Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00206/20.6BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rosário Pais
Descritores:ASSISTÊNCIA MÚTUA NA COBRANÇA DE CRÉDITOS ENTRE ESTADOS MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA; EXECUÇÃO FISCAL;
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
Sumário:I - Não tendo sido alegado nem demonstrado que a ordem jurídica Francesa deixa sem garantia de apreciação jurisdicional a pretensão do cidadão português de ver reconhecida a prescrição de uma sua divida tributaria para com a República Francesa, a sentença que declarar os tribunais tributários portugueses incompetentes, em razão da nacionalidade, para conhecer dessa matéria não viola o direito fundamental ao acesso à justiça (artigo 20º da Constituição), nem o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (artigo 268º nº 4 da Constituição).*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:P.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO
1.1. P., devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferia no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 13.11.2020, pela qual aquele se julgou internacionalmente incompetente para conhecimento da prescrição da dívida exequenda e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«1) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 1ª Instância, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que se julgou internacionalmente incompetente para conhecer da prescrição da dívida exequenda, referente a dívidas de IRS e contribuições sociais de 2008 e 2009, no valor global de € 80.227,61 (oitenta mil, duzentos e vinte e sete euros e sessenta e um cêntimos), que tem por base um título executivo uniforme relativo a créditos abrangidos pela Directiva 2010/24/UE.
2) Não concordando, nem se conformando com a douta sentença, interpõe-se o presente recurso porquanto, face aos factos e ao direito aplicável, deveria o douto Tribunal a quo ter conhecido da prescrição uma vez que, tal conhecimento é oficioso, à luz do definido no art.º 175º do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT).
3) Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença da qual ora se recorre encontra-se inquinada por vícios que a ferem de nulidade.
4) Tendo por referência a matéria dada como provada nos presentes autos, não se compreende o porquê da fundamentação aduzida pelo douto Tribunal a quo, na sentença da qual ora se recorre, discorrer sobre um caso que ocorreu com as autoridades fiscais alemãs, uma vez que, o caso que nos ocupa prende-se, única e exclusivamente, com as finanças francesas.
5) A fundamentação aduzida pelo douto Tribunal a quo refere-se a um outro qualquer caso concreto, que não os dos presentes autos.
6) A Mmª. Juiz do Tribunal recorrido, alude ao modo como no caso constante da fundamentação da decisão foi efectuada a notificação ao sujeito passivo, leia-se “citado por carta registada com aviso de recepção datada de 04/04/2006”.
7) Todavia, o mesmo não sucedeu in casu, conforme foi demonstrado e dado como provado no ponto 4. da matéria de facto dada como provada.
8) Não se compreendendo em que acervo documental possa a Mm.ª Juiz “a quo” ter sustentado a sua fundamentação, uma vez que a mesma em nada se relaciona com o presente caso.
9) Por outro lado, refere-se ao Serviço de Finanças de Mangualde como o órgão que instaurou o processo de execução mas, também como resulta dos factos dados como provados, no ponto 3, foi o Serviço de Finanças da Figueira da Foz-1, no âmbito do PEF n.º 0744202001003372 e não no do PEF nº 25502006090001009, conforme ali referido, que o fez.
10) Refere, ainda, a douta decisão em crise, que tal PEF foi instaurado com base “em certidões de dívida provenientes das autoridades fiscais da Alemanha”, remetendo para o documento de citação.
11) No entanto, a autoridade fiscal que solicitou a cooperação do Serviço de Finanças da Figueira da Foz, foi a autoridade fiscal francesa, como, aliás, se depreende da mera observação do título executivo uniforme relativo aos créditos abrangidos pela Directiva 2010/24/EU, emitido em 24.08.2018 e já junto aos autos.
12) Prosseguindo na leitura da fundamentação da sentença proferido pelo Tribunal a quo, é feita uma sumula das alegadas “questões que o ora recorrente suscita na sua oposição”.
13) Contudo, a única questão suscitada na oposição que deu origem aos presentes autos foi a prescrição da dívida exequenda e acréscimos.
14) Daí a estranheza com que o ora recorrente recepcionou a sentença da qual ora se recorre pois, não é feita referência aos dados e aos factos concretos do caso que nos ocupa, sendo feita, constantemente referência a um outro caso, a um outro serviço de finanças, a uma outra autoridade fiscal, outro PEF.
15) É feita, ainda, referência ao facto “da prescrição da dívida exequenda e de caducidade do direito de liquidação do Tributo terão de ser resolvidas por atenção às normas substantivas Alemãs”, pelo que, o ora recorrente, desconhece que normas substantivas devem ser aplicadas para a resolução do seu diferendo.
16) Adiante, e na preparação da douta decisão, foram formuladas duas questões por parte do Tribunal a quo e novamente é notória a confusão entre o caso concreto e o caso ali relatado.
17) A verdade é que, a fundamentação da sentença proferida, funda-se e redunda sempre numa questão com as finanças alemãs e não francesas, não podendo aplicar-se, sem mais, ao caso concreto, sendo tal confusão visível e notória em toda a fundamentação da douta sentença proferida.
18) Mais à frente, é feita referência ao Estado alemão, ao Serviço de Finanças de Torres Vedras, ao TAF de Leiria, não se compreendendo onde começa e onde termina a transcrição da decisão citada e não se compreendendo, também, a relação entre os casos assinalados e o presente caso.
19) Pelo que, resulta como evidente a obscuridade em que se traduz tal sentença, uma vez que, não há semelhança com o caso concreto, desconhecendo o ora recorrente se a solução a aplicar, quando a dívida é proveniente das autoridades fiscais alemãs, é igual à solução a aplicar quando se trate das autoridades fiscais francesas.
20) Ora, tendo o novo C. P. Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013) eliminado a disposição relativa ao pedido de aclaração da sentença com fundamento em alguma obscuridade ou ambiguidade, passou, simultaneamente, a integrar as causas de nulidade da sentença enunciadas no artº 615º nº 1 do CPC novo, sob a alínea c), a ocorrência de “(...) alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
21) Decorrendo ainda do disposto no nº 4 daquele artº 615º, do C. P. Civil que tal nulidade, só pode ser arguida “(...) perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
22) É o que se verifica no presente caso, pelo que, face ao exposto, se mostra a douta sentença aqui em escrutínio, ferida da nulidade a que alude o disposto no artº 615º nº 1, alínea c), do C. P. Civil, aqui aplicável “ex vi” do disposto no artº 2º, alínea e), do CPPT.
23) Nulidade essa que expressamente se deixa arguida para todos os devidos e legais efeitos e consequências.
24) No modesto entendimento do ora recorrente, a aplicação da legislação referida na douta sentença, nomeadamente, o n.º 2, do art.º 11º do DL n.º 263/2012, de 20.12, é inconstitucional.
25) Com efeito, o DL n.º 263/2012, de 20.12 foi o diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2010/24/EU, do Conselho, de 16.03.2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas.
26) Da leitura do mencionado preceito conclui-se que a citação para deduzir oposição à execução efectuada pelo Serviço de Finanças da Figueira da Foz-1, por interromper o prazo de prescrição da dívida exequenda, produzem o mesmo efeito no Estado-Membro requerente, ou seja, França, desde que esteja previsto o efeito correspondente nas disposições legislativas em vigor neste último Estado.
27) Importando, por um lado, perceber se efectivamente, os actos diligenciados pelo Serviço de Finanças da Figueira da Foz-1, tiveram efeitos jurídicos na esfera contributiva do ora recorrente, em França e, por outro lado, até que ponto é que o normativo enunciado não colide com os princípios constitucionalmente previstos nos artºs 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
28) Pois, salvo o devido respeito, que é muito, o ora recorrente está em crer que cabe ao SF português e, consequentemente, ao Tribunal a quo, aferirem das consequências de tal citação, já que, efectivamente, o mesmo desconhece se o prazo prescricional foi interrompido ou se ainda se encontra em curso.
29) A verdade é que, é evidente que a prescrição em causa nos presentes autos, à luz do ordenamento português já ocorreu.
30) Por outro lado, a redação do n.º 2 do art.º 11º, do DL mencionado fere, inequivocamente, dois dos princípios basilares do nosso Estado de Direito Democrático, a saber, o princípio da igualdade e o princípio da tutela do direito, bem como, o preceito constitucional aposto sob o art.º 14º, da CRP.
31) Uma vez que, ao estatuir-se a possibilidade de os actos do órgão fiscal do Estado-Membro requerido terem consequências no Estado-Membro requerente e não o contrário, ou seja, os actos praticados perante o órgão de execução fiscal do Estado-Membro requerido terem o mesmo valor perante o Estado-Membro requerente choca com o princípio da igualdade.
32) Princípio este que, tendo em conta o estatuído no n.º 1 do art.º 18º da CRP, tem aplicação e vincula as entidades públicas e privadas.
33) A verdade é que, a AT é colocada numa posição de soberania perante o sujeito passivo, sendo notória tal desigualdade de armas pois, reagindo o contribuinte a uma notificação efectuado por um Estado-membro da UE e não podendo reagir à mesma por forma a obter um resultado noutro Estado-membro, é de todo injusto.
34) Não se compreende como tal Directiva e consequente Decreto Lei de transposição para o Direito Interno Português, permitiram esta desigualdade de partes, na qual o ora recorrente é colocado numa situação periclitante, não sabendo como agir ou reagir.
35) Até porque, conforme estatui o n.º 1 do art.º 7º da CRP, “Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios (...), da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais e o art.º 14º da Lei Fundamental dispõe o seguinte: “Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país.”
36) A verdade é que, o ora recorrente quis exercer o seu direito de reação a acto lesivo dos seus direitos e interesses.
37) E não teve a protecção legal que esperava pois, sendo a prescrição de conhecimento oficioso, o TAF de Coimbra, ao considerar-se internacionalmente incompetente, deveria, à luz deste preceito, ter procedido ao reenvio prejudicial da causa para o TJUE, para que assim fosse proferida uma decisão que assegurasse a aplicação uniforme do Direito Comunitário, no conjunto dos Estados-Membros.
38) Poderia, ainda, ter solicitado a colaboração dos Tribunais franceses ou convidar o ora recorrente a traduzir a oposição que deu origem aos presentes autos e reencaminhá-la para as autoridades competentes francesas.
39) O que não podia era imiscuir-se e violar o disposto no art.º 14º da CRP, deixando o ora recorrente de mãos e pés atados, uma vez que, face à data em que foi notificado para deduzir oposição à execução, a querer deduzir oposição à mesma junto de Tribunal Francês, certamente, a mesma será intempestiva.
40) Motivo pelo qual, o douto Tribunal a quo deveria ter zelado pelos direitos e interesses do ora recorrente que, apesar de não residir em território português, à data dos factos, não deixa de ser um português no estrangeiro, que merece a tutela jurisdicional do seu país de nascimento.
41) O que, fere, sem dúvida, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no art.º 20º da CRP pois, no caso sub judice, é patente que foi negado, ao ora recorrente, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não tendo obtido tutela efectiva e em tempo útil contra as ameaças e violações desses direitos.
42) Acresce que, também os princípios fundamentadores sob os quais a Administração Pública deve diligenciar aquando da prática de actos, foram violados (Art.º 266º da CRP).
43) Assim, no caso que nos ocupa é por notório que a AT, na prossecução do interesse público (que nem era seu), não respeitou os direitos e interesses legalmente protegidos do ora recorrente, como já se deixou demonstrado, nem actuou com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.
44) Porquanto, o sujeito passivo e a AT encontram-se em patamares distintos no que concerne aos poderes que cada um tem para fazer valer a sua pretensão e valorar os seus direitos pois, os actos praticados pela AT, podem ter valor em França, mas os actos praticados pelo contribuinte em Portugal, já não têm consequências legais em França.
45) Sendo esta uma situação de todo desproporcionada e injusta, vendo-se o ora recorrente despido de meios de reação capazes de aferirem da prescrição da dívida exequenda por um Tribunal Português.
46) O preceito cuja constitucionalidade importa avaliar, choca, intimamente, com todo o aduzido até aqui a esse respeito, bem como, com a estrutura da Administração Pública, uma vez que, o objectivo é evitar a burocratização, aproximar os serviços das populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva (art.º 267º da CRP).
47) E, colide, ainda, com o preceituado no n.º 4 do art.º 268º da CRP porque, o presente caso, se prende, justamente, com a impugnação de acto que lesa o sujeito passivo.
48) E que, o douto Tribunal “a quo”, não quis decidir quanto ao mérito, privilegiando a forma e declarando-se internacionalmente incompetente.
49) Deixando-se suscitadas as inconstitucionalidades acima referidas, pretende o recorrente vê-las conhecidas e decididas por esse Venerando Tribunal.
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Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida em sede de 1ª Instância, porque ferida da nulidade mencionada, previstas na alínea c) do n.º 1 do art.º 615º, do C. P. Civil, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do art.º 2º, do CPPT.
E, ainda, conhecidas e apreciadas as inconstitucionalidades invocadas, por notório desrespeito com os preceitos constitucionais aduzidos.
ASSIM SE FAZENDO A SEMPRE DOUTA E ACOSTUMADA JUSTIÇA!»

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«O objeto do recurso
A douta sentença recorrida, datada de 13.11.2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, decidiu julgar o tribunal internacionalmente incompetente para conhecimento da prescrição da dívida exequenda e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.
A recorrente alega que a sentença recorrida deveria ter conhecido da prescrição, porquanto tal conhecimento é oficioso, à luz do artigo 175º do CPPT e, por outro lado, a competência para o conhecimento de matérias relacionadas com a cobrança de créditos respeitantes a impostos é do Tribunal Administrativo e Fiscal português.
Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pelo recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
Questão decidenda
A questão suscitada pelo recorrente prende-se com a competência internacional do tribunal tributário português para conhecer da prescrição da dívida por si invocada, considerando ser a prescrição de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 175º do CPPT.
O recorrente deduziu oposição à execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1, para cobrança de dívidas ao Estado Francês, de IRS e contribuições sociais dos anos de 2008 e 2009, no valor global de € 80.227,61, instaurado no seguimento de pedido de cobrança da visada dívida pela “DSRI – Comissão Interministerial de Assistência Mútua em Matéria de Cobrança de Créditos”, invocando a prescrição das dívidas exequendas por as mesmas prescreverem no prazo de 8 anos previsto no artigo 48.º da Lei Geral Tributária, sendo a prescrição de conhecimento oficioso.
No que respeita à arguida nulidade de omissão de pronúncia, tendo o tribunal a quo decidido ser incompetente em razão do território, não poderia conhecer do mérito da oposição.
Como refere a Mma. Juíza a quo, no seu douto despacho de fls. 137, sobre a questão suscitada já se pronunciou este TCA Norte no douto acórdão de 11.02.2021 (Relator: Desembargador Tiago Miranda), com o seguinte sumário:
“Não tendo sido alegado nem demonstrado que a ordem jurídica Francesa deixa sem garantia de apreciação jurisdicional a pretensão, do cidadão português, de ver reconhecida a prescrição de uma sua divida tributaria para com a República Francesa, a sentença que declarar os tribunais tributários portugueses incompetentes, em razão da nacionalidade, para conhecer dessa matéria não viola o direito fundamental ao acesso à justiça (artigo 20º da Constituição), nem o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (artigo 268º nº 4 da Constituição).”1
1 Disponível, tal como os demais, em www.dgsi.pt.
De tal acórdão foi interposto recurso de revista excecional, nos termos do disposto no artigo 285º, nº 1 do CPPT que dispõe:
“Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”
O Supremo Tribunal Administrativo, por douto acórdão de 12.05.2021, decidiu não aceitar o recurso de revista por considerar que “no que à questão da competência internacional respeita, não se trata de questão nova nem particularmente complexa, tendo o TAF de Coimbra decidido em conformidade com a jurisprudência deste STA, que cita, ainda muito recentemente reiterada – cfr. o Acórdão de 28 de outubro de 2020, proc. n.º 02752/17.0BEBRG.”
Pelo exposto, em consonância com tal posição e sem necessidade de mais considerandos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se integralmente na ordem jurídica a douta sentença recorrida.»

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ou das nulidades que lhe vêm apontadas, designadamente:

1 – Se a sentença recorrida é nula, por padecer de obscuridade e ininteligibilidade (artigo 615.º, n.º 1, al.ª c), do CPC), na medida em que a sua fundamentação refere insistentemente outro estado membro, crédito exequendo, credor da dívida exequenda, serviço de finanças autor da penhora, data de notificação da penhora, processo e tribunal recorrido, que não os que aqui estão em causa.

2 – Se a aplicação da legislação referida na douta sentença, nomeadamente, o n.º 2, do artigo 11.º, do DL n.º 263/2012, de 20.12, é inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, devido a que, mediante esta norma, a citação para deduzir oposição à execução, bem como a ordem de penhora, ao interromperem o prazo de prescrição da dívida exequenda, produzem o mesmo efeito no Estado-Membro requerente, desde que esteja previsto o efeito correspondente na lei deste último, mas os atos praticados perante o órgão de execução fiscal do Estado-Membro requerido não têm o mesmo valor perante o Estado-Membro.

3 – Se a sentença recorrida viola o artigo 14.º da Constituição, por deixar o recorrente “de mãos e pés atados, uma vez que, face à data em que foi notificado para deduzir oposição à execução, a querer deduzir oposição à mesma junto de Tribunal Francês, certamente, a mesma será intempestiva” e por, considerando-se internacionalmente incompetente, não ter o Tribunal a quo procedido ao reenvio prejudicial da causa para o TJUE, para que assim fosse proferida uma decisão que assegurasse a aplicação uniforme do Direito Comunitário.

4 – Se a sentença recorrida viola o direito fundamental do acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da CRP.

5 - Se a sentença recorrida viola os princípios artigo 266.º da constituição já que a atuação da AT não respeita os interesses legalmente protegidos do recorrente.

6 – Se a sentença recorrida colide com o preceituado no n.º 4, do artigo 268.º da CRP porque o presente caso se prende justamente com a impugnação de um ato que lesa o sujeito passivo e o douto Tribunal a quo, apesar disso, não quis decidir quanto ao mérito.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Para conhecimento da visada questão julgam-se provados os seguintes factos:
1. No âmbito da Cooperação Administrativa Intracomunitária – Assistência Mútua na Cobrança de Créditos entre Estados Membros da União Europeia, a Administração Tributária de França solicitou em 11.11.2019 à Administração Tributária portuguesa a instauração de execução fiscal contra o ora Reclamante, tendo por base título executivo uniforme relativo aos créditos abrangidos pela Directiva 2010/24/UE emitido em 24.08.2018, referente a dívidas de IRS e contribuições sociais dos anos de 2008 e 2009, no valor global de €80.227,61, aí se indicando que a data da constituição dos créditos ocorreu em 30.11.2011 e que o procedimento coercivo era possível desde o dia 15.01.2012 quanto às dívidas de IRS, desde 31.12.2011 quanto às dívidas de contribuições sociais de 2008 e desde 30.12.2011 quanto às dívidas de contribuições sociais de 2009, mais se indicando que «o devedor contestou a base tributável em 20/12/2012 perante o TRIBUNAL ADMINISTRATIVO. Este último proferiu uma Decisão de Rejeição em 23/10/2014»;
[Cfr. visado título executivo uniforme, comprovativo de submissão da visada certidão e mensagem de correio electrónico da DSRI - Comissão Interministerial para a Assistência Mútua em Matéria de Cobrança de Créditos enviada ao Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1, a fls. 2-7 do processo executivo fiscal inserto nos autos em suporte electrónico a fls. 3 e ss..]
2. No seguimento do pedido referido no ponto anterior a Direcção de Serviços de Relações Internacionais – Comissão Interministerial para a Assistência Mútua em Matéria de Cobrança de Créditos solicitou em 15.01.2020 ao Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1 a instauração de processo executivo contra a ora Reclamante, para cobrança dos visados créditos;
[cfr. mensagem de correio electrónico a fls. 2 do processo executivo fiscal inserto nos autos em suporte electrónico a fls. 3 e ss..]
3. Em 15.01.2020 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1 contra o ora Reclamante o processo executivo fiscal n.º 0744202001003372, visando a cobrança coerciva das dívidas referidas em 1.;
[cfr. capa/autuação do visado PEF e respectivo título executivo, a fls. 1 do processo executivo fiscal inserto nos autos em suporte electrónico a fls. 3 e ss..]
4. Em 29.01.2020 foi recepcionado por terceira pessoa no domicílio da ora Reclamante o ofício tendente à sua citação no processo executivo identificado no ponto anterior;
[cfr. ofício de citação do SF de Figueira de Foz-1 de 26.01.2020 e respectivo AR, a fls. 8-9 do visado PEF inserto nos autos em suporte electrónico a fls. 3 e ss..]
5. Em 11.02.2020 e em 12.02.2020 deram entrada na Direcção de Finanças de Coimbra e no Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1, respectivamente, requerimentos de teor idêntico do ora Reclamante, em que juntava o ofício de citação referido no ponto anterior, invocava a falta de fundamentação da citação e requeria «ao abrigo do n.º 1 do art.º 37.º do CPPT, e com os efeitos aí previstos (...) notificação dos quesitos omitidos»;
[cfr. carimbos apostos nos visados requerimentos presentes a fls. 10 e ss. e 23 e ss. do visado PEF inserto nos autos em suporte electrónico a fls. 3 e ss..]
6. Em 20.02.2020 o Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1 enviou ofício dirigido ao ora Reclamante por correio postal registado, efectivamente recepcionado no respectivo domicílio fiscal, com o seguinte teor:
«Assunto: NOTIFICAÇÃO NO ÂMBITO DO ARTº 233.º DO CPC - PEP 0744202001003372 Ex.mo(a) Senhor(a)
Fica por este meio notificado(a), com referência aos autos supramencionados que, não tendo sido possível proceder à sua citação pessoal, por não se encontrar presente, a mesma foi efectuada, no dia 14-02-2020, nos termos e para efeitos do disposto no art. 233 e e 228.º nº 2 do Código de Processo Civil, na pessoa de F., CC n.º (…), encarregue de lhe transmitir todo o conteúdo da referida citação, bem como lhe entregar a respectiva nota de citação e as cópias que a acompanham.
Mais fica advertido que pode, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da citação, requerer o pagamento em regime prestacional nos termos do art. 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e/ou a dação em pagamento nos termos do art. 201.º do mesmo código ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no art. 204.º do CPPT.
Mais informo que acresce a este prazo uma dilação de cinco dias, por a citação não ter sido efectuada na sua pessoa (art.º 245.º do CPC)»;
[cfr. visado oficio n.º 1164 de 19.02.2020, talão de aceitação colectiva de correio postal registado e print do sítio dos CTT por referência ao respectivo registo postal, a fls. 30-32 do visado PEF inserto nos autos em suporte electrónico a fls. 3 e ss.. Ofício igualmente junto pelo Reclamante, presente a fls. 53 do processo electrónico.]
7. Em 16.03.2020 o ora Reclamante enviou por mensagem de correio electrónico dirigida ao Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1, a p.i. de oposição à execução fiscal identificada em 3., que deu origem aos presentes autos.
[cfr. visada mensagem de correio electrónico e p.i., a fls. 47 e ss. do processo electrónico.]»

3.2. DE DIREITO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de direito:
«Como decorre do relatório da presente sentença, a presente oposição à execução que foi instaurada contra o ora Oponente para cobrança de dívidas ao Estado Francês de IRS e contribuições sociais dos anos de 2008 e 2009, no seguimento de pedido de cobrança da visada dívida pela DSRI – Comissão Interministerial de Assistência Mútua em Matéria de Cobrança de Créditos, tem como único fundamento invocado a prescrição das dívidas exequendas, defendendo o ora Oponente que as mesmas prescrevem no prazo de 8 anos de acordo com o previsto no artigo 48.º da LGT.
Sucede que o presente Tribunal é internacionalmente incompetente para conhecimento da prescrição de créditos tributários de outros Países.
A este propósito julgou já o Supremo Tribunal Administrativo, exemplificativamente, em Acórdão de 07.01.2015, o seguinte:
«A questão que se coloca consiste em saber se o tribunal recorrido é competente, em razão da nacionalidade, para julgar o presente processo.
Esta questão foi já objecto de apreciação nos Acórdãos desta Secção do STA de 13/5/09, no rec. nº 1.031/08, e de 24/11/2010 no rec. 0384/10 tirados em casos similares e embora o quadro legal actual seja distinto atenta a sucessão de diplomas legais que visaram transpor as directivas comunitárias nesta matéria a leitura de tais acórdãos é útil para a compreensão e estudo das várias questões que se suscitam nos autos (...)
Escreveu-se no primeiro dos citados arestos, e é exacto, que: “(...) A lei processual tributária não trata directamente da competência internacional dos tribunais portugueses. Atenta a natureza do caso omisso na lei processual tributária, à situação é aplicável o disposto no artigo 65.º do Código de Processo Civil – cf. o artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário(...)”. (...)
Sob a epígrafe “Factores de atribuição da competência internacional”, o artigo 65.º do Código de Processo Civil (ratione tempore, aqui aplicável na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março), dispunha: (...) A este preceito correspondem os artºs 59º e 62º do novo CPC de 2013, que entrou em vigor em 01/09/2013, os quais dispõem, respectivamente:
Artº 59º
Competência internacional
Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
Artº 62º
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Artigo 63.º (art.º 65.º-A CPC 1961)
Competência exclusiva dos tribunais portugueses
Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes:
a)
b)
c)
d) Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;
e)
O que desde logo se retira do conjunto dos preceitos citados do Código de Processo Civil é que a atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses tem de ser feita «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais» ou “em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais”.

A Directiva 76/308/CEE, do Conselho, de 15 de Março de 1976, no seu artigo 12.º, estabelecia:
Se, no decurso do processo de cobrança, o crédito ou o título executivo emitido no Estado membro onde a autoridade requerente tem a sua sede forem impugnados por qualquer interessado, a acção deverá ser proposta por este perante a instância competente do Estado membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, em conformidade com as normas jurídicas em vigor nesse Estado (...) [n.º 1].
Quando a impugnação incidir sobre as medidas de execução tomadas no Estado membro onde a autoridade requerida tem a sua sede, a acção deve ser proposta perante a instância competente deste Estado membro, nos termos das suas disposições legislativas ou regulamentares [n.º 3].

Esta Directiva foi transposta para a ordem jurídica interna portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 296/2003, de 21 de Novembro, o qual, por sua vez, no seu artigo 27.º, estabelecia: Se, no decurso do processo de cobrança, o crédito ou o título executivo for objecto de reclamação, impugnação ou deduzida oposição à execução por quem tem interesse legítimo, a acção correspondente deve ser proposta por este perante a instância competente do Estado membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, em conformidade com a legislação interna desse Estado [n.º 1].
Quando a acção tiver por objecto medidas de execução adoptadas no Estado membro da autoridade requerida, esta deve ser proposta perante a instância competente para apreciar a questão de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares [n.º 3]... (destaque nosso)

No preambulo do Decreto Lei nº 263/2012 de 20 de Dezembro pode ler-se: “(...) O presente decreto-lei transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2010/24/UE, do Conselho, de 16 de março de 2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas.
Esta matéria, inicialmente regulada na já referida Diretiva n.º 76/308/CEE, do Conselho, de 15 de março de 1976, no que respeita à assistência mútua na cobrança de créditos resultantes de operações do sistema de financiamento do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, bem como de direitos niveladores agrícolas e de direitos aduaneiros, e ainda ao imposto sobre o valor acrescentado e a determinados impostos especiais sobre o consumo, foi objeto de posteriores alterações, tendo sido codificada através da Diretiva n.º 2008/55/CE, do Conselho, de 26 de maio de 2008. As mencionadas diretivas foram originariamente transpostas para o ordenamento jurídico português através do Decreto-Lei n.º 504-N/85, de 30 de dezembro, constando atualmente esta disciplina jurídica do Decreto-Lei n.º 296/2003, de 21 de novembro.
Com a Diretiva n.º 2010/24/UE, que revogou, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012, a Diretiva n.º 2008/55/CE, são introduzidas profundas alterações em matéria de assistência mútua na cobrança entre Estados-Membros, visando dar resposta à ameaça que o aumento da fraude constitui para os interesses financeiros da União Europeia (UE) e dos Estados-Membros e para o bom funcionamento do mercado interno, bem como salvaguardar, de forma mais adequada, a competitividade e a neutralidade fiscal no espaço europeu(...)”.

No D.L. 263/2012 destaca-se o disposto no artº 5º que conferindo competências ao Ministério das Finanças e ao órgão Comissão Interministerial para a Assistência Mútua em Matéria de Cobrança de Créditos (CIAMMCC) estabelece na alínea d) do seu nº 3 que compete a esta Comissão: “Garantir, por intermédio das autoridades nacionais competentes, a transferência para as autoridades requerentes de outros Estados-membros dos montantes de créditos e juros cobrados no âmbito do regime de assistência mútua à cobrança” e, destaca-se ainda o seu artº 30º onde se estabelece.
Artigo 30.º
Competência para a resolução de litígios
1 - Cabe às autoridades nacionais a que se refere o artigo 5.º, de acordo com as competências legalmente definidas, a resolução de litígios relativos:
a) Ao crédito, ao título executivo inicial e ao título executivo uniforme, nas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º;
b) À validade de uma notificação efetuada por uma autoridade nacional, ao abrigo do disposto no artigo 21.º;
c) Aos procedimentos de execução da cobrança e de adoção de medidas cautelares efetuados pelas autoridades nacionais, ao abrigo do disposto nos artigos 23.º e 26.º2 - Sendo apresentada por uma parte interessada, no decurso dos procedimentos de cobrança ou adoção de medidas cautelares solicitados às autoridades nacionais a que se refere o artigo 5.º, uma contestação do crédito, do título executivo inicial do Estado-Membro requerente ou do respetivo título executivo uniforme, aquelas informam a parte interessada em causa de que a ação deve ser por esta instaurada perante a instância competente do Estado-Membro requerente, nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado.
3 - Caso seja intentada em território nacional uma ação relativa aos litígios a que se refere a alínea a) do n.º 1, as autoridades nacionais a que se refere o artigo 5.º informam desse facto o Estado-Membro requerido, indicando os elementos do crédito que não tenham sido objeto de contestação.
4 - Nas circunstâncias previstas no número anterior, as autoridades nacionais podem solicitar à autoridade competente do outro Estado-Membro, mediante pedido devidamente fundamentado, que proceda à cobrança do crédito contestado ou da parte contestada do crédito, desde que tal cobrança seja igualmente admissível face ao ordenamento jurídico nacional.
5 - Quando lhes for comunicada pela autoridade competente de outro Estado-Membro ou pelo interessado ter sido intentada nesse Estado uma ação contestando o crédito, o título executivo inicial ou o título executivo uniforme, as autoridades nacionais suspendem o processo de execução de cobrança instaurado, no que diz respeito à parte contestada do crédito, ficando a aguardar a decisão da instância competente na matéria.
6 - Não obstante o disposto no número anterior:
a) A suspensão do processo de execução da cobrança não ocorre, sendo tal solicitado pela autoridade competente desse Estado-Membro através de pedido fundamentado, desde que o direito interno e as práticas administrativas desse Estado-Membro admitam a cobrança do crédito ou da parte do crédito contestado; ou
b) Ainda que ocorra a suspensão do processo de execução da cobrança, as autoridades nacionais a que se refere o artigo 5.º podem, por iniciativa própria ou mediante pedido da autoridade competente do outro Estado-Membro, adotar as providências cautelares admitidas nas disposições legislativas nacionais para garantir a respetiva cobrança.
7 - Caso o devedor obtiver ganho de causa nas situações a que se refere o n.º 4, as autoridades nacionais procedem ao reembolso dos montantes indevidamente cobrados, bem como ao pagamento de qualquer compensação devida nos termos das disposições legislativas em vigor no Estado-Membro requerido.
8 - Tendo sido iniciado um procedimento amigável pelas autoridades competentes de outro Estado Membro relativamente a créditos que tenham sido objeto de um pedido de cobrança previsto no artigo 23.º, e o resultado desse procedimento possa afetar o crédito para o qual foi pedida assistência, as medidas de cobrança tomadas pelas autoridades nacionais são suspensas ou interrompidas até à conclusão daquele procedimento, salvo em caso de urgência imediata devido ao risco de fraude ou insolvência.
9 - Ocorrendo a suspensão do processo de execução da cobrança nos termos do disposto no número anterior, é aplicável o disposto na alínea b) do n.º 6.

De tudo resulta e resultava que: ... O “estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais”, de que se fala no artigo 65.º do Código de Processo Civil, não pode realmente sair prejudicado pelo que venha a ser determinado no direito interno em matéria de competência internacional dos tribunais portugueses.
E, se é verdade que o Código de Processo Civil, ao estabelecer na alínea a) do n.º 1 citado artigo 65.º que a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação nomeadamente da circunstância de «Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português», não ofende a supracitada Directiva 76/308/CEE, do Conselho, de 15 de Março de 1976; é verdade também que o Decreto-Lei n.º 296/2003, de 21 de Novembro, não a ofende, senão que antes dá rigoroso cumprimento à mesma Directiva, uma vez que, no n.º 3 do seu artigo 27.º, dispõe identicamente que «Quando a acção tiver por objecto medidas de execução adoptadas no Estado membro da autoridade requerida, esta deve ser proposta perante a instância competente para apreciar a questão de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares» – cf. de novo o artigo 12.º, n.º 3, da supracitada Directiva 76/308/CEE, do Conselho, de 15 de Março de 1976”.
No caso em apreço, o que acontece é que o oponente, ora recorrido, foi citado por carta registada com aviso de recepção datada de 04/04/2006 pelo Serviço de Finanças de Mangualde, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 25502006090001009, instaurada com base em certidões de dívida provenientes das autoridades fiscais da Alemanha, para pagar a dívida no prazo de 30 dias ou para requerer o pagamento desta em prestações (artigo 196.º CPPT) ou a dação em pagamento (artigo 201.º CPPT) ou para deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no artigo 204.º do CPPT (cfr. o documento de citação a fls. 11 dos autos).
E o ora recorrente deduziu oposição sem ter posto em causa o crédito, nem o título executivo tendo para o efeito e em sintonia com a citação recebida, recorrido aos tribunais portugueses (...) Questões que o ora recorrente suscita na sua oposição:
a) A questão da prévia excussão do património da devedora principal.
b) A caducidade do direito à liquidação da dívida
c) A prescrição da dívida exequenda
d) A falta ou irregularidade da notificação da liquidação do imposto.
e) Indevido débito de juros de mora.
(...)
Quanto aos outros fundamentos aduzidos: é claro que as questões de prescrição da dívida exequenda e de caducidade do direito à liquidação do Tributo terão de ser resolvidas por atenção às normas substantivas Alemãs, concerteza, distintas das Portuguesas, sendo certo que o artº 9º nº 1 do D. L. 296/2002 de 21/11 estabelece que: “As questões relativas à prescrição são reguladas exclusivamente pela legislação em vigor no Estado membro da autoridade requerente.”. (...)
E, então, havemos de convir que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º (actual artº 62º) do Código de Processo Civil, e de acordo com o artigo 27.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 296/2003, de 21 de Novembro, e o artigo 12.º, n.º 3, da Directiva 76/308/CEE, do Conselho, de 15 de Março de 1976, o Tribunal Administrativo e Fiscal goza apenas de competência para apreciar a questão da legitimidade substantiva do oponente por atenção à forma como é apresentada e suscitada na petição inicial e eventualmente do excesso de juros moratórios indicados na certidão de citação mas não goza de competência internacional para o conhecimento da oposição deduzida à execução fiscal, a correr termos no respectivo Serviço de Finanças ao abrigo do mecanismo de assistência mútua entre Estados membros da Comunidade Europeia em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos relativamente aos demais fundamentos apresentados e analisados. Desta forma se dá cumprimento ao disposto no art. 27º do D.L. 269/2003, sem qualquer ofensa de quaisquer preceitos constitucionais, ou insertos nos artºs 9º e 95º, nº1 da L.G.T, não se justificando que se opere o peticionado reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União por não se nos suscitarem dúvidas quanto à interpretação do art. 12º, 3, da Diretiva 76/308/CEE do conselho.
Preparando a decisão formulamos as seguintes proposições:
1-Nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 65º do Código de Processo Civil, (actual artº 62º) e de acordo com o artº 27º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 296/2003, de 21 de Novembro e o artº 12º, nº 3, da Directiva 76/308/CEE, do Conselho, de 15 de Março de 1976, (actualmente vigora o Decreto Lei 263/12 de 31/12 que transpôs a Directiva 2010/24/EU, do Conselho de 16 de Março de 2010) o Tribunal Administrativo e Fiscal goza de competência internacional para o conhecimento da oposição deduzida à execução fiscal, a correr termos no respectivo Serviço de Finanças ao abrigo do mecanismo de assistência mútua entre Estados membros da Comunidade Europeia em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos.
2-Porém, no caso dos autos, o TAF de Viseu apenas é competente para apreciar a questão da ilegitimidade substantiva do oponente que a configurou na petição inicial com fundamentos próprios cuja bondade importa apreciar sendo que no mais esgrime fundamentos de oposição cuja apreciação implica a análise de normas substantivas do ordenamento jurídico Alemão (caso da prescrição da dívida exequenda e da caducidade do direito à liquidação dos tributos que se pretendem cobrar através dos tribunais portugueses) ou invoca irregularidades da notificação da liquidação cujos termos não constam dos autos, pelo que nesta parte é incompetente o mesmo TAF para o seu conhecimento.»1.
1 Processo n.º 01570/13, disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os arestos citados na presente decisão.
Igualmente, o Tribunal Central Administrativo Sul, em Acórdão proferido em 30.10.2007, havia já expendido o seguinte:
«Ora, a presente oposição surge na sequência do pedido formulado pelo Estado alemão às autoridades portuguesas (via Comissão Interministerial) ao abrigo do artigo 12º do DL 504-N/85, de 30/12, para efeitos de cobrança coerciva de crédito constituído pela oponente na Alemanha.
Este DL veio, como consta do seu Preâmbulo, adaptar a legislação nacional à legislação comunitária, com referência às matérias constantes da Directiva do Conselho nº 76/308/CEE, de 15/3/1976, modificada pela Directiva do Conselho nº 79/1071/CEE, de 6/12/1979, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos resultantes de operações que fazem parte do sistema de financiamento do FEOGA, bem como dos direitos niveladores agrícolas e dos direitos aduaneiros e relativa ao IVA, e da Directiva da Comissão nº 77/794/CEE, de 4/11/1977, sobre a aplicação das modalidades práticas necessárias à aplicação de certas disposições da Directiva nº 76/308/CEE. (...)
Como (embora referindo-se ao texto da Directiva nº 79/1071/CEE, de 6/12 – que ao tempo regulava o regime da assistência relativa à cobrança de créditos em matéria de IVA), salienta o Prof. Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional, Coimbra, 1993, pags. 534 e sgts.) «O processo inicia-se com um pedido do Estado requerente acompanhando documentos (atestação que o crédito se inclui nos impostos abrangidos pela convenção, que não pode ser contestado, bem como cópia do título permitindo a execução no Estado requerente) e informações (autoridade ou serviço requerente, bens executáveis e prazo de prescrição). O Estado requerido pronuncia-se então pela admissão do pedido ou sua rejeição, informando, neste último caso, o Estado requerente dos respectivos fundamentos. A pedido do Estado requerente, o Estado requerido pode tomar medidas conservatórias (artigo 12º) e, nos termos da sua lei interna, outorgar prazos de pagamento ou autorizar o pagamento em prestações (artigo 11º).
Em matéria de prescrição, os prazos são os previstos na lei do Estado requerente, mas regulam-se pela lei do Estado requerido os actos susceptíveis de suspender ou interromper a prescrição. Por sua vez, as contestações do executado relativas aos actos praticados pelo Estado requerido são submetidas às instâncias competentes do Estado requerido; todavia, as acções contra a existência ou o montante do crédito ou contra o título executivo no Estado requerente são da competência das entidades deste Estado, que devem imediatamente notificar o Estado requerido para o efeito de suspender o processo.» (...)
(...)
De acordo com o Probatório, em 5/12/1997, as autoridades alemãs emitiram um aviso de tributação dirigido à oponente e, em 1/12/2000, o Estado alemão emitiu o título de cobrança de dívida de impostos, no montante global de 99.222 814,07 PTE, título no qual consta como devedora a oponente.
Ao abrigo do regime previsto na citada Directiva 76/308/CEE, o Estado alemão efectuou o pedido de cobrança do referido título a Portugal, tendo a Comissão Interministerial de Assistência Mútua para a Cobrança de Créditos entre Estados membros da Comunidade Europeia enviado o pedido ao Serviço de Finanças de Torres Vedras que instaurou o processo de execução fiscal com vista à cobrança da referida dívida.
Portanto, se por um lado, o crédito em causa não tem origem em relações jurídico-tributárias estabelecidas entre a administração tributária portuguesa e a oponente nem os factos que estiveram na origem do crédito ocorreram no território nacional, também, por outro lado, a notificação da liquidação foi praticada pelas autoridades alemãs, ao abrigo da legislação alemã e não da legislação portuguesa, cabendo, pois, àquelas autoridades e não às portuguesas a apreciação da legalidade da notificação. Ou seja, a competência das autoridades portuguesas estava circunscrita, neste caso, ao conhecimento das questões relativas à cobrança coerciva da importância liquidada pelas autoridades alemãs, não sendo aplicáveis, quanto à matéria aqui em causa, as normas tributárias portuguesas (até por força do disposto no nº 1 do art. 13º da LGT), sendo o TAF de Leiria internacionalmente incompetente para conhecer de factos ocorridos na Alemanha.
Veja-se, aliás, que no posterior DL nº 296/2003, de 21/11 [que veio revogar o citado DL nº 504-N/85, de 30/12 (face às alterações introduzidas na Directiva nº 76/308/CEE, do Conselho, de 15/3/76, pela Directiva nº 2001/44/CE, de 15/6 e face à posterior revogação desta pela Directiva nº 2002/94/CE, da Comissão, de 9/12], a redacção dos nºs. 1 e 3 do seu art. 27º, refere já expressamente a dedução de oposição à execução, como acção a propor no Estado requerente.
Com efeito nos nºs. 1 e 3 deste art. 27º do DL nº 296/2003, dispõe-se o seguinte:
«1 - Se no decurso do processo de cobrança, o crédito ou o título executivo for objecto de reclamação, impugnação ou deduzida oposição à execução por quem tem interesse legítimo, a acção correspondente deve ser proposta por este perante a instância competente do Estado membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, em conformidade com a legislação interna desse Estado.
(...)
3 - E quando a acção tiver por objecto medidas de execução adoptadas no Estado
membro da autoridade requerida, esta deve ser proposta perante a instância competente para apreciar a questão de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares.»
A redacção deste DL, embora o mesmo só posteriormente tenha entrado em vigor, também inculca, em termos de interpretação, a ideia de que a oposição à execução já anteriormente estava excluída do âmbito da aplicação daquele nº 4 do art. 16º do DL nº 504­N/85, de 30/12 e que, por isso, tal oposição à execução deve ser proposta perante a instância competente do Estado requerente, em conformidade com a legislação interna desse Estado.
(...)
5.2. Em suma, procede esta invocada excepção da incompetência internacional do TAF de Leiria para conhecer da oposição e, por virtude da procedência desta excepção, fica prejudicado o conhecimento das demais questões também suscitadas no recurso, pois que se entende que a incompetência internacional do TAF de Leiria para conhecer da oposição também abrange a questão da prescrição (igualmente invocada como fundamento de oposição), dado que o art. 26º do citado DL nº 504-N/85 é claro ao dispor que «As questões relativas à prescrição são reguladas exclusivamente pelas regras de direito em vigor no Estado membro onde a autoridade requerente tem a sua sede».
E, porque a infracção das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 101º do CPC), a qual pode ser arguida pelas partes e ser, até, suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo (nº 1 do art. 102º do CPC), implicando a absolvição do réu da instância (nº 1 do art. 105º do CPC), a sentença recorrida deve ser revogada e a Fazenda Pública ser, no caso, absolvida da presente instância.»2 (sublinhado nosso).
2 Processo n.º 01868/07.
Também no caso em apreço, em que é já aplicável o Decreto-Lei n.º 263/2012, de 20.12, diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2010/24/UE, do Conselho, de 16.03.2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas, prevê o artigo 11.º de tal Decreto-Lei, com a exacta epígrafe “Regras relativas à prescrição”, o seguinte:
“1 - As questões relativas aos prazos de prescrição são reguladas exclusivamente pelas disposições legislativas em vigor no Estado-Membro da autoridade requerente.
2 - Os atos de cobrança efetuados pela autoridade requerida, ou em seu nome, dando seguimento a um pedido de assistência, que tenham por efeito suspender, interromper ou prorrogar o prazo de prescrição nos termos da legislação em vigor no Estado-Membro requerido produzem o mesmo efeito no Estado-Membro requerente, desde que esteja previsto o efeito correspondente nas disposições legislativas em vigor neste último Estado.
3 - Quando a suspensão, interrupção ou prorrogação do prazo de prescrição não for possível nos termos das disposições legislativas em vigor no Estado-Membro requerido, os atos de cobrança de créditos efetuados pela autoridade requerida, ou em seu nome, dando seguimento a um pedido de assistência e que, se fossem efetuados pela autoridade requerente ou em seu nome no Estado-Membro requerente, teriam por efeito suspender, interromper ou prorrogar o prazo de prescrição nos termos das disposições legislativas em vigor no Estado-Membro requerente são consideradas, para esse efeito, como tendo sido praticadas neste último Estado.
4 - O disposto nos números anteriores não prejudica o direito de as autoridades competentes no Estado-Membro requerente tomarem medidas destinadas a suspender, interromper ou prorrogar o prazo de prescrição nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado-Membro.
5 - A autoridade requerente e a autoridade requerida informam-se mutuamente de qualquer medida que interrompa, suspenda ou prorrogue o prazo de prescrição do crédito que tenha sido objeto de um pedido de cobrança ou de medidas cautelares, ou que possa produzir esse efeito.”.

Mais ainda, prevê o artigo 30.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 263/2012, de 20.12 em consonância com o artigo 14.º, n.º 1 da Directiva n.º 2010/24/UE, do Conselho, que os litígios relativos ao crédito, ao título executivo inicial, ao título executivo uniforme e à validade de uma notificação efectuada pelo Estado-Membro requerente, devem ser dirimidos pelas instâncias competentes desse mesmo Estado-Membro, nos termos da legislação em vigor nesse mesmo País, porquanto é certo que o procedimento de liquidação é todo ele realizado pela Autoridade requerente e as regras pelas quais se consideram os créditos vencidos decorrem das normas legais do País de tal Autoridade, não competindo às autoridades nacionais (tributárias ou judiciais), decidir da legalidade dos actos praticados por autoridades de outros países.
Ora, prevendo a lei aplicável que as “questões relativas aos prazos de prescrição são reguladas exclusivamente pelas disposições legislativas em vigor no Estado-Membro da autoridade requerente”, e que existe “o direito de as autoridades competentes no Estado-Membro requerente tomarem medidas destinadas a suspender, interromper ou prorrogar o prazo de prescrição nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado-Membro”, é certo que o presente Tribunal carece de competência, em razão da nacionalidade, para a apreciação da prescrição das dívidas exequendas, já que a mesma implicaria a análise das correspondentes normas substantivas do ordenamento jurídico, neste caso, francês, que hão-de prever o prazo de prescrição aplicável às dividas dos específicos impostos e contribuições sociais em causa, o momento a partir do qual tal prazo se inicia, bem como as causas de suspensão, interrupção e prorrogação do prazo de prescrição. De resto, quanto a estas últimas, sempre se verifica que qualquer acto de cobrança efectuado pela autoridade requerida que tenha por efeito suspender, interromper ou prorrogar o prazo de prescrição nos termos da legislação em vigor no Estado-Membro requerido, só produz o mesmo efeito no Estado-Membro requerente, desde que esteja previsto o efeito correspondente nas disposições legislativas em vigor neste último Estado. Ou seja, um acto praticado num processo executivo instaurado em Portugal no seguimento de um pedido de assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas, nos termos da visada Directiva n.º 2010/24/UE, do Conselho, ao qual a lei portuguesa reconheça um efeito suspensivo, interruptivo ou de prorrogação do prazo de prescrição aplicável às dívidas tributárias nacionais, só terá a virtualidade de produzir esse mesmo efeito quanto aos créditos devidos à autoridade requerente se a legislação do Estado-Membro requerente previr esse mesmo efeito.
O que torna por demais evidente que o presente Tribunal é internacionalmente incompetente para conhecer da prescrição invocada, que sempre tem de ser invocada perante a Autoridade Requerente e por esta reconhecida, o que é determinativo da absolvição da instância da Fazenda Pública nacional.»
Adiantamos, desde já, que as questões em causa neste recurso são idênticas às do processo 455/20.7BECBR (com ressalva da 2.ª questão deste último processo), em que o Recorrente também é o mesmo, já apreciadas e decididas, com trânsito em julgado, no douto acórdão proferido em 11/02/2021, relatado e subscrito pelos Exmºs Desembargadores Adjuntos do presente acórdão, a cuja fundamentação integralmente aderimos, sem qualquer reserva, e, por economia de meios, passamos a transcrever, apenas com as alterações que se justifiquem, relativas ao presente processo:
«Transcrito o essencial da sentença em crise, nos aspectos relevantes para a crítica de lhe vem feita, apreciemos as questões acima enunciadas:

1ª questão:
O recorrente alega que a sentença recorrida é nula, por padecer de obscuridade e ininteligibilidade (artigo 615º nº 1 alª c) do CPC), na medida em que a sua fundamentação refere insistentemente outros estado membro, crédito exequendo, credor da dívida exequenda, serviço de finanças autor da penhora, data de notificação da penhora, processos e tribunais recorridos, que não os que aqui estão sub juditio.
A Mª Juiz a quo em sede da pronúncia sobre arguições de nulidades, prevista no artigo 641º nº 1 do CPC, sustenta não ocorrer qualquer obscuridade ou ininteligibilidade, porque aquelas referências se integram em citações de jurisprudência devidamente identificadas, destacadas com letra diferente e delimitada por aspas.
É certo que, de tanto e tão longamente citar, nem sempre fechando as aspas antes abertas e cumulando aberturas de aspas do mesmo tipo, a sentença exige redobrada atenção na leitura em ordem à distinção entre o texto original, o das citações e o de citações de citações. Mas isso de modo algum a torna obscura ou ininteligível, pelo contrário, trata-se de uma peça clara e bem fundamentada.
Improcede, portanto, esta arguição de nulidade da sentença.
[…]
[2]ª questão
– Alega, ainda, o Recorrente que a aplicação da legislação referida na douta sentença, nomeadamente o n.º 2, do art.º 11º do DL n.º 263/2012, de 20.12, é inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, devido a que, mediante esta norma, a citação para deduzir oposição à execução, bem como a ordem de penhora, ao interromperem o prazo de prescrição da dívida exequenda, produzem o mesmo efeito no Estado-Membro requerente, desde que esteja previsto o efeito correspondente na lei deste último, mas os actos praticados perante o órgão de execução fiscal do Estado-Membro requerido não têm o mesmo valor perante o Estado-Membro.
A sentença recorrida, porém, acaba por não aplicar a norma em causa, nem nenhuma outra de que resulte o conhecimento do objecto do pedido destes autos, uma vez que, a montante disso, julga o TAF incompetente para apreciar o objecto da presente “reclamação”.
Como assim, improcede esta alegação.

[3]ª Questão.
Pretende, ainda, o Recorrente, que a sentença recorrida viola o artigo 14º da Constituição, por deixar o recorrente “de mãos e pés atados, uma vez que, face à data em que foi notificado para deduzir oposição à execução, a querer deduzir oposição à mesma junto de Tribunal Francês, certamente, a mesma será intempestiva” e por, em vez de se considerar internacionalmente incompetente, não ter procedido ao reenvio prejudicial da causa para o TJUE, para que assim fosse proferida uma decisão que assegurasse a aplicação uniforme do Direito Comunitário.
O artigo 14º da Constituição integra-se no título I (princípio gerais) da parte I (Direitos e Deveres Fundamentais) e tem o seguinte teor:
(Portugueses no estrangeiro)
Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país.
Trata-se de um princípio geral de equiparação, na medida do possível, dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro aos residentes no território nacional.
Na PI o reclamante omitiu a sua morada. Alias, o seu salário a cargo de empresa Construções Cortesão, em valor abaixo do penhorável, faz presumir que reside, presentemente em Portugal. A própria sentença o dá como residente na Figueira da Foz, sendo certo que o Recorrente não se insurge contra tal.
Seja como for, não foi alegado que e onde reside o Recorrente no estrangeiro.
Por outro lado, os motivos por que a Juiz a qua se declara incompetente em razão da nacionalidade têm apenas que ver com a lei nacional aplicável ao objecto do pedido e com a ordem jurídica onde o crédito tributário exequendo emergiu, e não com a residência do devedor em Portugal ou na França.
Assim, a consideração da referida equiparação está à partida prejudicada, como prejudicada fica o sentido da suscitação de qualquer reenvio prejudicial.
Improcede, portanto, também esta alegação.

[4]ª questão
Compre apreciar se a sentença recorrida viola o direito fundamental do acesso à justiça, consagrado no artigo 20º da CRP.
A pretensão substantiva do Recorrente é que seja reconhecida e declarada, pelo tribunal nacional, a prescrição de umas suas dívidas tributárias para com a República Francesa.
Efectivamente, ao declarar-se incompetente em razão da nacionalidade, o tribunal Português recusa pronunciar-se sobre o mérito daquela questão.

Porém, nem o Recorrente alegou ou demonstrou, nem este Tribunal vê, em que ou por que está o Recorrente impedido de suscitar a questão da prescrição das dívidas em causa, seja perante a Administração seja perante os tribunais franceses.

Como assim, não resulta – nem a priori nem a posteriori – da decisão impugnada, essa denegação de justiça que o artigo 20º da CRP proscreve, pelo que improcede, também, esta alegação.

[5] ª questão
O Recorrente também diz que a sentença recorrida viola o artigo 266º da constituição já que a actuação da AT não respeita os interesses legalmente protegidos do recorrente.
É, esta, outra alegação carente de sentido, uma vez que a sentença recorrida, ao julgar incompetentes os tribunais tributários nacionais para apreciar o objecto da reclamação, declinou apreciar o mérito da actuação da AT.
Improcede, portanto, também esta alegação.

[6]ª Questão
Cumpre, por fim, julgar se a sentença recorrida colide com o preceituado no n.º 4 do art.º 268º da CRP porque o presente caso se prende justamente com a impugnação de um acto que lesa o sujeito passivo e o douto Tribunal a quo, apesar disso, não quis decidir quanto ao mérito.
A norma invocada reza assim:
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.

Estamos em convir que esta norma, pelo seu teor, apesar de se não situar no capítulo dos direitos liberdades e garantias constitucionais, reveste a natureza destes, beneficiando, portanto, da sua especial força jurídica, que consiste em serem directamente invocáveis e aplicáveis aos casos concretos e individuais (artigo 18º nº 1 da Constituição).

Porém, tal como acima notámos, também aqui o Recorrente se absteve de alegar factos e direito de que decorra que, a ser a ordem dos tribunais tributários portugueses incompetente para apreciar a sua pretensão de verificação e declaração da prescrição da dívida exequenda, tribunal algum a apreciará.

Ora só nesse caso estaríamos perante uma situação proscrita por esta norma constitucional.

Aliás, não vemos por que não poderá o recorrente, a todo o tempo, pedir ante a administração francesa a apreciação da eventual prescrição da sua dívida e suscitar a apreciação do tribunal competente francês da decisão ou até do silêncio da Administração.

Como assim, improcede também este último fundamento para a revogação da sentença recorrida.».


4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.
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Porto, 16 de setembro de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta