Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01614/06.0BEPRT-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores: FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO PELO FACTO DA INEXECUÇÃO DO JULGADO;
PERDA DE CHANCE; DANOS NÃO PATIMONIAIS;
EQUIDADE;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório

«AA», com domicílio na Rua ..., ..., .... 6.1, no ..., veio, por apenso aos autos de acção administrativa especial, instaurar processo de execução contra o Centro Hospitalar ..., E.P.E., com sede na Alameda..., no ..., indicando como contra-interessada «BB», com domicílio profissional na Alameda..., no ..., através do qual peticiona a execução do julgado do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., datado de 21/12/2009 (confirmado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte datado de 13/01/2011 e este confirmado, por sua vez, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 30/05/2013), que, julgando parcialmente procedente a acção proposta pelo ora Exequente contra a Entidade Executada, anulou a deliberação datada de 04/04/2006 do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., E.P.E., da qual resultou a nomeação de «BB», como Directora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia.
Por decisão datada de 24/01/2020, foi julgada procedente a invocação de causa legítima de inexecução do acórdão exequendo e ordenada a notificação das partes para acordarem o montante da indemnização devida (cf. fls. 899 e seguintes do SITAF).
Por Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 18/12/2020, foi revogada a decisão proferida por este Tribunal, mais tendo sido verificada a existência de uma causa legítima de inexecução e ordenado a baixa dos autos à 1ª instância para ser promovida a notificação das partes para “acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução do julgado” e, perante a eventual falta de acordo das partes quanto ao valor indemnizatório, promover o Tribunal a fixação do mesmo, em função da verificada impossibilidade de execução do julgado anulatório, a título de “Perda de chance” (cf. fls. 1041 e seguintes do SITAF).
Notificadas que foram as partes para acordarem no montante indemnizatório devido pelo facto da inexecução do julgado, vieram as mesmas informar os autos que não lograram chegar a acordo quanto a tal valor (cf. fls. 1080 e 1083 do SITAF).
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi condenada a Entidade Executada no pagamento ao Exequente do valor de € 15.000,00, bem como no pagamento do montante de juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Desta vem interposto recurso pelo Executado.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida, na parte em que foi desfavorável ao Recorrente incorreu em violação da lei e em erro de julgamento.

2. O Tribunal “a quo” tinha a sua actuação decisória limitada a arbitrar valor da indemnização, a título de “perda de chance” pela inexecução do julgado, e por isso não podia ter condenado o Réu/Executado, no montante de 5.000,00€ a título de danos morais.

3. Dos factos provados que constam da sentença recorrida, não há qualquer matéria para se poder condenar ou dar por verificados quaisquer danos morais.

4. Não está provado, nem foi feita prova de que o exequente/autor sofreu de ansiedade, desgosto ou revolta e, também não está provado o nexo de causalidade da situação em apreço com a putativa e não provada ansiedade, desgosto, revolta.


5. É evidente o erro em que lavrou o Tribunal “a quo” a condenar o executado por danos morais decorrentes de algo que não existe – não existe nem direito a ser nomeado, nem probabilidade de ser nomeado, logo, também não pode haver revolta, nem ansiedade por algo a que não tem direito.

6. A quantia de 5 mil euros sempre é manifestamente excessiva e desproporcionada e viola a equidade pois que, no caso, apenas está em causa, o facto da fundamentação não ser tão completa quando devia ser.

7. A douta sentença recorrida não podia condenar em danos morais porquanto o objecto do litígio está circunscrito ao dando da perda de chance.

8. A douta sentença recorrida não tem factos provados que lhe permitam considerar a existência de danos morais.

9. A douta sentença recorrida, em face dos factos provados e do que já foi anteriormente decidido é caso julgado, não podia ter condenado o executado em sede de danos morais, como fez, nem com os fundamentos em que se estribou.

10. O montante de indemnização atribuído em sede de danos morais, é excessivo, desproporcionado, desajustado e não equitativo

11. Apenas está em causa a indemnização a título de perda de chance por causa legítima de inexecução decorrente de uma fundamentação incompleta

12. Não está em causa, qualquer possibilidade/direito à nomeação ou direito ao lugar.

13. Segundo a melhor jurisprudência deste Venerando Tribunal
“A perda de chance, perda de oportunidade, consubstancia a perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável.
Trata-se de um dano correspondente à perda de oportunidade de concretização do negócio para que tendia um determinado processo negocial, entendido como lesão de um bem autonomamente tutelável e distinto do interesse na execução do contrato.
A indemnização por perda de chance só poderá ser admitida, desde que verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano, exigindo-se também que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético.” (negrito e sublinhado nosso).


14. O Tribunal “a quo” errou e não podia ter condenado o Executado em 10 mil euros de perda de chance, desde logo porque não há perda de chance - perda da possibilidade de obter um resultado favorável. Antes pelo contrário, foi decidido e reconhecido na sentença, que o Exequente não tinha direito a ser nomeado, nem era provável que fosse nomeado.

15. No caso, não só não há perda de chance, como nem há factos provados, que permitam dar como provados os pressupostos gerais da responsabilidade civil.

16. O que resultou provado é que a chance a indemnizar, não era real.

17. O Tribunal “a quo” jamais podia ter decidido como decidiu, pois que não só não há dano de chance, como não estão provados os pressupostos necessários a essa condenação.

18. Nas circunstâncias do caso concreto, 10 mil euros, quando apenas faltou preencher / completar a fundamentação existente, é desproporcionado, excessivo e violador da equidade.

19. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto aos factos e ao direito, e, faz uma errada interpretação e aplicação dos factos provados ao direito.

20. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 178º e 166º do CPTA e 496º, 494º e 566º do Código Civil.


Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, com as legais consequências, como é de inteira

Justiça!!!
Não foram juntas contra-alegações.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso.

A este respondeu o Executado e a Contrainteressada nos termos que aqui se dão por reproduzidos.

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) A 21/12/2009, foi proferido acórdão no âmbito do processo n.º 1614/06...., em que foram partes «AA» (na qualidade de Autor), ora Exequente, Centro Hospitalar ..., E.P.E. (na qualidade de Entidade Demandada), ora Entidade Executada, e «BB» (na qualidade de Contra-interessada), ora igualmente Contra-interessada, referente a acção administrativa especial de pretensão conexa com acto administrativo, consubstanciado na deliberação do Conselho de Administração do referido Hospital, datada de 04/04/2006, que nomeou «BB» como «CC» (cf. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo);
B) No referido acórdão decidiu-se: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julgamos a presente acção parcialmente procedente, assim anulando a deliberação de 4.04.2006 do Conselho de Administração do Hospital R., que nomeou a contra-interessada Dra. «BB» como Directora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital R. No mais, julgamos a acção improcedente, absolvendo o R. do demais pedido (...)” (cf. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo);
C) No citado acórdão foi apurada a seguinte factualidade, que ora se reproduz: “A) O ora Autor é Chefe de Serviço Hospitalar da Especialidade de Otorrinolaringologia do Hospital ... (HSJ) e foi Director de Serviço do Serviço do Otorrinolaringologia do mesmo Hospital de 3 de Janeiro de 1983 a 03.04.2006 (artigos 1º e 2º da pi, não impugnados). B) O A. é também Professor Associado com Agregação da Faculdade de Medicina ... da Especialidade de Otorrinolaringologia (art. 3° da p.i., não impugnado). C) O R. HSJ é um hospital universitário, que ministra ensinamentos práticos aos alunos da Faculdade de Medicina, nos termos do protocolo aprovado pela Portaria n° 320/86, de 27 de Junho, e ministra internato médico, num processo único de formação médica especializada, nos termos da Portaria n° 183/2006, de 22 de Fevereiro (arts. 14° e 15° da p.i., não impugnados). D) O R., em reunião do Conselho de Administração de 04 de Abril de 2006, deliberou aprovar a proposta do Director Clínico de a nomeação dos Directores dos Serviços que integram a Unidade Autónoma de Gestão de Cirurgia, entre os quais a Dra. «BB» para Directora do Serviço de Otorrinolaringologia (cfr. doc. de fls. 13, que aqui dou por integralmente reproduzido). E) É o seguinte o teor da referida deliberação de 04.04.2006, exarada na respectiva Acta n° ...06: «Nomeação dos Directores dos Serviços que integram a UAG de Cirurgia: Verificados os requisitos legalmente exigíveis, compulsados os respectivos processos individuais e tendo em conta a aptidão e a reconhecida competência médica e de gestão para o cabal desempenho das funções de direcção, o Conselho de Administração decidiu — em consonância com os artigos 20 e 41 do Regulamento Interno do Hospital ... e após auscultação do Director da Unidade Autónoma de Gestão de Cirurgia - aprovar a proposta do Senhor Director Clínico de nomeação dos seguintes Directores de Serviço: (...) O Serviço de Otorrinolaringologia - Dra. «BB» (...).» (cfr. extracto da aludida Acta certificado a fls. 61-62 da providência cautelar apensa - doc. ... junto com a oposição ali deduzida pela entidade demandada). F) Dou aqui por integralmente reproduzido o teor dos docs. n°s ... a ...1 juntos com a oposição da entidade demandada deduzida na providência cautelar apensa, atinentes ao processo individual da contra-interessada Dra. «BB». G) A nomeada Dra. «BB» iniciou em 05.01.1987 no Hospital Réu as funções de médica interna do internato complementar de otorrinolaringologia, tendo concluído o internato em 26.01.91, com a classificação final de 19,4 (dezanove valores e quatro décimas), obtendo assim o grau de Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia, sendo que do exame final constou a discussão do «curriculum vitae», prova teórica e prova prática, e foi Presidente do Júri o ora Autor (cfr. docs. ... e ... juntos com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, de fis. 66 a 69 desses autos, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). H) Tal contra-interessada, nos dias 27, 28 e 29 de Junho de 1991, prestou provas públicas, documentais e teórico-práticas, de habilitação ao título de Especialista de Otorrinolaringologia, perante Júri nomeado pela Ordem dos Médicos, tendo sido aprovada por unanimidade e com distinção (cfr. doc. ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). I) Relativamente ao concurso interno geral para provimento de dois lugares de Assistente de Otorrinolaringologia, da carreira médica hospitalar, aberto pelo Centro Hospitalar ... por aviso publicado no DR, 2ª Série, nº 221, de 24.09.92, a ora contra-interessada ficou graduada no 2º lugar, com a classificação final de 19,2 valores, tendo o A. presidido ao Júri do concurso (cfr. doc. ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). J) A ora contra-interessada é especialista do Quadro de Otorrinolaringologia, no Hospital Réu, desde 22 de Abril de 1993, onde é Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia e é responsável pela área de Rinologia (cfr. docs. nºs ... e ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). K) A 13 de Janeiro de 1998 a contra-interessada obteve o grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar, na área profissional de Otorrinolaringologia (cfr. doc. n° ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). L) A ora contra-interessada foi convidada, mediante proposta do Regente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina ... e aqui Autor, Prof. Dr. «AA», datada de 09.01.1997, para ministrar essa mesma disciplina na Faculdade de Medicina ..., atentas, segundo aquele Prof., «...as características do mim da Disciplina de Otorrinolaringologia, eminentemente prática, e o perfil pedagógico da candidata...» (cfr. doc. n.º ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). M) A ora contra-interessada é Assistente Voluntária da Faculdade de Medicina ..., onde ministra de forma gratuita (cfr. doc. n° ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa). N) A ora contra-interessada exerceu as funções de Adjunta da Direcção Clínica de 06.03.2003 até 25.08.2004, e de Directora do Internato Médico de 25.03.2004 até 25.08.2004 (cfr. docs. ..., ...0 e ...1 juntos com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido). O) Em 17.05.95, o então Director do Serviço de O.R.L. do HSJ, ora Autor, prestou uma informação de serviço de igual teor ao doc. n° ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, que aqui dou por integralmente reproduzido, em que, após «salientar que a Dra. «BB» é a responsável pela área da Rinologia», escreve o seguinte acerca do desempenho e qualidades desta enquanto Especialista do Quadro de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar ...: «A requerente tem desempenhado as suas funções de especialista do quadro de otorrinolaringologia desde 22 de Abril de 1993 com extraordinário interesse e assiduidade, tendo provado possuir com a sua actuação não só uma invulgar capacidade de trabalho e de dedicação profissional, como também excelentes qualidades humanas que lhe conferem enorme prestígio entre os doentes, colegas, restante pessoa (...). Além de ser uma Especialista distinta, possui sobretudo um enorme senso clínico, que a habilita a resolver problemas complicados com lógica e coerência (...), e pelo seu elevado profissionalismo, competência, dedicação, (...)». P) E em 27.03.96, o Autor, também enquanto Director do Serviço de O.R.L. do HSJ, subscreveu a seguinte informação de serviço: «A Dra. «BB» tem desempenhado as junções de Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia a com zelo, assiduidade e elevada competência profissional. É responsável pelo sector de rinologia desde há 3 anos, que tem desenvolvido com grande eficiência e dedicação (...). Tem ainda colaborado no Ensino pré-graduado com a administração de aulas práticas aos alunos da Vacuidade de Medicina, bem como tem orientado o ensino da Especialidade aos Médicos Internos. É uma especialista com invulgar senso clínico, grande sentido de responsabilidade e excelente relacionamento humano com os restantes profissionais de Saúde» - cfr. doc. ... junto com a oposição da entidade demandada à providência cautelar apensa, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.” –(cf. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo);
D) Resulta da fundamentação de direito do referido acórdão o seguinte: “(...) III. O DIREITO. Com a presente acção o A. impugna a deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar ..., E.P.E., de 4.04.2006, supra referida na alínea D) da matéria de facto provada (MFP), que nomeou como Directora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia do referido Hospital a Dra. «BB», assistente hospitalar graduada nesse Hospital, peticionando a anulação dessa deliberação e ainda que seja o A. nomeado como Director desse Serviço. Fundamenta o pedido de anulação da deliberação recorrida, em síntese, na falta de fundamentação da mesma, e bem assim na falta de experiência e de qualidades de chefia e de organização da nomeada, alegando que é o Autor o candidato com maior aptidão científica, técnica e de experiência feita pata a direcção do Serviço, pelo que entende que deve ser ele o nomeado para esse cargo. À data da deliberação recorrida, os requisitos da nomeação dos directores de serviço da carreira médica hospitalar eram os estabelecidos no art. 41º, nºs 2 e 3 do DL nº 73/90, de 6.03 (diploma que estabelecei o regime legal das carreiras médicas dos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde), na redacção do DL n° 396/93, de 24.11, que estabelecia o seguinte: «(...) 2 – O director de serviço é nomeado pelo conselho de administração, sob proposta do director clínico, ouvido o director de departamento, quando exista. 3 – O director de serviço é nomeado de entre chefes de serviço ou, na sua falta ou mediante proposta fundamentada, de entre assistentes graduados que, em qualquer dos casos, manifestem notórias capacidades- de organização e qualidade de chefia; na falta de assistentes graduados e nas mesmas condições, poderá ser nomeado de entre assistentes. (...)». Ora, resulta claramente dos citados nºs 2 e 3 do art. 41º do DL nº 73/90 de 6/3, na redacção do DL nº 396/93, de 24/11, que o legislador estabeleceu uma escala de preferência valorativa, entre os médicos que podem ser nomeados para o cargo de director de serviço, já que dispõe que o director de serviço é nomeado de entre os chefes de serviço ou, na sua falta, mediante proposta fundamentada, de entre assistentes graduados, ou finalmente, na falta destes, de entre assistentes, devendo, em qualquer dos casos, manifestar notórias capacidades de organização e qualidade de chefia. Assim, a proposta fundamentada a que alude o nº 3 do art. 41º, é equiparada à falta de chefe de serviço, o que revela a exigência de uma fundamentação específica da preterição do chefe de serviço, caso o haja (um ou mais) em condições de ser nomeado, e se se pretender nomear um assistente graduado (neste sentido, vide, por todos, Ac. do TCAS de 30-04-2009, in Proc. 02825/07, e jurisprudência para que nele se remete). Ora, na deliberação impugnada nos presentes autos apenas se refere que é nomeada Directora do Serviço de Otorrinolaringologia a ora contra-interessada Dra. «BB», a par da nomeação dos vários outros Directores dos Serviços que integram a UAG de Cirurgia, fundamentando-se a nomeação de todos eles na «aptidão e reconhecida competência médica e de gestão para o cabal desempenho das funções de direcção», o que, para além de se traduzir num juízo puramente conclusivo, que nada diz acerca das qualidades individuais dos nomeados em causa para o desempenho das referidas funções de direcção, e no que ao caso interessa, especificamente acerca das qualidades individuais da ora recorrida particular, nada esclarece igualmente sobre as razões por que havendo, pelo menos, um chefe de serviço em condições de ser nomeado - o ora Recorrente, Chefe de Serviço Hospitalar da Especialidade de Otorrinolaringologia -, se optou pela mencionada assistente graduada. Ora, como resulta do que já se disse, a exigência de fundamentação resultante da regra especial do nº 3 do art. 41º, obriga a que a decisão de nomeação de um assistente graduado, havendo um chefe de serviço, que assim é afastado, seja fundamentada com os motivos da não escolha (e consequente preterição) do chefe de serviço, para além dos motivos da escolha do assistente graduado (neste sentido, vide o já referido Ac. do TCA Sul de 30-04-2009, Proc. 02825/07). Assim sendo, não constando da deliberação impugnada nestes autos, nem sequer da proposta de nomeação do Director Clínico sobre que a mesma recaiu, os motivos da não escolha, e consequente preterição, do ora Autor, enquanto Chefe de Serviço, e de outros Chefes eventualmente em funções no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital R., tem de se considerar que aquela deliberação não está devidamente fundamentada, incorrendo assim igualmente na violação do n.º 3 do art. 41º do DL nº 73/90, de 6.03, na redacção do DL nº 396/93, de 24.11, pelo que deve ser anulada. No entanto, daí não resulta que se imponha a nomeação do ora A. como Director do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital R. nos termos pretendidos pelo mesmo, já que, para além de se desconhecerem os fundamentos que estiverem na base da sua preterição nessa nomeação, e a nomeação da ora contra-interessada para esse mesmo cargo, trata-se de matéria incluída na discricionariedade técnica da Administração, a qual só pode ser sindicada pelo Tribunal nos casos de preterição de formalidades essenciais ou havendo erro grosseiro ou notório na apreciação que for feita pela Administração quer dos motivos da não nomeação de Chefes de Serviço, caso existam, quer das concretas razões aduzidas pata Sustentar as «notórias capacidades de organização e qualidade de chefia» revelada pelos assistentes graduados ou assistentes que se intentem nomear, erro esse que não pode ser apreciado quanto à deliberação ora impugnada, uma vez que esta carece de fundamentação nos termos supra referidos. (...)” (cf. documento a fls. 45 a 59 do suporte físico do processo);
E) Do mesmo acórdão foi interposto recurso jurisdicional pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E. e por «BB», tendo sido negado provimento ao mesmo e mantido o acórdão recorrido, por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 13/01/2011, extraindo-se do mesmo, em suma, a seguinte fundamentação: “(...) QUESTÕES A DECIDIR: Os recorrentes insistem neste recurso jurisdicional que tendo o Centro Hospitalar ..., passado a entidade pública empresarial, é-lhe aplicável o regime do DL nº 558/99 de 17/12, que determina que este sector empresarial do Estado passou a «actuar de harmonia com as regras normais do direito societário», consagrando o direito privado como o direito aplicável por excelência. E reiteram que face ao disposto no DL nº 233/2005 de 29/12, as relações de trabalho passam a reger-se pelo Código do Trabalho, pelo que, tendo a nomeação da recorrente «BB» como Directora de Serviço sido feita ao abrigo do disposto no artº 21º deste diploma legal, esta nomeação está sujeita às regras do Código do Trabalho, não se aplicando o regime jurídico das carreiras médicas, designadamente o artº 41º do DL n° 73/90 como fez a decisão recorrida. Porém, relativamente a estes argumentos já foi emitida pronúncia por parte deste TCAN, em acórdão proferido em 27/11/2008 em que se analisaram e decidiram as questões prévias suscitadas nestes mesmos autos, designadamente a competência dos Tribunais Administrativos, tendo-se decidido que o acto impugnado foi praticado no âmbito de uma relação de direito público e não no âmbito de uma relação laboral de direito privado, esclarecendo-se que «tendo a recorrida mantido o seu estatuto jurídico de relação jurídica de emprego público quando da transição, como resulta do art. 15º do referido DL 233/2005, sendo que era especialista no Hospital Réu desde 22/04/93 e já que não resulta que tenha optado pelo contrato de trabalho, a deliberação que a nomeia como directora de serviço mantém as mesmas características de direito público». «Ora, não obstante a natureza pública empresarial do ora Réu Centro Hospitalar ..., em que foi transformado pelo DL nº 233/2005 de 29/12 e o regime jurídico que lhe é basicamente aplicável - regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais, estabelecido no DL nº 558/99, de 17.12, que atendendo ao serviço público prestado por tal unidade de saúde, permita uma maior intervenção ao nível das orientações estratégicas de tutela e superintendência, a exercer pelos Ministros das Finanças e da Saúde (cfr. preâmbulo do DL nº 233/2005, e respectivo art. 5º) - tal não obsta à prática pelos respectivos órgãos de administração de actos com a natureza de actos administrativos, já que o Hospital R, enquanto instituição prestadora de cuidados de saúde dependente do Ministério da Saúde, integra-se no Serviço Nacional de Saúde(...), sendo inequívoca a sua natureza pública, natureza esta que de resto é afirmada no preâmbulo do referido DL nº 233/2005, do qual resulta também ter sido preocupação do legislador a salvaguarda desse princípio, compatibilizando-o com a adopção dos instrumentos de gestão considerados mais adequados à natureza específica das suas actividades. Acresce que, de acordo com o disposto no art. 15.º, nº 1 do citado DL nº 233/2005, foi garantida a manutenção integral do estatuto jurídico do pessoal com relação jurídica de emprego público que, à data da entrada em vigor do citado DL 31.12.2005 - cfr. respectivo art. 23º - estivesse provido em lugares dos quadros das unidades de saúde abrangidas peio art. 1º do mesmo DL, como é o caso do A., pelo que a relação jurídica de emprego que liga o A. ao R. é uma relação jurídica de emprego público, regida por normas de direito público, sendo tal relação um dos elementos da causa de pedir da presente acção. Assim, como se disse, o facto de a gestão do Hospital ora R obedecer a critérios empresariais, não obsta à sua natureza pública, nem obsta à prática pelos respectivos órgãos de administração de actos com a natureza de actos administrativos, configurando-se como tal todos aqueles que se enquadrem na noção legal supra referida consagrada no art. 120º do CPA, a que se reconduz o acto objecto da impugnação deduzida nos presentes autos, constituído pela deliberação do Conselho de Administração do Hospital R., de 4,04.2006, que nomeou como Director de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia de tal Hospital a assistente hospitalar graduada Dra. «BB», já que tal deliberação configura uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, sendo tal acto impugnável contenciosamente já que de acordo com o posicionamento assumido pelo ora Autor, tal acto é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos». Deste modo, a argumentação aduzida pelos recorrentes soçobra nos seus fundamentos, pois que, ao caso, por referência à deliberação impugnada, não se aplica o Código do Trabalho, em especial o art. 21º do DL nº 233/2005, nem tal facto colide de alguma forma com os princípios de gestão e organização que se pretenderam salvaguardar, designadamente, as normas da concorrência e da iniciativa económica pública. E o facto de, efectivamente, competir ao Conselho de Administração designar o pessoal para cargos de direcção e chefia [art. 7º, al. f) do anexo II do DL nº 233/2005], tal não significa que esta nomeação se possa fazer sem obediência a determinadas regras, não sendo legalmente assertiva a afirmação de que a designação da recorrente como Directora de Serviço tenha sido efectuada nos termos previstos no Cód. do Trabalho (normas de direito privado). Posto isto e, porque já existe decisão transitada quanto a este segmento de argumentação do recurso, com qual concordamos [que aliás subscrevemos] vejamos do acerto da decisão recorrida. (...) Não podemos deixar de corroborar o assim decidido. Com efeito, a questão não está no facto do Conselho de Administração não poder nomear como director de serviço um assistente ou assistente graduado, mas sim no facto de, existindo chefes de serviço, a lei impor uma fundamentação que permita deixar claro porque se escolheu um e não outro, o que se percebe, dentro da «escala hierárquica normalmente preferencial». E esta interpretação também não põe em causa o poder conferido ao Conselho de Administração de nomear para os lugares de direcção, as pessoas que entenda mais capazes e que melhor preencham as condições para cumprir o projecto que essa administração se encontra a implementar. Apenas exige que esta tomada de decisão seja fundamentada. Aliás, a fundamentação deduzida posteriormente na contestação apresentada pelo HSJ seria mais do que suficiente para se perceber o critério que presidiu à nomeação da Dra. «BB», só que esta fundamentação não consta ab initio da deliberação impugnada, quando era aqui que devia constar; é claro que se percebe que o Conselho de Administração teve em consideração o processo individual da nomeada, que teve em conta a sua aptidão e competência para o desempenho destas funções, daí que tenha aprovado a proposta que lhe foi apresentada pelo Director Clinico, mas na verdade, não explicita em concreto, quais os elementos que julgou preponderantes, quando era apenas isso que se lhe impunha. Com efeito, o que a lei exige é que da própria deliberação constem os motivos/razões que foram determinantes na escolha da nomeada, pois que havia um chefe de serviço que primacialmente podia ocupar o lugar, não sendo suficiente os termos conclusivos que constam da deliberação impugnada, que aliás servem de base a diversas nomeações para diferentes serviços, sem que haja uma palavra ou uma consideração especial para a nomeada. Por último e tal como afirmado na decisão recorrida, importa deixar claro, que esta decisão agora proferida não significa que o lugar devesse ser ocupado pelo A./ora recorrido [de referir que a auto-estima, reputação e elogios que o mesmo para si clama, quer profissional, quer pessoalmente, raia por vezes a falta de lisura e humildade em conjugação com as considerações menos lisonjeiras que atribui à recorrente, quando noutras circunstâncias, tantas qualidades profissionais e pessoais lhe encontrou], mas apenas que, impondo a lei que se justifique e fundamente [em relação aos assistentes e assistentes graduados] as capacidades de organização e qualidade de chefia, esta fundamentação tivesse de constar da deliberação impugnada. Face ao exposto, nada há a apontar ao decidido na 1º instância. E deste modo, também não se mostram violadas as Directivas 80/723/CEE de 29/07 e 93/84/CEE de 30/09, pois, não estão em causa quaisquer princípios de concorrência, boa gestão e transparência, nem os artºs 81º, 82º, 86º e 87º do Tratado UE, sendo descabida a alusão, neste caso concreto, à competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia e consequentemente o pedido de reenvio prejudicial. DECISÃO: Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida. (...)” (cf. documento a fls. 60 a 74 do suporte físico do processo);
F) O Centro Hospitalar ..., E.P.E. e «BB» interpuseram recurso de revista do aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, tendo sido proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo Acórdão, a 30/05/2013, que negou provimento ao recurso, extraindo-se do mesmo, em suma, o seguinte: “(...). Passemos ao direito. A acção administrativa especial dos autos - onde o autor pediu que se anulasse o acto de nomeação da interessada particular como Directora do Serviço de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar ... e que se impusesse a nomeação dele nesse cargo - fundou-se num único vício: a falta de fundamentação do acto impugnado, mormente à luz do que dispunha o art. 41º, n.º 3, do DL n.º 73/90, de 6/3. Nas contestações que apresentaram no TAF, os ora recorrentes sustentaram, para além do mais, que a deliberação impugnada não era um acto administrativo, já que fora emitida ao abrigo das normas de direito privado por que, nesse âmbito de actuação, o Hospital se regeria. Contudo, essa tese dos aqui recorrentes não obteve acolhimento no despacho saneador, que encarou tal deliberação como um acto administrativo vero e próprio. E essa pronúncia foi confirmada pelo TCA-Norte, cujo acórdão de 27/11/2008, transitado no mês seguinte, negou provimento aos agravos que os ora recorrentes deduziram do saneador. Em 21/12/2009, o TAF ... proferiu acórdão em que julgou a acção parcialmente procedente, anulando o acto impugnado por ele enfermar da arguida falta de fundamentação e emitindo uma pronúncia absolutória quando ao pedido de nomeação do autor. Inconformados com essa decisão, o Hospital e a interessada particular recorreram dela para o TCA-Norte. Lendo-se a minuta desse recurso, vê-se que ele se centrou no problema de saber se o Conselho de Administração do Hospital, ao emitir a deliberação impugnada, agira dentro ou fora do direito administrativo; pois os recorrentes defendiam aí que a nomeação se fizera ao abrigo das normas do Código do Trabalho, ou seja, no espaço de liberdade que elas amplamente permitem em actuações do género. E, para melhor persuadirem dessa natureza do acto, afirmaram mesmo que o acórdão do TAF violara o direito comunitário e requereram ao TCA um reenvio prejudicial para melhor esclarecimento do assunto. Impressivamente, esse recurso dirigido ao TCA nada disse, «expressis verbis», sobre a fundamentação do acto impugnado. O segmento do acórdão do TAF que tratara dessa questão - afinal, a decisiva - foi, no dito recurso, meramente atacado de viés: por um lado, mediante a afirmação de que o acto se regia pelo direito privado e, nessa medida, não necessitava de fundamentação; por outro lado, através da denúncia de que o art. 41º, n.º 3, do DL n.º 73/90, de 6/3 - que, segundo o TAF, representava o tipo legal do acto contenciosamente impugnado e continha os parâmetros da fundamentação exigível - não se aplicava ao caso e estava mesmo revogado. Mas o primeiro desses ataques estava votado a um fatal insucesso, pela razão singela de que o aludido acórdão do TCA, de 27/11/2008, já decidira que o acto impugnado é um acto administrativo. Ora, o trânsito desse aresto estabeleceu um caso julgado formal impeditivo de que a questão voltasse a ser reapreciada no processo (art. 672° do CPC). E aquele segundo ataque não tinha melhor sorte. Ele poderia ser frutífero se traduzisse a ideia de que o acto impugnado, por não se subordinar às especiais exigências do art. 41º, n.º 3, do DL n.º 73/90, continha a fundamentação devida à luz das regras gerais do CPA. Se assim fosse, teríamos de divisar nesse recurso uma crítica efectiva ao que o TAF decidira quanto ao vício anulatório. Contudo, se olharmos a conclusão 7.ª desse recurso em correspondência com o «corpus» da respectiva minuta, logo vemos que não foi essa a perspectiva dos recorrentes. Ao dizerem que o mencionado art. 41º, n.º 3, não se aplicava ao caso, afirmaram-no porque, na sua óptica, seria de aplicar «o Código do Trabalho». O que, portanto, revela que este segundo ataque, que só provisoriamente autonomizámos «supra», se reconduz por inteiro ao anterior: a não aplicação do preceito foi invocada, não para salvar da anulação o acto administrativo, por intermédio doutras regras legais, mas para negar a sua existência enquanto tal, por o acto se reconduzir a uma declaração de direito privado. Mas, como acima vimos, essa querela já se encontrava decidida nos autos, com trânsito em julgado. Resta assinalar a absoluta inutilidade de outra afirmação dirigida ao TCA: a de que o DL n.º 73/90 já estava revogado. É verdade que o art. 41º desse diploma foi revogado pelo DL n.º 177/2009, de 4/8; mas, sendo o acto de 2006, tal revogação posterior não permite dissociar o acto da norma e, assim, permanece a agregação de ambos, explicada pelo princípio «tempus regit actum». Tudo o que dissemos conflui para duas certezas: «primo», a de que o recurso dirigido ao TCA se centrou numa matéria que já estava solucionada no processo, com a força de caso julgado formal; «secundo», a de que o fundamental juízo do TAF, quanto à existência de um vício de forma no acto impugnado, não foi acometido em tal recurso. E porque o não foi, essa pronúncia do TAF sobre o vício também transitara, tomando- se, desde então, seguro que o acto impugnado realmente padece da falta de fundamentação em que o TAF estribou a sua pronúncia anulatória. Esta era a linha de raciocínio que o aresto ora «sub specie» deveria ter seguido. Porém, o TCA só a observou em parte. Na verdade, e a propósito do acto radicar, ou não, no direito administrativo, o TCA clarificou que essa matéria já se encontrava resolvida no acórdão de 27/11/2008; mas, depois, excedeu-se ao concordar com a «decisão transitada», já que a força vinculativa do trânsito não depende de concordâncias e, obviamente, dispensa-as. Por outro lado, o acórdão recorrido disse «corroborar» o que o TAF decidira sobre o vício de forma, não reparando que tal questão não se incluía, em bom rigor, no «thema decidendum» - posto que a decisão dela até já estava transitada. Estamos agora em condições de enfrentar a revista. Os recorrentes imputam ao acórdão recorrido três nulidades, que são de apreciação prioritária - por omissão de pronúncia, por falta de fundamentação e por contradição entre os fundamentos e a decisão. Mas nenhuma delas existe, como veremos de seguida. Dizem eles que o acórdão é nulo porque não conheceu da alegada ofensa do direito comunitário. Mas vimos que esse assunto se ligava a uma matéria já resolvida com trânsito. Daí que o conhecimento dele estivesse prejudicado, afastando o dever de cognição (art. 660º, n.º 2, do CPC). Improcede, assim, a conclusão 3." da minuta dos recorrentes. Eles também afirmam que a recusa do reenvio prejudicial não está fundamentada - o que determinaria a nulidade do acórdão. No entanto, o aresto fundou essa recusa no facto de não se mostrarem violadas certas Directivas, nem estarem «em causa quaisquer princípios de concorrência, boa gestão e transparência», nem determinados artigos «do Tratado UE». Assim, este segmento decisório está fundamentado, ficando-se perplexo com a afirmação contrária dos recorrentes. Mas, mesmo que o não estivesse, o aresto não seria nulo por causa disso, em virtude duma tal invalidade pressupor uma falta de fundamentação total. Ao que acresce ainda a evidência de que a presente denúncia dos recorrentes se reporta a um assunto já decidido nos autos com a força de caso julgado formal, circunstância que sempre explicaria um qualquer silêncio do TCA sobre o tema. Soçobra, pois, a conclusão 4.º da revista. Os recorrentes disseram ainda que o acórdão, ao pronunciar-se sobre o vício de forma, decidiu em contradição com os fundamentos que aduziu. Ora, nós já vimos que o TCA devia ter-se abstido de enfrentar esse assunto, já estavelmente decidido nos autos. Essa estabilização torna irrelevante tudo o que o TCA disse em excesso, seja isso correcto ou incorrecto, válido ou inválido. Mas nem sequer existe a «contradição» referida na conclusão 16.º dos recorrentes: pois o que o aresto verdadeiramente afirmou foi que as razões em que a nomeação se fundara não bastavam em face das exigências especiais que, em sede de fundamentação, o tipo legal do acto reclamava. Assente que o acórdão «sub specie» não padece das nulidades que os recorrentes lhe imputam, atentemos na restante matéria da revista. As duas primeiras conclusões são aqui irrelevantes, porque dirigidas à formação que recebeu o recurso. E as conclusões 5.ª a 15.ª soçobram, já que continuam a insistir na ideia de que a deliberação impugnada não é um acto administrativo, quando tal assunto já foi definitivamente resolvido no processo, como «supra» dissemos e provámos. Donde se conclui que o presente recurso não merece provimento. (...)” (cf. documento a fls. 76 a 86 do suporte físico do processo);
G) O ora Exequente exerceu funções no Centro Hospitalar ..., E.P.E. até 09/05/2012, dia em que passou à situação de aposentação por limite de idade (cf. documentos a fls. 598, 834 e 835 do suporte físico do processo);
H) A comissão de serviço que resultava da deliberação anulada tinha a duração de três anos, terminando, assim, em 04/04/2009 (facto não controvertido);
I) A 24/01/2020, foi proferida sentença por este Tribunal a julgar verificada causa legítima de inexecução (cf. fls. 899 e seguintes do SITAF);
J) Da decisão identificada supra foi deduzido recurso, tento o Tribunal Central Administrativo do Norte proferido Acórdão a 18/12/2020, o qual revogou a sentença recorrida, julgou verificada a causa legítima de inexecução e ordenou a baixa dos autos à 1ª instância para que fosse promovida a notificação das partes para “acordarem no montante de indemnização devida pelo facto da inexecução do julgado", e ainda, perante a eventual falta de acordo das partes quanto ao valor indemnizatório a fixar, deverá o tribunal de 1ª instância promover a fixação de um valor, em função da verificada impossibilidade de execução do julgado anulatório, a título de “Perda de Chance" (cf. fls. 1041 e seguintes do SITAF);
K) A 16/03/2021, foi por este Tribunal proferido despacho a ordenar a notificação das partes para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante de indemnização devida pelo facto da inexecução do julgado (cf. fls. 1074 do SITAF);
L) A 25/04/2021 e 27/04/2021, vieram o Exequente e a Entidade Executada, respectivamente, informar os autos que não lograram chegar a acordo quanto ao montante indemnizatório a arbitrar (cf. fls. 1080 e 1083 do SITAF).
Em termos de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Com pertinência para o conhecimento da lide, não se deram quaisquer factos como não provados.
E, em sede de motivação da factualidade assente, exarou:
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes, como foi sendo especificamente indicado ao longo do probatório coligido.
De Direito -

Está posta em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador:

Sendo estes os factos que resultaram provados, importa agora apreciar e decidir de direito.

Nos presentes autos de execução, veio o ora Exequente peticionar em juízo a condenação da Entidade Executada a dar integral execução ao julgado anulatório, requerendo que fosse aquela ordenada a praticar todos os actos administrativos e operações materiais necessárias, ainda que dotadas de eficácia retroactiva, destinadas à colocação do Exequente nas funções de Director de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia, por referência ao triénio 2006-2009, acompanhados do correspectivo pagamento das quantias devidas pelo exercício das referidas funções, ou atribuição de indemnização equivalente.
Por Acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte a 18/12/2020, foi reconhecida a existência e causa legítima de inexecução do julgado anulatório e ordenada a notificação das partes para acordarem o montante da indemnização devida.
Não tendo havido acordo, compete ao tribunal fixar o montante da indemnização devida, nos termos do artigo 166º, nº 2 do CPTA, ex vi artigo 178º, nº 2 do mesmo Código, e conforme doutamente ordenado pelo supra referido aresto do TCAN.
O mecanismo indemnizatório previsto no artigo 166º do CPTA visa compensar o Exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado e, com ele, o dever de executar o acórdão anulatório por parte da Administração (cf. artigo 173º do CPTA) e o correspondente direito do exequente a essa execução.
Sendo já impossível a execução do acórdão anulatório, torna-se também impossível a reapreciação da pretensão do exequente, daí a compensação prevista na lei para ressarci-los dos danos decorrentes dessa impossibilidade, ou seja, dos danos decorrentes da perda do direito à execução do acórdão anulatório, que alguns também denominam expropriação da execução.
Essa perda constitui, em si, um dano para a esfera jurídica do exequente, pois consubstancia a perda de uma situação jurídica que lhe poderia proporcionar proventos patrimoniais.
Se o acto foi anulado apenas com fundamento em vício de forma ou procedimental, sem o tribunal ter chegado a apreciar a pretensão substantiva do Exequente, então a impossibilidade de execução desse julgado (que a ser possível, passaria tão só pelo retomar do procedimento com vista à prolação de um novo acto, expurgado da ilegalidade anteriormente cometida), não lhe confere qualquer indemnização por um direito substantivo que não lhe foi ainda reconhecido (esse novo acto poderia ser no mesmo sentido do primeiro ou noutro sentido e, portanto, pode ser favorável ou desfavorável ao exequente), havendo, por isso, que compensá-lo tão só pela perda de uma situação jurídica, a referida perda da possibilidade de ver reapreciada essa sua pretensão e, eventualmente, por outros danos decorrentes da impossibilidade da execução, que o mesmo alegue e prove ter sofrido.
Trata-se de uma indemnização de natureza objectiva, e, portanto, independente de culpa. Inexistindo elementos que permitam determiná-la com exactidão, o tribunal deve fixá-la segundo juízos de equidade (nos termos previstos no artigo 566º, nº 3, do Código Civil).
A impossibilidade de dar cumprimento à sentença anulatória – legitimadora da declaração da existência de uma causa legítima de inexecução – implica genericamente a perda da possibilidade da reconstituição natural, o que, tem-se vindo a entender, “constitui, por si só, um dano real que importará indemnizar”. Ou, visto de uma outra perspectiva, a oportunidade real de vir a obter um ganho “é um bem cuja perda é indemnizável" - cf. acórdãos do STA de 02/06/2010, Proc. nº 01541A/03, e de 20/11/2012, Proc. nº 0949/12, respectivamente.
Concretizando, o dano que resulta da impossibilidade de execução da sentença anulatória consubstancia-se, basicamente, na perda da oportunidade de, com tal execução, o autor se colocar numa situação jurídica favorável, que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais. Deste modo, e “a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho", não se está em face de “mera expectativa mas de um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração" (cf. acórdão do STA de 20/11/2012, Proc. nº 0949/12).
Em certa medida, esse dano consubstancia-se também na impossibilidade de “ver imediatamente reparados todos os prejuízos eventualmente sofridos em resultado da prática do acto anulado", e na necessidade, decorrência da anterior, de “recorrer ao meio processual aludido no art.º 45.º/5 do CPTA para obter a reparação desses prejuízos" (vide acórdão do STA de 02/06/2010, Proc. nº 01541A/03, e o acórdão de 02/12/2010, Proc. nº 047579).
Em face do exposto, emerge com total clareza que nesta definição de dano não cabem os prejuízos alegadamente resultantes do acto da Administração anulado por vício de forma. O correspondente pedido de indemnização “só poderá ser satisfeito na acção a que alude o art. 45.º/5 do CPTA visto só nela se poder indagar se aquela alegação tem fundamento e analisar se o apontado prejuízo tem relação directa e causal com o acto anulado" (cf. acórdão do STA de 02/06/2010, Proc. nº 01541A/03).
Em síntese, a frustração causada pela expropriação do direito à execução é o único dano que cabe ressarcir por meio da indemnização por inexecução de sentença anulatória.
A declaração de existência de uma causa legítima de inexecução faz, portanto, nascer um dever de indemnizar, dever esse de natureza objectiva.
No caso dos autos, como decorre das alíneas A) a D) do probatório, o acto impugnado foi anulado por vício procedimental, por violação do dever de fundamentação. Nos termos definidos neste Acórdão, a execução do julgado determinaria a repetição do procedimento tendente à nomeação do Director de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia, para o triénio de 2006-2009.
Ou seja, se a execução do julgado fosse possível, a Entidade Executada, Centro Hospitalar ..., E.P.E., teria de ordenar o retomar do procedimento administrativo, sem repetição do vício cometido, com vista a ser proferida nova decisão final de nomeação de Director de Serviço. O direito do Exequente à execução do julgado anulatório ficaria, pois, esgotado com a prolação deste novo acto, não tendo o Exequente – como peticiona – um direito (subjectivo) a ser provido no lugar de Director de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia – nem demonstrou nestes autos que, caso o vício não tivesse sido cometido no anterior concurso, seria ele o candidato a prover.
A indemnização a ser suportada pela Entidade Executada tem, neste caso, por isso, o objectivo de o compensar pela perda do direito à execução do acórdão anulatório (dano negativo), isto é, pela frustração do direito a ver reapreciada a sua candidatura, num procedimento isento e transparente, e mediante a prática de um acto suficientemente fundamentado e motivado.
A jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo destaca, nestes casos, que: “(...) a perda da situação vantajosa da ora exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza sobre a futura obtenção de ganho, a requerente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, dispunha de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesma, um valor autónomo e actual, distinto de uma utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda de oportunidade de conseguir o ganho não é uma mera expectativa, mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da administração e, quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objectivo de indemnizar (art. 176/7 e 166/1 CPTA), «fundado – como bem nota um Autor (Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Liv. Almedina 2002, 281.) – na percepção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjectiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado»“ (cf. Acórdão de 26/09/2012, proferido no Processo 0429A/03, disponível em www.dgsi.pt).
A indemnização devida pela inexecução do julgado anulatório tem, assim, uma natureza objectiva, independente de culpa, não visando compensar directamente os danos causados pela prática do acto ilegal, sejam eles de natureza patrimonial (despesas judiciais ou causídicas suportadas) ou não patrimonial (dignidade, bom nome, respeito), que devem ser deduzidos num pedido autónomo formulado nos termos do nº 3 do artigo 45º do CPTA. É uma reparação pela perda de “chance” que se pretende que seja alcançada de forma rápida e expedita.
Nos autos, o Exequente identifica os danos que pretende ver ressarcidos pela inexecução do julgado anulatório, peticionando a condenação da Entidade Executada no pagamento de € 32.484,35, a título de remunerações que deixou de auferir com a prática do acto anulado; de € 7.820,14, a título de juros de mora vencidos, acrescidos daqueles que se vencerem até integral pagamento; e ainda de € 50.000,00, a título de danos morais. Como resulta da jurisprudência citada, para determinação do valor da reparação devem ser ponderadas, como referenciais de cálculo, por um lado, a vantagem económica final que a oportunidade poderia proporcionar ao Exequente e, por outro lado, a probabilidade que o mesmo teria de a alcançar.
Não tendo o Exequente alegado, nem demonstrado que, no procedimento em causa nestes autos, seria o nomeado para o cargo em questão, tampouco se logra apurar qual a probabilidade que assistiria àquele de ser nomeado Director de Serviço, atenta a margem de livre apreciação que assistir, em tal matéria, à Administração (conforme, aliás, doutamente referido pelo Acórdão do Venerando TCAN, em sede de fundamentação de direito). Não obstante, sempre se sublinhe que, conforme afirmado expressamente no aresto exequendo, seriam reduzidas as possibilidades do Exequente se ver provido no lugar pretendido. Note-se que afirma o Venerando Tribunal Superior que, caso a fundamentação lavrada na contestação apresentada pela Entidade Executada na acção principal fosse a utilizada no acto impugnado, dúvidas não haveria quanto à justeza da nomeação da Contra-interessada.
Em conformidade, não havendo nos autos elementos que permitam ao Tribunal fixar o quantum indemnizatório com exactidão, deverá a indemnização ser arbitrada segundo juízos de equidade, nos termos previstos no nº 3 do artigo 566.º do Código Civil.
Assim sendo, o Tribunal considera equitativo atribuir ao Exequente, a título da indemnização devida pelo acto de inexecução do acórdão anulatório proferido no processo principal apenso, a quantia de € 10.000,00.
Já quanto ao montante peticionado a título de danos morais, atente-se ao que vem sendo afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores portugueses.
Por doutos, afirmou o Colendo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 28/01/2009, no Proc. 0884/08 (disponível em www.dgsi.pt), “Na determinação da obrigação de indemnização por danos não patrimoniais o tribunal julgará equitativamente, sendo que o montante da indemnização terá em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (cf. v.g. art.° 496°, 494º e 566° do Cód. Civil)”.
No caso dos autos, a possibilidade de não se ver provido num lugar de nomeação para uma Direcção de Serviço, procedimento no qual se provou que ocorreram irregularidades, acarreta necessariamente alguma ansiedade, desgosto e mesmo alguma revolta. No entanto, estamos perante uma nomeação, que pela sua natureza, tem sempre um desfecho relativamente imprevisível, concretamente, atenta a margem de discricionariedade que assistia à Administração para a prática do acto.
Dada a pouca gravidade destes danos, o Tribunal julga adequado arbitrar um montante de € 5.000,00.

*
Dos juros:
Os juros de mora destinam-se a cobrir, em abstracto, todos os prejuízos resultantes da mora, aí incluídos os provenientes da desvalorização da moeda, papel que também é desempenhado pelo mecanismo previsto no artigo 566º, nº 2 do Código Civil, até ao montante aí considerado. Daí que, sendo a indemnização fixada, e actualizada, nestes termos, por interpretação restritiva do artigo 805º, nº 3, só possam vencer juros desde a decisão actualizadora (cf. acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002, disponível em www.dgsi.pt).
Pelo que deve haver condenação em juros de mora desde a citação, no caso dos danos patrimoniais, e desde a sentença, no caso dos danos não patrimoniais, em atenção à sua actualização, se esta for considerada. No caso sub judice, de acordo com a fonte da obrigação de juros, está-se perante um tipo específico de juros: os juros legais – aqueles cuja obrigação de pagamento emerge directamente da lei e que se vencem independentemente da existência de qualquer acordo de vontades. Sendo aplicável o regime decorrente do artigo 806º, nº 2 do Código Civil, são devidos os juros legais.
Estes juros de mora serão contados à taxa anual de 4% (cf. artigos 559º, nº 1 do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril).
Assim, ao montante de € 15.000,00 deve acrescer o montante correspondente aos juros de mora à taxa legal de 4% calculados sobre o montante a indemnizar e a contar desde a data da citação até que se verifique o respectivo pagamento, no caso dos danos patrimoniais e cuja contagem, nos danos não patrimoniais, se processa a partir do trânsito em julgado da sentença e até efectivo e integral pagamento, uma vez que se procedeu ao cálculo actualizado do dano.
X

É objecto de recurso esta sentença que condenou o Centro Hospitalar ..., Réu/Executado no pagamento ao Exequente do valor de € 15.000,00, a título de indemnização, bem como no pagamento dos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Conforme doutrina e jurisprudência firmada o objecto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal superior conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim vejamos,
Nos autos está em causa um dano correspondente à perda de oportunidade de concretização do “negócio para que tendia um determinado processo negocial”, entendido como lesão de um bem autonomamente tutelável e distinto do interesse na execução do contrato.
A indemnização por perda de chance só poderá ser admitida, desde que verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano, exigindo-se também que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético.” - Acórdão deste TCAN de 28.01.2022, proc. nº 01965/16.6BEPRT-A.
Sucede que a questão da existência de causa legítima de inexecução não pode voltar a ser discutida por ter sido julgada por decisão transitada em julgado.
O que importa agora enfrentar é o acerto da decisão recorrida que, partindo do pressuposto já estabilizado na ordem jurídica de existir causa legítima de inexecução, fixou a indemnização face à inexecução justificada.
O que se trata agora não é de ficcionar, de forma alguma, que o Exequente, ora recorrido teria ficado em 1º lugar no concurso pois o concurso foi anulado e não pode ser retomado, conforme ficou decidido por decisão transitada em julgado, não se podendo ter assim por assente que o Autor ficou ou devia ter ficado em 1º lugar.
Assim o Exequente, ora recorrido, deve ser indemnizado não pelo facto de não ter ficado em 1º lugar, no pressuposto de que ficaria colocado nesse lugar, mas antes deve a fixação da indemnização compensá-lo pela perda de chance de poder vir a ser graduado em 1º lugar nesse concurso, como se decidiu.
Vejamos, então do valor da indemnização fixado pelo Tribunal a quo:
Face ao disposto no artigo 166º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015) e a indemnização pretendida importa aqui determinar, tão-só, qual a compensação devida “pelo facto da inexecução” do julgado anulatório.
Trata-se aqui de determinar “uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” - Prof. Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, pág. 821.
E conforme entendimento que se firmou na jurisprudência sintetizada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.9.2009, recurso n.º 634/09 deste modo:
“I) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (II) não podendo ser efectuada com exactidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no nº 3 do artigo 566º do C. Civil.” Ou, como se extrai do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.02.2009, proc. 47472-A:
“ ...entendemos que a perda da situação vantajosa da exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho, a exequente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, estava investida de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesmo, um valor autónomo e actual, distinto da utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda da oportunidade de conseguir o ganho, não é uma mera expectativa mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração e quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objectivo de indemnizar”.
No caso concreto o Exequente, ora recorrido entende que a execução do referido Acórdão implica a sua colocação nas funções de Director do Serviço de Otorrinolaringologia, por referência ao triénio 2006-2009, acompanhada do correspectivo pagamento das quantias devidas pelo exercício das referidas funções, ou a atribuição de indemnização equivalente, acrescida dos juros de mora calculados às taxas legais sucessivamente em vigor até integral e efectivo pagamento. Mais alega que a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado passa pela declaração pela Entidade Executada das remunerações corrigidas para a Caixa Geral de Aposentações.
Alega ainda que a prática do acto administrativo, do qual resultou a nomeação de «BB» para as funções de Directora de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia e o seu concomitante afastamento das funções de Director de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia, que vinha ocupando ininterruptamente desde 3 de janeiro de 1983, lhe causou inúmeros danos morais, que carecem de ser indemnizados.
Ora, se o acto foi anulado apenas com fundamento em vício de forma ou procedimental, sem o tribunal ter chegado a apreciar a pretensão substantiva do Exequente, então a impossibilidade de execução desse julgado (que a ser possível, passaria tão só pelo retomar do procedimento com vista à prolação de um novo acto, expurgado da ilegalidade anteriormente cometida), não lhe confere qualquer indemnização por um direito substantivo que não lhe foi ainda reconhecido (esse novo acto poderia ser no mesmo sentido do primeiro ou noutro sentido e, portanto, podia ser favorável ou desfavorável ao exequente), havendo, por isso, que compensá-lo tão só pela perda de uma situação jurídica, a referida perda da possibilidade de ver reapreciada essa sua pretensão e, eventualmente, por outros danos decorrentes da impossibilidade da execução, que o mesmo alegue e prove ter sofrido.
É que, e como se extrai da sentença recorrida, no caso dos autos, como decorre das alíneas A) a D) do probatório, o acto impugnado foi anulado por vício procedimental, por violação do dever de fundamentação.
Nos termos definidos neste Acórdão, a execução do julgado determinaria a repetição do procedimento tendente à nomeação do Director de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia, para o triénio de 2006-2009. Isto é, se a execução do julgado fosse possível, a Entidade Executada, Centro Hospitalar ..., E.P.E., teria de ordenar o retomar do procedimento administrativo, sem repetição do vício cometido, com vista a ser proferida nova decisão final de nomeação de Director de Serviço. O direito do Exequente à execução do julgado anulatório ficaria, pois, esgotado com a prolação deste novo acto, não tendo o Exequente – como peticiona – um direito (subjectivo) a ser provido no lugar de Director de Serviço do Serviço de Otorrinolaringologia – nem demonstrou nestes autos que, caso o vício não tivesse sido cometido no anterior concurso, seria ele o candidato a prover.
(...)
Nos autos, o Exequente identifica os danos que pretende ver ressarcidos pela inexecução do julgado anulatório, peticionando a condenação da Entidade Executada no pagamento de € 32.484,35, a título de remunerações que deixou de auferir com a prática do acto anulado; de € 7.820,14, a título de juros de mora vencidos, acrescidos daqueles que se vencerem até integral pagamento; e ainda de € 50.000,00, a título de danos morais.
Como resulta da jurisprudência citada, para determinação do valor da reparação devem ser ponderadas, como referenciais de cálculo, por um lado, a vantagem económica final que a oportunidade poderia proporcionar ao Exequente e, por outro lado, a probabilidade que o mesmo teria de a alcançar.
Não tendo o Exequente alegado, nem demonstrado que, no procedimento em causa nestes autos, seria o nomeado para o cargo em questão, tampouco se logra apurar qual a probabilidade que assistiria àquele de ser nomeado Director de Serviço, atenta a margem de livre apreciação que assistia, em tal matéria, à Administração.
Não obstante, sempre se sublinhe que, conforme afirmado expressamente no aresto exequendo, seriam reduzidas as possibilidades do Exequente se ver provido no lugar pretendido. Note-se que afirma o Tribunal que, caso a fundamentação lavrada na contestação apresentada pela Entidade Executada na acção principal fosse a utilizada no acto impugnado, dúvidas não haveria quanto à justeza da nomeação da contrainteressada.
Não sendo possível determinar o valor exacto dos danos resultantes da inexecução, como é o caso, o Tribunal julgará equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566º, n.º 3, do Código Civil, segundo a equidade (neste sentido, o citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, processo nº 042003A, e de 30.09.2009, processo nº 634/09; e o Acórdão deste TCAN, de 05.11.2009, processo n.º 00978/04.5BEBRG).
Nos autos culminou-se, decidindo:
Assim sendo, o Tribunal considera equitativo atribuir ao Exequente, a título da indemnização devida pelo acto de inexecução do acórdão anulatório proferido no processo principal apenso, a quantia de € 10.000,00.
A nosso ver, a indemnização não poderá passar, porém, como pretende o Autor, ora Exequente, por € 32.484,35, a título de remunerações que deixou de auferir, por referência ao triénio 2006/2009, com a prática do acto anulado e de € 7.820,14, a título de juros de mora vencidos, acrescidos daqueles que se vencerem até integral, pagamento por essas diferenças remuneratórias que invoca, quer no activo, quer como aposentado.
Mas, nada impede, no entanto, que o valor pretendido pelas diferenças salariais devidas até à data em que esteve no activo seja colocado como referência máxima para fixar a indemnização equitativa devida.
Isto porque embora não seja certa essa hipótese, é em abstracto possível que o Exequente tivesse sido colocado em primeiro lugar no lugar posto a concurso. E porque, em contraponto, como é bom de ver, não pode a indemnização pela inexecução ser igual ou superior à que a exequente obteria pelo vencimento total na acção principal.
Contudo, veja-se que seriam reduzidas as possibilidades de o Exequente se ver provido no lugar pretendido.
Assim, temos por adequado fixar o valor a ser arbitrado em juízo de equidade em €5.000,00.
É que, os danos atinentes à execução ilegítima da sentença correspondem apenas aos danos decorrentes do facto da inexecução, devidos pela frustração da execução que seria devida, não fosse a causa de inexecução e não outros.
A este respeito, atenham-se as seguintes palavras deste TCAN - de 08.05.2015, Proc. n.º 00315/08.0BEBRG-A: “(...)
Perante a dificuldade em quantificar com exatidão o valor monetário correspondente à perda motivada pela inexecução do julgado (cfr. Acórdão do STA de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12), independentemente do recurso a um juízo equitativo, há aqui dois aspetos que necessariamente terão de ser considerados e ponderados.
Por um lado, o cálculo do valor monetário correspondente àquela perda poderá orientar-se por alguns elementos referenciais, como as condições de êxito da ação executiva intentada pelo A. caso não se verificasse a causa legítima de inexecução de sentença (v.g., no caso de um procedimento concursal, por comparação com as chances dos outros concorrentes), a vantagem económica final que a oportunidade poderia proporcionar, e o tempo entretanto decorrido (cf. Acórdãos do STA de 20.11.12, Proc. n.º 0949/2012, de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03, de 25.02.09, Proc. n.º 47472A, e de 29.11.05, Proc. n.º 41321.
Por outro lado, a indemnização em apreço dispensa “o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do ato anulado” (cf. Acórdão do STA de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03).
Do referido resulta inequivocamente que a indemnização por inexecução de sentença deverá assumir a natureza de uma compensação simbólica.
Importa, em qualquer caso, ter em consideração que o STA afirmou que “(...) ao contrário do que parece resultar duma leitura mais ligeira do que se dispõe no art.º 178.º/1 do CPTA, não é seguro que a anulação do ato e a impossibilidade de execução do julgado pela via da reconstituição natural determine, sempre e em qualquer caso, a atribuição de uma indemnização e isto porque o Exequente só tem direito a ser indemnizado quando seja certo ou, no mínimo, seja muito provável que a retoma do procedimento iria conduzir a que ele viesse a obter o benefício a que se candidatou” (Acórdão de 02.06.10, proc. n.º 01541A/03). (...)”.
A respeito de uma situação equiparável à dos presentes autos, em que estava em causa um concurso de pessoal, vejam-se ainda as seguintes palavras deste TCAN:
“(...)
Regressando à análise das probabilidades de o exequente vir a obter ganho no concurso em que se encontrava inserido, tem de se concluir, pelo exposto, que eram reduzidas, uma vez que apenas podemos concluir que teria as mesmas probabilidades teóricas de todos os outros concorrentes. Ou seja, não é possível estabelecer um grau que quantifique exatamente a probabilidade que teria de ganhar o concurso, pelo que no arbitramento da indemnização apenas nos podemos socorrer do facto de esse grau ser diminuto.
Efetivamente, quando seja impossível fixar com precisão o montante do dano diz o art. 566º, nº 3, do Código Civil que “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Como ficou consignado no Acórdão do STA de 23.9.2010, proc. nº 410/10, “(...) sendo impossível quantificar com rigor os danos efetivamente sofridos pela Exequente resta recorrer a um juízo de equidade, dentro dos limites do que houver provado, visto a lei prever essa forma de cálculo da indemnização sempre que não for possível averiguar o valor exato dos danos (art. 566º/3 do CC).
Tendo em atenção que as probabilidades de ganhar o concurso eram reduzidas considera-se adequado, atribuir ao recorrido uma indemnização no valor de €2.500, montante que se afigura equitativo e coerente com a configuração do dano que se pretende ressarcir e que se traduz in casu na perda de oportunidade (de chance) de ver retomado o concurso.” - Ac. de 09.10.2015, proc. n.º 00814/2000.
Por último e quanto à compensação atribuída ao Exequente quanto ao montante peticionado a título de danos morais, na importância de €5.000,00 discorre a sentença do Tribunal a quo que, no caso dos autos, a possibilidade de não se ver provido num lugar de nomeação para uma Direção de Serviço, procedimento no qual se provou que ocorreram irregularidades, acarreta necessariamente alguma ansiedade, desgosto e mesmo alguma revolta.
No entanto, estamos perante uma nomeação, que pela sua natureza, tem sempre um desfecho relativamente imprevisível, concretamente, atenta a margem de discricionariedade que assistia à Administração para a prática do acto.
Ora, dada a pouca gravidade destes danos, o Tribunal julgou adequado arbitrar um montante de € 5.000,00.
Nesta parte, discordamos de todo da sentença e aproximamo-nos do entendimento preconizado pelo Recorrente, já que a sentença, por um lado, não elenca factos provados que lhe permitam considerar a existência de danos morais, os quais parece presumir, extravasando o objecto do litígio, que está circunscrito ao dano da perda de chance e, por outro, é consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado - cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral.
Saliente-se que a própria sentença assevera a pouca gravidade destes danos.
Sem prejuízo, importa reflectir sobre o seu regime específico, previsto no artigo 496º/1 do Código Civil.
Resulta do mencionado preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
O legislador civil português aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, muito embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ora, a gravidade do dano há de mensurar-se por um padrão objectivo, e, portanto, não à luz de agentes subjectivos (de uma sensibilidade particular ou especialmente requintada).
Assim, os simples incómodos, desconfortos ou contrariedades não justificariam, de per si, uma indemnização/compensação por danos não patrimoniais - neste sentido, embora noutro contexto, entende Rabindranath Capelo de Sousa em “O Direito Geral de Personalidade”, págs. 555/556, que há danos não patrimoniais que, pelo seu diminuto significado, não são indemnizáveis, os quais todos devemos suportar num contexto de adequação social, em face da cada vez mais intensa e interactiva vida social contemporânea. Também nesta linha de raciocínio segue Pessoa Jorge, em “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 300, adiantando que “...a vida em sociedade significa necessariamente limitações à plena liberdade de cada um e, por isso, a tutela jurídica dos bens de personalidade - maxime quando impõe sobre outrem os prejuízos patrimoniais ou morais sofridos pelo ofendido - só é admissível quando, face à consciência jurídica dominante, esses bens mereçam a tutela autónoma e a ofensa, pela sua gravidade ou anormalidade, se deva considerar excluída dos riscos próprios da vida em comunidade.”
Efectivamente, no dano não patrimonial “(...) há a ofensa de bens de carácter imaterial - desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral” (Inocêncio Gaivão Telles, em “Direito das Obrigações”, 4ª ed., pág. 296). Por seu turno, Vaz Serra defende que, no cálculo da indemnização, se deverá ter em consideração, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe ponderar e atender, designadamente, a situação económica das partes e o grau de culpa do lesante (vide RLJ, 118.° Ano, 1980-1981, pág. 104).
A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar de forma justa, satisfatória e equilibrada aqueles que foram forçados a suportar desgostos e sofrimentos causados por factos ilícitos de outrem por forma, a que se sintam compensados por terem sido sujeitos a tais sofrimentos. Todavia, só podem ser indemnizados os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, atenta a impossibilidade da sua quantificação, o seu montante tem de ser fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (artºs 496.º e 494.º do CC). Sendo certo que a gravidade desses danos deve ser medida por um padrão tanto quanto possível objectivo e não à luz de factores subjectivos” (P. de Lima e A. Varela, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, em anotação ao artigo 496º) e Acórdão do STA de 22.4.2015, no proc. 0197/15 onde se sumariou:
I.A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar de forma justa, satisfatória e equilibrada aqueles que foram forçados a suportar desgostos e sofrimentos causados por factos ilícitos de outrem por forma, a que se sintam compensados por terem sido sujeitos a tais sofrimentos.
II-Todavia, só podem ser indemnizados os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, atenta a impossibilidade da sua quantificação, o seu montante tem de ser fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (art.ºs 496.º e 494.º do CC).
III-Sendo certo que a gravidade desses danos deve ser medida por um padrão tanto quanto possível objectivo e não à luz de factores subjectivos.

O montante dos danos não patrimoniais deve ser calculado não arbitrariamente, mas atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização (artigo 496º n.º 3), aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações da moeda (Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., pág. 607).
De resto, esta é a opção do próprio legislador que, repete-se, no n° 1, do artº 496°, do Código Civil, manda que, na fixação da indemnização, se atenda (apenas) aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Assim sendo, a determinação e o montante dos danos não patrimoniais dependem de juízos de equidade e da leitura de todas as circunstâncias concretas do caso.
Voltando à situação dos autos a sentença recorrida não podia, desde logo, condenar em danos não patrimoniais porquanto o objecto do litígio está circunscrito ao dano da perda de chance.
Aliás, o aresto recorrido não tem factos provados que lhe permitam considerar a existência de danos não patrimoniais.
Tudo visto o recurso tem de proceder parcialmente.
Em suma,
-Apenas está em causa a indemnização a título de perda de chance por causa legítima de inexecução decorrente de uma fundamentação incompleta;
-Não está em causa, qualquer possibilidade/direito à nomeação ou direito ao lugar;
-Dispõe o artigo 566º, n.º 3, do Código Civil, que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”;
-A resolução do caso segundo a equidade pressupõe que “o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei”, mas antes “a razões de conveniência, oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, págs. 54/55).
-Na fixação equitativa do dano o Tribunal deve ponderar as especificidades do caso concreto e atender ao montante que, por via de regra, terão atingido, nessas circunstâncias, os danos causados ao lesado (cfr. Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, 328). Por outras palavras, o recurso à equidade não dispensa um mínimo de elementos que permitam aproximar a indemnização dos limites efectivamente devidos e por outro que se ache esgotado o recurso aos elementos com base nos quais se fixaria com exactidão o valor dos danos, tornando inviável averiguar o valor exacto dos prejuízos (Vaz Serra, RLJ, Ano 114º, 310);
-A esta luz, e estando o Tribunal a quo a julgar segundo a equidade, na falta de outros elementos de facto, deveria ter feito apelo a critérios mais balizados aplicados à realidade concreta para apurar o montante indemnizatório;
-A sentença não dá parâmetros suficientes que permitam fixar o valor no montante encontrado;

-Pelo que se impõe a procedência parcial do recurso e ver reduzido o valor a ser arbitrado em juízo de equidade, a €5.000,00, e bem ainda ser do cômputo da compensação excluído o quantitativo atinente aos danos não patrimoniais.
Decisão
Termos em que se concede parcial provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e fixa-se a indemnização devida ao Recorrido em €5.000,00 (cinco mil euros) a título de dano de perda de chance, bem como no pagamento dos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique e DN.
Porto, 19/5/2023
Fernanda Brandão
Conceição Silvestre (em substituição)
Isabel Jovita (em substituição)