Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00018/02-Mirandela
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
MÉTODOS INDIRECTOS.
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL.
Sumário:I) Por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) pertencendo, por contrapartida, ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
II) O lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, impondo-se ainda referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AT, sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional.
III) E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte, ou seja, só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
IV) No caso presente, o ora Recorrido não coloca em crise a utilização de métodos indirectos, questionando apenas a “errónea qualificação e quantificação dos ganhos provenientes da actividade de panificação, os quais, se mostram excessivamente presumidos, mal calculados e sem ter em conta as despesas inerentes ao exercício da actividade comercial do ora Impugnante”, de modo que, é inequívoco que cabe ao ora Recorrido demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão.
V) Nesta medida, e porque o ora Recorrida não alegou e provou nos autos a existência de um ou vários elementos susceptíveis de afastar o enquadramento feito pela AT, apontando critérios mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, é manifesto que, ao contrário do decidido, tem de entender-se que o ora Recorrido não foi capaz de desonerar-se do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, nos termos do artigo 74º nº3 da LGT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 27-09-2007, que julgou procedente a IMPUGNAÇÃO deduzida por J…, tendo como pano de fundo a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios referente aos anos de 1998 e 1999, no valor global de 20.872,06 €.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 94-97), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1ª - A quantificação utilizada pela AT, assentou no cálculo indirecto da produção do sujeito passivo, nos anos de 1998 e 1999 e foi desenvolvidamente fundamentada, com recurso aos elementos contabilísticos do sujeito passivo;
2ª - Estando em causa apuramento de IVA, as contingências de espaço e capacidade produtiva do impugnante, não podem ser opostas à quantificação quando esta teve em conta o valor e quantidade das matérias-primas efectivamente consumidas;
3ª - Não sendo impugnada a bondade da decisão da utilização dos métodos indirectos de avaliação, cabe ao impugnante a prova do erro ou exagero da quantificação;
4ª - Erro ou exagero que não foram demonstrados, à míngua de alegação acompanhada de prova, de factos susceptíveis de tornar duvidosa a quantificação efectuada pela AT;
5ª - A douta sentença recorrida dá como provados, factos meramente alegados na petição inicial, sem qualquer tipo de prova dos mesmos, chegando a admitir factos, imputados à AT, como seja o cálculo do VAB da actividade do sujeito passivo, que não constam em parte alguma do relatório da IT, ou qualquer outra peça da autoria da AT;
6ª - Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, flagrantemente, todas as regras relativas à produção de prova, do mesmo passo que, postergou o que se dispõe na LGT, na parte relativa à avaliação da matéria tributável, nomeadamente os seus artigos 87.º, 88.º e 90.º.
Nestes termos, e nos mais que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.”

O recorrido J… não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar se houve erro com referência à decisão sobre a matéria de facto e ainda apreciar a matéria da ilegalidade dos critérios de fixação da matéria tributável utilizados pela AT.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. De 3/6/2001 a 15/6/2001 a AT efectuou uma inspecção à contabilidade do Impugnante aos exercícios de 1998 e 1999 - Fls. 54;
2. Em consequência foi o Impugnante notificado da liquidação adicional relativamente a IVA dos anos em referência e para pagar a quantia global de 20.872,06 € - Fls. 8 a 18 que dou aqui por reproduzidas;
3. Dou aqui por reproduzido o relatório da inspecção tributária de fls. 53 a 56, no qual a AT se fundamentou para quantificar a matéria tributável, com relevância para o capítulo IV (Determinação dos valores presumíveis para imposto) 6.1 - Em sede de IVA e 6.2 - em sede de IRS;
4. Em sede de revisão o perito da administração tributária propôs que se aceitassem quebras de 15% na produção relativamente ao consumo de farinha e, como tal, as vendas presumidas do bolo-rei e folar deviam contemplar este desperdício. Fls. 27;
5. Tal proposta obteve concordância na decisão do Sr. Director de Finanças chamado a pronunciar-se de acordo com o art.º 92.º, n.º 3 da LGT - Fls. 30 verso;
6. Os indicadores do Banco de Portugal para o sector (actividade comercial de panificação) e para o ano de 1999, valor acrescentado bruto, é de cerca de 40% sobre o total das receitas e de cerca de 71% sobre os consumos intermédios;
7. O Impugnante apresentou em 1998 um VAB de cerca de 52% sobre as vendas e de 90% sobre os consumos intermédios;
8. Para a AT o VAB situar-se-ia em 329% sobre os consumos intermédios e 77% sobre as vendas presumidas para o ano de 1998, e para o ano de 1999 de, respectivamente, 377% e em 79% sobre as vendas;
9. O estabelecimento comercial do Impugnante e de espaço reduzido;
10. O fabrico é manual;
11. Dispõe de um forno pequeno a lenha;
12. Não tem armazenamento;
13. O folar e bolo-rei são produtos que se vendem em períodos muito especiais e curtos no ano.

Considerei provados estes factos com base nos documentos juntos aos autos principalmente os que se identificaram, no depoimento das testemunhas e na falta de contestação especificada, que foi apreciada livremente - Art.º 110.º, n.º 7 do CPPT.”

3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se indagar da pertinência da conduta da AT ao nível da quantificação da matéria colectável por aplicação de métodos indirectos.

A sentença recorrida concedeu abrigo à pretensão do ora Recorrido, ponderando que:
“…
Porque tinha o ónus da prova, demonstrou a errada quantificação da matéria colectável por parte da AT porque, tendo esta na lei o fundamento, o critério e o limite de toda a sua actuação - art.º 55.º da LGT e 3.º do CPA -, verifica-se, à posteriori, e com algum esforço interpretativo, que só tomou em consideração, para aquela determinação, a utilização de matérias-primas (al. c), n.º 1, do art.º 90.º da LGT e facto n.º 3, fls. 55 verso) desconsiderando outros factores: localização e dimensão da actividade exercida; custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade, relação congruente e justificada entre os factores apurados e a situação concreta do contribuinte bem como os indicadores objectivos de base técnico-científica no caso, que não se verifica, previsto no art.º 87.º, c) - Art.º 90.º n.º 1, als. c), e) f), i e n.º 2 da LGT.
Apesar da AT não ser obrigada a atender a todos os critérios indicados no art.º 90.º em todas as avaliações indirectas que executa, deve recorrer a todos aqueles que se afigurem como os mais seguros para permitir determinar com mais rigor a matéria tributável (Neste sentido, que acompanhamos, ver Diogo Leite Campos e outros, ob. Citada, pág. 458).
Ora, neste caso, e para além do mais, apesar da AT considerar em sede de comissão de revisão quebras de 15% na produção relativamente ao consumo de farinha e, como tal, as vendas presumidas do bolo rei e folar deviam contemplar este desperdício, o certo e que não tomou em consideração as especificidades que se deram aqui por provadas (9 a 13), nem explicou (ou rebateu), porque é que existe uma discrepância tão grande entre os indicadores do Banco de Portugal para o sector, fornecidos pelo impugnante, e os que resultam da sua inspecção. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que a quantificação utilizada pela AT, assentou no cálculo indirecto da produção do sujeito passivo, nos anos de 1998 e 1999 e foi desenvolvidamente fundamentada, com recurso aos elementos contabilísticos do sujeito passivo e estando em causa apuramento de IVA, as contingências de espaço e capacidade produtiva do impugnante, não podem ser opostas à quantificação quando esta teve em conta o valor e quantidade das matérias-primas efectivamente consumidas, não sendo impugnada a bondade da decisão da utilização dos métodos indirectos de avaliação, cabe ao impugnante a prova do erro ou exagero da quantificação, erro ou exagero que não foram demonstrados, à míngua de alegação acompanhada de prova, de factos susceptíveis de tornar duvidosa a quantificação efectuada pela AT, além de que a douta sentença recorrida dá como provados, factos meramente alegados na petição inicial, sem qualquer tipo de prova dos mesmos, chegando a admitir factos, imputados à AT, como seja o cálculo do VAB da actividade do sujeito passivo, que não constam em parte alguma do relatório da IT, ou qualquer outra peça da autoria da AT, de modo que, decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, flagrantemente, todas as regras relativas à produção de prova, do mesmo passo que, postergou o que se dispõe na LGT, na parte relativa à avaliação da matéria tributável, nomeadamente os seus artigos 87.º, 88.º e 90.º.

Como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AT, como meios subsidiários ou residuais.
De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador.
Por isso que o referido sistema do princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» velo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade. Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade no recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados.
Ou seja e sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E, como se referiu, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AT ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação.
Isto tendo presente que nos movemos no âmbito tributário, em que, por um lado e por força de aí imperarem os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último, a descoberta da verdade material é inexistente uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, por outro, tal não significa que neste contencioso, em particular, não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê para que se alcance uma qualquer pretensão formulada. Daí que, porque a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório Neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do TCA Sul de 99.12.14, Rec. Nº. 2.467/99..
Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” Cfr. Ac. do TCA Sul, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00..
Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.
Tal, contudo não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303..
Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à ATUma vez que nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, -onde, há luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, não há uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, sem embargo de, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes não possa deixar de desfavorecer quem com ela estava onerado-, é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”.
/ Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. Nº. 6.388/02., sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 305..
E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte, ou seja, só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.

Diga-se ainda que o apuramento do lucro tributável com o recurso aos denominados métodos indirectos, não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.
Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AT se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art. 90º da LGT, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa, não constituindo por isso qualquer erro ou ilegalidade a extrapolação dos montantes conhecidos e obtidos relativamente a certo exercício para os aplicar em um outro, quando nenhuma prova se fez que entre os dois exercícios tenham ocorrido circunstâncias que tornassem desadequada essa extrapolação, tanto mais que tal elenco constante de tais normas, do art.º 90.º da LGT, é efectuado a título meramente exemplificativo, bem podendo serem utilizados quaisquer outros índices ou meios existentes, que sejam aptos e capazes para o mesmo fim.
Em todo o caso, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.

No caso presente, é sabido que a determinação da matéria colectável foi efectuada com recurso a métodos indirectos e teve por base o cálculo da produção com a ponderação e consideração de uma percentagem de 15% para perdas ou quebras de produção e com abatimento de uma percentagem de 10% na produção não vendida no sector do pão e de 20% nos outros sectores – cfr. RIT e decisão do Director de Finanças a fls. 30-31 destes autos.

Por outro lado, o ora Recorrido não coloca em crise a utilização de métodos indirectos, questionando apenas a “errónea qualificação e quantificação dos ganhos provenientes da actividade de panificação, os quais, se mostram excessivamente presumidos, mal calculados e sem ter em conta as despesas inerentes ao exercício da actividade comercial do ora Impugnante”.

Nesta medida, e na sequência do exposto, é inequívoco que cabe ao ora Recorrido demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão.

Assim sendo, afigura-se que a decisão recorrida não pode manter-se, pois que, em função do exposto, entende-se que a mesma assenta a lógica do seu discurso mais naquilo que considera ser a insuficiência da posição da AT no sentido de suportar a mesma, fazendo apelo mais a uma situação de falta de fundamentação do que a uma errada quantificação da matéria tributável, sendo que em nenhum momento se colhem dos elementos analisados na decisão recorrida, os pressupostos para a afirmação de um erro manifesto na quantificação da matéria tributável.
Aliás, em momento anterior da decisão recorrida, é dito que “a AT não foi explicita relativamente aos elementos que utilizou para a quantificação que fez, visto estes critérios terem carácter taxativo (neste sentido, que acompanhamos, cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, in LGT, comentada e anotada, pág. 456) nem o contribuinte impugnou tal decisão fundando-se, por exemplo, em falta de fundamentação”, para depois de forma enigmática dizer-se que “Apesar do Impugnante entender o critério da AT, discordou dele - embora não apontando, na sua interpretação, qualquer desconformidade legal daquela actuação.”
Ora, como bem nota a Recorrente, o IVA foi apurado com base na produção em função das quantidades e valores das compras de matérias-primas constantes da contabilidade do sujeito passivo e as existências iniciais e finais dos exercícios de 1998 e 1999, de modo que, constatando-se que todas as matérias adquiridas foram consumidas, cabia ao ora Recorrido alegar e provar que as quantidades utilizadas na confecção de cada um dos produtos são diferentes daqueles que a AT considerou.

Com interesse neste domínio, o probatório informa que:
“6. Os indicadores do Banco de Portugal para o sector (actividade comercial de panificação) e para o ano de 1999, valor acrescentado bruto, é de cerca de 40% sobre o total das receitas e de cerca de 71% sobre os consumos intermédios;
7. O Impugnante apresentou em 1998 um VAB de cerca de 52% sobre as vendas e de 90% sobre os consumos intermédios;
8. Para a AT o VAB situar-se-ia em 329% sobre os consumos intermédios e 77% sobre as vendas presumidas para o ano de 1998, e para o ano de 1999 de, respectivamente, 377% e em 79% sobre as vendas;
9. O estabelecimento comercial do Impugnante e de espaço reduzido;
10. O fabrico é manual;
11. Dispõe de um forno pequeno a lenha;
12. Não tem armazenamento;
13. O folar e bolo-rei são produtos que se vendem em períodos muito especiais e curtos no ano.”

Neste ponto, a Recorrente aponta que a douta sentença recorrida dá como provados, factos meramente alegados na petição inicial, sem qualquer tipo de prova dos mesmos, chegando a admitir factos, imputados à AT, como seja o cálculo do VAB da actividade do sujeito passivo, que não constam em parte alguma do relatório da IT, ou qualquer outra peça da autoria da AT.
Pois bem, analisando os elementos em causa, tem de reconhecer-se pertinência à posição da Recorrente, na medida em que não se vislumbra dos elementos produzidos pela AT a consideração do elemento em causa, do mesmo modo que não consta dos autos qualquer suporte para a afirmação relativa aos indicadores apontados pelo Banco de Portugal, pelo que, nos termos do art. 712º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 662º), determina-se a eliminação dos pontos 6. e 8. do probatório.
De qualquer maneira, e com referência aos indicadores do Banco de Portugal invocados pelo impugnante para o sector, que deveriam ter sido levados em conta na aplicação do método presuntivo, não se vislumbra o interesse que o Recorrido lhe pretende conferir, na medida em que quando a Administração Tributária constata dados objectivos e ponderosos que apontam para determinada quantificação, não há que lançar mão de indicadores nacionais que são sempre presumidos e devem por tal facto ceder perante a constatação de determinados dados que apontam para sentido diferente desde que se não demonstre o contrário, como sucede no caso “sub judice”.

Por outro lado, mesmo se alguma dúvida possa existir que a realidade descrita pela AT não corresponda ao critério mais fiável e como tal tenha produzido um excesso de quantificação, a eventual dúvida não aproveita ao ora Recorrido, ao abrigo do disposto nos art.ºs 74.º, n.º3 da LGT e 100.º, nº3 do CPPT, já que nestes casos de apuramento da matéria tributável por métodos indirectos, expressamente, dispõem tais normas que, é ao contribuinte que cabe demonstrar o erro ou o excesso na respectiva quantificação assim operada, o que bem se compreende, já que será ele que se encontra em melhores condições para demostrar essa realidade, e que as normas que impõem ónus probatórios, assentam em critérios de disponibilidade e de facilidade probatórias Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 21-9-2011, recurso n.º 537/11.
, sendo, pois, natural, que quem se encontre em melhores condições de provar a respectiva factualidade se encontre onerado como esse ónus probatório.
Tal norma do n.º 3 do art.º 74.º, da LGT, prevalece sobre a do art.º 100.º, n.º 1 do CPPT Sendo que a norma da LGT ainda que inserida no âmbito do procedimento tributário também deva ser aplicada no processo judicial tributário, por idênticas razões de ser, em que a anulação por errada quantificação da matéria tributável só poderá ocorrer se o impugnante demonstrar erro ou excesso da matéria tributável quantificada – cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, 2000, VISLIS, pág. 474, nota 9.
, por força do princípio da especialidade, já que dispõe para um caso particular, enquanto que a norma deste n.º1, tem aplicação em geral, de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
E, assim, em função dos elementos presentes nos autos, é inequívoco que o ora Recorrido, apesar de contestar o critério que serviu à quantificação administrativa da matéria tributável, não disponibilizou outro ou outros que fossem mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, revelando-se por isso incapaz de, justificadamente, desonerar-se do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, nos termos do artigo 74.º, n.º3 da LGT.
Assim, as eventuais dúvidas sobre o lucro tributável no caso são apenas as co-naturais ao próprio método de apuramento de um valor por meio de métodos indirectos, onde o valor encontrado é sempre um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo.

Aliás, o Recorrido só de si poderá queixar-se quanto à existência da falada falta de certeza, decorrente do emprego de métodos indirectos para apuramento do lucro tributável - pois que, por falta de credibilidade da sua escrita, é que não foi possível que a liquidação do imposto tivesse sido operada com base no lucro tributável real (declarado).

No caso, face aos elementos antes referidos, carreou a Administração Fiscal para os autos, dados certos e objectivos, que conduzem com um elevado grau de probabilidade, segundo juízos de causalidade usuais e normais no comércio, que no exercício em causa obteve aqueles proveitos, extraídos da extrapolação dos montantes de tais vendas e outros elementos contabilizados pelo impugnante, critério que, à partida se não vislumbra que esteja errado, afigurando-se-nos antes, como razoável e como sendo um dos adequados para o fim em vista.

Nesta medida, e porque o ora Recorrida não alegou e provou nos autos a existência de um ou vários elementos susceptíveis de afastar o enquadramento feito pela AT, apontando critérios mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, é manifesto que, ao contrário do decidido, tem de entender-se que o ora Recorrido não foi capaz de desonerar-se do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, nos termos do artigo 74.º, n.º3 da LGT, o que determina a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida e a improcedência da impugnação judicial.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente a presente impugnação judicial.
Custas pelo Recorrido apenas em 1ª Instância.
Notifique-se. D.N..
Porto, 29 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves