Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:04728/04 - Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:TRESPASSE DE ESTABELECIMENTO
RESCISÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Sumário:1. O tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que os sujeitos dão aos seus negócios.
2. O trespasse de estabelecimento comercial ou industrial é um contrato pelo qual se transfere, de forma definitiva e onerosa, a propriedade ou titularidade do referido estabelecimento, considerado no seu todo como unidade económica e dotada de autonomia e funcionamento.
3. O que se transmite é o direito ou o conjunto de bens e direitos, tangíveis ou não, que constituem o património da empresa ou do comerciante, ou seja, as instalações, as mercadorias, o nome, o lugar do estabelecimento e a própria freguesia que compõe e constitui o próprio estabelecimento comercial, isto é, a compra e venda da globalidade do estabelecimento.
4. Não há trespasse quando a transmissão seja desacompanhada da transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento. Ou, pelo menos, que sejam transmitidos os elementos mínimos que assegurem o funcionamento do estabelecimento.
5. Não configura um contrato de trespasse o negócio pelo qual a arrendatária rescinde o contrato de arrendamento com o senhorio a troco de uma indemnização paga por um Banco que naquele prédio pretende desenvolver o seu negócio.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:F..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O EXMO. REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou procedente a impugnação deduzida por F…, Lda. contra liquidação adicional de IVA/1998 com fundamento em preterição de formalidades legais e inexistência de factos tributários, dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões:

A) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação adicional de IVA do exercício de 1998, a qual resultou de ação inspetiva desencadeada à impugnante, com base na qual foram realizadas correções técnicas;
B) Concretamente, no decurso do procedimento inspetivo apurou-se que a impugnante recebeu em 29.10.1998 da Caixa Económica Montepio Geral a quantia de 40.000 contos pelo trespasse do estabelecimento sito na Av…, sendo que apenas foi contabilizado o montante de 15.000 contos;
C) Defende o julgador que dos autos não resulta que haja sido celebrado qualquer contrato de trespasse do estabelecimento e que na contabilidade da impugnante se encontra registado o recebimento da quantia de 15.000.000$00 em resultado da denúncia do contrato de arrendamento;
D) Conclui no sentido de que resulta do probatório que a impugnante provou que não recebeu a quantia de 25.000.000$00 que a AT afirma ter recebido e que não estão verificados os pressupostos para a tributação, do que discordamos;
E) Porquanto, dos factos descritos demonstra-se, sem margem para dúvidas, que a impugnante recebeu 40.000.000$00, em 29.10.1998, da Caixa de Crédito Montepio Geral, só tendo sido relevado na contabilidade 15.000.000$00;
F) A liquidação de IVA alvo da presente impugnação diz respeito, precisamente, ao acréscimo no volume de negócios da diferença entre o valor da transacção 40.000.000$ e o montante contabilizado 15.000.000$00, que perfaz 25.000.000$00;
G) Alega a impugnante que esta diferença resulta do pagamento, por parte da Caixa de Crédito Montepio Geral de 25.000.000$00, de benfeitorias realizadas individualmente por M...;
H) Sobre as obras alegadamente realizadas por M..., não foram em sede de fiscalização inicial nem tão pouco em sede de direito de audição entregues quaisquer comprovativos das referidas obras;
I) Declara a impugnante que a fracção A do art.º 1604 da freguesia de Tondela “foi entregue a M... em tosco”, no ano de 1986, contudo, não logrou provar a que título foi entregue, quer através de prova documental quer através de prova testemunhal;
J) No que concerne às obras alegadamente efectuadas no ano de 1986, não apresenta a impugnante como atrás já se referiu, qualquer documento de suporte relativo às mesmas, nem orçamentos, nem facturas, nem recibos, porém, estranhamente elenca pormenorizadamente as mesmas, chegando ao rigor de apontar exactamente os metros quadrados de azulejos e mosaicos que foram aplicados, bem como as medidas das bancadas de mármore e das montras;
K) A prova testemunhal produzida localiza temporalmente as obras entre 1986 e 1987, referindo que no total terão demorado cerca de ano e meio a dois anos, o que é corroborado pela data de conclusão da fracção, 10.11.1987, constante do sistema informático do património, pelo que se confirma, contrariamente ao alegado pela impugnante, que as obras terão abarcado também período em que a empresa já se encontrava constituída, tendo terminado sem dúvida após a sua constituição, visto que a empresa foi registada em 14.04.1987;
L) Em 06.06.1988, António…, M... e Agostinho…, outorgaram um contrato promessa de arrendamento da citada fracção, contudo, dado que na sua cláusula 1ª estipulam que “o arrendamento (…) tem o seu início em 01/04/1988”, somos de entendimento que se trata de um verdadeiro contrato de arrendamento;
M) Atente-se que o contrato aludido continha, na sua cláusula 4ª, que quaisquer benfeitorias realizadas e a realizar pelos segundos outorgantes passavam a fazer parte integrante do prédio, não tendo os arrendatários direito a qualquer indemnização, embora pudessem levantar aquelas que não causassem detrimento ao arrendado, pelo que ainda que tivessem sido realizadas as obras estas teriam com a rescisão do arrendamento revertido automaticamente para o prédio e consequentemente para o senhorio, perdendo os arrendatários o direito a qualquer indemnização quer do senhorio quer de terceiros;
N) Saliente-se que a impugnante bem como testemunhas por ela apresentadas, António… e A…, informaram sem margem para dúvidas que a Caixa de Crédito Montepio Geral não teria aproveitado qualquer benfeitoria realizada, tendo tudo destruído nas obras de adaptação à sua actividade, cabendo questionar a que propósito pagaria 25.000.000$00 pelas benfeitorias;
O) Atento o exposto e, dado que o Sr. M... de Figueiredo, na qualidade de sócio gerente da “F… Lda”, havia já, em 18.08.1998, apresentado uma proposta de trespasse àquela entidade, pelo valor de 40.000.000$00, é nosso entendimento de que estamos perante um negócio simulado, que visou o afastamento da tributação de 25.000.000$00;
P) Resulta, pois, dos elementos dos autos que a firma recebeu da Caixa de Crédito Montepio Geral, não só 15.000.000$00, mas também os 25.000.000$00, uma vez que no recibo referente a esta quantia consta também a assinatura do Sr. A…, sócio da empresa, declarando que recebera esse montante, tendo este, em sede de inquirição de testemunhas, reiterado a posição de que teria assinado porque também era sócio da empresa;
Q) Ora, acaso apenas tivesse sido o Sr. M... a receber aquele montante então só ele assinaria o recibo a declarar que recebeu, e não já os dois sócios;
R) Em conclusão, realça-se que a impugnante não lançou mão de qualquer prova documental, nomeadamente movimentos bancários daquela data que atestassem que M... foi o verdadeiro destinatário dos 25.000.000$00, comprovativos das obras realizadas, contratos de arrendamento outorgados, orçamentos solicitados, etc, bastando-se tão só com a prova testemunhal, incidindo esta primordialmente nas obras de benfeitorias, contudo, no nosso entendimento esta questão não releva, uma vez que a F… teria perdido o direito a ressarcir-se das mesmas, tendo o valor destas revertido para o prédio arrendado e consequentemente para o seu senhorio;
S) Por tudo o que antecede, não conseguiu a impugnante demonstrar que não recebeu a quantia de 25.000.000$00 que a AT afirma ter recebido, estando reunidos os pressupostos para a tributação;
T) Em suma, a douta sentença recorrida, ao não ter assim decidido, violou, além do mais, os artigos 342º do CC e 74º n.º 1 da LGT.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provado, o vício de falta de verificação dos pressupostos para a tributação imputado à liquidação impugnada, com as legais consequências.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação admitindo que o valor de € 25.000 recebido pelo sócio gerente da Impugnante se destinou a ressarci-lo das despesas que realizou na preparação do estabelecimento.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 25219, de 2000.01.31, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Viseu, procederam a uma acção de fiscalização à escrita da impugnante, que incidiu sobre os exercícios de 1998, que decorreu entre 2002.10.10 e 2002.12.05 e teve um âmbito geral e resultou de controlo cruzado vide doc. de fls. 9 e sgs. do PA, que se dão por integralmente reproduzidas, tal como as demais que se seguem ao longo deste probatório.
2. Do relatório de inspeção à escrita da impugnante, consta, entre o demais o seguinte:
II – OJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
(…)


III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Através de informação obtida em controlo cruzado, constatou-se que a firma F…, Lda, recebeu da Caixa Económica Montepio Geral, em 29.10 98, a quantia de 40 000 contos, pelo trespasse do estabelecimento sito na Av…..
Na escrita, apenas consta contabilizado o montante de 15 000 000$00, estando em falta o registo de 25 000 contos.
Questionado o sócio gerente Sr. M..., sobre a não contabilização dos 25 000 contos, justificou que essa importância respeita a investimentos feitos por si na loja antes da firma estar constituída, gastos esses que não constam da escrita (Vide auto de declarações em anexo).
O referido sócio, não apresentou provas documentais do investimento realizado.
Assim, afigura-se-me dever considerar o referido montante como proveito extraordinário, devendo ser acrescido ao lucro tributável declarado.
Nos termos do nº 1 do art. 4° do CIVA, a operação realizada está sujeita a IVA, donde se apura IVA em falta de 6 800 000$00, ou seja 40 000000$00 x 17%.

1998
Declarado
Proposto
Diferença
Vendas de mercadorias
12 839 836$00
12 839 836$00
------------------------
Prestações de serviços
17 614 758$00
17 614 758$00
------------------------
Proveitos e ganhos extraordinários
15 357 000$00
40 357 000$00
25 000 000$00
Total de proveitos
45 820 121$00
70 820 121$00
25 000 000$00
Total de custos
38 884 905$00
38 884 905$00
-------------------------
Resultado líquido
4 589 143$00
29 589 143400
25 000 000$00
Lucro tributável
7 242 732$00
32 242 732$00
25 000 000$00
- Cfr. fls. 7 a 12 do PA.

3. Da informação complementar do exame à escrita, após o exercício do direito de audição, consta, de entre o demais, o seguinte:
“2 - ASSUNTO :Informação complementar de exame à escrita; após o direito de audição
VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O contribuinte; exerceu o direito de audição nos termos do art. 60° da LGT e RCPIT.
Em resumo, apresentou as seguintes alegações:
- Diz não se tratar de trespasse do seu estabelecimento;
- A firma F… Lda, rescindiu por escrito o contrato;
- A F… Lda, por ter denunciado o contrato recebeu a importância de 15.000.000$00.
- Os 25 000 000$00 aludidos no relatório, foram recebidos por M..., não podendo a firma declarar ter recebido aquilo que efectivamente não recebeu;
- Os 25 000 000$00, não são mais do que o valor actualizado dos 10 000 000$00, que o sócio M... investiu há cerca de 15 anos, em benfeitorias nas instalações antes da firma estar constituída,
- Foi pago IVA correspondente aos 15 000 000$00 efectivamente recebidos.
Na análise das alegações apresentadas; e da reanálise dos elementos recolhidos, verifica-se o seguinte:
Que em ambos os documentos que serviram de recibo, um com a importância de 15 000 000$00, e outro, com 25 000 000$00, constam as assinaturas dos dois sócios;
Que na proposta de trespasse, cuja cópia se junta em anexo, consta o nome da firma F… Lda.
Assim, somos levados a concluir que foi efectivamente a empresa que recebeu e não O sócio;
Relativamente à alegação de que foi pago o IVA correspondente ao recibo de 15 000 000$00, verificou-se que efectivamente foi liquidado e entregue o IVA respeitante a esse documento, faltando, assim; liquidar o IVA sobre o recibo de 25000000$00,
Face ao exposto:
Deve considerar-se o montante de 25 000 contos como proveito da firma, devendo ser acrescido ao lucro tributável declarado e ser liquidado o respectivo IVA;
Uma vez que foi liquidado e entregue o IV A respeitante ao recibo de 15 000 contos, não se procede a correcção.
Os Pontos I, III e VII, do projecto de relatório passam a ter a seguinte redacção:
I - CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
Verificou-se, em análise aos elementos da escrita, que o montante de 25000 contos resultante de parte do "trespasse" do estabelecimento sito na Avª …, não foi contabilizado, pelo que é considerado como proveito, devendo ser liquidado o respectivo IVA, por força do disposto no n.º l do art.4° do CIVA.
Declarado
Proposto
Diferença
    Vendas de mercadorias ...
12 839 836$00
12 839 836$00
----------------------
    Prestações de serviços ...
17614758$00
17614758$00
--------------------------------
    Proveitos e ganhos extraord.
15 357 000$00
40357000$00
25 000 000$00
    Total de Proveitos .........
45 820 121$00
70820 121$00
25 000 000$00
    Total de custos ...... , ........
38 884 905$00
38 884905$00
---------------------------------
    Resultado liquido ...........
4589 143$00
29589 143$00
25 000 000$00
    Lucro tributável .............
7242732$00
32242 732$00
25 000 000$00
    IV A em falta ..................
4 250 000$00
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Através de informação obtida em controlo cruzado, constatou-se que a firma F…, Lda, recebeu da Caixa Económica Montepio Geral, em 29.10.98, a quantia de 40 000 contos, pelo "trespasse" do estabelecimento sito na Avª …J.

Na escrita, apenas consta contabilizado o montante de 15 000 000$00, tendo sido liquidado e entregue o respectivo IVA, estando em falta o registo de 25 000 contos.

Questionado o sócio gerente sr. M... R, sobre a não contabilização dos 25 000 contos, justificou que essa importância respeita a investimentos feitos por si na loja antes da firma estar constituída, gastos esses que não constam da escrita.

De acordo com os recibos emitidos e proposta de trespasse, concluiu-se que foi efectivamente a empresa que recebeu os 25 000 contos e não o sócio.

Assim, deve considerar-se o referido montante como proveito, devendo ser acrescido ao lucro tributável declarado.

Nos termos do n.º 1 do artº 4º do CIVA, a operação realizada está sujeita a IVA, donde se apura IVA em falta de 4 250 000$00, ou seja 25 000 000$00 x 17%

Declarado
Proposto
Diferença
    Vendas de mercadorias ...
12 839 836$00
12 839 836$00
-------------
    Prestações de serviços ...
17614758$00
17614758$00
-------------
    Proveitos e ganhos extraord.
15 357 000$00
40357000$00
25 000 000$00
    Total de proveitos .........
45 820 121$00
70820 121$00
25 000 000$00
    Total de custos ...............
38 884 905$00
38 884905$00
-----------------
    Resultado liquido ...........
4589 143$00
29589 143$00
25 000 000$00
    Lucro tributável
7242732$00
32 242 732$00
25 000 000$00
    NA em falta ...............
    4.250.000$00
cfr. doc. de fls. 6 a 32 do PA.
4. Com data de 18/08/1998, identificando a impugnante como emitente, foi dirigida ao Montepio Geral “Proposta de trespasse da Flôr da Mata, nos seguintes termos:

- imagem omissa -
cfr. doc. de fls. 33 do PA.
5. Com data de 29 de Outubro de 1998, M... e A…, na qualidade de sócios únicos da impugnante, emitiram a seguinte declaração de rescisão do contrato de arrendamento celebrado entre António… e a impugnante, onde esta possuía as suas instalações onde explorava a sua atividade comercial:
- imagem omissa -
cfr. doc. de fls. 19 e 19 verso do PA.
6. Com data de 29 de Outubro de 1998, M... e A…, emitiram o seguinte recibo referente à quantia de 25.000.000$00, respeitantes à parte de obras e benfeitorias feitas pelos mesmos no arrendado onde funcionou o estabelecimento comercial da impugnante:

- imagem omissa -
vide doc. de fls. 20 e 21 do PA.
7. Sob a matrícula n.º 00310/870414, encontra-se registado contrato de sociedade por quotas, denominada F…, Lda, com NIPC 5…, com sede em Rua…, Tondela, nela figurando como sócios M... e A…, sendo o primeiro nomeado como gerente. cfr. doc. de fls. 12 a 15 do PA.
8. Com data de 4 de Novembro de 1998, foi celebrado entre António… e mulher e a Caixa Económica Montepio Geral , contrato de arrendamento, pelo qual a segunda toma de arrendamento uma loja de rés do chão destinada a estabelecimento comercial designada por fração “A”, do prédio em regime de propriedade horizontal, sito às C… ou Quinta…, limite da freguesia e concelho de Tondela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela, sob o número… e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo 1…, cuja utilização se destina a atividade de comércio bancário – cfr. fls. 16 a 22 dos autos.
9. Com data limite de pagamento 30/06/2000, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IVA referente ao ano de 1998, n.º 00063923, no montante de € 21.196,91 e de juros compensatórios n.º 00063922, no montante de € 1.622,15 – cfr. fls. 10 e 11 dos autos.
10. As benfeitorias realizadas na fração onde veio a funcionar o estabelecimento da impugnante foram executadas entre 1986 e 1987, tendo sido ordenadas e pagas por M..., que veio a integrar a sociedade que deu origem à impugnante – cfr. Depoimento das testemunhas inquiridas.
11. O Sr. M... recebeu do Montepio a quantia de 25.000.000$00 a título de indemnização pelas benfeitorias que realizou no espaço onde veio a funcionar o estabelecimento da impugnante – cfr. depoimento da testemunha A…, que integrou a estrutura societária da impugnante.
12. Por sentença proferida no processo n437/13.5 BEVIS, do TAF de Viseu, foi decidido não se encontrarem prescritas aa dívidas respeitantes às liquidações impugnadascfr. fls. 73 a 93 dos autos
13. A presente Impugnação Judicial foi apresentada no dia 06/01/2003 – vide doc. de fls. 1 e sgs. dos autos.

*
IV. 2. Factos não provados:
Não fica provado que haja sido celebrado contrato de trespasse.
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados e não provado, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
*
IV. 3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum, (artigos 396.º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário).
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.
Da prova testemunhal produzida, resulta, no essencial o seguinte.
A testemunha António… disse que o Sr. M… é que pessoalmente o contactou para lhe alugar o espaço onde veio a funcionar a loja. A loja estava em tosco, só tinha a estrutura ainda em tijolo, sem portas, vidradas, caixilhos, etc e o contacto ocorreu em 1986/1987.
Que não pagou ao Sr. M… as benfeitorias e elas eram vultuosas. Frequentou o café da impugnante, que era o melhor que havia no concelho. O Montepio demoliu as obras que haviam sido realizadas colocando tudo em tosco, como estava quando o Sr. M… licenciou as obras e que hoje não é possível ver as obras que o Sr. M… fez porque o Montepio refez tudo. Que foi o Sr. M… que fez as obras e suportou as despesas e que o outro sócio não teria fundo de maneio para a executar. Referiu ainda que não pagou nada pela rescisão do contrato ou pelas benfeitorias.
A testemunha João…, referiu que foi contactado pelo Sr. M… para fazer um orçamento para as obras e apresentou um orçamento de 12 mil contos.
Por sua vez a testemunha J…, disse que foi quem executou trabalhos na loja onde veio a funcionar o estabelecimento da impugnante, contudo, como já decorreram mais de 20 anos sobre a altura em que realizou as obras de madeiras no estabelecimento da impugnante a pedido do Sr. M…, pelo que não tinha bem presente tudo como se passou, mas que o Sr. M… lhe pagou em dinheiro e em cheques e passou faturas em nome do Sr. M….
L…, referiu que o Sr. M… o contactou para umas obras por administração direta, que consistiam em rebocos, azulejos, mosaicos, etc, que executou aquelas obras mais ou menos durante um ano e que passou faturas ao Sr. M….
Por último A…, que também foi sócio na parte final da vida da impugnante, porque esta lhe devia algumas quantias, referiu que foi o Sr. M… quem fez as obras, que lhe confidenciou que estava arrependido do montante que investiu em benfeitorias e que foi o Sr. M… que recebeu os 25.000.000$00 para ser ressarcido dos valores que pagou na realização das benfeitorias.
O depoimento das testemunhas revelou-se credível e esclarecido e deles resultou que quem ordenou e pagou as benfeitorias realizadas no estabelecimento onde veio a funcionar o estabelecimento da impugnante foi o Sr. M..., que veio a ser sócio da impugnante, tendo essas obras sido realizadas entre 1986 e 1987 e que foi este mesmo Sr. que recebeu a quantia de 25.000.000$00, a título de indemnização pelas benfeitorias que suportou no espaço onde veio a funcionar o estabelecimento da impugnante.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a inspeção relativa ao exercício de 1998 tendo a AT concluído que a sociedade recebeu da Caixa Económica do Montepio Geral em 29/10/1998 a quantia de 40.000 contos pelo “trespasse” do estabelecimento sito na Avª…, mas na escrita apenas contabilizou a quantia de € 15.000 cts. em relação ao qual foi liquidado e entregue o respetivo IVA.
Em consequência, liquidou o IVA correspondente ao devido pelo recebimento do remanescente (25.0000).
Na tese da AT, o valor de € 40.000 (25.000+15.000) respeita na sua totalidade ao “trespasse” porque:
Na proposta de “trespasse” enviada ao banco consta o nome da sociedade F… Lda. e o montante de 40.000 cts. a título de trespasse.
Quer no documento de rescisão do contrato de arrendamento, quer no documento de quitação do valor das “benfeitorias” constam a assinatura dos dois sócios.
O contribuinte, por seu turno, defendeu que o contrato efectuado com o banco não é um contrato de trespasse e que o Sr. M... recebeu a quantia de 25.000 cts. pelas benfeitorias que fez pessoalmente na fração que veio a ser arrendada à F…, Lda.
Estas obras importaram em 10.000 cts. e foram iniciadas em 1986.
A sentença julgou procedente a impugnação, fundamentando-se na prova alcançada segundo a qual resulta que o Sr. M… ordenou, e suportou em exclusivo, os custos com as obras para que o estabelecimento explorado pela Impugnante se encontrasse em condições de laborar.
O recibo emitido (assinado pelos dois sócios da Impugnante) refere expressamente que o valor de 25.0000 cts. respeita à parte de obras e benfeitorias para instalação do estabelecimento comercial.
Além disso, não foi realizado qualquer contrato de trespasse. E na contabilidade da Impugnante foi registado o recebimento da quantia de € 15.000 cts. em resultado da denúncia do contrato de arrendamento.

Por isso, fundamentou a MMª juiz, “Da matéria de facto exposta, não se vislumbra como é possível à inspeção tributária concluir que se a impugnante tenha recebido a quantia de 25.0000.000$00, quando é outrem que declara que a recebeu, nas circunstâncias em que o fez, para ressarcimento de obras de benfeitorias que suportou no espaço cujo arrendamento foi denunciado, que, como resulta do probatório foram suportadas pelo M...”, concluindo pela procedência da impugnação.

A AT resiste a esta decisão e defende que sobre as obras alegadamente efectuadas não foram entregues quaisquer comprovativos da sua realização, nem se sabe a que título a fração foi entregue em tosco a M.... A conclusão da fração ocorreu em 10/11/1987, pelo que as obras terão abarcado também uma parte do período em que a empresa já se encontrava constituída, tendo terminado sem dúvida após a sua constituição, visto que a empresa foi registada em 14/4/1987.
Alem disso, em 6/6/1988 António…, M... e Agostinho… outorgaram um contrato promessa de arrendamento estipulando na clausula 1ª que o início do arrendamento tinha início em 1/4/1988.
Neste contrato se dispunha que quaisquer benfeitorias realizadas e a realizar pelos segundos outorgantes passavam a fazer parte integrante do prédio, sem qualquer indemnização.
Por outro lado, o recibo referente à quantia de € 25.000 cts. foi também assinado pelo Sr. A…, sócio da empresa, declarando que recebera esse montante. Caso apenas tivesse sido o Sr. M... a receber aquele valor, então só ele assinaria o recibo, e não os dois sócios.

Tendo em conta todos estes factos, e também que o Sr. M... de Figueiredo, na qualidade de sócio gerente da “F…” havia apresentado em 18/8/1998 uma proposta de trespasse ao Banco pelo valor de € 40.000 cts., a AT sustenta estarmos perante um negócio simulado que visou subtrair € 25.000 cts. à tributação.

Sintetizadas as questões mais relevantes, passemos agora à sua apreciação.

Uma das perspetivas pelas quais foi encarada a questão foi a de que a AT configurou o negócio entre a Impugnante e o Banco como um contrato de trespasse, mas como efetivamente não houve “trespasse” em sentido técnico jurídico, este fundamento de tributação seria logo afastado.

Porém, não nos devemos deixar prender nos conceitos usados pelas partes, porque o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que os sujeitos dão aos seus negóciosArt.º 5º/3 do NCPC: O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Cfr. Ac. do STJ n.º 02A1442 de 04-06-2002 Relator: GARCIA MARQUES
Sumário: II - A qualificação jurídica dada pelas partes não vincula o tribunal e nem a sua divergência em relação à feita pelas instâncias nem a que entre as instâncias ou entre estas e o Supremo Tribunal de Justiça possa ocorrer autoriza o recurso quer à ampliação da matéria de facto quer ao disposto no art. 237 CCIV.. O caso que apreciamos é disso paradigmático: embora o conceito de trespasse tenha sido utilizado na proposta contratual escrita que o Sr. M... fez ao Banco e tenha estado no horizonte da petição inicial e da sentença recorrida (pelo menos em parte), a verdade é que o negócio celebrado não reveste as caraterísticas de um contrato de trespasse, mas daí também não se retira qualquer relevo tributário.

Com efeito, o trespasse de estabelecimento comercial ou industrial é um contrato pelo qual se transfere, de forma definitiva e onerosa, a propriedade ou titularidade do referido estabelecimento, considerado no seu todo como unidade económica e dotada de autonomia e funcionamento. O que se transmite é o direito ou o conjunto de bens e direitos, tangíveis ou não, que constituem o património da empresa ou do comerciante, ou seja, as instalações, as mercadorias, o nome, o lugar do estabelecimento e a própria freguesia que compõe e constitui o próprio estabelecimento comercial, isto é, a compra e venda da globalidade do estabelecimento Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 221/09.0TBCDN.C1 de 17-04-2012
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Sumário:
IV - O estabelecimento pode ser objecto de transmissão definitiva ou temporária. Trata-se, de resto, do ponto mais significativo do seu regime: a possibilidade da sua negociação unitária, através de trespasse – se essa transmissão for definitiva – ou cessão de exploração - se a cedência do estabelecimento for meramente temporária (artºs 1109º e 1112º, nº 1, a) do CC).
V - O trespasse é apenas uma transmissão definitiva do estabelecimento. Só por si, não nos diz a que título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O regime do trespasse dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base.
VI - A locação de estabelecimento comercial é um negócio de transmissão a título temporário e oneroso de um estabelecimento - ao contrário do trespasse, é um negócio de transmissão do gozo, e não da propriedade do estabelecimento.
VII - Ao passo que o trespasse implica uma transmissão do domínio do estabelecimento, a locação envolve apenas a transmissão da fruição da sua exploração, ou seja, diferentemente do trespassário, que é investido num direito real de propriedade sobre o estabelecimento, o locatário é titular de um mero direito obrigacional de gozo, que lhe permite explorar em seu nome e por sua conta o estabelecimento, permanecendo o locador como proprietário – caso o seja - desse mesmo estabelecimento.
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A transmissão tem de ser definitiva. A mera transmissão temporária não configura um trespasse, mas sim uma locação de Estabelecimento. Não há trespasse quando a transmissão seja desacompanhada da transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento ou, pelo menos, que sejam transmitidos os elementos mínimos que assegurem o funcionamento do estabelecimento Nos termos do n.º 2 do art. 1112º do Código Civil, não há trespasse
a Quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;
b Quando a transmissão vise o exercício, no prédio, de outro ramo de comércio ou indústria ou, de um modo geral, a sua afetação a outro destino..

Ora, sabendo-se que não houve transmissão de estabelecimento e que o prédio foi afeto a outro destino que não o prosseguido pela Impugnante, podemos concluir com segurança não ter havido contrato de trespasse.

Mas isso em nada altera os pressupostos factuais e normativos da tributação baseada no n.º 1 do art. 4º do CIVA, segundo o qual são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

Assim, quer dos factos subjacentes à liquidação quer das normas invocadas, é irrelevante concluirmos que o contrato entre a Impugnante e o Banco não foi um contrato de trespasse.

O que importa, isso sim, é sabermos qual o valor da indemnização paga/recebida pela Impugnante a título de rescisão do contrato de arrendamento para libertação da fração que o seu estabelecimento ocupava.

E aqui deparamo-nos com duas teses antagónicas. A da sentença, decidindo que o valor recebido pela Impugnante foi apenas de 15.000 cts. e que os 25.000 cts. foram recebidos pelo Sr. M... a título de benfeitorias realizadas, e a da AT sustentando que o valor efetivamente recebido pela Impugnante foi de 40.000 cts. pretendendo apenas simuladamente retirar à tributação o montante de 25.000 cts.

Dos factos provados n.ºs 10º e 11º parece claro que a AT não tem razão:
10º As benfeitorias realizadas na fração onde veio a funcionar o estabelecimento da impugnante foram executadas entre 1986 e 1987, tendo sido ordenadas e pagas por M..., que veio a integrar a sociedade que deu origem à impugnante – cfr. Depoimento das testemunhas inquiridas.
11º O Sr. M... recebeu do Montepio a quantia de 25.000.000$00 a título de indemnização pelas benfeitorias que realizou no espaço onde veio a funcionar o estabelecimento da impugnante – cfr. depoimento da testemunha A…, que integrou a estrutura societária da impugnante.

Mas torna-se necessário olhar com mais profundidade porque o processo contém elementos algo perturbadores desta “linearidade” probatória.

E não nos referimos ao facto de na cláusula 4ª do contrato de arrendamento se mencionar que as benfeitorias não levantadas ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado para daí concluir que a impugnante, ou o Sr. M..., não poderiam fazer-se ressarcir das mesmas, pois isso só é assim no âmbito das relações entre os contraentes no contrato de arrendamento. Se o negócio for outro (rescisão de contrato de arrendamento) com outro contraente (Banco) nada impede que se ajuste uma verba a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas, mesmo que o Banco não as utilize, pois de outro modo o autor das benfeitorias (na tese da Impugnante) não seria reembolsado e sairia do negócio obviamente prejudicado.

Mas terá sido mesmo assim?

A pergunta que deixamos resulta de vários factos cuja articulação não é totalmente compatível com a prova alcançada, pelo menos sem mais algum esforço no sentido do seu esclarecimento.

Referimo-nos ao facto de a proposta de “trespasse” feita pela “F…” ao Banco mencionar o valor de 40.000.000$ a título de “trespasse” (que sabemos querer dizer “rescisão do contrato de arrendamento e saída do prédio”) e ao facto de o recibo ter sido assinado pelos dois sócios que declaram ter recebido o montante de 25.000.000$ e que tal verba respeita à “...parte de obras e benfeitorias feitas pelos mesmos no prédio arrendado...”.

Recebido por ambos e obras feitas pelos mesmos?

Mas na petição inicial a Impugnante alega que as obras foram efectuadas pelo Sr. M…, que as custeou integralmente pagando o montante de 10.000.000$, correspondendo a toda a poupança de uma vida (alínea S) da petição inicial) e na motivação da decisão de facto até se diz “...que o outro sócio não teria fundo de maneio para a executar...”) Parece-nos de pouca valia o testemunho do outro sócio da sociedade Impugnante, Sr. A… que confirmou ter sido o Sr. M…a que recebeu os 25.000.000$ para ser ressarcido das benfeitorias que realizou. Na verdade, a confirmar-se a tese de negócio simulado, o depoimento do Sr. A… não poderia ser muito diferente.
e que foi apenas ele (Sr. M…) que recebeu o dinheiro.

Ora vejamos uma vez mais o conteúdo do dito recibo:
- imagem omissa -

Se só o Sr. M… fez as obras porque é que declararam terem sido feitas por ambos?
Se só o Sr. M… recebeu o dinheiro, porque é que declararam ambos terem-no recebido?

Esclarecer esta questão, pode ser a chave para outras “perplexidades”:
Porque é que as “benfeitorias” valem (25.000 cts) mais do que o espaço (15.000 cts.)?
Porque é que a Impugnante propõe o “trespasse” pelo valor de 40.000 cts,. se afinal só recebe 15.000 cts.?

A Impugnante não fornece qualquer alegação ou explicação para estas questões, limitando-se a dizer que o valor de 25.000 cts. foi recebido a título de benfeitorias efetuadas pelo Sr. M... e que o Banco exigiu a assinatura do outro sócio que não teve participação na realização das benfeitorias (alínea Z da petição inicial).

Esta alegação é incompleta e insatisfatória em face dos documentos juntos aos autos e da força probatória que o art. 376º do Código Civil lhes confere, em especial o seu n.º 2 Provada a autoria de um documento particular não autenticado (cfr. art. 377º), nos termos previstos nos artigos 374º e 375º, e salvo arguição e prova da respetiva falsidade, fica plenamente provada a emissão das declarações nele contidas, salvo se se provar a sua inexactidão (cfr. art. 360º in fine, do Código Civil - Indivisibilidade da confissão)..

E mesmo que o Banco tivesse exigido a assinatura dos dois sócios (cuja razão não se descortina nem é explicado) não se compreende porque consta da declaração que as obras foram realizadas por ambos quando, a final, na petição inicial se diz que foi só por um...

Além disso, não se compreende, nem é esclarecido, a que título foi entregue a fração (em “tosco”, diz-se na douta petição inicial) ao Sr. M... para nela fazer as obras necessárias à instalação e ao funcionamento do estabelecimento da Impugnante que ainda não estava, sequer constituída.

O que seria expectável para quem investe nas obras “toda a poupança de uma vida” é que
celebrasse um contrato que lhe desse uma garantia mínima de não perder a totalidade do valor investido. Mas onde está esse contrato?
Se algum contrato houve entre o Sr. M... e o proprietário da fração ele não foi alegado, nem apresentado. Porém, se as obras tivessem sido efectuadas nas condições alegadas, seria razoável supor que tal contrato existiria.

Tudo isto só pode significar, a nosso ver, que a indemnização recebida do Banco pela rescisão do contrato de arrendamento e saída do prédio foi de facto no montante efectivo de € 40.000,00 e não de € 15.000,00 como alega a Impugnante.

Os factos indiciários recolhidos pela AT são consistentes, lógicos e fundamentados enquanto a Recorrida, por seu turno, não conseguiu provar a sua tese com um mínimo de credibilidade. Concluímos assim, que a liquidação adicional não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que o recurso deverá proceder acarretando a improcedência da impugnação.

Procedendo o recurso, cabe agora conhecer a questão alegada no art. 6º da douta petição inicial que não foi conhecida na douta sentença. Diz a Impugnante no art. 6º da douta petição inicial ter sido “...notificada para exercer o seu direito de audição, porém o Fisco não se pronunciou sobre toda a matéria alegada, o que ofende o princípio da audiência contraditória previsto nos artigos 3º e 517º do Cód. Proc. Civil, o que constitui a nulidade a que alude o n.º 1 do art. 201 do mesmo diploma legal”.

A MMª juiz "a quo" não se pronunciou sobre esta matéria, pelo que caberia a este TCA, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 665º do NCPC (correspondente ao anterior art.º 715º) dela conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida.

Mas como vemos da alegação, a Impugnante não indica qualquer facto concreto que sirva de fundamento à nulidade invocada. Não basta dizer-se que o Fisco não se pronunciou sobre toda a matéria alegada, porque ao Impugnante cabe expor na petição inicial os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (art. 108º/1 do CPPT)

Ac. Acórdão do STA n.º 0559/11 de 14-09-2011 Relator: ANTÓNIO CALHAU

Sumário:
II – É na petição inicial que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.
III – Ainda que o tribunal não esteja submetido à qualificação jurídica que as partes atribuem aos factos articulados, deve o autor na petição inicial invocar todos os factos integradores dos vícios, bem como invocar expressamente os vícios invalidantes do acto impugnado.
Ac. do STA n.º 010519 de 13-03-1996 (Relator: BENJAMIM RODRIGUES)
Sumário: I - O contencioso tributário está sujeito ao princípio dispositivo de alegação das causas de pedir em que se funda o pedido de anulação do acto tributário.
II - As causas de pedir são as concretas realidades de facto subsumíveis a qualquer ilegalidade inquinadora da validade do acto impugnado.
III - Há diferentes causas de pedir quantas as realidades que se invoquem que sejam subsumíveis, ainda que mais do que uma vez, à mesma causa abstracta de ilegalidade.
IV - O acórdão que conheceu de causas de pedir não alegadas sofre da nulidade de excesso de pronúncia.
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É aí que devem se alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.

E sendo embora verdade que, quanto às razões de direito, a sua falta ou incorreção não tem relevo decisivo, não se pode deixar de concluir que quem deduz impugnação judicial deve invocar expressamente todos os vícios invalidantes do acto na petição inicial mas também todos os factos essenciais integradores dos vícios (cfr. art. 552º/d) do NCPC).

Mas não alegou nem os factos essenciais (os que integram a alegada violação princípio da audiência contraditória) nem os complementares, nem os instrumentais Para a distinção entre estas diferentes categorias de factos, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pp. 71..
Não o fazendo, não podia o tribunal "a quo" - nem este TCA - pronunciar-se sobre vício “sustentado” em factos não alegados.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar procedente o recurso, revogar a sentença recorrida e em substituição julgar improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida em 1ª instância.
Porto, 16 de março de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira