Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00266/16.4BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:OBRAS DE URBANIZAÇÃO; EXECUÇÃO COERCIVA; OBRIGAÇÃO SUB-ROGATÓRIA.
Sumário:1 – Perante o eventual incumprimento do titular do Alvará na concretização das obras de infraestruturas que justificaram a aprovação daquele, e perante a prestação de Caução, haverá natural sub-rogação das responsabilidades, primeiro para o Município e só depois para o particular diretamente interessado na concretização das mesmas, como resulta dos artigos 84.º/1 e 85.º/1 do RJUE.

2 – A concretização das obras infraestruturais de um determinado Loteamento são essenciais para a sua existência, constituindo assim um imperativo para todas as partes envolvidas, enquanto pressuposto urbanístico dos lotes, viabilizando a sua existência e articulação com a envolvente.
Estando o Município, enquanto poder-dever, obrigado a substituir-se ao titular do alvará prevaricador, atenta a caução de que dispõe, mal se compreenderia que os adquirentes de Lotes estivessem impedidos de obter a condenação daquele a cumprir as suas obrigações sub-rogadas de natureza urbanística, quando seria até expectável que fosse o próprio Município a tomar a iniciativa tendente à reposição da legalidade urbanística.

3 - Se se admite que o Município possa ter alguma discricionariedade quanto ao momento exato em que a sua intervenção deva ter lugar, esse facto não pode determinar a eternização de uma situação de inércia permissiva, tanto mais que dispõe de uma caução exatamente para suportar os custos da intervenção devida, sendo que se o montante desta se mostrar insuficiente, o Município só se poderá queixar de si próprio.
Os Municípios têm no âmbito das suas Atribuições e competências na área urbanística, a obrigação sub-rogatória de realizar quaisquer obras de urbanização em falta, sempre que os titulares do respetivo alvará incumpram tal desiderato, como decorre do artigo 84.º/1 RJUE.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:J.. e Outra.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório
O Município de (...), devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa intentada por J. e M., tendente, designadamente e em síntese à sua condenação a executar as obras de urbanização previstas para o loteamento titulado pelo alvará n.º 1/2011, em substituição do titular do mesmo, inconformado com a Sentença proferida em 23 de janeiro de 2020, no TAF de Mirandela, no qual se decidiu julgar “(...) procedente a presente ação e, em consequência, condeno o R. Município de (...) a realizar as obras de urbanização referentes ao loteamento titulado pelo alvará n.º 1/2011”, veio interpor recurso jurisdicional.

Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 26 de fevereiro de 2020, as seguintes conclusões:

“A. A sentença ao reconhecer aos Recorridos terceiros adquirentes de lote o direito de demandarem a Câmara Municipal para obter sentença que condene o Recorrente a executar as obras de urbanização do loteamento titulado pelo alvará nº 1/2011 faz errada interpretação e aplicação dos art.°s 84 e 85 do RJUE
B. O art. 84 e 85 do RJUE preveem um regime excecional em matéria de execução de obras de urbanização, segundo o qual essas obras não são realizadas pelo titular do alvará mas por terceiros, sejam eles a Câmara Municipal ou adquirentes de lotes
C. Nos termos do regime excecional referido na conclusão anterior, tem legitimidade para a execução das obras por substituição sub-rogatória, em primeira linha a Câmara (art. 84) e em segunda linha os terceiros adquirentes de lotes (art. 85)
D. O regime excecional referido na Conclusão B. é taxativo quanto aos meios de que dispõem a Câmara e o terceiro adquirente para a substituição sub-rogatória
E. A legitimidade da Câmara e do terceiro adquirente do lote para promover a realização/execução das obras de urbanização é sucessiva.
F. A jurisprudência, designadamente o Acórdão de 04.10.2017, Proc. 124/07.5BELLE do TCAS citado na sentença (fls. 14/22), confere que:
“Assim, o promotor do loteamento é, perante a lei, o 1º cumpridor.
Depois, se esse promotor não realizar o seu dever passa a haver um poder dever da Câmara de se lhe substituir. E só se esta última entidade quebrar a sua obrigação, é que se configura uma última possibilidade: a do terceiro interessado se substituir aqueles dois inadimplentes”
G. Trata-se da “última possibilidade” porque, de facto, outra não existe prevista na lei, designadamente, a possibilidade de o terceiro adquirente do lote demandar a Câmara Municipal para o efeito, pois como supra se referiu, o regime em causa é taxativo.
H. Não se alcança como a sentença, depois de se referir a esta “última possibilidade” venha a concluir que, afinal, “nada obsta” a que os terceiros interessados “demandem a câmara municipal para obterem a condenação no cumprimento desse poder-dever de execução das obras de urbanização nos termos do art. 84 do RJUE”
I. Para atingir aquele fim da execução da obra de urbanização o terceiro adquirente só pode lançar mão desse mecanismo sub-rogatório, taxativamente fixado na lei, sendo que a sua legitimidade se esgota na utilização das fases sucessivas dessa modalidade substitutiva e não tem legitimidade para demandar judicialmente a Câmara Municipal para se substituir ao promotor, como é entendimento assente.
(Na vigência do RJUE publicado pelo DL nº 448/91 de 29/11 e por referência ao art. 48, com o título de Execução das obras de urbanização por terceiro – José Miguel Sardinha in Novo Regime Jurídico das Operações de Loteamento e de Obras de Urbanização, Comentado e anotado, Coimbra Editora 1992, pag. 109 referia que:
“No entanto, se se verificar que a Câmara Municipal, por negligência ou desinteresse nada fizer, então estaria justificada a intervenção dos particulares perante a omissão camarária, nada mais restando a estes do que socorrerem-se do disposto da autorização judicial aqui previsto”
Júlio Pereira da Cunha in Regime de Licenciamento de Obras Particulares e de Operações de Loteamento e Obras de Urbanização, anotado, 2ª Edição, Edição ATAM, pág. 260, escrevia em anotação ao mencionado art. 48 o seguinte:
“Face à inércia da Câmara no sentido da adoção das medidas antes mencionadas são conferidos poderes aos que se encontrem nas situações previstas no nº 1 para requererem autorização judicial com vista à execução direta das obras de urbanização”
Adalberto Costa e António Eurico Silva in Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, Anotado e Comentado, Vida Económica, 2003, pag. 104, consideram que:
“ 1. Além da CM, tem a legitimidade para executar as obras de urbanização em caso de incumprimento por parte do titular do alvará os adquirentes dos lotes (…) Acresce que estes terceiros só podem promover a realização das obras de urbanização, se o titular do alvará as não realizar ou se a CM não as promover “
João Pereira Reis, Margarida Loureiro, Rui Ribeiro Lima in Regime Jurídico da Urbanização e de Edificação, Anotado, 3ª Ed. Coimbra Almedina, pag. 240 refere:
“Estes (terceiros, perante a inação do município e mediante autorização judicial, podem substituir-se a titular de alvará … e executar as obras de urbanização “
Fernanda Paula Oliveira, Dulce Lopes e Maria José Castanheira Neves in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 4ª Ed., Coimbra, Almedina, 2016, pag.592 a 593, a propósito do nº 3 do art. 85 do RJUE, ilustram que:
“A realização de obras e urbanização pelos adquirentes dos lotes é, assim, assumida como a última das soluções a adotar …”)
J. O poder-dever de execução substitutiva das obras por parte da Câmara nos termos do art. 84, não é geral nem incondicional, e, pelo contrário, apenas é conferido à Câmara quando se verificam os requisitos para salvaguarda e proteção dos valores e interesses seguintes:
 Qualidade do meio urbano
 Qualidade do meio ambiente
 Segurança das edificações
 Segurança pública
 Proteção do 3º adquirente de lotes, no caso de obras de urbanização
K. A apreciação e decisão sobre a necessidade, de salvaguardar esses valores e de proteger esses interesses em causa, é feita pela Câmara no exercício da sua discricionariedade técnica ou das escolhas/opções para prossecução do interesse público tal como observam João Pereira Reis, Margarida Loureiro e Rui Ribeiro Lima in Regime Jurídico de Urbanização e de Edificação, Anotado, Coimbra Editora, 3ª Ed., pág. 243 “Não se verificando estes requisitos, parece que a câmara municipal não terá legitimidade para executar as obras em substituição do titular do alvará … “
L. A atuação da Câmara não é vinculada contrariamente ao afirmado na sentença, fls. 19/22.
M. A Câmara, no uso da sua discricionariedade técnica, verifica as situações em que poderia/deveria atuar nos termos do art. 84 do RJUE, estando vedado ao tribunal sindicar a conveniência e oportunidade da atuação da Câmara
N. Caso a Câmara tenha também faltado a esse dever não promovendo as obras em falta, pode um terceiro adquirente de lotes executar essas mesmas obras em falta mediante autorização judicial nos termos do art. 85 do RJUE
O. Este é o regime excecional fixado na lei – RJUE – para garantir aos terceiros adquirentes a execução efetiva das obras de urbanização que a licença do loteamento confere, como se descreve na Conclusões anteriores
P. No âmbito do regime excecional fixado nos art. 84 e 85 do RJUE, que é taxativo, não se contempla a possibilidade de o terceiro adquirente demandar judicialmente a Câmara pedindo a condenação da realização das obras de urbanização nos termos do art. 84 do RJUE.
Q. A interpretação feita pelo Recorrido de que o poder-dever que é atribuído à Câmara no art. 84 é vinculado, não tem qualquer correspondência com o sentido e o alcance dessa norma, como se confirma quando no citado Acórdão do TCAS de 04.10.2017 Proc. 124/07.5BELLE, se escreve a fls. 6/12 que:
“Apreciando este dever – poder da Câmara, João Pereira Reis e Margarida Loureiro indicam o carácter excecional, a necessária parcimónia no uso da medida e alertam para a exigência da verificação dos requisitos legais, quanto aos fins a salvaguardarem (cfr. Reis, João Pereira, Loureiro, Margarida – Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação – Anotado, 2ª Ed. Coimbra, Almedina” (pag. 208 -209)
R. João Pereira Reis e Margarida Loureiro escrevem ainda na citada obra que tal parcimónia se justifica “sob pena desresponsabilização do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia “(pag. 209)
S. O terceiro adquirente de lote não tem o direito de demandar judicialmente a Câmara para obter a sua condenação na realização das obras de urbanização nos termos do art. 84 do RJUE. À cautela sempre se dirá:
Caso se venha a entender que de facto nada obsta a que o terceiro adquirente demande a Câmara para obter a sua condenação na realização das obras de urbanização nos termos do art. 84 do RJUE, o que só por mera hipótese se admite, então formulam-se, ainda, as conclusões seguintes:
T. Resulta dos factos provados, nº 13, 14 e 15 que o Recorrido, antes de propor a presente ação, já tinha lançado mão da faculdade prevista no art. 85, com a finalidade de executar diretamente as obras de urbanização pelo facto de a Câmara não ter promovido a sua realização nos termos do art. 84, tendo aceitado e reconhecido que a Câmara não tinha executado as obras, e que, por esse motivo, pretendia ele Recorrido executá-las diretamente, pelo que, sempre teria renunciado ao suposto direito de demandar judicialmente a Câmara
U. Da matéria fáctica dada como provada não constam factos que consubstanciem a necessidade da salvaguarda do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações, e do público em geral, ou da proteção de interesses de terceiros adquirentes dos lotes como se exige no nº 1 do art. 84 do RJUE, pelo que os factos provados nunca seriam suficientes para, face ao disposto no nº 1 do art. 84 do RJUE concluir pela condenação do Recorrente na realização das obras de urbanização.
V. A sentença decidindo com a insuficiência de factos referida na Conclusão anterior incorre, também, em erro de julgamento.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença e julgar-se a presente ação totalmente improcedente com todas as legais consequências JUSTIÇA”

Os Recorridos/José e Maria Franco, veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 26 de junho de 2020, sem conclusões, afirmando a final que, “Face a todo o exposto, reiterando toda a argumentação expandida na d. sentença, deve o recurso interposto ser indeferido e mantida a d. decisão proferida pela Primeira Instância.
Termos em que V. Exas., negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida, farão INTEIRA JUSTIÇA.”

Em 1 de julho de 2020 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.

Já neste TCAN, tendo o Ministério Público sido notificado em 21 de setembro de 2020, veio a emitir Parecer nesse mesmo dia, no qual conclui que “O recurso deve ser julgado improcedente.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar, predominantemente, se a decisão recorrida, como invocado pelo Recorrente “faz errada interpretação e aplicação dos art.s 84 e 85 do RJUE”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:

1. Em 25.07.1981 a Câmara Municipal de (...) emitiu o alvará de loteamento n.º 2/81 em nome da sociedade «F., S.A.», o qual titulou o licenciamento do loteamento e das respectivas obras de urbanização sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de O. sob o artigo 4542 e registado na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 59260 (cf. documento n.º 02 junto aos autos com a petição inicial);
2. No âmbito do pedido de emissão do referido alvará de loteamento, para garantia da boa e regular execução das obras de urbanização foi apresentada pela «F., S.A.» caução mediante hipoteca voluntária a favor do R. de dezasseis lotes de terreno que derivaram do alvará de loteamento n.º 2/81 (cf. documento n.º 02 junto aos autos com a petição inicial);
3. Por escritura pública outorgada em 23.09.1988 no Cartório Notarial de Chaves, os AA. adquiriram à «F., S.A.» um lote de terreno para construção urbana, correspondente ao lote n.º 18 que integra o loteamento referido nos pontos anteriores (cf. documento n.º 01 junto aos autos com a petição inicial);
4. Em reunião de 12.11.1996, a Câmara Municipal de (...) deliberou declarar caducado parcialmente o alvará de loteamento n.º 2/81 (cf. documento n.º 02 junto aos autos com a petição inicial);
5. Através do ofício com a referência 76/lot/DU/97, registado com o n.º 2802, de 25.03.1997, foi comunicada a caducidade do alvará de loteamento n.º 2/81 ao Conservador do Registo Predial de (...) para efeitos de anotação à descrição (cf. documento n.º 02 junto aos autos com a petição inicial);
6. Mais foi comunicado que tal caducidade não produzia efeitos em relação a 48 lotes, entre os quais estavam os lotes n.os 1 e 18, sobre os quais incidiram as licenças de construção n.º 559/85 e 948/89, respetivamente (cf. documento n.º 02 junto aos autos com a petição inicial);
7. Posteriormente, a «F., S.A.» solicitou novo pedido de licenciamento para realização de uma operação de loteamento com obras de urbanização, a incidir sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de O. sob o artigo 4542 (cf. documento n.º 02 junto aos autos com a petição inicial);
8. Tal pedido veio a ser deferido, tendo a Câmara Municipal de (...) emitido em 01.07.2011 o alvará de loteamento n.º 1/2011 (cf. alvará de loteamento de fls. 2060 a 2076 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
9. O prazo cominado no referido título para a conclusão das obras de urbanização foi de 96 meses, com início em 02.07.2011 (cf. alvará de loteamento de fls. 2060 a 2076 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
10. No âmbito do pedido de licenciamento referido nos três pontos anteriores, a «F., S.A.» prestou caução nos termos do n.º 1 do art.º 54º do RJUE mediante garantia bancária n.º 125-02-1273382, emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., no valor de EUR 2.228.908,43 (cf. caução de fls. 1736 do processo administrativo e alvará de loteamento de fls. 2060 a 2076 do mesmo processo administrativo);
11. Em reunião de 18.06.2013 a Câmara Municipal de (...) deliberou declarar caducado o alvará de loteamento n.º 1/2011 em virtude de a «F., S.A.» não ter iniciado as obras de urbanização no prazo determinado (cf. documento de fls. 2201 a 2205 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
12. As obras de urbanização não foram efetuadas até à presente data (cf. admitido por acordo);
13. Os AA. intentaram no Tribunal Judicial de Chaves ação nos termos do art.º 85º do RJUE onde peticionaram autorização judicial para promoverem diretamente a execução das obras de urbanização (cf. documento n.º 01 junto aos autos com a contestação);
14. Tal ação correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves com o número de processo 817/13.4TBCHV (cf. documento n.º 01 junto aos autos com a contestação);
15. Em 23.12.2013 foi proferida, nesse processo, sentença, que aqui se dá por integralmente reproduzida, que indeferiu o requerido “por se entender que o pedido formulado pelos autores não se encontra instruído pelo previsto no art. 85º, n.º 2, al. b) do RJUE” (cf. documento n.º 01 junto aos autos com a contestação).

IV – Do Direito

No que aqui releva, no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª Instância:
“(...) A questão que cabe aqui apreciar prende-se com o direito dos AA. de obterem uma sentença que condene o R. a executar as obras de urbanização previstas para o loteamento titulado pelo alvará n.º 1/2011.
Decorre do probatório que o titular do alvará de loteamento n.º 1/2011, a sociedade «F., S.A.», não efetuou as obras de urbanização a ele referentes, motivo que levou a Câmara Municipal de (...) a deliberar em 18.06.2013 a caducidade daquele alvará.
Por conseguinte, tais obras de urbanização encontram-se por executar, sendo que o loteamento teve já dois alvarás, sendo o primeiro do já longínquo ano de 1981 e o segundo de 2011, ambos declarados caducados pelo R. (em 12.11.1996 e em 18.06.2013, respetivamente). Ou seja, trata-se de um loteamento que está há quase 40 anos por concluir, sendo que a inexecução das obras de urbanização se arrasta, igualmente, por várias décadas.
Para garantir a execução das obras de urbanização (nunca efetuadas) foram prestadas pelo loteador duas garantias: a primeira, para efeitos de emissão do alvará de loteamento n.º 2/1981, foi a hipoteca voluntária a favor do R. de 16 lotes de terreno que integram aquele loteamento; a segunda, para efeitos de emissão do mais recente alvará de loteamento (n.º 1/2011), foi a garantia bancária n.º 125-02-1273382, emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., no valor de EUR 2.228.908,43.
Ora, pese embora o R. tenha ao seu dispor caução legalmente prevista e especificamente prestada pelo loteador para garantir a efetiva execução das obras de urbanização determinadas pelo alvará do loteamento, certo é que, até à presente data, as obras de urbanização não foram efetuadas pelo R. em substituição do loteador e por conta deste.
O loteamento é uma operação urbanística que altera a situação jurídica dos prédios abrangidos, garantindo-lhes uma dada edificação ou uma estabilização das suas condições de edificabilidade. Assim, as condições que ficarem definidas, para cada lote, no alvará de loteamento, irão vincular quer o proprietário do prédio, quer os adquirentes do lote, ou outros titulares de direitos reais sobre os terrenos, como, igualmente, tornam-se vinculantes para a respetiva câmara municipal.
(...)
Não executadas as obras de urbanização pelo promotor, a câmara municipal, “para salvaguarda do património cultural, da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações e do público em geral ou, no caso de obras de urbanização, também para proteção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, pode promover a realização das obras por conta do titular do alvará quando, por causa que seja imputável a este último:
a) Não tiverem sido iniciadas no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará;
b) Permanecerem interrompidas por mais de um ano;
c) Não tiverem sido concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações, nos casos em que a câmara municipal tenha declarado a caducidade;
d) Não hajam sido efetuadas as correções ou alterações que hajam sido intimadas nos termos do artigo 105.º”. É o que dispõe o n.º 1 do art.º 84º do RJUE.
Assim, usando da prorrogativa do art.º 84º do RJUE, a câmara municipal pode substituir-se ao titular do alvará e realizar as obras de urbanização em falta. Para o efeito, poderá acionar as cauções prestadas (art.º 84º, n.º 3 do RJUE). Sendo que, no caso do custo da execução das obras em falta não ficar garantido pela caução prestada, a câmara municipal poderá, ainda assim, executá-las por conta do loteador, que, por sua vez, deverá reembolsar a câmara municipal do montante despendido e não coberto pela caução, sob pena de tais custos lhe serem exigidos coercivamente por esta através de processo de execução fiscal (art.os 84º, n.º 2, 107º e 108º do RJUE).
Depois, numa segunda linha, se a câmara municipal não promover as obras em falta, um terceiro adquirente de um lote para construção, de um edifício aí construído ou de uma fação autónoma, pode requerer a autorização judicial para promover diretamente a execução das obras de urbanização (art.º 85º do RJUE).
Ou seja, estes terceiros, porque direitamente interessados na execução daquelas obras em falta, mediante autorização judicial, podem sub-rogar-se ao promotor faltoso e executar, eles próprios, as obras em questão, caso a câmara municipal também não as tenha promovido.
O busílis da questão em discussão nos presentes autos é a de saber se a sub-rogação da câmara municipal ao loteador, prevista no art.º 84º do RJUE, se encontra definida como uma mera possibilidade ou, ao invés, como um poder-dever, uma verdadeira obrigação legal para a câmara municipal.
Em linha com o sentido jurisprudencial já trilhado pelo Tribunal Central Administrativo Sul [cf. Acórdão de 04.10.2017 (proc. n.º 124/07.5BELLE)] somos de considerar que o art.º 84º do RJUE consagra um poder-dever para a câmara municipal.
Como refere aquele Venerando Tribunal “(…) a possibilidade legal que é dada pelo art.º 85.º do [RJUE] ao terceiro interessado, de se sub-rogar nas obrigações do promotor, visa fortalecer o seu direito de edificação, porque já asseverado pelo titular do alvará e garantido pela Câmara. Assim, o promotor do loteamento é, perante a lei, o 1.º cumpridor. Depois, se esse promotor não realizar o seu dever, passa a haver um poder-dever da Câmara de se lhe substituir. E só se esta última entidade também quebrar a sua obrigação, é que se configura uma última possibilidade: a do terceiro interessado se substituir àqueles dois inadimplentes.
Quanto aos dois primeiros casos, o dever de urbanizar existirá, portanto, fundado numa razão de ordem pública, desde que aqui entendidas as obras de urbanização por banda do promotor como fazendo parte de uma função pública urbanística (cf. neste sentido MIRANDA, João - A função pública urbanística e o seu exercício por particulares. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. ISBN 978-972-32-2075-9, especialmente pp. 219-226).
Já no caso (limite) da intervenção do terceiro interessado na feitura das obras em falta, a possibilidade legal fundar-se-á na defesa dos seus direitos subjetivos, na proteção acrescida que é dada ao seu direito real por força do loteamento. O legislador confere a este terceiro o direito a sub-rogar-se na posição do promotor, não para garantir em 1.ª linha aquela função urbanística, ou para confirmar a legalidade urbanística, mas para lhe assegurar direitos individuais. É certo que também esta sub-rogação terá reflexos positivos na qualidade de vida dos demais proprietários, da comunidade, ou em geral, refletir-se-á positivamente no interesse público. Mas quando o legislador prevê no art.º 85.º do [RJUE] a intervenção do particular interessado tê-lo-á feito focado na defesa de direitos individuais.
Nesta lógica, não há que entender que para se acionar o art.º 85.º do [RJUE] exige-se ao terceiro interessado a sub-rogação na posição do promotor para a feitura de todas as obras ainda omissas. Diferentemente, a única interpretação útil do preceito é a que também permita ao terceiro interessado a sub-rogação para a feitura parcial dessas obras, nomeadamente daquelas que lhe interessem diretamente, enquanto ao titular de um dado lote.” – cf. Acórdão de 04.10.2017 (proc. n.º 124/07.5BELLE).
Com efeito, ao estabelecer no art.º 84º do RJUE que a sub-rogação da câmara municipal ao loteador faltoso se destina à salvaguarda da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações e do público em geral e, no concreto caso das obras de urbanização, também para a proteção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, o legislador pretendeu impor às câmaras municipais o cumprimento da função pública urbanística que é inerente ao dever de urbanizar, fundado em razões de ordem pública.
Caso assim não fosse, as câmaras municipais poderiam, não apenas furtar-se a assegurar a salvaguarda daqueles interesses e da função pública urbanística do dever legal de urbanizar, como, por outro lado, poderiam livremente escolher os casos em que se sub-rogariam ao loteador faltoso e aqueloutros em que não o fariam sem qualquer critério, escolhendo os casos em que beneficiariam o faltoso em função do acionamento ou não da caução prestada (com as necessárias consequências patrimoniais que daí advêm).
Repare-se que as câmaras municipais estão garantidas no cumprimento subsidiário do dever de urbanizar, desde logo por força das cauções prestadas pelo titular do alvará de loteamento (mas também porque na falta ou insuficiência da caução poderão vir a ressarcir-se através de processo de execução fiscal).
E, convenhamos, não é igual para um particular executar as obras de urbanização como o é para uma câmara municipal. Como refere o Tribunal Central Administrativo Sul “A execução das indicadas obras pelo terceiro interessado - que na maioria dos casos não será um profissional da área, mas será, antes, um mero particular com outras ocupações - implicará seguramente um ónus relevante, algo que pode ser penoso ou bastante árduo. Por isso, configura «a última das soluções a adotar»” – cf. Acórdão de 04.10.2017 (proc. n.º 124/07.5BELLE).
Pelo que, estando na posse de uma caução cujo valor foi por si calculado por forma a cobrir os custos das obras de urbanização no caso do loteador faltar no seu cumprimento, o legislador entendeu impor à câmara municipal esse ónus de executar as obras em substituição do loteador faltoso.
Mas, paralelamente a esse dever das câmaras municipais, o legislador entendeu também consagrar um mecanismo mais expedito que permita aos terceiros adquirentes, em face da inércia da Administração, obter uma solução mais célere e expedita para o incumprimento do dever de urbanizar. É o mecanismo do art.º 85º do RJUE.
Todavia, a previsão legal desta possibilidade dos terceiros adquirentes se sub-rogarem na posição do promotor faltoso não obstaculiza que a câmara municipal o faça nos termos do art.º 84º do RJUE, não a desonerando sequer do poder-dever que sobre ela recai daquele normativo.
Da letra da lei não resulta, nem se pode retirar, que o legislador tenha optado por permitir que as câmaras municipais fiquem totalmente inertes perante uma situação claramente atentatória do dever legal de urbanizar, fazendo recair sobre os terceiros adquirentes dos lotes (muitas vezes particulares sem especiais conhecimentos e capacidade para o efeito) o ónus de serem eles próprios a executar tais obras, sem que possam exigir da Administração o cumprimento do seu dever de prossecução e proteção do interesse público urbanístico inerente à operação em causa.
Como referem FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES e DULCE LOPES, a “realização das obras de edificação pelos adquirentes dos lotes é assim, assumida como a última das soluções a adotar”, para que estes não passem a ter um encargo que não seria deles – in “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado”, 4ª edição, Almedina, 2016, pp. 592 e 593.
Usando da faculdade indicada no art.º 85º do RJUE, os terceiros interessados em promover a obra fá-lo-ão à custa do loteador, pois a caução que tenha sido prestada ficará à sua disposição até ao limite das obras. Caso a caução se mostre insuficiente para pagar os custos das obras, então, ficará a câmara municipal responsável pelo excedente, com direito de regresso sobre o titular do alvará (art.º 85º, n.º 5 do RJUE).
Aquelas autoras apontam esta responsabilidade da câmara municipal como sendo um reverso da sua obrigação “de cálculo correto da caução que garanta as obras de urbanização e por lhe incumbirem, em geral, as tarefas necessárias a assegurar um adequado ambiente urbano” – ob. cit., pág. 592.
Quer isto significar que a razão legal, constante do art.º 84º, n.º 1 do RJUE, para a atribuição da obrigação da câmara municipal para a feitura das referidas obras não é coincidente com a razão pela qual se imputa a mesma legitimidade aos terceiros interessados: no caso da câmara municipal, o poder-dever de sub-rogação nas obrigações do promotor do loteamento visa a proteção dos interesses de terceiros adquirentes de lotes, mas também a proteção do património cultural, a qualidade do meio urbano e do meio ambiente, a segurança das edificações e o público em geral; ao passo que no caso dos terceiros interessados, a legitimidade legal para a atribuição do poder de sub-rogação radica unicamente nos seus próprios interesses e na especial proteção que deriva do título que detêm, ou seja, dos direitos que já lhes foram conferidos pela licença urbanística.
Desta forma, pode concluir-se que a indicada sub-rogação é para a câmara municipal um poder-dever, enquanto que para os terceiros interessados configura uma mera faculdade. Pelo que nada obsta que estes demandem a câmara municipal para obterem a sua condenação ao cumprimento desse poder-dever de execução das obras de urbanização nos termos do art.º 84º do RJUE.
No caso ora vertente, está demonstrado que as obras de urbanização impostas pelo alvará de loteamento n.º 1/2011 não foram realizadas no prazo fixado pelo R., tendo a respetiva Câmara Municipal declarado a caducidade daquele alvará.
Pelo que, para assegurar a salvaguarda da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, bem como a segurança das edificações e do público em geral e ainda para proteção dos interesses dos AA. (enquanto terceiros adquirentes de lotes) impõe-se que o R. promova a realização das obras por conta do titular do alvará.
Aliás, não se compreende como é que o R., dispondo de uma caução de EUR 2.298.908,43 destinada a garantir a execução destas obras e tendo já declarado, por duas vezes, a caducidade do alvará de loteamento precisamente pelo facto de o loteador incumprir com o seu dever de executar as obras de urbanização referentes àquele loteamento, se mantém inerte sem promover a execução de tais obras, sabendo inclusivamente que é vontade dos adquirentes dos lotes que tais obras sejam efetuadas e que nisso revelam necessidade para proteção dos seus interesses.
A relutância do R. em acionar a caução prestada e executar as obras de urbanização é incompreensível e não encontra fundamento ou justificação em lugar algum, seja na letra da lei, no processo administrativo ou na pronúncia que fez na presente ação.
Como é sabido, os poderes dos tribunais administrativos abarcam apenas as vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, ficando de fora da sua esfera de sindicabilidade o ajuizar sobre a conveniência e oportunidade da atuação da Administração, mormente o controlo da atuação ao abrigo de regras técnicas ou as escolhas/opções feitas pela mesma na e para a prossecução do interesse público, salvo ofensa dos princípios jurídicos enunciados no art.º 266º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) – neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 01.10.2010 (proc. n.º 00514/08.4BEPNF).
No caso vertente é precisamente uma atuação vinculada que se impõe ao R..
Aquilo que vem pedido pelos AA. é que o R. seja condenado a agir, a adotar um comportamento que a lei lhe impõe, ou seja, a promover a realização das obras de urbanização por conta do loteador e por causa que lhe é imputável. E, efetivamente, assiste-lhes razão.
Decorrendo do art.º 84º do RJUE um poder-dever do R. sub-rogar-se ao loteador faltoso e realizar as obras de urbanização em falta relativamente ao loteamento titulado pelo alvará n.º 1/2011 já por si declarado caducado, existe uma vinculação legal do R. a agir no sentido pretendido pelos AA., o que determina a procedência desse pedido formulado.
Para tanto, deverá o R. tomar todas as resoluções e adotar todos os procedimentos necessários à execução dessas obras de urbanização, nomeadamente acionar a caução prestada, o que deverá fazer nos termos e prazos legais.

Vejamos:
Como se viu já, foi originária e predominantemente peticionado que o tribunal condenasse o Município de (...) a realizar as obras de urbanização referentes ao loteamento titulado pelo alvará n.º 1/2011, perante a omissão e inércia do respetivo promotor.

Correspondentemente, decidiu o Tribunal a quo julgar “(...) procedente a presente ação e, em consequência, condeno o R. Município de (...) a realizar as obras de urbanização referentes ao loteamento titulado pelo alvará n.º 1/2011”,

O que está pois em causa na presente Ação é designadamente saber se os Autores, aqui Recorridos tinham legitimidade para pedir a condenação do “Município de (...) a realizar as obras de urbanização referentes ao loteamento titulado pelo alvará n.º 1/2011”, considerando a circunstância do titular do alvará não as ter realizado.

Atenta a factualidade dada como provada e o direito aplicável, refira-se desde já que se não vislumbram razões para censurar a decisão recorrida.

Em sede de Recurso, alega o município que o regime previsto artigos 84.º e 85.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) - DL 555/99, de 16 de dezembro, tem um carácter excecional e taxativo, pelo que a responsabilidade pela execução das obras sempre deveria caber em primeira linha ao loteador, e só depois ao Município e ao terceiro adquirente.

Em qualquer caso, a posição descrita é exatamente aquela que determinou a decisão proferida e ora recorrida.

Com efeito, é ao titular do alvará que caberá originariamente e por natureza a realização das obras de infraestruturas que suportaram a sua aprovação.

No entanto, perante o eventual incumprimento do titular do Alvará na concretização das obras de infraestruturas que justificaram a aprovação daquele, e perante a prestação de Caução, haverá natural sub-rogação das responsabilidades, primeiro para o Município e só depois para o particular diretamente interessado na concretização das mesmas, como resulta lapidarmente dos referidos artigos 84.º/1 e 85.º/1 do RJUE.

A atuação dos Municípios, em função dos referidos normativos, não poderá pois deixar de atender às suas atribuições e competências no âmbito da qualidade do meio urbano, da segurança das edificações, assim como a proteção de interesses de terceiros adquirentes de lotes (cf.. o artigo 84.º/1 do RJUE).

A letra dos referidos normativos é lapidar e incontornável, como infra se transcreve:

Artigo 84.º
Execução das obras pela câmara municipal
1 - Sem prejuízo do disposto no presente diploma em matéria de suspensão, caducidade das licenças, autorizações ou comunicação prévia ou de cassação dos respetivos títulos, a câmara municipal, para salvaguarda do património cultural, da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações e do público em geral ou, no caso de obras de urbanização, também para proteção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, pode promover a realização das obras por conta do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia quando, por causa que seja imputável a este último:
a) Não tiverem sido iniciadas no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará ou do título da comunicação prévia;
b) Permanecerem interrompidas por mais de um ano;
c) Não tiverem sido concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações, nos casos em que a câmara municipal tenha declarado a caducidade;
d) Não hajam sido efetuadas as correções ou alterações que hajam sido intimadas nos termos do artigo 105.º
(...)”

“Artigo 85.º
Execução das obras de urbanização por terceiro
1 - Qualquer adquirente dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de frações autónomas dos mesmos tem legitimidade para requerer a autorização judicial para promover diretamente a execução das obras de urbanização quando, verificando-se as situações previstas no n.º 1 do artigo anterior, a câmara municipal não tenha promovido a sua execução.
(...)”

A existência de caução, torna a intervenção do Município tendencialmente isenta de custos, em face do que mal se compreende a relutância daquele em concretizar um conjunto de obras que, em bom rigor, são de interesse público.

Efetivamente a concretização das obras infraestruturais de um determinado Loteamento são essenciais para a sua existência, constituindo assim um imperativo para todas as partes envolvidas, enquanto pressuposto urbanístico dos lotes, viabilizando a sua existência e articulação com a envolvente.

Estando o Município, enquanto poder-dever, obrigado a substituir-se ao titular do alvará prevaricador, atenta a caução de que dispõe, mal se compreenderia que os adquirentes de Lotes estivessem impedidos de obter a condenação daquele a cumprir as suas obrigações sub-rogadas de natureza urbanística, quando seria até expectável que fosse o próprio Município a tomar a iniciativa tendente à reposição da legalidade urbanística.

Entende surpreendentemente o Município que a iniciativa que sobre si recai de repor a legalidade e normalidade urbanística se cinge nos termos do artigo 84.º/1 do RJUE a uma mera faculdade e não um poder-dever.

Se se admite que o Município possa ter alguma discricionariedade quanto ao momento exato em que a sua intervenção deva ter lugar, esse facto não pode determinar a eternização de uma situação de inércia permissiva, tanto mais que dispõe de uma caução exatamente para suportar os custos da intervenção devida, sendo que se o montante desta se mostrar insuficiente, o Município só se poderá queixar de si próprio.

Em qualquer caso, também mal se percebe como entende o Município que a sua intervenção neste tipo de situações será insidicável por parte dos tribunais, pois que, em bom rigor, não estamos perante uma situação a coberto de conveniência ou oportunidade de intervenção municipal, mas antes face ao necessário cumprimento da lei.

Os Municípios têm pois, no âmbito das suas Atribuições e competências na área urbanística, a obrigação sub-rogatória de realizar quaisquer obras de urbanização em falta, sempre que os titulares do respetivo alvará incumpram tal desiderato, como decorre do já transcrito artigo 84.º/1 RJUE.

Insiste o Recorrente que o regime dos artigos 84.º e 85.º do RJUE é taxativo, em face do que não contemplaria a possibilidade de um qualquer particular demandar um Município por forma a obter a sua condenação na realização de obras urbanísticas em falta.

Não se reconhece que assim seja, tanto mais que os Municípios, por via das Cauções prestadas pelos titulares dos Alvarás (no caso €2.228.980,43), dispõem do necessário suporte orçamental para a concretização das obras infraestruturais em falta.

Aliás, a não realização de obras das infraestruturais pelo titular de alvará de Loteamento e o não acionamento por parte do Município das cauções exatamente constituídas com vista a garantir a realização daquelas obras, sempre acabaria por redundar na consolidação de uma situação de impunidade permissiva, em favor do prevaricador.

Refira-se ainda que o facto recursivamente alegado dos aqui Recorridos terem procurado já preteritamente realizar as obras de urbanização diretamente “pelo facto de a Câmara não ter promovido a sua realização nos termos do art. 84º” o que constituiria renúncia a que fosse o Município a efetuar as mesmas, não faz sentido, pois que quaisquer diligências tendentes à resolução de uma questão que se arrasta há dezenas de anos, não poderá constituir renúncia a qualquer direito de demanda de entidade pública em última análise responsável pela resolução da questão.

Diga-se finalmente que estando em causa uma urbanização inacabada há perto de quarenta anos, mal se compreende como o próprio município como gestor e responsável primeiro pelo urbanismo na sua área territorial, não foi o primeiro a tomar a dianteira na realização e conclusão das obras em falta.

Em face de tudo quanto se discorreu, não se vislumbram razões para censurar o entendimento adotado em 1ª Instância, o qual aqui se ratificará.
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Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pelo Recorrente
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Porto, 5 de fevereiro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo Oliveira e Sousa