Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01992/16.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; AFASTAMENTO DO EFEITO ANULATÓRIO DO CONTRATO; PROPORCIONALIDADE; SANÇÃO PECUNIÁRIA; QUANTUM
Sumário:
I – Para que se esteja perante falta de fundamentação da sentença, geradora da sua nulidade ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que suportam a decisão que profere ou as razões de direito, já que só a falta absoluta de fundamentos é causa de nulidade da sentença.
II - E que para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente.
III – O artigo 283º-A do Código dos Contratos Públicos (CCP) foi aditado pelo DL. nº 131/2010, de 14 de Dezembro, em transposição da Diretiva n.º 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro, dispositivo que foi entretanto revogado pelo DL. nº 111-B/2017, de 31/08 (que procedeu à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos e transpôs as Diretivas n.ºs 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014), diploma que introduziu igualmente alterações no regime da invalidade dos contratos sujeitos ao regime substantivo regulado na Parte III do Código dos Contratos Públicos (CCP), alterando a redação dos seus artigos 283°, 284°, 285° e 287°, passando agora as disposições do Código que se encontravam contidas no revogado artigo 283°-A do CCP (e que operavam a transposição das Diretivas Recursos) a constar do atual artigo 287° que regula as situações de ineficácia do contrato. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CHL, E.P.E.
Recorrido 1:AS, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
CHL, E.P.E. (devidamente identificado nos autos), réu no processo de contencioso pré-contratual que contra si foi instaurado no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pela AS, S.A. (igualmente devidamente identificada nos autos), inconformado com a decisão do Mmº Juiz a quo de 22/11/2017 que fixou o valor da sanção pecuniária a que se refere o artigo 283º-A nº 3 alínea b) do Código dos Contratos Públicos (CCP) a pagar à Autora em 25,000,00 €, dela interpõe o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
– Vem o presente recurso interposto da d. Decisão de fls… que fixou o valor da sanção pecuniária prevista no art. 283º-A, nº 3 do CCP em 25.000,00 €, e, por outro lado, condenou o R. a pagar essa sanção à Autora, por – salvo o devido respeito – se afigurar que a mesma padece de erro de julgamento, por um lado, quanto à interpretação e aplicação que faz da norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP, e por outro e subsidiariamente, quanto à quantificação do montante da sanção.
– Do texto da norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP resulta claro, segundo a terminologia adoptada pelo legislador, está ali em causa uma “sanção” e não de uma “indemnização” ou “compensação”, não cabendo ao intérprete e julgador misturar e confundir essas diferentes realidades, tratando-as como iguais quando o legislador as quis distinguir (vide art. 9º do CC).
- Tal sanção pecuniária tem, portanto, natureza semelhante a uma coima ou a uma multa, e nunca a natureza de indemnização e/ou compensação para qualquer concorrente, nem tal entendimento se pode extrair de qualquer elemento interpretativo da norma.
- Por outro lado, a referida norma não identifica quem é o beneficiário da sanção pecuniária prevista na alínea b) e não determina a quem a mesma deve ser paga.
– Ora, compete ao Tribunal no processo de interpretação e aplicação da Lei, não só atender à letra da lei mas ainda reconstituir a partir dos textos o pensamento jurídico, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a Lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, conforme decorre do art. 9º do Código Civil.
- In casu, a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP foi aprovada pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de Dezembro, resultando do preâmbulo desse diploma que este procede à transposição da Directiva nº 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho.
– Assim, à falta de qualquer outro elemento interpretativo constante do Decreto-Lei nº 131/2010, de 14.12, não pode ser ignorado o considerando (19) do preâmbulo da aludida Directiva nº 2007/66/CE, que dispõe o seguinte: “[…] As sanções alternativas deverão limitar-se à aplicação de sanções pecuniárias, cujo pagamento deverá ser efectuado a uma instância de recurso independente da entidade adjudicante, ou a uma redução do contrato. Compete aos Estados-Membros determinar as modalidades das sanções alternativas e as respectivas regras de aplicação.”
- Outrossim, a parte final do art. 2º-E, nº 2 da aludida Directiva nº 2007/66/CE, ao regular as sanções alternativas a aplicar à entidade adjudicante, estabelece expressamente que: “A concessão de indemnizações não constitui uma sanção adequada para fins do presente número.”
- É, pois, manifesto que a sanção pecuniária em causa não tem a natureza de indemnização e/ou compensação para qualquer pretenso lesado! Tratando-se antes de uma coima/multa a pagar pela entidade adjudicante a uma “instância de recurso independente da entidade adjudicante”, a qual, em princípio, terá competência para apreciar a validade do concurso e que deve ser definida no âmbito de cada Estado-Membro.
10ª - Sendo esta e não outra – necessariamente contrária à lei e ao seu espírito – a interpretação que pode e deve ser feita da norma constante do art. 283º-A, nº 3 do CCP.
11ª – Ora, ao fazer a transposição da aludida Directiva para o ordenamento jurídico nacional, o legislador transpôs a determinação da aplicação das sanções alternativas para a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP, mas – até ao momento – ainda não procedeu à sua regulamentação que se afigura, neste caso concreto, absolutamente imprescindível e fundamental, desde logo para que seja determinada qual é a entidade a quem deve ser paga a sanção pecuniária fixada.
12ª - O certo é que não pode ser a Autora a beneficiária dessa sanção, sob pena de estarmos perante um verdadeiro direito indemnizatório e, por essa via, se violar a disposição expressa do art. 2º-E, nº 2 in fine, da Directiva nº 2007/66/CE, que é também directa e imediatamente aplicável em Portugal, nos termos do disposto no art. 8º, nº 4 da CRP, o que aqui se invoca.
13ª - Ao condenar o R. a pagar à Autora uma sanção pecuniária fixada nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP, a decisão recorrida viola o disposto nesse artigo e bem assim, as sobreditas disposições do art. 9º do C. Civil e a parte final do art. 2º-E, nº 2 da aludida Directiva nº 2007/66/CE, conjugada com o considerando (19) do preâmbulo da mesma Directiva comunitária.
14ª - Acresce ainda que, sem que esteja devidamente regulamentada, a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP que impõe o pagamento de uma sanção pecuniária deve ser considerada uma ‘norma sancionatória em branco’ por se tratar de norma incompleta à qual falta um elemento essencial à sua aplicação ou em que há uma necessidade de complementação para que se possa compreender por inteiro os seus próprios pressupostos de aplicação.
15ª – A norma sancionatória em branco viola o princípio da legalidade previsto no art. 29º da C.R.P., bem como o princípio da segurança jurídica, corolário do princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no art. 2º da C.R.P., por afectar de forma inaceitável os mínimos de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas, através da criação de normas que impõem sanções sem que os respectivos pressupostos de aplicação e execução estejam devidamente tipificados.
16ª - Assim, a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP deve ser considerada ineficaz por falta de regulamentação que identifique quem é a entidade a quem deve ser paga a sanção aplicada ao R., devendo a mesma ser desaplicada até que entre em vigor a respectiva regulamentação.
17ª – Ou, em alternativa, caso assim se não entenda, deve a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP ser julgada inconstitucional por violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da segurança jurídica, previstos nos arts. 29º e 2º da C.R.P., por se tratar de uma norma sancionatória em branco ou incompleta, que impõe o pagamento de uma sanção a uma entidade não determinada nem determinável nos termos da Lei nacional ou comunitária.
18ª - Em todo o caso, não podendo o Tribunal a quo condenar o R. a pagar essa sanção à Autora, por tal decisão carecer de base legal, violando o princípio da legalidade nos termos supra expostos, e por violar a disposição do art. 2º-E da Directiva nº 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que independentemente da transposição para o ordenamento jurídico nacional tem aplicação em Portugal nos termos do art. 8º, nº 4 da CRP.
19ª - Ao decidir como decidiu, condenado o R. a pagar à Autora a sanção pecuniária fixada nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP, designadamente para, por meio dela, compensar a Autora pelo afastamento do efeito anulatório dos contratos conforme resulta da fundamentação da d. decisão recorrida, o Tribunal a quo violou as referidas disposições dos arts. 283º-A, nº 3 do CCP; arts. 29º e 2º da C.R.P., art. 2º-E da Directiva nº 2007/66/CE, 9º do Código Civil; e art. 8º, nº 4 da CRP.
20ª - Pelo que se impõe a revogação da d. decisão recorrida, o que aqui se Requer.
21ª - Subsidiariamente, sem prescindir do acima alegado e por mera cautela e dever de patrocínio, ainda se alega e invoca que, com vista à fixação da sanção pecuniária nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP, o Mmº Juiz a quo ordenou a notificação do R. para informar o preço contratual dos Lotes 1, 2, 3 e 4 individualmente considerados; tendo o R. esclarecido nos autos o seguinte: Lote 1 – 90.000,00 €; Lote 2 – 111.850,00 €; Lote 3 – 7.400,00 € e Lote 4 – 2.240,00 €, o que perfaz um preço global de 211.490,00 €.
22ª - Mais esclareceu o R. que a proposta da A. se limitou aos lotes 2, 3 e 4, pelo que o interesse desta se deve circunscrever ao preço contratual desses lotes, que perfaz o valor global de 121.490,00 €, devendo ser este o valor contratual a atender nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP.
23ª - Por seu lado, no pressuposto de que a sanção era uma indemnização a que tem direito, a A. veio em sede de contraditório alegar e requerer que o valor da sanção a fixar tivesse como limite mínimo o valor dos lucros que deixou de auferir caso o concurso não padecesse dos vícios identificados, calculados de acordo com a declaração de modelo 22 de IRC do ano de 2016, que juntou aos autos.
24ª – Conforme resulta da análise desse documento, esse lucro é, no máximo, de 7%, e se for calculado tendo em conta o resultado líquido do período, não vai para além de 4,3%.
25ª – Resulta da d. Sentença recorrida que, no caso concreto e face aos pressupostos de facto assentes, a sanção pecuniária destina-se a compensar a A. pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a anulação do concurso lhe teria proporcionado, inexistindo qualquer prejuízo patrimonial a compensar.
26ª – Mais decidiu o Tribunal a quo fixar o montante da sanção em 25.000,00 €, com recurso à equidade.
27ª - Tal valor não se afigura nem equilibrado, nem justo, nem equitativo, quando comparado com o hipotético prejuízo económico que a A. poderia sofrer, isto é, se o prejuízo da A. fosse de natureza económica – que não é – e se se aplicasse o critério do lucro que a A. teria deixado de auferir, o valor em causa seria sempre inferior a 15.000,00 €.
28ª – Mais, a d. Decisão que fixa o valor da sanção em 25.000,00 € carece de fundamento fáctico-jurídico, não estando suficientemente fundamentada em termos que permitam perceber a graduação que o Tribunal a quo faz dos prejuízos que se pretendem compensar com a atribuição dessa sanção, o que é tanto mais relevante por estar aqui em causa um juízo de equidade, e que sempre será causa de nulidade da decisão por manifesta deficiência e ambiguidade da fundamentação, nos termos do art. 615º, nº 1, b) e c) do CPC, vício que aqui expressamente se invoca, devendo tal nulidade ser reconhecida e declarada, revogando-se a d. decisão recorrida e substituindo-a por outra que, devidamente fundamentada, gradue os prejuízos, fixando uma compensação proporcional e equilibrada.
29ª - Não se entendendo assim, sempre se invoca que a d. decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à determinação do quantum da sanção pecuniária por manifesta desproporcionalidade e excesso relativamente às características do caso concreto, aos interesses em presença e aos danos ou prejuízos que, no caso concreto, visa compensar, devendo essa sanção ser reduzida para quantia inferior a 15.000,00 €, já que essa seria a quantia máxima a que poderia corresponder um eventual prejuízo económico para a A. caso se comprovasse que sem os vícios que determinaram a anulação do contrato, seria ela a entidade contratada – o que como é manifesto não é o caso!
30ª - Deve, pois, ser revogada a d. decisão recorrida e substituída por outra que reduza o valor da sanção pecuniária fixada nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP em quantia sempre inferior a 15.000,00 € (quinze mil euros), e que, a ser fixada por recurso a critérios de equidade, se deveria bastar pelos 5.000,00 € (cinco mil euros).
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A autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
A) Por decisão proferida em 22 de novembro de 2017, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Norte, foi dado cumprimento ao Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte que a fls. 32 do Acórdão proferido em 09 de junho de 2017 e já transitado em julgado decidiu conceder provimento parcial ao recurso apresentado pela Autora afastando o efeito anulatório do contrato celebrado nos autos não só por desproporcionalidade mas também por violação da cláusula de standstill e condena-se a entidade demandada em sanção pecuniária, devendo os autos baixar à 1ª instância para fixação da mesma.
B) Em cumprimento desta decisão do TCA Norte, o Tribunal de 1ª Instância na sua decisão limitou-se a quantificar o montante da sanção pecuniária a atribuir à Autora em € 25,000,00 (vinte e cinco mil euros), não se impondo aqui condenar o Réu no seu pagamento pois tal obrigação já deriva do aresto do T.C.A.N prolatado nos autos.
C) O TCA Norte decidiu afastar o efeito anulatório do contrato – art.º 283º, n.º 4 do CCP-, mas, ainda assim, o comportamento do Recorrente deveria ser sancionado com uma sanção pecuniária, a pagar à Autora, mas que deveria ser fixada pela 1ª Instância, dando-se a possibilidade das partes poderem exercer o contraditório.
D) A decisão recorrida deu cumprimento ao Acórdão do TCA Norte e limitou-se a fixar o montante da sanção pecuniária.
E) Não tendo o Recorrente impugnado mediante recurso para o Supremo Tribunal Administrativo a decisão que afastou o efeito anulatório do contrato, a decisão proferida em 09 de junho de 2017 pelo TCA Norte transitou em julgado, pelo que precludiu o direito do Recorrente vir discutir a natureza da sanção pecuniária, beneficiário da mesma ou a constitucionalidade da norma.
F) O contrato celebrado com desrespeito de normas imperativas (violação da cláusula de stanstill), e que cuja execução nunca suspendeu após a citação para os presentes autos ou sequer suscitou o incidente de levantamento do efeito suspensivo, nos termos do art.º 103º-A do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, é inválido, mantendo-se apenas na ordem jurídica por motivos de interesse público,
G) A manutenção de um contrato cujo efeito anulatório foi afastado nos termos do disposto no art.º 283º, n.º 4 do CCP, determina a aplicação das sanções previstas no art.º 283º-A, n.º 3 do CCP.
H) “I – O tribunal está vinculado à solução adoptada por decisão judicial anteriormente transitada. II – As questões que constituem antecedente lógico da decisão judicial estão abrangidas pelo caso julgado.”(Ac. STJ, de 27.01.2005: Proc. 04B4286 .dgsi.net)
I) “Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.” (Ac. STJ, de 5.5.2005: Proc. 05B602.dgsi.net).
J) Ao ter transitado em julgado a decisão do TCA Norte quanto ao tipo de sanção a aplicar pela violação da cláusula de standstill, precludiu o direito do Recorrente de vir agora impugnar a natureza jurídica daquela sanção, pelo que deve o recurso improceder.
K) A sanção prevista na alínea b) do n.º 3 do art.º 283º-A do CCP é uma penalização que recai sobre a entidade adjudicante pela violação de normas imperativas que, quer o legislador comunitário quer o legislador português, entenderam sancionar com a aplicação de sanções pecuniárias.
L) Em momento algum a sanção vertida no n.º 3 do art.º 283º-A do CCP é uma indemnização uma vez que a violação das normas em causa, terá de ter sempre uma consequência caso se verifique que ao contrato já não possam ser retirados os seus efeitos.
M) Quer na Directiva quer na legislação nacional, a declaração de invalidade dos atos procedimentais incumbe aos Tribunais, naturalmente que para que tal decisão possa ser proferida é imperioso que o lesado, ou lesados, com a ilegalidade da actuação da Administração recorra aos Tribunais.
N) A tutela jurisdicional efectiva, vertida no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, dispõe que a todos é atribuído o direito à tutela jurisdicional efectiva, que o “Direito reconhecido a todo e qualquer sujeito de poder agir jurisdicionalmente em defesa da sua esfera jurídica e de encontrar nas instâncias judiciais uma providência adequada à protecção da sua posição jurídica.”
O) O Considerando (4) da Directiva diz o seguinte sobre esta matéria: “A fim de obviar a esta deficiência, que constitui um obstáculo sério a uma tutela jurisdicional efectiva dos proponentes em causa, nomeadamente dos proponentes que ainda não tenham sido excluídos, é necessário prever um prazo suspensivo mínimo durante o qual a celebração do contrato em questão fica suspensa...”
P) A declaração de invalidade do acto impugnado só pode ser declarada pelo Tribunal e que podem recorrer ao Tribunal todos os que sintam lesados na sua esfera jurídica pela actuação da Administração, naturalmente que a sanção pecuniária só pode ser aplicada após a verificação da ilegalidade e reverterá a favor do lesado que recorreu ao Tribunal.
Q) A sanção pecuniária é um meio direto de sanção decretado pelo Tribunal pela actuação ilegal da Administração, uma vez que só o Tribunal pode decretar a ilegalidade dos actos administrativos (art.º 283º do CCP conjugado com o art-º 307 do CCP).
R) A sanção pecuniária vertida no art.º 283º-A, n.º 3 do CCP é uma sanção de natureza legal que o legislador, comunitário e nacional, entendeu ser de aplicar pela violação de uma norma de natureza imperativa, que radica na própria Constituição da República Portuguesa, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, vertida no art.º 20º.
S) A sanção pecuniária em discussão nos autos não assume natureza de coima ou multa mas sim de verdadeira sanção pecuniária pela violação de norma imperativa que é aplicada independentemente de culpa, elemento subjectivo essencial no direito penal e contra-ordenacional.
T) Pelo facto de que considerando que a declaração de invalidade dos contratos só pode ser decretada por decisão judicial, é esta entidade independente que determinará qual o montante da sanção pecuniária a pagar ao lesado pela violação de normas imperativas!
U) A norma do art.º 283º-A, n.º 3 do CCP não é uma norma sancionatória em branco, encontrasse perfeitamente definido o seu destinatário – o lesado que pediu ao Tribunal que apreciasse a validade dos actos praticados pela entidade adjudicante e que violou a Lei.
V) Determina o art.º 283º-A n.º 3 alínea b) do CCP que o valor da sanção pecuniária deve ser de montante inferior ou igual ao preço contratual, entendendo o Tribunal de 1ª Instância que atentos os interesses da Autora deveria recorrer a um juízo de equidade.
X) A decisão recorrida fixou a sanção pecuniária mas não atendeu ao pedido formulado pela Recorrida, que teve por base a declaração de modelo 22 de IRC do ano de 2016, mas antes recorreu ao critério de equidade, tendo por base tudo quanto alegado pelas partes assim como a circunstância de a norma determinar que a sanção pecuniária será de montante inferior ou igual ao preço contratual.
Z) Tendo em conta que a Recorrida só apresentou proposta para os lotes 2,3 e 4, no montante de cerca de €211.490,00, a sanção atribuída foi de cerca de 11,9% do valor da proposta, ou seja, € 25.000,00 o que é adequado tendo em consideração vício pelo qual o acto impugnado foi anulado.
AA) “A noção de equidade tem, pois, essencialmente que ver com a “vertente individualizadora da justiça”, a equidade traduz um juízo de valor que significa, na determinação “equitativamente” quantificada, que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado” – Ac. STJ de 29.04.98, Proc. 55/98
AB) Analisada a decisão recorrida e todos os interesses em causa e que foram avaliados pelo Tribunal de 1ª Instância, o montante fixado não merece censura uma vez que o Tribunal ponderou de forma clara os motivos pelos quais entendeu fixar o montante da sanção pecuniária em €25.000,00.
AC) Não se podendo olvidar que a aplicação da sanção pecuniária não depende da apreciação da culpa da entidade adjudicante na violação da norma, é de aplicação direta e não havendo qualquer critério legal para definir o valor da sanção, deve o Tribunal recorre a juízos de equidade, o que fez, em claro respeito pela Lei.
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Neste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.
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Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, vem trazida em recurso as questão essencial de saber se a decisão do Mmº Juiz a quo de 22/11/2017 que fixou o valor da sanção pecuniária a que se refere o artigo 283º-A nº 3 alínea b) do Código dos Contratos Públicos (CCP) a pagar à Autora em 25,000,00 € deve ser revogada, seja por erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 283º-A nº 3 do CCP (vide conclusões 1ª a 13ª das alegações de recurso), seja por desaplicação daquela norma com fundamento em inconstitucional por violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da segurança jurídica, previstos nos arts. 29º e 2º da CRP (vide conclusões 14ª a 20ª das alegações de recurso), seja, por último, por erro quanto à quantificação do montante da sanção, a qual se deveria bastar pelos 5.000,00 € (vide conclusões 21ª a 30ª das alegações de recurso).
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, com relevância para a decisão, nela assim vertida expressis verbis:
A) Através de anúncio publicado no Diário da República, II.ª Série, nº. 04, de 07 de janeiro de 2015, o CHL, E.P.E, promoveu a abertura de um concurso público destinado a aquisição de material para prótese primária da anca, sendo composto por 4 lotes distintos (cf. fls. 24 e 25 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B) Nos termos do referido Aviso, o preço base do Lote nº. 1 era € 91,375.00 [idem];
C) E o preço base do Lote nº. 2 € 128,250,00 [idem];
C) E o preço base do Lote nº. 3 € 7,812,50 [idem];
D) E o preço base do Lote nº. 4 € 2,730,00 [idem];
E) O procedimento em questão era integrado pelas peças do procedimento designadas por Programa do Concurso e Caderno de Encargos, cujas cópias fazem fls. 5 a 20 do PA apenso, e que aqui se consideram reproduzidos para todos os legais efeitos;
F) É o seguinte o teor do ponto 12 do Programa de Concurso: “
(...)
A adjudicação é feita por lote a um único concorrente segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com as seguintes fórmulas:
CF= (P*0,50) + (AT* 0,50) em que:
Classificação final = (Preço *0,50) + Adequação técnica * 0,50), em que:
Preço= (Preço Base Unitário/2)/ Preço Unitário da Proposta apresentada * 100
AT = (Adequação técnica e funcional do material* 0,50)
Classificada pela seguinte escala:
Totalmente adequado 100
Adequado 50
Inadequado 0
Em caso de igualdade na classificação final, será considerada a proposta que tiver um preço mais baixo, e se persistir o empate, será considerada a proposta que tiver sido rececionada em 1º lugar (...)”.
G) Apresentaram-se a concurso 8 concorrentes, mormente a aqui Autora, que apresentou proposta para os Lotes n.ºs 2, 3 e 4;
H) No dia 29 de setembro de 2015, o Júri reuniu com vista a elaborar o relatório preliminar, onde registou a exclusão das propostas apresentadas bem como a avaliação das propostas apresentadas, concedendo o prazo de cinco dias para os concorrentes se pronunciaram por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia;
I) A ora Autora exerceu o seu direito de resposta nos termos que constam de fls. 184 e seguintes dos autos (suporte físico), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
J) Em 09 de junho de 2016, o Júri, em sede de Relatório Final, deliberou manter a decisão prevista no relatório preliminar e adjudicar o material relativo aos Lotes n.ºs 1, 3 e 4 ao concorrente Mc…, e ao concorrente Bm… o material relativo ao Lote nº. 2 (cfr. fls. 1003 a 1008 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
K) Por deliberação do Conselho de Administração do Réu, datada de 30.06.2016, foi adjudicado o procedimento concursal nos termos propostos pelo Júri do Concurso (cf. fls. 1003 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
L) Aos 5 de julho de 2016 foi celebrado o contrato de aquisição de material relativo ao Lote nº. 2 entre o Réu e o concorrente Bm… (cfr. fls. 261 e seguintes dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
M) No mesmo dia foi celebrado o contrato de aquisição de material relativo aos Lotes nº. 1, 3 e 4 entre o Réu e o concorrente Mc… (cfr. fls. 265 e seguintes dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
N) Os contratos referidos em L) e M) mantêm-se em vigor pelo prazo de 12 meses contados a partir da data de adjudicação [cf. clausula 3º];
O) O preço contratual estipulado no contrato referido na alínea J) quanto ao Lote nº.1 foi de € 90,000,00 [cf. fls. 265 dos autos – suporte físico e por admissão];
P) O preço contratual estipulado no contrato referido na alínea I) quanto ao Lote nº.2 foi de € 111,850,00 [idem];
Q) O preço contratual estipulado no contrato referido na alínea J) quanto ao Lote nº.3 foi de € 7,400,00 [idem];
R) O preço contratual estipulado no contrato referido na alínea J) quanto ao Lote nº.4 foi de € 2,240,00 [idem];
S) Em 08.08.2016, a Autora intentou a presente ação de contencioso pré-contratual visando a anulação do procedimento e da decisão de adjudicação do Concurso Público 2010A15 destinado à Aquisição de Material para Prótese Primária da Anca, aberto pela CHL, E.P.E. [cfr. libelo inicial];
T) Em 15.12.2006 foi a presente ação julgada parcialmente procedente, e, em consequência, foi anulado o ato de adjudicação de 30.06.2016 e afastada, por desproporcionalidade, a anulabilidade consequencial dos contratos celebrados nos autos.
U) A Autora interpôs recurso jurisdicional da sentença prolatada em 15.12.2016, o qual logrou obter provimento parcial, tendo, para o que ora nos interessa, o Réu condenada em sanção pecuniária de montante a determinar pelo tribunal a quo.
V) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos (inclusive o PA apenso).
B – De direito
1. Da decisão recorrida
Pela decisão recorrida, de 22/11/2017, o Tribunal a quo fixou o valor da sanção pecuniária a que se refere o artigo 283º-A nº 3 alínea b) do Código dos Contratos Públicos (CCP) a pagar pelo réu à autora em 25,000,00 €.
2. Da tese do recorrente
Pugna o recorrente pela revogação da decisão recorrida.
Sustenta em primeira linha que a mesma padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 283º-A nº 3 do CCP, por, em suma, a sanção pecuniária ali prevista não ter a natureza de indemnização e/ou compensação a qualquer concorrente pretensamente lesado, mas sim uma natureza semelhante a uma coima ou a uma multa a pagar pela entidade adjudicante a uma “instância de recurso independente da entidade adjudicante” nos termos aludidos na Directiva nº 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, e que assim não pode ser a autora a beneficiária dessa sanção, sob pena de se estar perante um verdadeiro direito indemnizatório violando-se, por essa via, o disposto na parte final do art. 2º-E, nº 2 da Directiva nº 2007/66/CE, conjugada com o considerando (19) do preâmbulo da mesma Directiva comunitária, directa e imediatamente aplicável em Portugal, nos termos do disposto no art. 8º, nº 4 da CRP – (vide conclusões 1ª a 13ª das alegações de recurso).
Invoca também que não estando devidamente regulamentada a norma do artigo 283º-A nº 3 do CCP que impõe o pagamento de uma sanção pecuniária deve ser considerada uma ‘norma sancionatória em branco’ por se tratar de norma incompleta à qual falta um elemento essencial à sua aplicação ou em que há uma necessidade de complementação para que se possa compreender por inteiro os seus próprios pressupostos de aplicação; que a norma sancionatória em branco viola o princípio da legalidade previsto no artigo 29º da CRP, bem como o princípio da segurança jurídica, corolário do princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2º da CRP, por afectar de forma inaceitável os mínimos de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas, através da criação de normas que impõem sanções sem que os respectivos pressupostos de aplicação e execução estejam devidamente tipificados; que assim, a norma do artigo 283º-A nº 3 do CCP deve ser considerada ineficaz por falta de regulamentação que identifique quem é a entidade a quem deve ser paga a sanção aplicada ao réu, devendo a mesma ser desaplicada até que entre em vigor a respectiva regulamentação, ou, em alternativa, e caso assim se não entenda, deve a norma do artigo 283º-A nº 3 do CCP ser julgada inconstitucional por violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da segurança jurídica, previstos nos arts. 29º e 2º da CRP, por se tratar de uma norma sancionatória em branco ou incompleta, que impõe o pagamento de uma sanção a uma entidade não determinada nem determinável nos termos da Lei nacional ou comunitária; que em todo o caso, não podendo o Tribunal a quo condenar o réu a pagar essa sanção à autora, por tal decisão carecer de base legal, violando o princípio da legalidade nos termos supra expostos, e por violar a disposição do art. 2º-E da Directiva nº 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que independentemente da transposição para o ordenamento jurídico nacional tem aplicação em Portugal nos termos do art. 8º, nº 4 da CRP, ao decidir como decidiu, condenado o réu a pagar à autora a sanção pecuniária fixada nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP, designadamente para, por meio dela, compensar a Autora pelo afastamento do efeito anulatório dos contratos conforme resulta da fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal a quo violou as referidas disposições dos arts. 283º-A, nº 3 do CCP; arts. 29º e 2º da C.R.P., art. 2º-E da Directiva nº 2007/66/CE, 9º do Código Civil; e art. 8º, nº 4 da CRP – (vide conclusões 14ª a 20ª das alegações de recurso).
Por último, e subsidiariamente, sustenta que o Tribunal a quo errou quanto à quantificação do montante da sanção, pugnando dever a mesma ser fixada na quantia de 5.000,00 €, mas em todo o caso nunca superior a 15.000,00 €. Defende a tal propósito que a decisão recorrida entendeu que sanção pecuniária se destinava a compensar a autora pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a anulação do concurso lhe teria proporcionado, inexistindo qualquer prejuízo patrimonial a compensar, fixando o montante da sanção em 25.000,00 € com recurso à equidade; que contudo tal valor não se afigura nem equilibrado, nem justo, nem equitativo, quando comparado com o hipotético prejuízo económico que a autora poderia sofrer, isto é, se o prejuízo da autora fosse de natureza económica; que não é; e se se aplicasse o critério do lucro que a autora teria deixado de auferir, o valor em causa seria sempre inferior a 15.000,00 €; que a decisão recorrida carece de fundamento fáctico-jurídico, não estando suficientemente fundamentada em termos que permitam perceber a graduação que o Tribunal a quo faz dos prejuízos que se pretendem compensar com a atribuição dessa sanção, o que é causa de nulidade da decisão por manifesta deficiência e ambiguidade da fundamentação, nos termos do art. 615º, nº 1, b) e c) do CPC; e que não se entendendo assim, sempre a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à determinação do quantum da sanção pecuniária por manifesta desproporcionalidade e excesso relativamente às características do caso concreto, aos interesses em presença e aos danos ou prejuízos que, no caso concreto, visa compensar, devendo essa sanção ser reduzida para quantia inferior a 15.000,00 €, já que essa seria a quantia máxima a que poderia corresponder um eventual prejuízo económico para a autora caso se comprovasse que sem os vícios que determinaram a anulação do contrato, seria ela a entidade contratada, o que manifestamente não é o caso, e que assim, revogada a decisão recorrida deve ser substituída por outra que reduza o valor da sanção pecuniária fixada nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP em quantia sempre inferior a 15.000,00 €, e que, a ser fixada por recurso a critérios de equidade, se deveria bastar pelos 5.000,00 € – (vide conclusões 21ª a 30ª das alegações de recurso).
3. Da apreciação e análise do recurso
3.1 Comecemos por precisar o contexto em que foi proferida a decisão recorrida.
A recorrente AS S. A., instaurou o presente processo de contencioso pré-contratual contra o CHL E.P.E, peticionando a anulação do procedimento e da decisão de adjudicação do Concurso Público 2010A15 destinado à Aquisição de Material para Prótese Primária da Anca, aberto pela CHL, E.P.E..
Por sentença de 15/12/2016 (fls. 937 ss.-SITAF) o Tribunal a quo, julgando a ação parcialmente procedente, anulou o ato de adjudicação de 30/06/2016, e afastou a anulabilidade consequencial dos contratos celebrados.
Daquela sentença interpôs a autora recurso de apelação para este TCA Norte, o qual, por acórdão de 09/06/2017 (fls. 1087 ss.-SITAF) concedendo parcial provimento ao recurso afastou o efeito anulatório do contrato celebrado não só por desproporcionalidade mas também por violação da cláusula de standstill e condenou o réu em sanção pecuniária, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para fixação da mesma.
Baixados os autos à 1ª instância ali foram as partes notificadas para, no prazo de dez dias, acordarem no montante da sanção pecuniária compulsória devida pela violação da cláusula standstill, com a advertência que o silêncio das partes seria entendido no sentido da inexistência de acordo quanto a tal matéria, sendo que em tal prazo nada disseram.
E promovidas diligências instrutórias adicionais, com alegação pelas partes do que se lhe ofereceu quanto à forma de determinação do valor da sanção pecuniária a fixar, o Tribunal a quo proferiu a decisão sobre recurso, fixando em 25.000,00 € o valor da sanção pecuniária a atribuir à autora.
Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Na sentença prolatada nos presentes autos foi declarada a invalidade do ato de adjudicação de 30.06.2016, com fundamento na ilegalidade da fórmula de avaliação das propostas inserta no ponto 12º do Programa de Concurso do Concurso visado nos autos.
Com feito, foi julgado que a referida fórmula é violadora das regras constantes dos artigos 75º e 132º, n.º 1, alínea n), e 139º, todos do Código do Contratos Públicos, para além de incumprir com o princípio da transparência previsto no art.º 1º., n.º 4 do mesmo diploma legal.
Ora, consentaneamente com o dispositivo do aresto do venerando T.C.A.N. que faz fls. 438 e seguintes dos autos [suporte físico], foram os autos remetidos a este Tribunal para aqui se proceder à determinação da sanção pecuniária a que foi pelo tribunal ad quem condenado o Réu.
Recebidos os autos, e como se relatou supra, foram as partes notificadas para acordaram no montante no montante da sanção pecuniária compulsória devida pela violação da cláusula standstill, tendo estas silenciado.
Sendo assim, não tendo as partes alcançado qualquer acordo quanto ao valor daquela sanção, compete a este Tribunal fixá-lo.
Assim, e quanto a tal tarefa, importa que se comece por se sublinhar que a norma inserta no nº. 3 do art.º 283º- A do CCP não é destinada a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração.
Do que se trata, antes, é de assegurar ao Autor, no âmbito do processo declarativo, uma compensação pelo afastamento do efeito anulatório dos contratos celebrados nos autos, podendo esta efetivar-se, tanto pela redução da duração dos referidos contratos, como pela aplicação de sanção pecuniária de montante igual ao inferior ao preço contratual.
No caso versado, porém, o Réu foi já condenado no pagamento de sanção pecuniária, pelo que aqui importa apenas fixar o montante da desta.
Neste domínio, cabe assinalar que o preço contratual, aferido nos termos do artigo 97º do CCP, consiste no preço a pagar, pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato.
Ou seja, e à luz da factualidade apurada, consiste no somatório dos preços pagos pelo Réu pelos Lotes adjudicados nº. 1, 2, 3 e 4, traduzidos nos montantes de € 90,000,00, € 111,850,00, € 7,400,00 e € 2,240,00, respetivamente, o que perfaz o valor global de € 211,490,00.
Aqui chegados, adiante-se, desde já, que se nos afigura manifestamente excessiva a aplicação de sanção pecuniária em montante igual ao preço contratual.
Na verdade, pese embora a ilegalidade do procedimento concursal patenteada na sentença proferida nos autos, não resulta adquirido [porque nem sequer foi alegado] que a anulação do procedimento concursal viesse a resultar na escolha da proposta da Autora para efeito de contratação.
O que conduz à constatação que os interesses subjacentes à aplicação da sanção pecuniária traduzem interesses de natureza não económica, cristalizados, única e exclusivamente, na defesa da legalidade do procedimento concursal.
De igual modo, não se logrou demonstrar [porque nem sequer foi alegado] que a Autora, já antes do lançamento do procedimento concursal visado nos autos, fornecesse bens na natureza idêntica aos concursados para a entidade adjudicante.
Daí que se não se pode afirmar que a adjudicação dos autos irá atingir os seus interesses legítimos na manutenção do fornecimento de tais bens.
Perante o interesse da Autora em jogo que vimos de referir e na ausência de qualquer ambiência de legitimidade na manutenção do fornecimento dos bens postos a concurso, temos, para nós, que se afigura manifestamente desprovida de qualquer sentido e proporcionalidade a aplicação de sanção pecuniária no valor de € 211,490,00.
Na verdade, a determinação de sanção em montante igual ao preço contratual deva estar reservada, no mínimo, para as situações em que a anulação do concursal possa importar um elevado benefício patrimonial para o concorrente interessado,
Ora, tal não sucede no caso dos autos, pelo que não se justifica, na economia dos interesses em jogo, o arbitramento de sanção pecuniária no valor de € 211,490,00.
Assim, a fixação da sanção pecuniária em montante inferior ao preço contratual, e com recurso à equidade, é via adequada a seguir.
Como foi já decidido em Acórdão promanado em 29/11/2005, pelo Supremo Tribunal Administrativo [processo 041321A] “Chama-se juízo de equidade àquele que o julgador formula para resolver o litígio de acordo com um critério de justiça, sem recorrer a uma norma pré-estabelecida. Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à norma jurídica eventualmente aplicável” [cfr. Dicionário Jurídico de Ana Prata, Vol. I, 5.ª Edição, pág. 600].
Em situações como a dos autos a fixação da sanção em montante inferior ao preço contratual traduz um exercício de difícil concretização para o julgador.
Na verdade, determinar a sanção pecuniária justa a arbitrar como forma de compensar a perda de oportunidade da Autora em ver repetido o procedimento concursal e reavaliada a sua proposta é uma tarefa difícil, não existindo, sequer, grande auxílio jurisprudencial, por serem ainda escassas as decisões proferidas neste âmbito.
De qualquer forma, impõe-se sempre ter presente e ponderar sobre a natureza do procedimento concursal, montantes envolvidos, números de candidatos, tipo de ilegalidade em que incorreu a Administração na sua atuação, e diligências desenvolvidas pela Autora com vista à reposição da legalidade violada.
Neste domínio, relembre-se que o ato impugnado foi anulado por vício de violação de lei, o que imporia que, em sede de execução, a reformulação da fórmula de avaliação inserta no ponto 12 do P.C. nos termos oportunos fixados no respetivo bloco legal tal como aconteceria se não fosse praticado um ato ilegal, e, na sequência disso, e após o desenvolvimento da cadeia dos atos procedimentais legalmente previstos, a reavaliação das propostas dos concorrentes e a subsequente adjudicação do concurso.
Para além destes elementos de densificação, não se poderá deixar de ter em conta o preço base global do procedimento em causa [€ 230,417,50], e a duração dos contratos a celebrar, que teriam a durabilidade de 365 dias contados da data de adjudicação.
Naturalmente, não se poderá deixar de se atender que apresentaram-se a concurso 8 concorrentes, mormente a aqui Autora, que apresentou proposta para os Lotes n.ºs 2, 3 e 4;
De igual modo, importará considerar o tempo, entretanto, decorrido, pois que a fixação da sanção pecuniária será realizada atenta a presente data.
Finalmente, convirá atender no interesse essencialmente não económico da Autora na anulação do procedimento concursal e na ausência de qualquer ambiência de legitimidade na manutenção do fornecimento dos bens postos a concurso.
São todos estes elementos essenciais que permitirão fixar, segundo juízo de equidade, uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a anulação do concurso lhe teria proporcionado.
Ponderando conjugadamente o que se explanou, e sublinhando que não se está já a proceder a qualquer decisão sobre lucros cessantes, em razão do ato anulado, nem à determinação de danos emergentes do mesmo ato, mas, simplesmente, à fixação, através de um juízo equitativo, de sanção pecuniária como compensação pelo afastamento do efeito anulatório dos contratos celebrados nos autos, considera-se equilibrado computar essa sanção no valor de € 25,000,00 [vinte e cinco mil euros], montante que se afigura equitativo e coerente com a configuração emergente do que se vem de expor. »
3.2 Neste contexto emerge como premente constatar que, como bem sustenta o recorrido nas suas contra-alegações, e foi desde logo reconhecido e explanado pelo Mmº Juiz a quo, que a decisão recorrida visou dar cumprimento ao acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 09/06/2017 (fls. 1087 ss.-SITAF), na exata medida em que nele se condenou o réu na sanção pecuniária prevista no artigo 283º-A nº 3 alínea b) do Código dos Contratos Públicos (CCP) (na versão em vigor), tendo os autos baixado à 1ª instância para fixação da mesma.
3.3 Com efeito, perscrutado aquele acórdão constata-se que nele foi vertido no respetivo segmento decisório o seguinte:
«Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência em conceder parcial provimento ao recurso afastando o efeito anulatório do contrato celebrado nos autos não só por desproporcionalidade mas também por violação da cláusula de standstill e condena-se a entidade demandada em sanção pecuniária, devendo os autos baixar à 1ª instância para fixação da mesma. Indefere-se o recurso subordinado.»
E explanou o seguinte em sede da respetiva fundamentação, no que com utilidade para o presente recurso se passa a transcrever:
«(…)
II- A recorrente AS SA vem, no entanto, insurgir-se na sua alegação contra a decisão na parte em que decidiu afastar o efeito anulatório do contrato.
Para contrariar a decisão recorrida invoca, essencialmente, duas questões. O ter sido consignado o contrato apesar do efeito suspensivo automático do acto impugnado ou da execução do contrato se este já tiver sido celebrado, referido no artigo 103º -A do CPTA. Invoca ainda em sua defesa o facto de o contrato ter sido celebrado no período antes dos 10 dias após a notificação da decisão de adjudicação a todos os contratantes, ou seja, o facto de o contrato ter sido celebrado com preterição da denominada cláusula “ standstill”.
A decisão recorrida refere quanto a este aspecto:
“Revisitando a situação dos autos, importará ter presente que o Réu invocou, no sentido de ser afastado o efeito anulatório dos contratos, no essencial, o facto de já ter recebido com a consignação o material a que se referem os contratos e iniciado o consumo dos mesmos; que em, a 01 de setembro de 2016, constavam 107 doentes inscritos em lista de espera para serem submetidos a implantação ou revisão da prótese total da anca; e que a suspensão dos efeitos do contrato impede a implantação ou substituição das próteses totais de ancas em nos referidos 107 doentes atualmente inscritos nas listas de espera, o que se traduziria num prejuízo incomportável para o interesse público, aferido na vertente do direito à prestação de cuidados de saúde.
Por sua vez, não obstante a Autora não ter alegado quaisquer factos ou elementos demonstrativos de que na ponderação a efetuar o tribunal deve manter o efeito anulatório dos contratos, deve considerar-se que estamos perante um interesse particular, da Autora, de natureza essencialmente económica, e que se alicerça numa perspetiva de satisfação algo nebulosa, dada a sua posição na graduação do concurso [penúltimo lugar].
Gozando o tribunal de uma ampla discricionariedade jurisdicional na valoração e hierarquização de todos os interesses conflituantes, importará ainda atender que dimana do probatório coligido que as contrainteressadas adjudicatárias Bm… e Mc… desde 05 de julho de 2016 fornecem o material relativo aos lotes nº.1 a 4 do procedimento concursal visado nos autos e que a vigência destes contratos cessa em 05.06.2017.
Perante os interesses em jogo que vimos de referir e do quadro fático apurado, que em função do termo ad quem para o período de vigência contratual, estamos em crer convictamente que a anulação do contrato entretanto celebrado, neste momento, decorrido cerca de um meio ano sobre a respetiva celebração, seria desproporcionada em face dos interesses em presença, por suscetível de vir a perturbar a prestação de saúde em equação, traduzida na implantação ou substituição das próteses totais de ancas em, pelo menos, 107 doentes atualmente inscritos nas listas de espera.
Efetivamente, seriam muito maiores os prejuízos advindos para o Réu do que para a parte preterida, que pode ver ressarcidos os seus eventuais danos se se verificarem os pressupostos legais necessários para tal.
Daqui resulta preenchido o critério do nº 4 do art. 283º do CCP, podendo ser afastado o efeito anulatório do contrato.
Deste modo, e apesar da anulabilidade do ato de adjudicação, este tribunal entende não a decretar, tão pouco a do contrato, ao abrigo do artigo 283º nº. 4 do C.C.P.
Mercê do exposto, procederá parcialmente o peticionado na presente ação.”
É de referir, desde já, que a recorrente não vem por em causa o assim decidido. Ou seja, não vem por em causa os fundamentos que levaram o Tribunal a quo a referir que tendo em atenção os interesses em jogo, a anulação do contrato entretanto celebrado seria desproporcionada. O que vem referir é que como o contrato foi celebrado com violação do disposto no artigo 103º-A do CPTA e artigo 104º n.º 1 a alínea a) do CCP, sempre o mesmo deveria ser considerado anulado, não se aplicando o disposto no artigo 283º n.º 4 do CCP, mas sim o artigo 283-A, n.º 3.
Refere o artigo 103º- A do CPTA, que: “ a impugnação de actos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.
Como se encontra referido na decisão recorrida, na data da interposição da apresente acção já se encontrava celebrado o contrato, concluindo-se agora, que o contrato terminará a 5 de Julho (alínea K da matéria de facto dada como provada). Por seu lado, verifica-se que na contestação a entidade demandada veio a solicitar que fosse proferida decisão que determinasse a não suspensão dos actos impugnados e dos efeitos do contrato consequentemente celebrado.
Na decisão recorrida, como foi afastada por desproporcionalidade a anulabilidade consequencial do acto impugnado, nuca foi suspensa a execução do contrato que assim continuou em vigor. De notar, no entanto que a aplicação do artigo 103º -A do CPTA, ou seja, a suspensão automática do acto impugnado e da execução do contrato não leva a que se não se possa aplicar o disposto no artigo 283.º n.º 4 do CPC à situação dos autos.
Refere este artigo que:
4 – O efeito anulatório previsto no nº 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial.”.
Na verdade uma coisa será a suspensão automática da execução do contrato, para o que aos autos interessa, e outra será a possibilidade de afastamento do efeito anulatório do contrato entretanto celebrado. Ou seja, não é pelo facto de se aplicar ao caso dos autos a suspensão automática da execução do contrato que não se poderia aplicar o artigo 283.º n.º 4 do CCP, pelo que, nesta parte, não podem proceder as conclusões da recorrente.
Refere ainda a recorrente que nos termos do n.º 1 alínea a) do artigo 104º, a outorga do contrato deve ter lugar no prazo de 30 dias contados da data da aceitação da minuta ou da decisão sobre a reclamação, mas nunca antes de decorridos 10 dias contados da notificação da decisão de adjudicação a todos os concorrentes.
Nos termos do n.º 3 do artigo 283º-A, do CCP, o critério anulatório previsto no n.º 1, e aqui encontra-se incluído o critério anulatório, decorrente do artigo 104º n.º 1 alínea a), pode ser afastado nos termos do n.º 4 do artigo 283º, devendo a decisão obrigatoriamente determinar uma das seguintes sanções alternativas: a) redução da duração do contrato; ou b) sanção pecuniária de montante inferior ou igual ao preço contratual.
Ou seja, o efeito anulatório por força da violação da cláusula standstill leva a que se possa afastar o efeito anulatório previsto no n.º 3 do artigo 283º, no entanto, essa decisão tem de incluir, obrigatoriamente, uma das duas sanções descritas no referido n.º 3 do artigo 283.º A.
No caso em apreço, o efeito anulatório do acto impugnado foi afastado por desproporcionalidade, tendo em atenção os interesses em presença. No entanto, como vem referir a recorrente nas suas alegações, a celebração do contrato também violou a cláusula standstill, uma vez que o contrato foi celebrado antes dos 10 dias, após a data de notificação a todos os concorrentes, da decisão de adjudicação. A 30 de Junho de 2016 foi adjudicado o procedimento tenho o mesmo sido notificado às partes a 4 de Julho. No entanto, logo a 5 de Julho foi celebrado o respectivo contrato. Ou seja, encontra-se violado o disposto no artigo 104º, n.º 1, alínea a) do CCP, questão, aliás, não contestada por qualquer das partes.
Tendo sido violada a cláusula standstill e considerando-se que foi afastado o efeito anulatório do contrato decorrente da anulação do acto de adjudicação, nos termos do n.º 3 do artigo 283º-A do CCP, e esta questão também, como já vimos, não vem posta em causa, sempre se deverá determinar a aplicação de uma das sanções aí previstas, a redução da duração do contrato ou sanção pecuniária.
Procedem assim nesta parte as conclusões da recorrente.
No caso em apreço verifica-se que o contrato já se encontra esgotado, ou quase esgotado, uma vez que terminará a 5 de Julho, pelo que fica prejudicada a interposição da sanção ligada à redução do contrato de trabalho. Assim sendo, estará apenas em causa a aplicação de uma sanção pecuniária de montante inferior ou igual ao preço contratual.
No caso dos autos não foi analisada esta questão em 1ª instância, nem foi dada oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a mesma, procedendo à sua substanciação. Por seu lado, o montante da sanção a aplicar, tendo em atenção a tomada de posição das partes, pode levar a que se abra um período de contraditório e eventual prova a realizar.
Nestes termos decide-se proceder à revogação parcial da decisão recorrida, afastando o efeito anulatório do contrato celebrado nos autos não só por desproporcionalidade mas também por violação da cláusula de standstill e condena-se a entidade demandada em sanção pecuniária a fixar em 1ª instância após as diligências anteriormente referidas. Indefere-se o recurso subordinado.»
3.3 Perante o que tem que reconhecer-se que a condenação do réu na sanção pecuniária prevista no artigo 283º-A nº 3 alínea b) do Código dos Contratos Públicos (CCP) (na versão em vigor), resulta logo do acórdão deste TCA Norte de 09/06/2017 (fls. 1087 ss.-SITAF).
Acórdão que transitou em julgado sem que dele tenha sido interposto recurso.
Pelo que perante o que nele foi decidido (bem ou mal, no que aqui não releva), ao Tribunal a quo incumbia apenas dar-lhe cumprimento, fixando o respetivo quantitativo. Que foi o que fez.
3.4 Isto significa que não pode o réu vir agora pôr em causa, através do presente recurso, dirigido à decisão do Tribunal a quo de 22/11/2017 fixativa do montante, a decisão que condenou o réu na sanção pecuniária prevista no artigo 283º-A nº 3 alínea b) do Código dos Contratos Públicos (CCP) (na versão temporalmente aplicável) na medida em que essa condenação havia sido já decidida pelo anterior acórdão deste TCA Norte de 09/06/2017.
3.5 Pelo que os erros de julgamento invocados pelo recorrente, seja por errada interpretação e aplicação do artigo 283º-A nº 3 do CCP, seja por violação dos artigos 29º e 2º da CRP e do 2º-E da Directiva nº 2007/66/CE, cuja aplicação direta invoca (nos termos das conclusões 1ª a 13ª e 14ª a 20ª das suas alegações de recurso), a ocorrerem, verificaram-se na decisão condenatória proferida no acórdão de 09/06/2017 deste TCA, e não na decisão de 22/11/2017 do Tribunal a quo que se limitou a fixar o respetivo montante, dando-lhe cumprimento.
3.6 Mas, como é bom de ver, aquela decisão transitou em julgado, pelo que não podem, agora, ser recuperadas questões que já anteriormente decididas. Razão pela qual não cumpre conhecer no âmbito do presente recurso aqueles imputados erros de julgamento.
O que apenas pode ser conhecido no âmbito do presente recurso é quanto ao que inovatoriamente foi decidido pelo Tribunal a quo. Por conseguinte, apenas e só quanto ao concreto montante fixado pelo Tribunal a quo.
3.7 Assim, apenas se toma conhecimento das conclusões 21ª a 30ª das alegações de recurso, por ser nela posto em causa o que inovatoriamente foi decidido pelo Tribunal a quo, mas já não das conclusões 1ª a 20ª do recurso por se referirem ao segmento decisório já abarcado pelo anterior acórdão de 09/06/2017 deste TCA.
3.8 Vejamos, então se o Tribunal a quo errou quanto à quantificação do montante da sanção nos termos propugnados pelo recorrente.
3.9 Antes, porém, vindo evocada a nulidade decisória com invocação das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do CPC (vide conclusão 28ª das alegações de recurso), cujo conhecimento antecede o erro de julgamento, diga-se desde já que a mesma não se verifica.
3.10 As situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo (Lei nº 41/2013), cuja enumeração é taxativa, que dispõe o seguinte:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
3.11 A alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPA reporta-se, assim, às situações de falta de fundamentação (de facto e de direito) da decisão motivadoras da sua nulidade, e a alínea c) às situações em que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
3.12 Ora, a invocação feita pelo recorrente não se subsume nem numa nem noutra causa de nulidade da sentença.
Sendo certo que para que se esteja perante falta de fundamentação da sentença, geradora da sua nulidade ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que suportam a decisão que profere ou as razões de direito, já que só a falta absoluta de fundamentos é causa de nulidade da sentença (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta). E como é bom de ver essa fundamentação, quer de facto quer de direito, existe.
E que para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente (vide a este respeito Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 689 ss; José Lebre de Freitas, in “Código de Processo civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 670, e Luís Filipe Brites Lameiras, in, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2009, pág. 36 ss.). Ora como facilmente se conclui da leitura da decisão recorrida tal não sucede, não havendo incoerência, ou contradição lógica, entre os fundamentos e a decisão.
3.13 Não, colhe, pois, a invocada nulidade da decisão recorrida.
3.14 Debrucemo-nos, então, agora, sobre o erro de julgamento imputado à decisão que fixou o quantitativo da sanção devida em 25.000,00€, tal como se foi delimitado pelo recorrente nas conclusões 21ª a 27ª e 29ª a 30ª das alegações de recurso.
3.15 O convocado artigo 283º-A do CCP foi aditado pelo DL. nº 131/2010, de 14 de Dezembro ao Código dos Contratos Públicos, em transposição da Diretiva n.º 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro, e dispunha o seguinte:
“Artigo 283.º-A
Anulação de contratos com fundamento em vícios procedimentais
1 - Os contratos são designadamente anuláveis quando tenham sido celebrados:
a) Na sequência de um procedimento de formação de contrato sem publicação prévia de anúncio do respectivo procedimento no Jornal Oficial da União Europeia, quando exigível;
b) Antes de decorrido, quando aplicável, o prazo de suspensão previsto no n.º 3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, conforme o caso.
2 - A anulação de um contrato com fundamento na alínea a) do número anterior, não é aplicável, quando, cumulativamente:
a) O procedimento de formação do contrato tenha sido escolhido em função de um critério material previsto no capítulo iii do título i da parte ii do presente Código;
b) Tenha sido publicado o anúncio voluntário de transparência previsto no artigo 78.º-A;
c) A outorga do contrato não tenha ocorrido antes de decorridos 10 dias após a data da referida publicação.
3 - O efeito anulatório previsto no n.º 1 pode ser afastado nos termos do n.º 4 do artigo 283.º, devendo a decisão obrigatoriamente determinar uma das seguintes sanções alternativas:
a) Redução da duração do contrato; ou
b) Sanção pecuniária de montante inferior ou igual ao preço contratual.
4 - A decisão judicial ou arbitral referida no número anterior não pode afastar o efeito anulatório com base na ponderação do interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa, quando tal interesse assente, designadamente, nos custos resultantes de atraso na execução do contrato, de abertura de um novo procedimento de formação do contrato, de mudança do co-contratante ou de obrigações legais resultantes do efeito anulatório.
5 - Quando o efeito retroactivo da anulação de um contrato com fundamento nos vícios previstos no n.º 1 se revele desproporcionado ou contrário à boa-fé, ou quando a esse efeito retroactivo obste a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou razões imperiosas de interesse público, o tribunal pode circunscrever o respectivo alcance para o futuro, devendo a decisão determinar uma das sanções alternativas previstas no n.º 3.”
Dispositivo que foi entretanto revogado pelo DL. nº 111-B/2017, de 31/08 (que procedeu à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos e transpôs as Diretivas n.ºs 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014), diploma que introduziu igualmente alterações no regime da invalidade dos contratos sujeitos ao regime substantivo regulado na Parte III do Código dos Contratos Públicos (CCP), alterando a redação dos seus artigos 283°, 284°, 285° e 287°. Passando agora as disposições do Código que se encontravam contidas no revogado artigo 283°-A do CCP (e que operavam a transposição das Diretivas Recursos) a constar do atual artigo 287° que regula as situações de ineficácia do contrato. – (a respeito das alterações ao regime de invalidade dos contratos no Código dos Contratos Públicos, e em particular quanto à invalidade derivada, à revogação do artigo 283.º-A, a opção pela ineficácia e a passagem para o artigo 287º, vide Raquel Carvalho, in “As alterações ao Regime de Invalidade dos Contratos no Código dos Contratos Públicos”, CJA nº. 126 (nov.-dez.2017), págs. 24-30).
3.16 Foi em aplicação do artigo 283º-A do CCP, na versão resultante do DL. nº 131/2010, de 14 de Dezembro, à data em vigor e temporalmente aplicável à situação dos autos, que o anterior acórdão deste TCA de Norte de 09/06/2017 condenou o réu na sanção pecuniária prevista na alínea b) do seu nº 3, e por conseguinte ao abrigo do qual também a 1ª instância fixou a mesma após baixa dos autos para tal efeito.
3.17 Com vista a tal tarefa o Tribunal a quo começou por considerar, e bem, que nos termos do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 283º-A do CCP o montante da sanção pecuniária não poderia ser superior ao preço contratual. E socorrendo-se do disposto no artigo 97º do CCP, entendeu que o preço a pagar pela entidade adjudicante em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato, era, no caso de 211,490,00€ (correspondente ao somatório dos preços para os Lotes adjudicados nº. 1, 2, 3 e 4, nos montantes de 90.000,00 €, de 111.850,00€, de 7.400,00 e de 2.240,00€, respetivamente). O que não vem posto em causa pelo recorrente.
3.18 E rejeitando desde logo, por manifestamente excessiva, a aplicação de sanção pecuniária em montante igual ao preço contratual, também por pese embora a ilegalidade do procedimento concursal patenteada na sentença proferida nos autos, não resultar adquirido que a anulação do procedimento concursal viesse a resultar na escolha da proposta da autora para efeito de contratação, e por os interesses subjacentes à aplicação da sanção pecuniária se traduzirem em interesses de natureza não económica, «cristalizados, única e exclusivamente, na defesa da legalidade do procedimento concursal», entendeu que a fixação da sanção pecuniária haveria de ser efetuada em montante inferior ao preço contratual, com recurso à equidade. O que não vem posto em causa pelo recorrente.
3.19 Nesse desiderato, aceitando desde logo estar, enquanto julgador, perante um exercício de difícil concretização, o Mmº Juiz a quo atendeu às circunstâncias reveladas no caso, socorreu-se dos elementos patenteados no processo, entre os quais a natureza do procedimento concursal, os montantes envolvidos, o número de candidatos, o tipo de ilegalidade em que a entidade administrativa incorreu na sua atuação, e as diligências desenvolvidas.
E em tal contexto explicitou que «… ato impugnado foi anulado por vício de violação de lei, o que imporia que, em sede de execução, a reformulação da fórmula de avaliação inserta no ponto 12 do P.C. nos termos oportunos fixados no respetivo bloco legal tal como aconteceria se não fosse praticado um ato ilegal, e, na sequência disso, e após o desenvolvimento da cadeia dos atos procedimentais legalmente previstos, a reavaliação das propostas dos concorrentes e a subsequente adjudicação do concurso»; que não se poderia «…deixar de ter em conta o preço base global do procedimento em causa [€ 230,417,50]»; que «…a duração dos contratos a celebrar, que teriam a durabilidade de 365 dias contados da data de adjudicação» e que «…apresentaram-se a concurso 8 concorrentes».
Esclareceu ainda verificar-se a ausência de qualquer ambiência de legitimidade na manutenção do fornecimento dos bens postos a concurso.
E foi ponderando conjugadamente aqueles fatores que considerou equilibrado computar a sanção pecuniária no valor de 25.000,00€.
3.20 O recorrente defende que esse valor de 25.000,00 € não se afigura nem equilibrado, nem justo, nem equitativo, quando comparado com o hipotético prejuízo económico que a autora poderia sofrer, isto se o prejuízo da autora fosse de natureza económica, que não é; e que se se aplicasse o critério do lucro que a autora teria deixado de auferir, o valor em causa seria sempre inferior a 15.000,00 €.
3.21 Ora, o Tribunal a quo entendeu, precisamente, que os interesses subjacentes à aplicação da sanção pecuniária se traduziam em interesses de natureza não económica, «cristalizados, única e exclusivamente, na defesa da legalidade do procedimento concursal».
3.22 Por outro lado, muito embora o recorrente alegue que se se atendesse ao lucro que a autora teria deixado de auferir se os contratos lhe fossem adjudicados, o valor em causa seria sempre inferior a 15.000,00 €, a verdade é que as circunstâncias apuradas nos autos, tal como vertidas no probatório, não permitem chegar a essa conclusão, nenhum elemento constando nos autos de onde se possa retirar o valor do lucro expectável.
3.23 Simultaneamente foi ponderando conjugadamente os enunciados vários fatores que o Tribunal a quo considerou equilibrado computar a sanção pecuniária no valor de 25.000,00€. Valor que assim achado não merece um juízo de censura, nos termos propugnados pelo recorrente.
3.24 Pelo que não merecendo provimento recurso, pelos fundamentos vertidos supra, deve ser confirmada a decisão recorrida. O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato