.“, a qual se processa ao abrigo, designadamente, do disposto nos artigos 195.º e 199.º do CPPT, que por facilidade para aqui se extraem, como segue:


Artigo 195.º
Constituição de hipoteca legal ou penhor
1 - Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor.
2 - A hipoteca legal é constituída com o pedido de registo à conservatória competente, que é efectuado por via electrónica, sempre que possível.
[...]“

Artigo 199.º
Garantias
1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.
6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 13 do artigo 169.º.
7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais.
8 - A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4.
9 - É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações.
10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo.

11 - A garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efectuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante.
12 - As garantias bancárias, caução e seguros-caução previstas neste artigo são constituídas a favor da administração tributária por via electrónica, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças.
13 - Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais.
14 - As garantias constituídas à data de autorização dos pagamentos em prestações referidos no número anterior mantêm-se até ao limite máximo da quantia exequenda, sendo reduzidas anualmente no dobro do montante efetivamente pago em prestações ao abrigo daqueles planos de pagamentos, desde que não se verifique, consoante os casos, a existência de novas dívidas fiscais em cobrança coerciva cuja execução não esteja legalmente suspensa ou cujos prazos de reclamação ou impugnação estejam a decorrer.
15 - Os n.os 13 e 14 são correspondentemente aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos planos de pagamentos em prestações aprovados ao abrigo do n.º 7 do artigo 196.º.“

Ora, a Recorrente assaca à Sentença recorrida a violação do disposto no artigo 52.º, n.º 2 da LGT, sendo que o que dispõe este normativo é que a suspensão de uma execução está dependente da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias, ou seja, que estando pendente uma execução para pagamento de dívida tributária, que o devedor pode ver suspensa essa execução se for prestada garantia idónea.

Neste domínio, e em torno do artigo 199.º do CPPT, que comporta 15 números, que a Recorrente não identificou sobre quais são os violados, ou se pura e simplesmente tem por violado todo o artigo, de todo o modo, o seu n.º 1, na senda daquele artigo 52.º, n.º 2 da LGT, dispõe que que deve ser oferecida garantia idónea tendo em vista assegurar os créditos da Exequente AT, que pode consistir em hipoteca voluntária, a requerimento do executado e mediante concordância da AT, aplicando-se para esse efeito o disposto no artigo 195.º do CPPT, com as necessárias adaptações, ou seja, de que para efeitos de constituição dessa hipoteca e quando o interesse da eficácia da cobrança por parte da AT o torne recomendável, que a mesma é efectuada mediante pedido de registo à conservatória competente, que por regra é efectuado por via electrónica.

No caso dos autos, a Executada apresentou à AT uma garantia para efeitos de suspender a execução, mediante hipoteca voluntária de duas fracções da sociedade comercial A. M., Ld.ª, e face ao que resultou provado, a mesma fez prova junto da AT do justificado interesse próprio dessa sociedade garante [a que se reporta o artigo 6.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais], pelo facto de a mesma receber uma renda mensal de €4.000,00 da sociedade comercial que está a explorar o estabelecimento comercial correspondente a um hotel, decorrente do contrato de arrendamento que celebrou com a sociedade comercial P., Ld.ª, e no fundo, que a sociedade garante tem interesse em constituir uma hipoteca voluntária a favor da AT, porque dessa forma, face ao que sustenta a Reclamante, ora Recorrida, permite-lhe continua a auferir essa renda, de forma regular. No fundo, que sendo a dívida exequenda no montante de €179.134,21 [que à data da prolação da Sentença recorrida era de €139.341,09], que a sociedade comercial garante tem um justificado interesse próprio na constituição da hipoteca voluntária das suas duas fracções, porque as mesmas continuam, sempre e de todo o modo, a integrar o seu património, e mantendo o arrendamento e a renda que daí lhe advém, de €4.000,00/mês, que num ano totaliza €48.000,00.

Sendo certo que a constituição da hipoteca voluntária a favor da AT, depende da sua concordância, esse seu exercício, seja o de considerar que não foi feita prova da existência de justificado interesse próprio da sociedade comercial que presta essa garantia, seja, a final, de que os bens oferecidos para constituir essa hipoteca [as fracções M e N] não constituem garantia idónea por força dos ónus que sobre eles já impendem a favor de instituição bancária, é sindicável pelo Tribunal, pois que não pode deixar de relevar se a garantia oferecida e que é colocada na esfera jurídica da AT, se é ou não susceptível de assegurar os créditos exequendos, o que, como resultou provado [Cfr. alíneas A), F) e I) do probatório] mostra ser bastante para esse efeito.

Neste conspecto, para aqui trazemos à colacção o decidido no Douto Acórdão do STA datado de 21 de setembro de 2011, proferido no Processo n.º 0786/11, no sentido de que “[...] O facto do n.º 2 art. 199º do CPPT conceder à administração tributária alguma margem de autodeterminação na decisão sobre a idoneidade do penhor ou da hipoteca voluntária oferecida pelo executado, não significa que apreciação da exactidão dos elementos por ela considerados nessa avaliação estejam excluídos do controle judicial. Para além da correcção da interpretação da norma e da verificação dos pressupostos da sua aplicação, que no caso não está em causa, restará sempre a observância do princípio da proporcionalidade, ou seja, do «iter» lógico seguido pela Administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que presidiram à aplicação da norma ao caso concreto.”
Não se está, assim, perante qualquer margem de escolha por parte da AF, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes. [...]“

Face ao expendido supra, julgamos pelo acerto da Sentença recorrida, o que importa na sua confirmação, na parte em que julgou não terem sido respeitados os princípios da suficiência e da proporcionalidade.

E como resultou provado, não tendo a Administração Tributária procedido, no acto reclamado, à avaliação em concreto da garantia oferecida – como aliás, bem salienta a Sentença recorrida na sua parte final, quando refere que a AT “... na decisão reclamada não apresenta qualquer razão que permitisse ao Tribunal aferir que foram respeitados os princípios da suficiência e da proporcionalidade, já que a mesma é completamente omissa quanto a elementos essenciais constantes do processo, violando, nos termos em que foi proferida, efectivamente, os princípios da proporcionalidade e da suficiência uma vez que considera que a dívida hipotecária é superior ao valor patrimonial dos imóveis, sem mais nada acrescentar, sendo que se impunha que algo mais tivesse sido dito, de forma a justificar a recusa de aceitação da hipoteca voluntária - não há que analisar, em sede de recurso, se se encontra ou não provada, em concreto, a idoneidade da garantia oferecida através da hipoteca voluntária a prestar pela sociedade comercial A. M., Ld.ª, tendo em vista a suspensão dos processos de execução fiscal (PEFs) 3190201801192353 e apensos [3190201801192361, 3190201801192370, 3190201801192388, 3190201801192396, 3190201801192400, 3190201801192418, 3190201801192426, 3190201801207296 e 3190201801208900], matéria que só à Administração Tributária cabe analisar.

De modo que, a pretensão recursiva da Fazenda Pública, como patenteado nas conclusões das suas Alegações tem de improceder na sua totalidade.

E neste patamar, a apreciação do mérito do recurso interlocutório deduzido pela Reclamante, ora Recorrida, do Douto despacho datado de 30 de abril de 2019, pelo qual foi decidido indeferir a produção de prova testemunhal nos autos, encontra-se por isso prejudicado.
*
E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Execução. Garantia. Constituição de hipoteca voluntária por sujeito não executado. Justificado interesse próprio da sociedade garante.

1 – A constituição de uma hipoteca voluntária a favor da Administração Tributária por parte de uma sociedade alheia à dívida tributária, mas que mantém uma relação comercial, ainda que de forma indirecta, com a Executada, sendo um modo de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, tem de ser reconhecida, abstractamente e à luz do artigo 199.º do CPPT, como garantia idónea com vista à suspensão do processo de execução fiscal.
2 - A idoneidade, em concreto, da hipoteca voluntária oferecida, ainda que respeitante a património de uma terceira entidade [uma sociedade comercial] como garantia para suspender a execução fiscal, está sujeita a uma apreciação casuística pelo órgão competente da Administração Tributária, em face da susceptibilidade do património hipotecado responder pelo integral pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
3 - A Administração Tributária não pode recusar a constituição de uma hipoteca voluntária a seu favor, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com total desprezo pelos interesses legítimos da Executada.
4 - A Administração Tributária só pode recusar uma hipoteca voluntária constituída a seu favor, se puder concluir, perante razões objectivas, que ela não garante, em concreto, o integral pagamento da quantia exequenda e do acrescido.

***

V - DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

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Custas a cargo da Recorrente.
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Notifique.
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Porto, 26 de setembro de 2019.


Paulo Ferreira de Magalhães
Cláudia de Almeida
Cristina da Nova