Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00409/13.0BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 11/30/2016 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Joaquim Cruzeiro |
Descritores: | CUSTAS; DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA. |
Sumário: | A redução de custas na vertente da dispensa do pagamento do remanescente, nas causas de valor superior a 275.000,00€, pode ser concedida pelo tribunal, não apenas por impulso das partes, mas também oficiosamente, inclusive após a elaboração da conta – momento processual em que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa – dentro dos pressupostos invocados no artigo 6º, n.º 7, do RCP, a ponderar face à especificidade da situação, designadamente os da complexidade da causa e da conduta processual das partes (sumário do processo n.º 01155/10.1BEBRG de 18-01-2016).* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Construções R... Lda. |
Recorrido 1: | Município de Vila Nova de Cerveira |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de se manter a decisão recorrida. |
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Decisão Texto Integral: | 1 – RELATÓRIO Construções R... Lda. vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, data de 21 de Abril de 2016, que indeferiu os requerimentos das partes das partes, no que se refere à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça, no âmbito da acção administrativa comum intentada contra o Município de Vila Nova de Cerveira. Nas suas alegações refere o recorrente, em termos de conclusão: I. À Recorrente foi notificada a conta de custas para pagamento do montante de € 7.527,60, (sete mil quinhentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos), da qual esta efetuou a devida reclamação que lhe foi indeferida pelo douto Tribunal a quo; As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar: — se ocorre erro de julgamento pelo Tribunal a quo ao indeferir o requerimento em que foi solicitado a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Cumpre decidir. 2– FUNDAMENTAÇÃO Apesar de a decisão recorrida não ter autonomizado matéria de facto dada como provada, consideram-se provados os seguintes factos, apenas para a presente decisão: 2. O valor do presente processo acende a € 1 753 369,23,00 (ver fls. 1771); 3. Nos termos da transacção referida em 1, foi acordado que “as custas de cada um dos três processos serão pagas por Autora e Réu em partes iguais “; 4. Foi elaborada a conta do processo com data de 19 de Fevereiro de 2015, constando da conta referente ao recorrente o montante de € 7 527,60 (fls. 1734- 1735); 5. A conta foi notificada ao recorrente com data de 20-02-2015 (fls. 1739); 6. Com data de 6 de Março de 2015 veio o recorrente reclamar e requerer reforma da conta, solicitando, entre o mais, que lhe fosse aplicável o disposto nº 7 do artigo 6º do RCP (fls. 175). 3 – DE DIREITO Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA. Refere-se na decisão recorrida o seguinte: A primeira questão a resolver, e a que vem colocada a este Tribunal, prende-se com a necessidade de saber se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser solicitada após a elaboração da conta. Foi o que aconteceu nos presentes autos e por essa razão foi o mesmo indeferido. De acordo com o artigo 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa. Por seu lado, nos termos do n.º 1 do artigo 529º do mesmo Código, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte. A taxa de justiça, refere o n.º 2, corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais. Refere o artigo 1º do RCP, que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no referido regulamento. Ainda de acordo com o seu artigo 6.º, n.º 1, “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”. Como estamos perante um encargo com vista à realização da justiça, este não pode ser tão oneroso que leve a que a obtenção desse objectivo se torne impraticável. Tem de ocorrer um equilíbrio entre o serviço prestado e montante despendido para o efeito. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros in Constituição República Portuguesa, anotada, ed. 2005, tomo I, p. 183: “A lei não pode (…) adoptar soluções de tal modo onerosas que na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. Ou seja, salvaguardada a protecção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo constitucionalmente admissível a adopção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça (…). Por seu lado, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade das custas processuais, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25.09.2007, processo nº 317/07 refere o seguinte: “(…) o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício”. Ou seja, o valor das custas processuais não pode ser tão elevado que seja desproporcional ao custo do serviço prestado e de tal forma oneroso que leve os cidadãos a afastarem-se do sistema de justiça. O artigo 6º n.º 7 do RCP, na sequência do anteriormente referido, vem repor o equilíbrio nas questões referentes a custas quando os processos têm valor elevado, referindo o seguinte: “Nas causas de valor superior a € 275 000, 00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. O teor literal desta norma parece dar a ideia, aliás acolhida pela decisão recorrida e pelo Ministério Público nesta Instância, de que a decisão deve ser tomada antes da elaboração da conta. Mas, não se vêem razões preponderantes para que assim seja. Na verdade, será após a elaboração da conta, momento processual em que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa, que o juiz inclusive melhor poderá decidir. Nessa fase processual, o juiz não se pronuncia de novo sobre o montante das custas nem sobre o responsável pelo seu pagamento. Com efeito, apenas tem de decidir se deve ou não o requerente pagar o remanescente da taxa de justiça. Esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa, na sentença ou no despacho final, uma vez que a lei não faz depender de requerimento das partes a sua intervenção nesta matéria (cfr. neste exacto sentido o ac. da Relação de Lisboa de 3.12.2013, proc. n.º 1586/08.7TCLRS-L2-7; idem, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 4.ª ed., 2012, p. 236). Assim, as únicas decisões – rectius, segmentos decisórios – que transitaram em julgado neste domínio foram a do valor da causa (fixada em EUR 12.892.680,00) e a condenação em custas, concretamente quem é o responsável pelo seu pagamento (a Impugnante). Porém, sublinha-se, nada foi decidido sobre o que agora está em causa, pelo que não há que chamar à colação qualquer decisão com trânsito em julgado. Em conclusão quanto a este ponto, nada obsta a que só após a elaboração da conta possa ser requerida a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça. Ainda no mesmo sentido, Acórdão do TRC, proc. n.º 1394/09.8TBCBR.C1 de 03-12-2013, quando refere: O despacho de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente no quadro do previsto no art. 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente “ex vi” do disposto no art. 14º, nº9 do mesmo R.C.P.. E ainda Ac. TRL proc. n.º 7973-08.3TCLRS-A.L1-6, de 14-01-2016: O Ac. TRE proc. 3264/03.4TBPTM-A.E1 de 02-06-2016, refere na sua fundamentação: Com efeito, a prática judiciária comum dos tribunais é a de se confinarem nas sentenças à definição da responsabilidade por custas, sem atenderem a aspectos específicos como a concreta dimensão quantitativa dessa responsabilidade, pelo que, logo por aí, se afigura excessivo o entendimento de que a omissão de referência na sentença à dispensa excepcional (e na falta de pedido de dispensa por iniciativa da parte no quadro da reforma da sentença) faz precludir a possibilidade da aplicação do regime do artº 6º, nº 7, do RCP. E, por outro lado, é também certo que só com a quantificação decorrente da conta de custas se torna possível perceber plenamente o alcance da obtenção (ou não) daquela dispensa: só nesse momento a parte dispõe de todos os elementos necessários a uma escolha conscienciosa entre requerer ou não requerer a dispensa do pagamento do remanescente, pelo que não será aceitável exigir à parte que o direito de requerer a dispensa tenha de ser exercido antes de a mesma saber o quantitativo das custas que serão colocadas a seu cargo. Tendo em conta princípios como os da lealdade e da cooperação processuais, afigura-se de toda a razoabilidade que seja reconhecida à parte responsável por custas a possibilidade de suscitar, em sede de reclamação da conta, a discussão sobre a exacta quantificação da sua responsabilidade, já que só nessa conta se procede a tal quantificação. Essa será a interpretação mais coerente com aqueles princípios e a mesma conforma-se à literalidade abrangente do artº 31º do RCP, que contempla a possibilidade de «oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais». Revertendo ao caso dos autos, e atentas as anteriores considerações, é de entender que poderiam os RR. formular, em sede de reclamação da conta, a pretensão de aplicação do regime de dispensa excepcional do artº 6º, nº 7, do RCP. E, consequentemente, não deveria o tribunal a quo ter deixado de apreciar essa pretensão, no quadro da reclamação deduzida pelos RR. (com o fundamento de que essa questão já havia sido apreciada, ainda que implicitamente, em momento anterior ou de que a mesma já não poderia ser apreciada nessa sede). Ao não apreciar tal matéria, incorreu efectivamente esse tribunal em omissão de pronúncia – pelo se considera procedente a arguição de nulidade da decisão recorrida. Ver também Acórdão TRL proc. n.º 1586/08.7TCLRS-L2-7, de 03-12-2013: Em conformidade com o disposto n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento da Custas Processuais, nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça deverá ser considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, nada obstando a que a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça seja requerida somente após a elaboração da conta. Ou seja, sopesados todos os argumentos, e secundados pela jurisprudência citada, concluímos que nada obsta a que o recorrente não pudesse requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a elaboração da conta, pelo que tem de proceder o presente recurso. Procedendo, nesta parte, o recurso temos agora de analisar se no caso concreto deve ou não ser dispensado o recorrente do referido remanescente. No artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais vêm referidos dois motivos para que se possa proceder à dispensa do remanescente da taxa de justiça, além de se ter de estar perante uma acção de valor superior a € 275 000,00. A complexidade da causa e a conduta processual das partes. O processo ora em análise tem o valor de € 1 753 369, 32, razão pela qual se poderá, nesta parte, aplicar ao caso dos autos o n.º 7 do artigo 6º. No que se refere à complexidade da causa, refere-se no artigo 530.º, nº 7, do CPC, que: “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”. Tendo como auxiliar nesta decisão o mencionado neste artigo verifica-se que se considera estarmos perante uma acção de especial complexidade quando estamos perante articulados prolixos, com análise de questões de elevada especialização jurídica e onde se realizaram complexas diligências, incluindo as relativas à prova. No caso dos autos estamos perante uma acção referente à execução de contratos de empreitada, de dificuldade média, uma vez que apesar o processo ter vários volumes, estes, na sua esmagadora maioria, referem-se a documentos e não propriamente a peças processuais prolixas. Aliás a pi tem cerca de 130 artigos. Estão em causa questões decorrentes da execução do contrato de empreitada, com suspensões e o arrastar da execução própria deste tipo de contratos, e não questões jurídicas complexas. Estão em causas questões normalmente habituais na resolução destes processos, em que a matéria de facto é a parte substancialmente mais relevante. No entanto, como já referimos, ocorreu transacção, não tendo terminado a audiência final. No que respeita à conduta processual das partes litigantes, apreciada de acordo com as regras processuais de cooperação, de boa-fé e de recíproca correcção, tendentes a obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, a mesma pautou-se por tais deveres, não merecendo qualquer censura. Aliás o presente processo, repetimos, terminou com acordo de transacção o que é bem sintoma desta conduta. Esta forma de pôr fim ao processo leva a que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça se coloque com mais acuidade. Tendo em atenção todo o exposto afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final. 4º Decisão Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final. Porto, 30 de Novembro de 2016 |