Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00409/13.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:CUSTAS; DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA.
Sumário:A redução de custas na vertente da dispensa do pagamento do remanescente, nas causas de valor superior a 275.000,00€, pode ser concedida pelo tribunal, não apenas por impulso das partes, mas também oficiosamente, inclusive após a elaboração da conta – momento processual em que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa – dentro dos pressupostos invocados no artigo 6º, n.º 7, do RCP, a ponderar face à especificidade da situação, designadamente os da complexidade da causa e da conduta processual das partes (sumário do processo n.º 01155/10.1BEBRG de 18-01-2016).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Construções R... Lda.
Recorrido 1:Município de Vila Nova de Cerveira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de se manter a decisão recorrida.
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO
Construções R... Lda. vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, data de 21 de Abril de 2016, que indeferiu os requerimentos das partes das partes, no que se refere à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça, no âmbito da acção administrativa comum intentada contra o Município de Vila Nova de Cerveira.

Nas suas alegações refere o recorrente, em termos de conclusão:

I. À Recorrente foi notificada a conta de custas para pagamento do montante de € 7.527,60, (sete mil quinhentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos), da qual esta efetuou a devida reclamação que lhe foi indeferida pelo douto Tribunal a quo;
II. Pelo que, vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho que indeferiu a Reclamação da Conta de Custas apresentada pela ora Recorrente;
III. Sem desvalor pelo trabalho doutamente levado a cabo pelo Tribunal a quo entende a Recorrente que o montante de custas é, manifestamente, excessivo;
IV. É entendimento da Recorrente que, não obstante a ação ter sido intentada e ter-lhe sido atribuído o valor de € 1.753.369,32, certo é que, o valor da causa não pode ser o único critério para fixar o valor das custas;
V. Na verdade, para fixação das custas devidas concorrem, também, a complexidade da causa e a conduta processual das partes as partes;
Vejamos então,
VI. No presente processo foi outorgada uma transação para pôr termo a 3 (três) processos, tendo as partes arbitrado o montante global de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a pagar pelo Réu à Autora;
VII. Neste circunstancialismo, é entendimento da Recorrente que, a simples factualidade de ter sido atribuída a denominação de “Indemnização” aos montantes arbitrados entre as partes, não tem a virtualidade de afastar a real vontade destas, muito menos de afastar o efeito prático de tal transação de onde resultou, inequivocamente, uma redução dos montantes peticionados e, do valor da causa;
VIII. Não obstante, e como já ficou referido, ainda que se entenda não ter operado uma redução do valor da causa, certo é que, para o apuramento do montante da taxa de justiça devida a final não pode ser tido em consideração apenas o valor atribuído à ação;
IX. Isto porque, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP “nas causas de valor superior a EUR 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento;
X. Ora, no caso concreto, é manifestamente evidente o preenchimento de todos os pressupostos legais para efeitos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que alude o artigo 7.º do RCP, isto é:
ü O valor tributário é superior a € 275.000,00;
ü Falta de complexidade da causa; e,
ü A correta conduta processual das partes.
Senão vejamos,

XI. Conforme consta dos autos, as partes outorgaram uma transação, evitando que o Tribunal a quo procedesse ao agendamento de mais audiências de julgamento, procedesse a gravações e utilizasse mais meios e recursos;
XII. Mais evitaram que a Mm.ª Juiz tivesse de decidir sobre o mérito da demanda, aferindo a factualidade provada e não provada, a motivação, análise dos factos e do direito, proferindo sentença fundamentada;
XIII. No mesmo sentido, e não menos importante, é de realçar a conduta processual das partes, correta e idónea, tendo as partes firmado as suas posições nos articulados, acabando por perceber as razões e vicissitudes de cada uma, tendo-se aproximando e chegado a um entendimento, que culminou numa transação;
XIV. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, as quais sempre se pautaram pelo cumprimento do dever de boa-fé processual;
XV. Ou seja, sem desvalor pelo trabalho doutamente levado a cabo pelo Tribunal a quo, fruto da diligência das partes, esse douto Tribunal não teve de apreciar o mérito da demanda, tendo pura e simplesmente, proferido um despacho de homologação, no qual aferiu a capacidade e legitimidade das partes;
XVI. Assim, é convicção da Recorrente que estão reunidas as condições para se afirmar que todo este processo se caracterizou pela sua simplicidade;
XVII. Da mesma forma, não podemos descurar o facto de a transação outorgada ter posto termo a 3 (três) processos que corriam no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nomeadamente, 409/13.0BEBRG; 316/14.9BEBRG; e, 1397/13.8BEBRG;
XVIII. Pelo que, entende a Recorrente ser desproporcional o montante de custas apresentado na conta final, sendo certo que a Recorrente já pagou o montante de € 1.468,80 relativamente à taxa de justiça inicial, bastando este montante para fazer jus aos recursos despendidos nos presentes autos;
XIX. Da mesma forma, entendeu o douto Tribunal a quo que, o momento oportuno para apresentar a Reclamação era antes da conta de custas, tendo, por esse motivo, indeferido o pedido de dispensa e/ou redução da conta;
XX. No entanto, a Recorrente entende, que o Tribunal a quo fez uma interpretação demasiado literal do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, o que implicou não se ter pronunciado sobre a questão fulcral da reclamação apresentada pela Recorrente: a desproporcionalidade, ou não, da conta de custas;
XXI. Na verdade, é entendimento da Recorrente, que a redução das custas na vertente da dispensa do pagamento do remanescente constitui um instituto passível de ser usado, não apenas por requerimento das partes, mas oficiosamente pelo Tribunal, logo, nada obsta a que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça seja efetuado depois da elaboração da conta;
XXII. Nestes termos, a Recorrente entende e reitera, que a conta de custas apresentada fere gravemente os princípios da Proporcionalidade e do Acesso ao Direito consagrados na Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 18.º e 20.º respetivamente;
XXIII. No caso em apreço, de acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2.º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º CRP, é entendimento da Recorrente que não existe correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada às partes;
XXIV. Isto porque, sem desprimor pelo trabalho doutamente levado a cabo pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que a taxa de justiça paga já é proporcional ao serviço prestado sendo que, o valor a pagar de remanescente ultrapassará aquilo que é razoável e aceitável;
XXV. Devendo, por isso, ser as partes dispensadas do pagamento do remanescente.

A entidade recorrida, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, remeteu para o Parecer emitido na 1ª instância, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento pelo Tribunal a quo ao indeferir o requerimento em que foi solicitado a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO

Apesar de a decisão recorrida não ter autonomizado matéria de facto dada como provada, consideram-se provados os seguintes factos, apenas para a presente decisão:
1. As partes elaboraram Termo de Transacção pelo qual puseram termo à presente acção e a mais dois processos que corriam termos no TAF de Braga (proc. n.º 316/14.9BEBRG e processo n.º 1397/13.8BEBRG) (fls. 1726 e sgs);

2. O valor do presente processo acende a € 1 753 369,23,00 (ver fls. 1771);

3. Nos termos da transacção referida em 1, foi acordado que “as custas de cada um dos três processos serão pagas por Autora e Réu em partes iguais “;

4. Foi elaborada a conta do processo com data de 19 de Fevereiro de 2015, constando da conta referente ao recorrente o montante de € 7 527,60 (fls. 1734- 1735);

5. A conta foi notificada ao recorrente com data de 20-02-2015 (fls. 1739);

6. Com data de 6 de Março de 2015 veio o recorrente reclamar e requerer reforma da conta, solicitando, entre o mais, que lhe fosse aplicável o disposto nº 7 do artigo 6º do RCP (fls. 175).

3 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
As questões a decidir no presente recurso prendem-se com a necessidade de saber se ocorre erro de julgamento por se ter concluído que não pode ser aplicado ao caso dos autos o n.º 7 do artigo 6º do RCP por a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ter sido requerida após a elaboração da conta final.

Refere-se na decisão recorrida o seguinte:
No que respeita ao pedido de dispensa do pagamento de custas formulado pela Autora e pelo Réu, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, cumpre referir que esse normativo preceitua que: “(…)[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.(…)”
Sucede que, no que respeita ao momento da dispensa plasmada nesse normativo, tem entendido a jurisprudência que a mesma deve ocorrer antes da elaboração da conta de custas.

Aplicando este entendimento ao caso em apreço é de indeferir o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento da Custas Processuais, efetuado pela Autora e pelo Réu nos seus respetivos requerimentos.

A primeira questão a resolver, e a que vem colocada a este Tribunal, prende-se com a necessidade de saber se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser solicitada após a elaboração da conta. Foi o que aconteceu nos presentes autos e por essa razão foi o mesmo indeferido.

De acordo com o artigo 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa.

Por seu lado, nos termos do n.º 1 do artigo 529º do mesmo Código, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte. A taxa de justiça, refere o n.º 2, corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

Refere o artigo 1º do RCP, que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no referido regulamento.

Ainda de acordo com o seu artigo 6.º, n.º 1, “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
As custas processuais referem-se assim a uma contrapartida pelas despesas ou encargos judicias que os tribunais têm com os mais variados processos. Como refere Salvador da Costa, in, Regulamento das Custas Processuais, 2013, 5º edição, pág. 138, o conceito de custas em sentido técnico-jurídico significa as despesas ou encargos judicias com os processos de natureza cível, criminal, administrativa ou tributária, isto é, o dispêndio necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctico-jurídica.

Como estamos perante um encargo com vista à realização da justiça, este não pode ser tão oneroso que leve a que a obtenção desse objectivo se torne impraticável. Tem de ocorrer um equilíbrio entre o serviço prestado e montante despendido para o efeito.

Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros in Constituição República Portuguesa, anotada, ed. 2005, tomo I, p. 183:

A lei não pode (…) adoptar soluções de tal modo onerosas que na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. Ou seja, salvaguardada a protecção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo constitucionalmente admissível a adopção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça (…).
Concretamente, se é certo que nada impede que o montante das custas seja variável, a verdade é que o estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumente directamente e sem limite na proporção do valor da acção coloca pelo menos, dois tipos de problemas. Por um lado, não está excluído que, rompida a proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração da justiça prestado, se deixe de estar perante verdadeiras taxas e se entre, pelo contrário, no domínio dos impostos. Por outro lado, no plano estritamente material, a solução em causa pode, na prática, consubstanciar-se na imposição de um sistema de custas excessivas inaceitável em face do artº 20º.”.
Neste contexto, veja-se ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 20-05-2010, proc. n.º 491/05, quando refere:“…ainda que não em termos absolutos, deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais designadamente da taxa de justiça, de acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º CRP. Ao estabelecer o custo do serviço público de justiça, o legislador ordinário tem de equacionar diversos factores. Desde logo há que ter presente que está em causa um serviço público essencial vocacionado para a concretização do direito de acesso aos tribunais com assento no artigo 20º da CRP. E o custo da justiça não pode ser tão elevado que não seja acessível ao comum das pessoas, ao cidadão médio, pelo que o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça”.

Por seu lado, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade das custas processuais, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25.09.2007, processo nº 317/07 refere o seguinte: “(…) o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício”.

Ou seja, o valor das custas processuais não pode ser tão elevado que seja desproporcional ao custo do serviço prestado e de tal forma oneroso que leve os cidadãos a afastarem-se do sistema de justiça.

O artigo 6º n.º 7 do RCP, na sequência do anteriormente referido, vem repor o equilíbrio nas questões referentes a custas quando os processos têm valor elevado, referindo o seguinte:

“Nas causas de valor superior a € 275 000, 00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C.
Como refere Salvador da Costa, in, obra citada, pág.201é esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento…
A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes”.
Ou seja, com a criação deste mecanismo pretendeu-se criar um sistema de equilíbrio entre o valor que atingem determinados processos, e o custo do serviço prestado de tal forma que não ocorram fenómenos de manifesta desproporcionalidade.
Chegados aqui levanta-se a questão de saber se esta possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem necessariamente de ter lugar antes da elaboração da conta final.
Propendemos para que não.
E isto por diversas ordens de razões.
De uma leitura apressada do artigo em questão, quando se refere que nas causas de valor superior a € 275 000, 00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, parece incluir a ideia que esta apenas poderá ter lugar antes da elaboração da referida conta.
Uma leitura tão restrita deste número levava a que o efeito pretendido, com a inclusão deste n.º 7 do artigo 6º do RCP, ficasse desprovido de eficácia prática devido à forma como são decididas as questões relativas a custas.
Na verdade só após a elaboração da conta é que as partes, e até o próprio Tribunal, se confrontam com os montantes eventualmente exorbitantes que têm pela sua frente. Só nesta fase tomam real conhecimento do montante da taxa de justiça a pagar. É prática dos Tribunais que a condenação em custas apenas se debruce sobre quem deva ser condenado nas mesmas, ou seja, verificar qual a parte que a elas tenha dado causa (artigo 527º). Não é (ou não era, uma vez que esta questão está a mudar) prática corrente tomar posição sobre a eventual dispensa do remanescente da taxa de justiça, até porque não se efectuam as contas para se poder ter consciência do montante que as partes poderão pagar. Ou seja, não ocorre, normalmente, uma tomada de posição sobre a dispensa ou não do remanescente da taxa de justiça.
Assim sendo, também temos de concluir que não ocorre caso julgado sobre esta questão, ou seja, sobre a possibilidade ou não de dispensa do remanescente da taxa de justiça, razão pela qual também não vemos que não possa o Juiz tomar posição, posteriormente, sobre esta matéria. Apenas se condenou nas custas a parte que deu causa à acção.
E no caso dos autos esta questão é mais gritante.
Estamos perante acordo de transacção.
As partes acordaram que as custas seriam a cargo de ambas, pela metade. Na homologação da decisão apenas foi decidido que as custas seriam como acordado. Ora, não houve, manifestamente, no caso em apreço qualquer decisão sobre a eventual dispensa do remanescente da taxa de justiça, nem é prática tal decisão. Não poder ser requerida tal dispensa após a elaboração da conta era estar a coarctar a possibilidade de ser aplicado à situação dos autos um regime mais justo quanto ao regime de custas quando um processo termina com uma transacção.

Não olvidamos que existem diversos Acórdãos que vão no sentido de que para se obter esta dispensa ela terá de ser decidida, ou oficiosamente, ou a requerimento das partes, antes da elaboração da conta. Temos o caso do Acórdão mencionado na decisão recorrida e de muitos outros.
No entanto também há decisões em sentido contrário. E este Tribunal já decidiu que nada obsta a que essa dispensa possa ser requerida após a elaboração da conta no Processo n.º 01155/10.1BEBRG de 1801-2016, onde se refere:
III – A redução de custas na vertente da dispensa do pagamento do remanescente, nas causas de valor superior a 275.000,00€, pode ser concedida pelo tribunal, não apenas por impulso das partes, mas também oficiosamente, inclusive após a elaboração da conta – momento processual em que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa – dentro dos pressupostos invocados no artigo 6º, n.º 7, do RCP, a ponderar face à especificidade da situação, designadamente os da complexidade da causa e da conduta processual das partes.

Não há motivos para alterar esta posição.

Ver, neste sentido, Acórdão do TCA Sul processo n.º 07270/13, de 29-05-2014, quando refere na sua fundamentação:

O teor literal desta norma parece dar a ideia, aliás acolhida pela decisão recorrida e pelo Ministério Público nesta Instância, de que a decisão deve ser tomada antes da elaboração da conta. Mas, não se vêem razões preponderantes para que assim seja. Na verdade, será após a elaboração da conta, momento processual em que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa, que o juiz inclusive melhor poderá decidir.

Nessa fase processual, o juiz não se pronuncia de novo sobre o montante das custas nem sobre o responsável pelo seu pagamento. Com efeito, apenas tem de decidir se deve ou não o requerente pagar o remanescente da taxa de justiça. Esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa, na sentença ou no despacho final, uma vez que a lei não faz depender de requerimento das partes a sua intervenção nesta matéria (cfr. neste exacto sentido o ac. da Relação de Lisboa de 3.12.2013, proc. n.º 1586/08.7TCLRS-L2-7; idem, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 4.ª ed., 2012, p. 236).

Assim, as únicas decisões – rectius, segmentos decisórios – que transitaram em julgado neste domínio foram a do valor da causa (fixada em EUR 12.892.680,00) e a condenação em custas, concretamente quem é o responsável pelo seu pagamento (a Impugnante). Porém, sublinha-se, nada foi decidido sobre o que agora está em causa, pelo que não há que chamar à colação qualquer decisão com trânsito em julgado.

Em conclusão quanto a este ponto, nada obsta a que só após a elaboração da conta possa ser requerida a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça.

Ainda no mesmo sentido, Acórdão do TRC, proc. n.º 1394/09.8TBCBR.C1 de 03-12-2013, quando refere:

O despacho de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no quadro do previsto no art. 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente “ex vi” do disposto no art. 14º, nº9 do mesmo R.C.P..

E ainda Ac. TRL proc. n.º 7973-08.3TCLRS-A.L1-6, de 14-01-2016:
Não está vedado, após a elaboração da conta de custas, o despoletamento do mecanismo de adequação jurisdicional da taxa de justiça remanescente previsto no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais num quadro em que só após tal conta os Demandantes não condenados no pagamento das custas são confrontados, pela primeira vez, com a necessidade de procederem à entrega de tal remanescente que, por lapso do mesmo Tribunal, não puderam incluir na sua nota justificativa e discriminativa das custas de parte;

O Ac. TRE proc. 3264/03.4TBPTM-A.E1 de 02-06-2016, refere na sua fundamentação:

Com efeito, a prática judiciária comum dos tribunais é a de se confinarem nas sentenças à definição da responsabilidade por custas, sem atenderem a aspectos específicos como a concreta dimensão quantitativa dessa responsabilidade, pelo que, logo por aí, se afigura excessivo o entendimento de que a omissão de referência na sentença à dispensa excepcional (e na falta de pedido de dispensa por iniciativa da parte no quadro da reforma da sentença) faz precludir a possibilidade da aplicação do regime do artº 6º, nº 7, do RCP. E, por outro lado, é também certo que só com a quantificação decorrente da conta de custas se torna possível perceber plenamente o alcance da obtenção (ou não) daquela dispensa: só nesse momento a parte dispõe de todos os elementos necessários a uma escolha conscienciosa entre requerer ou não requerer a dispensa do pagamento do remanescente, pelo que não será aceitável exigir à parte que o direito de requerer a dispensa tenha de ser exercido antes de a mesma saber o quantitativo das custas que serão colocadas a seu cargo.

Tendo em conta princípios como os da lealdade e da cooperação processuais, afigura-se de toda a razoabilidade que seja reconhecida à parte responsável por custas a possibilidade de suscitar, em sede de reclamação da conta, a discussão sobre a exacta quantificação da sua responsabilidade, já que só nessa conta se procede a tal quantificação. Essa será a interpretação mais coerente com aqueles princípios e a mesma conforma-se à literalidade abrangente do artº 31º do RCP, que contempla a possibilidade de «oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais». Revertendo ao caso dos autos, e atentas as anteriores considerações, é de entender que poderiam os RR. formular, em sede de reclamação da conta, a pretensão de aplicação do regime de dispensa excepcional do artº 6º, nº 7, do RCP. E, consequentemente, não deveria o tribunal a quo ter deixado de apreciar essa pretensão, no quadro da reclamação deduzida pelos RR. (com o fundamento de que essa questão já havia sido apreciada, ainda que implicitamente, em momento anterior ou de que a mesma já não poderia ser apreciada nessa sede). Ao não apreciar tal matéria, incorreu efectivamente esse tribunal em omissão de pronúncia – pelo se considera procedente a arguição de nulidade da decisão recorrida.

Ver também Acórdão TRL proc. n.º 1586/08.7TCLRS-L2-7, de 03-12-2013: Em conformidade com o disposto n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento da Custas Processuais, nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça deverá ser considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, nada obstando a que a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça seja requerida somente após a elaboração da conta.

Ou seja, sopesados todos os argumentos, e secundados pela jurisprudência citada, concluímos que nada obsta a que o recorrente não pudesse requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a elaboração da conta, pelo que tem de proceder o presente recurso.

Procedendo, nesta parte, o recurso temos agora de analisar se no caso concreto deve ou não ser dispensado o recorrente do referido remanescente.

No artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais vêm referidos dois motivos para que se possa proceder à dispensa do remanescente da taxa de justiça, além de se ter de estar perante uma acção de valor superior a € 275 000,00.

A complexidade da causa e a conduta processual das partes.

O processo ora em análise tem o valor de € 1 753 369, 32, razão pela qual se poderá, nesta parte, aplicar ao caso dos autos o n.º 7 do artigo 6º.

No que se refere à complexidade da causa, refere-se no artigo 530.º, nº 7, do CPC, que:

Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”.

Tendo como auxiliar nesta decisão o mencionado neste artigo verifica-se que se considera estarmos perante uma acção de especial complexidade quando estamos perante articulados prolixos, com análise de questões de elevada especialização jurídica e onde se realizaram complexas diligências, incluindo as relativas à prova.

No caso dos autos estamos perante uma acção referente à execução de contratos de empreitada, de dificuldade média, uma vez que apesar o processo ter vários volumes, estes, na sua esmagadora maioria, referem-se a documentos e não propriamente a peças processuais prolixas. Aliás a pi tem cerca de 130 artigos. Estão em causa questões decorrentes da execução do contrato de empreitada, com suspensões e o arrastar da execução própria deste tipo de contratos, e não questões jurídicas complexas. Estão em causas questões normalmente habituais na resolução destes processos, em que a matéria de facto é a parte substancialmente mais relevante. No entanto, como já referimos, ocorreu transacção, não tendo terminado a audiência final.

No que respeita à conduta processual das partes litigantes, apreciada de acordo com as regras processuais de cooperação, de boa-fé e de recíproca correcção, tendentes a obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, a mesma pautou-se por tais deveres, não merecendo qualquer censura. Aliás o presente processo, repetimos, terminou com acordo de transacção o que é bem sintoma desta conduta. Esta forma de pôr fim ao processo leva a que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça se coloque com mais acuidade.

Tendo em atenção todo o exposto afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.

4º Decisão

Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.
Sem custas

Porto, 30 de Novembro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco