Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00334/05.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/28/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO
PRAZO
INTEMPESTIVIDADE
MÁ FÉ
Sumário: I – Não é aplicável a norma do art.º 150.º do CPC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, por não se tratar de ato processual, a data em que o registo foi efetuado na estação dos correios, sendo o mesmo irrelevante para determinar a prática dentro do respetivo prazo (art. 66.º, n.º2 do CPPT e art. 20.º, n.º1 do mesmo CPPT) da interposição de recurso hierárquico.
II – Relevante para efeitos de aferição da tempestividade do recurso hierárquico apresentado em 2002 é a data da apresentação do mesmo no respectivo serviço da administração, em conformidade com as disposições então aplicáveis art. 26º do CPPT art. 80º do CPA.
III - Havendo elementos seguros que conduzam a um juízo positivo sobre o conhecimento pela parte da falta de razão da posição adotada, justifica-se a condenação por litigância de má fé.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Construtora..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
CONSTRUTORA ..., LDA., NIPC 5…, com sede em…, S. C. Dão, deduziu recurso contencioso, nos termos do artigo 76º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra a liquidação relativa ao exercício de 1997, na quantia global de 1 565,12€ (313 779$00).
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu foi proferida sentença, em 27 de abril de 2009, que julgou improcedente a questão prévia da inidoneidade do meio processual na parte em que se discute a intempestividade do recurso hierárquico e procedente a questão prévia da intempestividade do recurso hierárquico e consequente intempestividade da reação judicial posterior ao referido recurso, decisão com que a A. não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1º. A intempestividade do recurso hierárquico, invocada pela Administração Tributária e considerada na douta sentença, está contrariada pelas provas apresentadas pela impugnante, designadamente pela data 2002/05/29 do Doc. n.° 1; anexo à p. i.;
2º. Na douta sentença considera-se que a recorrente afirma a remessa pelo correio, sob registo postal, do recurso hierárquico;
3º. Esta realidade é um facto que aparece confirmada pela fotocópia que constitui o Doc. n.°1, junto à p. i.;
4º. É incompreensível que esta prova tenha sido ignorada na douta sentença;
5º. Assim, é lógico que a sentença devia ter ido no sentido oposto ao que seguiu, por resultar não provado o ponto de vista da Administração Tributária;
6º. É evidente que a douta sentença não teve em conta a prova que resulta de tal documento;
7º. Daí que tem de considerar-se desrespeitado o disposto no artigo 659.°, n.° 3 do CPC;
8º. Devendo a Administração Tributária cumprir a legalidade, estranha-se que na douta sentença tenha sido beneficiada, em desrespeito do princípio da igualdade das partes, previsto nos artigos 98.° da LGT e 3°-A do CPC:
9º. Foi uma clara adesão à falsa intempestividade que aniquila a força vinculativa do Direito, consubstanciada no aludido Doc. n.° 1;
10º. Face ao explanado e provado, designadamente, através de tal documento é evidente que nada justifica a condenação do recorrente, por má fé impondo-se, pelo contrário, o reconhecimento de que atuou dentro da legalidade;
11º. Tal condenação, em 4 (quatro) UCS, com base na demonstrada falsa intempestividade é uma nulidade da sentença, nos termos do artigo 125.°, n.° 1 do CPPT;
12º. Por consequência, é inadequada, por injusta, pelo que impõe-se a sua revogação; e
13º. A douta sentença não se pronunciou sobre as ilegalidades invocadas na p. i., o que constitui nulidade da sentença, nos termos do artigo 125.°,n.° 1 do CPC; e
14º. Do exposto ressalta o cumprimento da legalidade, por parte do recorrente em todas as instâncias em que esteve envolvido, pelo que não se justifica qualquer condenação por estar provado que a razão está do seu lado.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, o presente recurso deve obter provimento, com as consequências inerentes, designadamente a anulação do ato tributário e a revogação da condenação, como é de justiça.
A Fazenda Pública apresentou contra-alegações em defesa da manutenção da decisão em crise, embora sem formular conclusões.
O Exmo. Representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, pelo que importa apreciar e decidir.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, são as seguintes:
Ø Erro de julgamento de direito ao considerar intempestivo o recurso hierárquico, apresentado pela recorrente, decisão essa decorrente da desconsideração do documento por si apresentado com a petição;
Ø Erro de julgamento de direito quanto à condenação da recorrente como litigante de má fé, por excesso de pronúncia nos termos dos artigo 125º n.º 1 do CPPT, ao ter como pressuposto a “falsa intempestividade”, desajustada e inadequada;
Ø Nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125º, n.º 1 do CPPT, ao não se ter pronunciado sobre as ilegalidades invocadas em sede de petição inicial.

II - Fundamentação
1. De facto
1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância
A) A Recorrente CONSTRUTORA ..., LDA., relativamente ao IVA de 2007 (leia-se 1997) apresentou, via postal, em 02.05.2001, reclamação graciosa a qual, depois de a Reclamante ser notificada para o exercício do direito de audição prévia, foi indeferida, cfr. fls. 1 a 33 dos autos de reclamação graciosa, incorporada no Processo Administrativo apenso, aqui dada por reproduzida, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos.
B) Indeferimento comunicado à Recorrente em 06.05.2002, vide fls. 34 dos já aludidos autos de reclamação graciosa.
C) Não se conformando com o indeferimento a Recorrente interpôs recurso hierárquico, cuja petição inicial remeteu, via postal, em 11.06.2002, cfr. fls. 1 a 4 dos autos de recurso hierárquico incorporado no Processo Administrativo.
D) Recurso hierárquico que foi liminarmente indeferido por “comprovada intempestividade”, em 10.11.2004, vide fls. 5 a 8 dos autos de recurso hierárquico.
E) O indeferimento, com indicação das possibilidades de reação judicial, foi comunicado à Recorrente em 25.11.2004, cfr. últimas folhas do Processo Administrativo.
F) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi remetida via postal, no dia 24.02.2005, vide fls. 3.
G) A Recorrente confrontada com a exceção da intempestividade do recurso hierárquico e consequente “formação de caso resolvido ou decidido, o que obsta à interposição da presente ação com fundamento em vícios geradores da sua anulabilidade”, alegada pela Ré, e alicerçada nos factos referidos em B) e C), replicou dizendo que o registo postal foi remetido em 29.05.2002, assim defendendo a tempestividade do recurso hierárquico, cfr. fls. 38, 39 e 48.
H) Após a junção aos autos dos originais da Reclamação graciosa e recurso hierárquico daquela se deu conhecimento à Autora e concomitantemente foi instada a pronunciar-se sobre “a possibilidade de ser condenado por má fé pois afirmou factos que se afigura serem desconformes à realidade (o respeitante à data em que remeteu, via postal, o recurso hierárquico que deduziu); realidade que ela devia conhecer pois se trata de factos praticados pela parte, realidade que ela teve oportunidade de, especificamente, se pronunciar, e reafirmou quando confrontado com a versão apresentada pela Ré, vide Réplica a fls. 48.”, vide fls. 51 a 73.
I) Fê-lo reafirmando anterior argumentação e pugnando pela não aplicação da condenação por má fé., cfr. fls. 77 e 78.
J) A procuração forense outorgada nestes autos pela Autora foi subscrita pelo seu sócio-gerente Fernando dos Santos, o qual teve também intervenção ao longo do procedimento que determinou a liquidação de IVA do ano de 1007 (leia-se 1997) , cfr. fls. 19 destes autos, fls. 62, 63 do Processo Administrativo.
Aditamento oficioso
Afigura-se-nos, no entanto, que, ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, aditar matéria de facto que resulta provada, nos termos que passamos a explicitar e com o fundamento indicado após a enunciação do facto (aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto):
K) Alega a Autora em sede de petição que terminando o prazo para dedução do recurso hierárquico em 2002/06/05, a apresentação teve lugar antes daquela data, em 2002/05/29, data em que foi remetido pelo correio, sob registo postal, juntando, para efeitos de prova, cópia de registo postal RR 1802 4006 7 PT, enviado ao Chefe do Serviço de Finanças largo do balcão n.º 4, Santa Comba Dão (cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i. de fls. 18 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido);
L) O registo postal a que se alude em C), constante de fls. 4 do recurso hierárquico incorporado no processo administrativo apenso, corresponde o registo RR 1797 5333 9PT.
M) O recurso hierárquico foi efetivamente recebido no serviço de finanças em 12.06.2002, conforme carimbo de entrada n.º 4890 aposto no rosto do mesmo (cf. fls. 2 do recurso hierárquico incorporado no processo administrativo apenso aos autos).
III – 2. DE DIREITO
2.1 Da omissão de pronúncia
Delimitado que se mostra o objeto do presente recurso, cumpre conhecer em primeiro lugar da nulidade assacada à sentença sob recurso, de omissão de pronúncia, por ter desprezado o conhecimento das ilegalidades suscitadas, descritas em sede de petição sob o n.º 3ª, 4ª, 5ª e 6ª, a saber, ilegalidades assacadas ao processo de fiscalização (preterição na audição da interessada), ilegalidade da decisão do recurso aos métodos indiretos, falta de fundamentação desta e errónea quantificação da matéria tributável.
Como se sabe, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista tanto no art. 125º do CPPT como no art. 668º alínea d) do CPC, está diretamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art. 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Daí que exista omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
Conforme o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer». Como já se referiu, esta nulidade está diretamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais exceções invocadas), ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é suscetível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do ato tributário impugnado.
No caso vertente, desde já diremos, que não ocorre tal vício.
Com efeito, só se verificará omissão de pronúncia se o juiz deixar de se pronunciar sobre questão que lhe tenha sido submetida pelas partes e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão dada a outra questão.
No caso concreto dos autos, a decisão recorrida conheceu da tempestividade do recurso hierárquico e, de seguida, julgando procedente a questão prévia que lhe vinha suscitada da intempestividade do recurso hierárquico julgou “ … a intempestividade da reação judicial posterior ao referido recurso”, fundamentando o conhecimento da questão, do seguinte modo: “Alegou a Autoridade Recorrida que a Recorrente pretende atacar a liquidação de IVA do ano de 1997 pelo que o meio processual adequado seria a impugnação atento nomeadamente o disposto nas als. a), b) e d) do nº 1 e nº 2 do artigo 97º do Código de Procedimento e de processo tributário (CPPT), pelo que deve ser absolvida da instância. A Recorrente na tréplica disse concordar que o meio processual é o processo de impugnação mas que o recurso contencioso foi apresentado em obediência à notificação que lhe foi dirigida do indeferimento do recurso hierárquico e em respeito pelo artigo 76º, nº2 do CPPT; reafirmou a data do registo postal que originou a instauração do recurso hierárquico defendendo, consequentemente, a sua tempestividade.
Na parte que agora se analisa das questões prévias, a 1ª parte da petição inicial tem como objeto a discussão da tempestividade do recurso hierárquico tendo-se concluído pela inexistência do pressuposto do indeferimento, por intempestividade, do recurso hierárquico. Nesta parte, a forma processual usada é a adequada pois o que se ataca é o indeferimento, os seus fundamentos, do recurso hierárquico.
O demais, alegado contende com a legalidade da liquidação mas, como veremos, por decorrência da apreciação das questões prévias não se chegará à análise dos argumentos respeitantes àquela legalidade.”
E, em consonância com a fundamentação transcrita, conheceu da tempestividade da apresentação do recurso hierárquico e, por último, da tempestividade da própria ação Administrativa Especial.
Resulta assim evidente que a decisão sindicada não conheceu das ilegalidades assacadas quer ao procedimento de fiscalização, quer à liquidação, porque entendeu que não podia conhecer delas: isto é, o conhecimento daquelas questões ficou prejudicado pela solução que o Tribunal deu à questão da possibilidade de conhecimento – intempestividade da ação Administrativa Especial.
Quando o Tribunal, consciente e fundamentadamente, não toma conhecimento de qualquer questão, por entender que não pode dela conhecer, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. Esta só ocorrerá nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão de que devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
Não se verifica, deste modo, qualquer omissão de pronúncia da sentença recorrida.
2.2 Da extemporaneidade do recurso hierárquico.
Para fundamentar a procedência da questão prévia da intempestividade do recurso hierárquico e consequente intempestividade da reação judicial posterior ao referido recurso considerou a M.ª Juiz do Tribunal “a quo” que: “(…) a Autoridade recorrida defende a intempestividade do recurso hierárquico e a consequente preclusão da apreciação do mérito da liquidação.
As partes não estão em desacordo sobre o prazo para interpor recurso hierárquico e seu terminus, definindo o termo do prazo como sendo 05062002.
Onde divergem é na data da apresentação daquele: A Recorrente afirma que remeteu em 29052002, via postal o requerimento de interposição do recurso; a Autoridade Recorrida afirma que o recurso foi interposto em 11062002.
Sobre o litígio vindo de expor a junção aos autos do original do recurso hierárquico permitiu esclarecimento bastante. Mesmo assim a Recorrente, apesar de lhe ser dada a conhecer a junção e as consequências de infirmar factos que devia conhecer por pessoais, manteve o seu entendimento reafirmando o inicialmente alegado. É o que resulta da factualidade assente, vejam-se als. C), D), e G) a I).
Em conclusão, sem necessidade de mais considerandos, julgo procedente a questão prévia da intempestividade do recurso hierárquico e consequente intempestividade da reação judicial posterior ao referido recurso.”
É contra o assim decidido que, nos termos das alegações de recurso de que se deixaram transcritas as respetivas conclusões, se insurge a Autora, ora Recorrente, sufragando o entendimento de que o recurso hierárquico foi tempestivamente por si apresentado, em conformidade com o documento por si junto com a petição (doc. n.º 1 veja-se facto K ) e L) do aditamento ao probatório) fotocópia do registo postal por si remetido ao Serviço de Finanças em 29.05.2002, pelo que, tanto o recurso hierárquico como a ação administrativa especial são tempestivas.
Vejamos.
Da decisão proferida sobre o recurso hierárquico (desde que desfavorável ao contribuinte, obviamente), pode o mesmo utilizar o meio judicial adequado, que a norma do art.º 76.º, n.º2 do CPPT contempla, e que até lhe chama recurso contencioso (que hoje corresponderia à presente ação administrativa especial – cfr. art.º 191.º do CPTA), redação daquela norma que se afigura deficiente, já que nos casos em que a reclamação graciosa e subsequente recurso hierárquico, tenham por objeto a legalidade de um ato de liquidação, o meio próprio para reagir consiste na impugnação judicial, que não em tal recurso, de acordo com as características do catálogo das formas de processo judicial previstas no art.º 97.º do CPPT.
Como no presente caso, subjacente ao recurso hierárquico não se discutiu os vícios assacados ao procedimento e ao ato de liquidação, mas tão só da tempestividade do recurso hierárquico, o meio processual próprio, face ao disposto no art.º 97.º, n.º1, alínea p) e n.º2 do mesmo CPPT, para reagir judicialmente contra a decisão nele proferida, é a atual ação administrativa especial. Ato administrativo esse praticado em sede de recurso hierárquico que a ora recorrente desde logo não deixou de expressamente de invocar na sua petição inicial desta ação, onde no seu art.º 20.º e seguintes veio invocar da inexistência do pressuposto do indeferimento do recurso hierárquico por ter inexistido tal extemporaneidade, face ao termino do prazo para apresentar o recurso hierárquico em 05.06.2002 remeteu pelo correio, sob registo postal em 29.05.2002 o mesmo.
E, esta mesma factualidade, não deixou a ora recorrente de invocar, confrontada com a junção do original do recurso hierárquico e, posteriormente, em sede de conclusões de alegações do seu recurso.
Sendo tal ação administrativa especial o meio próprio para o ora recorrente vir a reagir contra o despacho que lhe indeferiu, por extemporâneo, o citado recurso hierárquico, importa este Tribunal, conhecer da bondade do decidido pelo Tribunal “a quo”, atento os factos fixados e relevantes para o efeito, na matéria das suas alíneas B), C) e D), entretanto completadas, com a matéria das alíneas K) e L), ora acrescidas ao mesmo probatório.
Sendo o prazo de 30 dias para o ora recorrente vir apresentar o citado recurso hierárquico, como se não coloca em causa – cfr. art.º 66.º, n.º2 do CPPT – prazo que é contado seguidamente – cfr. art.º 20.º, n.º1 do mesmo CPPT – no caso, iniciou-se em 06.05.2002 e findaria em 05.06.2002, no que as partes nem dissentem, antes residindo a dissensão da recorrente que tal requerimento foi por si remetido conforme registo postal que junta cópia em 29.05.2002 em contraposição com o registo constante do original do invólucro do registo postal, vulgo envelope, agrafado ao requerimento de recurso hierárquico, do qual consta a data de registo de remessa 11.06.2002.
Alega, para justificar tal diferendo, que o tribunal “a quo” não valorizou a sua alegação e meio de prova, raciocínio que à partida se afigura errado nos seus pressupostos factuais, o documento junto com a p.i. (doc. n.º 1 de fls. 18 dos autos físicos) alude a um registo postal com o carimbo de 29.05.2002 (cfr. alínea K) do probatório), o que em si nada esclarece quanto ao cerne da questão de saber qual foi o objeto remetido a coberto do aludido registo postal, cuja prova incumbia ao alegante.
Por outro lado, abalando a fiabilidade do registo apresentado pela autora/recorrente, temos o documento constante do Processo Administrativo apenso a fls. 38 (fls. 4 do recurso hierárquico incorporado) agrafado à petição do recurso hierárquico apresentado pela recorrente, sendo que desse subscrito consta que o registo postal foi efetuado no dia 11.06.2012, a que acresce o facto da identificação dos registos não terem qualquer correspondência, confrontar o teor da alíneas K) e L) do probatório.
Nesta conformidade, não logrou a recorrente, como se lhe impunha provar que o registo postal, contendo o recurso hierárquico por si deduzido ocorreu, como alega, em 29.05.2002.
Cumpre no entanto esclarecer, que ainda que se considerasse, e não considerámos, que o recurso hierárquico havia sido deduzido na data que consta da cópia do registo junto pela autora/recorrente (29.05.2002), há que ter em conta que nunca essa data seria atendível para o efeito pretendido, mas antes a data da entrada efetiva do recurso hierárquico no Serviço de Finanças 12.06.2002.
Vejamos.
Desde logo não é aplicável à situação dos autos a norma do art.º 150.º do Código de Processo Civil (CPC), na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro, que era do seguinte teor: «Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer atos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, valendo, neste caso, como data do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal». (sendo que alteração introduzida pelo Dec-Lei n.º 183/2000, de 10 de agosto, por força do Dec-Lei 320-B/2002 só viria a entrar em vigor a 15 de setembro de 2003 e a situação dos autos reporta-se a 2002. Temos, assim, que esta norma, de acordo com seus dizeres claros e explícitos, apenas é aplicável ao processo, a atos processuais, o que desde logo afastaria a possibilidade de nela incluir os procedimentos por força do disposto no art.º 9.º n.º2 do Código Civil, que naquela não são incluídos, pelo que, ao seu abrigo, a data em que tal registo foi efetuado na estação dos correios não poderia servir como facto relevante para determinar a prática dentro do respetivo prazo da interposição de tal recurso hierárquico.
É certo, que entretanto, a norma do art.º 26.º do CPPT foi alterada, tendo o seu corpo passado a ser o n.º1 e foi-lhe introduzido um n.º2 pelo art.º 44.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2003), com a seguinte redação:
«No caso de remessa pelo correio, sob registo, de requerimentos, petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária, considera-se que a mesma foi efetuada na data do respetivo registo, salvo o especialmente estabelecido nas leis tributárias.»
No entanto, porque a redação dada ao art. 26º n.º 2 do CPPT, pelo referido diploma legal só entrou em vigor em 2003, não pode a Recorrente pretender valer-se da data do registo postal da correspondência por que foi remetida a petição de recurso hierárquico aos serviço de finanças como data da prática do ato, por ser plenamente aplicável à situação o então disposto no art. 26º do CPPT que dispunha que «Os serviços da administração passarão obrigatoriamente recibo das petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações, com menção dos documentos que os instruam e da data da apresentação, independentemente das natureza do processo administrativo ou judicial».
Ora, dispondo o art. 80º do CPA que «A apresentação de requerimentos, qualquer que seja o modo por que se efetue, será sempre objeto de registo, que menciona o respetivo número de ordem, a data, o objeto do requerimento, o número de documentos juntos e o nome do requerente», temos como relevante para efeitos de aferição da tempestividade do recurso hierárquico (regulado no art. 66º e ss. do CPPT) a data da apresentação do mesmo no serviço de finanças 12.06.2002 (cfr. alínea M) do probatório).
Assim, também por este motivo, nunca poderia considerar-se como data da apresentação do recurso hierárquico o dia 29.05.2002.
Aqui chegados, temos por certo, tal como se decidiu na sentença sob recurso, da extemporaneidade do recurso hierárquico o qual, no entanto, ao contrário do ali decidido, não determina a intempestividade da subsequente Ação administrativa especial, mas conduz à formação de caso decido ou resolvido, que obsta ao conhecimento da mesma.
2.3 Do excesso de pronúncia – da condenação como litigante de má fé
A recorrente dissente ainda do julgado na parte em que foi condenada como litigante de má fé, alegando, que se está perante uma situação de excesso de pronúncia que, nos termos dos artºs.125º n.º 1, do CPPT, determina a nulidade da sentença, dado que nada justifica a condenação da recorrente enquanto tal, impondo-se, pelo contrário, o reconhecimento de que atuou dentro da legalidade, sendo a multa aplicada inadequada e injusta.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).
No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do CPPT, in fine (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.915).
Efetivamente, por via da conclusão 10ª, 11ª e 12ª, a recorrente insurge-se contra a condenação como litigante de má fé defendendo que a mesma não devia ter tido lugar atenta a posição que assumiu da “falsidade da intempestividade”, em suma, advoga a sua posição inicial de tempestividade do recurso hierárquico por si apresentado, com apoio no doc. por si junto com a petição.
Embora a Recorrente não inclua entre as normas que indica como tendo sido violadas pela decisão recorrida a relativa à condenação de litigância de má fé, pode interpretar-se as conclusões daquela reconduzindo as mesmas a imputação de erro da decisão recorrida em si, isto perante a decisão supra assumida da intempestividade do recurso hierárquico e fundamentos que a acompanham, o que por si afasta o enquadramento legal por si advogado de excesso de pronúncia.
Vejamos.
O art. 456.º do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT estabelece o seguinte:
Artigo 456.º
Responsabilidade no caso de má fé - Noção de má fé
1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”
Como se vê, apenas se justifica condenação por litigância de má fé em casos de atuação com dolo ou culpa grave (corpo do n.º 2).
No caso em apreço, existem elementos seguros que conduzam a um juízo positivo sobre o conhecimento pela Recorrente da falta de razão da posição por si assumida, confrontada diretamente sobre o assunto aquando da junção do original do requerimento de recurso hierárquico, não justificou a sua posição, nem procurou de algum modo esclarecer a discrepância, nem juntar novos elementos probatórios suscetíveis de algum modo minimizar a sua tomada de posição ou mesmo de sustentar a sua credibilidade (cf. alínea H) e I) do probatório).
Assim sendo, não podemos deixar de concordar com a fundamentação expendida sobre este ponto na sentença sob recurso, onde se pode ler: “A AUTORA confrontada com a possibilidade de condenação como litigante de má fé resultante de contrariar factos pessoais reafirmou argumentação anterior, cfr. als. C, D, G a I da factualidade assente.
3 No bom rigor sobre a alegada tempestividade do recurso hierárquico, que por sua vez alicerçou a dedução dos presentes autos “deduziu pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”.
Por isso, mostra-se justificada, adequada e justa a condenação por litigância de má fé, mantendo-se a sentença recorrida, na parte respetiva.
Improcedem, deste modo, as alegações do recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso, cumpre confirmar a sentença recorrida.
III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente
Porto, 28 de junho de 2012
Ass. Irene Neves
Ass. Pedro Marques
Ass. Nuno Bastos