Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00365/11.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; LIMITES; ARTIGO 319º, N.º2, DA LEI 35/2004 DE 29.07;
PRINCÍPIO DA IGUALDADE; ARTIGOS 13º E 63º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; INDEMNIZAÇÃO POR DESPEDIMENTO.
Sumário:1. O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites ao montante global pago.

2. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, conforme resulta do disposto nos artigos 319º e 320º da Lei 35/2004 de 29.07, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

3. O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional, em concreto o princípio da igualdade, na sua vertente laboral – artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

4. Daí que os créditos fora do período de referência a que alude o n.º 2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, ainda que existam e estejam reconhecidos, não podem ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial.

5. O direito à indemnização por despedimento ilícito apenas existe mediante sentença judicial que declare a ilicitude do despedimento e condene a entidade patronal a pagar tal indemnização ao trabalhador, por força do disposto nos artigos 351º a 357º do Código do Trabalho.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MNSMS
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
MNSMS veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão de 17.05.2012 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial que moveu contra o Fundo de Garantia Salarial, visando a impugnação da decisão proferida em 14.12.2010, pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que deferiu apenas parcialmente o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho devidos à impugnante por vício de violação de lei.

Invocou para tanto, e em síntese, que a interpretação do nº 2 do artigo 319 da Lei 35/2004 de 29/7 que é feita na decisão recorrida, no sentido de que na sua previsão não abrange o pagamento de créditos laborais pelo Fundo de Garantia Salarial anteriores ao período de seis meses previsto no nº1 daquele artigo viola claramente o artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.


*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª - Não estava em causa uma actividade vinculada em que a Administração não pudesse tomar outra decisão que não aquela que foi proferida. De facto

2ª - A interpretação do nº2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, quando aos créditos abrangidos na sua previsão, tem de ser conjugado com o disposto no artigo 91º nº 1 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

3ª - Sob pena de os créditos laborais previstos no nº2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, se restringirem ao curto período que medeia entre a data da propositura da acção de insolvência e a data de declaração da insolvência, o que certamente não esteve no espírito do legislador, a interpretação do nº2 do artigo 319º da Lei 35/2004 de 29.07 deverá ser a seguinte:

4ª - Nos termos do nº2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, caso não existam créditos laborais que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência, o Fundo de Garantia Salarial pagará qualquer outro crédito laboral previsto na Lei 35/2004 de 29.07,até aos limites previstos naquela Lei, uma vez que os créditos laborais, à semelhança de todos os outros (com excepção dos subordinados a condição suspensiva) se vencem na data de declaração de insolvência (artigo 91º nº 1 Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), logo, após a data de propositura da acção de insolvência. Acresce que

5ª- Nenhuma razão, do ponto de vista do apoio e segurança social, existe para distinguir e tratar de modo diverso, os trabalhadores e respectivos apoios sociais, pela perda de créditos salariais, consoante os seus créditos salariais se tenham vencido no período de seis meses anteriores à data da propositura da acção de insolvência ou anteriormente a este período.

6ª- A interpretação do nº 2 do artigo 319º da Lei 35/2004 de 29.07 que é feita na Sentença recorrida, no sentido de que na sua previsão não abrange o pagamento de créditos laborais pelo Fundo de Garantia Salarial anteriores ao período de seis meses previsto no nº1 daquele artigo viola claramente os artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

7ª- O acto em causa é assim nulo.


*

II – Matéria de facto.

Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nessa parte:

A) A Autora foi trabalhadora da sociedade comercial denominada "L...-Confecções, Lda"

B) Do requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, relativo à Autora, junta a fls. 15 do processo instrutor, que aqui se dá por reproduzido e é parte integrante da presente sentença, consta designadamente o seguinte:

a. Quanto à "situação profissional" da Autora:

1. “Data de admissão 1998/05/01;
2. "Remuneração (base) mensal liquida € 428,50”;
3. “data da cessação do contrato de trabalho 2009/07/31 ;
b. Quanto à "situação que determina o pedido":
1. “Retribuição...Abril a Julho de 2009...€1.714,00;
2. Subsídio de férias… férias: 1998 a 2009 ... €13.961, 76 ... 1998 a 2009...€3.820,79;
3. Subsídio de Natal... 1998 a 2009... €4.820,56;
4. Subsídio de Alimentação... Abril a Julho de 2009...€211,90;
5. Indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho, no valor de €7.230,94;
6. “Os valores acima indicados foram reclamados em processo judicial de insolvência (...) apresentado em....

C) No Tribunal da Comarca de Marco de Canaveses deu entrada em 30.12.2009, e correu termos um processo de insolvência, tendo sido decretada a insolvência por sentença de 11.02.2010, transitada em julgado (cf. documentos junto aos autos).

D) O despacho impugnado proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 14.12.2010, teve por base a informação emitida pelo CDSS Porto, junta ao processo administrativo que aqui se dá por reproduzida e parte integrante desta sentença.

E) A Autora, em 01.04.2009, requereu a prestação de desemprego por motivo de encerramento da empresa L... Confecções, Lda;

F) A Autora em 01.04.2009, escreveu-se no Centro de Emprego indicando como data de cessação do contrato de trabalho o dia 31.03.2009;

G) A Autora, em 01.04.2009, começou a receber subsídio de desemprego.
*

III - Enquadramento jurídico.

A Autora apresentou recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel no processo supra identificado, pela qual foi julgada totalmente improcedente, por não provada, a acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos por ela intentada.

Alegava, em síntese, a nulidade da sentença por vício de interpretação do n.º 2 do artigo 319.º do Lei 35/2004, de 29.07.

Porém, deverá ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites às importâncias pagas.

No seu recurso, a Autora refere que o artigo 319.º nos seus n.ºs 1 e 2 alude ao conceito de vencimento, referindo que a data de vencimento de um crédito é a data marcada para o pagamento e que nos casos de insolvência é a própria lei que fixa a data de vencimento de todos os créditos do insolvente.

No entanto, os créditos laborais (que são os créditos aqui em causa) vencem-se com a cessação do contrato de trabalho, não sendo aqui de aplicar o artigo 91.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, tal como refere a Autora, mas os artigos 245º, 263º nº 2 alª b) e 278º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12.02.

Ora, o contrato de trabalho da Autora cessou em 01.04.2009 – factos E), F) e G) dados como provados, data em que se venceram todos os créditos laborais reclamados pela Autora na petição inicial.

O período de referência ocorreu entre 30.06.2009 e 30.12.2009 – vide facto C) dado como provado; o processo de insolvência foi instaurado em 30.12.2009, pelo que os créditos reclamados na presente acção venceram-se em data anterior ao início daquele período de referência.

Relativamente à quantia reclamada a título de indemnização/compensação por cessação do contrato de trabalho, inexiste decisão judicial a declarar a ilicitude da declaração de cessação e, consequentemente, o pretendido direito à indemnização nunca seria devido sem uma sentença judicial que declarasse a ilicitude do despedimento e condenasse a entidade patronal da Autora a pagar tal indemnização, por força do disposto nos artigos 351º a 357º do Código do Trabalho supra referido.

Consultando o probatório, constatamos que não há qualquer facto que prove que uma tal acção visando esse fim tivesse sido instaurada, pelo que a Autora não tem direito à indemnização pedida. Mas ainda que tivesse sido instaurada tal acção, tal direito venceu-se também na data da cessação do contrato, pelo que se venceu antes do início do período de referência balizado no artigo 319º nº 1 da Lei nº 35/2004, de 29.07.

Entende a Autora que estando os créditos fora do período de referência teria sempre o Réu de valer-se do estatuído no artigo 319º nº 2 de modo a efectuar o seu pagamento (até ao limite quantitativo previsto no artigo 320º, nº 1, da Lei 35/2004, de 29.07).

Porém, não é de acolher esta pretensão da Autora, em virtude de não ser de aplicar à situação vertente o enunciado normativo. E isto porque, os créditos da Autora existiram e venceram-se fora do período de referência e apenas estes, embora outros possam existir, podem ser garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial.

Como de sustenta no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte:

“ (…)

Acresce que a interpretação que a Autora faz do disposto no nº 2 do artº 319º da Lei 35/2004, de 29/07, não se coaduna com a ratio da lei.

A ratio deste regime legal é fundamentalmente a de assegurar, por um lado, o pagamento de créditos não muito dilatados no tempo - e daí o limite temporal cujo recuo máximo se situa no sexto mês anterior à data da entrada da acção ou do requerimento em causa - e por outro, de créditos balizados numa moldura quantitativa máxima garantida - 6 meses de retribuição não superior a 3 salários mínimos nacionais.

(…)

Continuando no nº 2 que “caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no nº 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

Ora, os créditos aqui em causa venceram-se na data da cessação do contrato de trabalho que ocorreu em 01-04-2009, pelo que a situação não é subsumível à previsão do nº 2 do artº 319º.

(…)

O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de salários, subsídios e indemnizações devidas por lei em caso de despedimento a trabalhadores por conta de outrem quando os seus empregadores não podem pagar, por estarem numa situação de insolvência ou economicamente debilitados, (mas) dentro dos limites temporais e quantitativos assinalados no diploma, pois que, se nos é permitida a expressão, o FGS é um Fundo mas não um Saco sem Fundo…”

O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo.

O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional, em concreto o princípio da igualdade, na sua vertente laboral – artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

Na petição inicial, a autora alegava que cessara o contrato de trabalho em 31.07.2009, no entanto provou-se que havia cessado o contrato de trabalho com a sociedade L... - Confecções, Lda., em 01.04.2009, sendo que este facto é ainda corroborado pelo facto da Autora ter apresentado, no dia imediatamente a seguir, o seu pedido para atribuição do respectivo subsídio de desemprego por motivo do encerramento da empresa.

Consequentemente e por força do disposto no artigo 319º nº1 do dispositivo legal que regula o Fundo de Garantia Salarial (Lei nº 35/2004, de 29 de Julho) não se pôde pagar à Autora os créditos requeridos a título de remunerações de Abril e Junho de 2009.

Nem os subsídios de férias de 1994 a 2009 e a indemnização por antiguidade, pois todos estes créditos venceram-se em data anterior ao período de referência acima explicitado, uma vez que a acção de insolvência da entidade empregadora foi proposta em 2009.12.30 e os créditos requeridos pela Autora venceram-se em 31.03.2009, data da cessação do contrato de trabalho.

Não se vencendo no período de referência estabelecido pelo n.º 1, do artigo 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07, não pode o Fundo de Garantia Salarial assegurar o seu pagamento.

Nem sendo de aplicar o n.º 2 do mesmo artigo 319.º, uma vez que não existem créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior.

Tal como decidido na decisão recorrida.

Termos em que, não merece provimento o presente recurso, uma vez que o acto praticado pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial não padece de qualquer vício que o inquine com anulabilidade ou nulidade, tal como decidido pelo Tribunal a quo.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 07.10.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro