Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00638/17.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECLAMAÇÃO
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:I - O pedido de dispensa de prestação de garantia reveste por lei natureza urgente - cfr. artigo 170.º, n.º 4 do CPPT.
II - Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia para obter a suspensão do processo de execução fiscal - como acto materialmente administrativo praticado no processo executivo ou como acto predominantemente processual - é de concluir que não há, nesse caso, lugar ao direito de audiência previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária – cfr. Acórdão do STA, n.º 5/2012, publicado no Diário da República n.º 204/2012, Série I, de 22/10/2012.
III - No primeiro caso, porque a urgência da tramitação - dez dias após a sua apresentação – cfr. artigo 170.º, n.º 4 do CPPT, é incompatível com o prazo entre oito e quinze dias, previsto no artigo 60.º, n.º 8 da LGT, para o exercício daquele direito, que dilataria, anormalmente, o prazo de decisão.
IV - No segundo caso, entende-se não haver lugar ao exercício do direito de audição, porque, sendo um acto predominantemente processual, não se lhe aplicam as regras próprias do procedimento, onde se inclui aquele.
V - O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia, deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (cfr. artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT); sendo sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os factos que preencham os respectivos pressupostos, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
VI - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos que se mostrem controvertidos.
VII - Revelando o requerimento de dispensa de prestação de garantia total omissão de factos integradores dos respectivos pressupostos, não se verifica défice instrutório, por impossibilidade de instrução.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:O..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O..., Lda., melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 08/02/2018, que julgou improcedente a reclamação formulada contra a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0809201701025767 e apensos, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, relativo a dívida exequenda no valor de €12.142.67.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto de decisão que julgou improcedente a reclamação apresentada de despacho proferido por órgão de execução fiscal e, em consequência, não isentou a recorrente de prestar garantia.
2. Desde logo, importa dizer que o despacho reclamado foi proferido sem que tenha sido cumprido o dever de audição do sujeito passivo relativo ao acto praticado.
3. De modo que, a Administração Tributária desrespeitou os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, uma vez que, está por demais consagrada a obrigatoriedade da audição prévia do interessado.
4. Sobre tal questão, a douta sentença recorrida pronunciou-se, limitando-se remeter para a jurisprudência firmada pelo STA nos termos do Acórdão n.° 5/2012, de 26.09.2012, que, salvo o devido respeito, não consubstancia nenhum Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.
5. Trata-se, sim, de um Acórdão proferido nos termos do art. 148° do CPTA, e não nos termos do art. 152° do CPTA.
6. Não foi tido em conta que a recorrente foi impedida de suscitar quaisquer novos elementos no direito de audição, designadamente juntando a prova que a AT entende que o requerimento carece.
7. É de realçar que, a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos artigos 52.° da LGT e 169.° do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa dessa prestação, nos casos previstos na lei, são de qualificar como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, de acordo com o disposto no art. 148.º do CPA.
8. Assim, a par do desrespeito da igualdade das partes, cuja ratio entronca nos artigos 13.°, 20.°, 267.° n.° 5 e 268°, todos da CRP, é clara e inequívoca a violação dos artigos 100° e 148° do CPA, dos artigos 54.°, 55.°, 60.°, n.° 5, e 98.° da LGT e do artigo 44.° do CPPT, que expõem, clara e suficientemente, tal obrigação.
9. Deste modo, a douta sentença é nula, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
10. O douto despacho reclamado padece de falta de fundamentação.
11. Tal despacho de indeferimento de dispensa de prestação de garantia não passa de um despacho-modelo copiado de muitos outros processos, salvo o devido respeito, elaborado em termos gerais e abstratos de forma a abranger um leque de casos, sem atender especificamente às circunstâncias de cada caso, designadamente às do caso sub judice.
12. De modo que, inexiste qualquer fundamento que sustente o despacho reclamado.
13. Num Estado de Direito como é o nosso, a fundamentação é um elemento estrutural do acto administrativo que, sem ela não é válido, juridicamente.
14. Logo, tem de consistir numa declaração formal expressa, explícita e contextual que traduza a representação externa de um procedimento anterior volitivo e intelectivo da responsabilidade do órgão competente para a decisão e reflicta a sua história racional.
15. Assim, a douta decisão recorrida ao entender que o despacho se encontrava suficientemente fundamentado, violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 74.°, n.° 1, 75° e 77.°, n.°s 1 e 2, todos da LGT, e ao previsto nos artigos 152.°, n.° 1 e 153.°, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo consequentemente nula, nulidade essa que expressamente se invoca.
16. A douta sentença não teve em conta que, em sede de fundamentação dos actos tributários, a lei impõe, quer a chamada fundamentação substancial (pressupostos reais e motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo), quer a fundamentação formal do acto administrativo, pelo que a mesma é, salvo o devido respeito, nula por não ter especificado os seus fundamentos de facto e de direito, de acordo com o disposto no artigo 125° do CPPT.
17. Em virtude de padecer de escassos recursos económicos, não dispondo de meios económicos para prestar a garantia exigida, a recorrente requereu a dispensa de prestação de garantia.
18. Invocando, a recorrente que os factos que justificam e provam a manifesta falta de meios económicos estão na posse da AT - porquanto tratam-se de elementos contabilísticos,
19. Porquanto, a recorrente está obrigada a enviar periodicamente declarações de IRC.
20. É por demais evidente de tais elementos na posse da AT, que a recorrente não tem ativos suficientes para prestar a garantia bancária, nem tampouco tem acesso a crédito bancário.
21. Os elementos que provam a manifesta insuficiência de meios são do conhecimento oficioso da AT.
22. De qualquer modo, ainda assim, foi junto o balancete do imobilizado.
23. O certo é que, tendo sido alegada a insuficiência económica, tendo sido junto em elemento contabilístico e invocados os demais elementos existentes na posse da AT, tinha a AT, salvo o devido respeito, a obrigação de proceder à investigação oficiosa, solicitando-lhe, eventualmente, os esclarecimentos que entendesse pertinentes, ao abrigo do princípio do inquisitório e da investigação e do dever de colaboração e de cooperação recíproca, e carrear para os autos os elementos concretos de prova que a recorrente afirmou estarem na sua posse.
24. Em face do exposto, dúvidas não há que a douta sentença recorrida violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 170.° do CPPT e 52.°, n.° 4 da LGT, e aos princípios do inquisitório e da investigação e do dever de colaboração e de cooperação recíproca que impende sobre a AT.
25. Assim, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, o que se invoca expressamente para todos os efeitos legais.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue a reclamação apresentada procedente por provada.
A SEMPRE E ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal promoveu que se remetesse o processo ao tribunal recorrido, para que aí fosse emitida pronúncia acerca da invocada nulidade da sentença.
Contudo, o disposto no artigo 617.º, n.º 5 do Código de Processo Civil consubstancia uma faculdade, destinada às situações em que tal se mostre indispensável; uma vez que está em causa um processo com tramitação urgente e não se vislumbra a referida indispensabilidade, este tribunal opta por decidir o recurso desde já.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por falta de fundamentação, e em erro de julgamento, por não ter concluído pela violação do direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT, por concluir que a decisão de que se reclama se mostra fundamentada e por considerar que não foi feita prova dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
1. Em 9/10/2017, foi apresentado pelo Reclamante no Serviço de Finanças de Coimbra, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0809201701025767 e apensos, pedido de dispensa de prestação de garantia, relativo a dívida exequenda no valor de €12.142.67.
(cf. informação constante a fls. 16 dos autos; requerimento a fls. 17 e informação constante do projeto de decisão a fls. 20 dos autos);
2. O pedido de dispensa de prestação de garantia referido no ponto anterior, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido, não foi acompanhado de qualquer prova documental, constando do mesmo o seguinte:
«(…)
2.º
Dispõe o n." 6 do art. 199° do CPPT:
"A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25/prct. da soma daqueles valores, sem prejuízo do disposto no n.º 13 do artigo 169.º.”
3.º
Sucede que, a requerente padece de escassos recursos económicos - para tanto basta atentar aos baixos valores aqui em execução e que a mesma não consegue pagar.
4.º
Na verdade, a requerente não consegue fazer face às elevadas despesas que enfrenta,
5.º
Que são inúmeras,
6.º
Contando que os créditos também constituem despesas.
7.º
A verdade é que, a requerente tem de fazer face a diversas despesas,
8.º
Considerando a sua situação económico-financeira, a requerente não dispõe de meios económicos para prestar a garantia exigida por lei.
9.º
Não obstante estar a canalizar todos os esforços económicos para cumprir pontualmente as suas obrigações,
10.º
A requerente não dispõe de meios económicos para prestar a referida garantia.
11.º
Pelo que, vê-se totalmente impossibilitada de prestar a garantia exigida por lei para suspender os presentes autos.
12.º
E, mesmo que, por remota hipótese, que apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, pudesse prestar tal garantia, sempre isso implicaria um prejuízo irreparável à mesma.
13.º
De facto, no caso presente, verifica-se uma situação de manifesta falta de meios para prestar a garantia.
14.º
Pois, a prestação de tal garantia geraria uma situação de carência económica do executado, de tal modo que este deixaria de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das suas necessidades básicas.
15.º
Desta forma, requer-se, a V. Exa., ao abrigo do art. 170.º do CPPT e 52.º, n.º 4, da LGT, a isenção da prestação de garantia, uma vez que estamos perante um caso de manifesta falta de meios económicos.
16.º
Caso este que, integra uma das situações de isenção de prestação de garantia, expressamente previstas no art. 52.º, n.º 4, da LGT.
17.º
Acresce que, de acordo com o art. 170.º, n." I do CPPT, quando a garantia possa ser dispensada, nos termos previstos na lei, deve a executada requerer dispensa ao órgão de execução fiscal no prazo referido no n.º 2 do art. 169.º do CPPT.
18.º
Ou seja, dentro do prazo de 15 dias após a notificação para prestar a garantia.
19.º
Logo, o presente pedido é, para além de fundamentado, tempestivo. (…)».
(cf. requerimento a fls. 17 e segs. dos autos);
3. Em 17/10/2017, foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças de Coimbra, na sequência de projeto de decisão elaborado em 11/10/2017 e nos termos do qual foi manifestada concordância com o referido projeto, nos termos e fundamentos constantes da informação n.º 831 e parecer que aqui se dão como integralmente reproduzidos, transcrevendo-se, em parte, o referido projeto de decisão:
«(…)
Nos termos do n.º1, 2 e 4 do art 52.º da LGT e art. 169° do CPPT, poderá a requerente ser dispensado da prestação de garantia, se demonstrar que dessa prestação decorre prejuízo irreparável para a executada ou que se verifica uma situação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Em qualquer dos casos torna-se necessário que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.
Quando ao ónus da prova, veja-se o art.º 74.º, n.º 1 da LGT e o art. 342.º do Código Civil e ainda o que vem referido no art. 170.º n.º3 do CPPT, cabe ao executado o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que este pretende ver reconhecidos.
Quer a dispensa de prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável quer na manifesta falta de meios económicos do executado é sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores.
Quanto ao prejuízo irreparável com a prestação da garantia, deve o executado indicar em que é que ele se concretiza e indicar as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de tal prejuízo vir a ocorrer caso a mesma lhe venha a ser exigida.
(…)
No caso em apreço, a executada, apenas alude que a prestação causa um prejuízo irreparável face falta de meios económicos
Na verdade a executada deveria demonstrar quais os concretos prejuízos, que em termos de causalidade adequada, provavelmente lhe advirão com a prestação de garantia, e que simultaneamente, sejam susceptíveis de serem qualificados como irreparáveis.
Quanto ao segundo requisito alternativo da dispensa da prestação de garantia, importa analisar a alegada manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o tratamento da divida exequenda e acrescido, também não fica também demonstrado, porque, não obstante, no requerimento apresentado pela reclamante resulta que a mesma começa por alegar... " não dispõe de meios económicos para prestar a garantia ... ". Sendo que o argumento elencado não preenche por si o pressuposto em causa.
Pelo exposto, sou de parecer que se indefira o pedido de dispensa de garantia por inexistência de prova quer quanto à manifesta falta de meios económicos, quer quanto a um prejuízo irreparável que a prestação da garantia para suspensão dos processos de execução fiscal indicados causará ao requerente. (…)».
(cf. projecto de decisão a fls. 20 e segs. dos autos, despacho a fls. 23 dos autos e informação e parecer a fls. 23, verso, e segs. dos autos);
4. Em 19/10/2017, foi proferido despacho pelo Sr. Chefe de Finanças de Coimbra, nos termos do qual se adere à informação que se dá, aqui, como integralmente reproduzida, e que se passa a transcrever:
«(…)
A- PRESSUPOSTOS DE CUJA VERIFICAÇÃO DEPENDE A DISPENSA DE GARANTIA
1 - A prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado; ou
2 - A prestação da garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescidos;
3- Face à nova redacção dada ao n.º 4 do art. 52.º da LGT, dada pelo art. 225.º da Lei nº 42/2016 de 28 de dezembro, salvo melhor interpretação quer se baseie no pressuposto 1., quer no pressuposto 2., será sempre de deferir caso o interessado o requeira e desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Nestes termos, os pressupostos referidos em 1. e 2. são alternativos, ou seja, basta que se verifique um ou outro, enquanto que o pressuposto referido em 3. é sempre de verificação necessária.
O ónus da prova da verificação dos fatos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1 da LGT, art. 342.º do Código Civil), neste caso sobre o contribuinte executado.
B- VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Na sequência da análise ao pedido, verifica-se que não se mostra suficientemente fundamentada uma sequer que seja das duas condições essenciais que alicerçam o pedido de dispensa e já anteriormente referidas e cujos fundamentos e provas são ónus do requerente:
1 - A que a prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado, ou
2 - A prestação de garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da divida exequenda e acrescido,
A AT desconhece a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, facto também ele condicional da dispensa da prestação de garantia.
Pelo exposto, tendo em conta as omissões de fundamentação da petição e da falta de junção de qualquer meio de prova por parte da requerente, e por todo o exposto, deve o pedido de dispensa de prestação de garantia ser INDEFERIDO. (…)».
(cf. Despacho e informação a fls. 26 e segs. dos autos);
5. Em 19/19/2017, foi emitido ofício destinado a dar conhecimento à Reclamante do Despacho referido no ponto anterior, o qual foi entregue em 20/10/2017.
(cf. ofício a fls. 28 e print dos CTT a fls. 29 dos autos);
6. Do balancete geral da Reclamante relativo a 2015 consta o seguinte:
- imagem omissa -
(cf. balancete a fls. 38 e segs. dos autos);
7. Em 3/11/2017, a presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital.
(cf. carimbo aposto no doc. a fls. 5 dos autos).
*
Factos provados: os acima enunciados de acordo com a prova documental que nos mesmos é referida e que não foi objeto de qualquer forma de impugnação.
Factos não provados: não ficaram por provar quaisquer outros factos alegados pelas partes, ou que fossem necessários apurar para melhor julgamento da presente causa.
Convicção: A convicção do Tribunal assentou na prova documental junta aos autos e que não foi objeto de infirmação.”



2. O Direito

A primeira questão suscitada pela Recorrente respeita à invocação da nulidade da sentença, por ausência de fundamentação, referindo-se genericamente ao artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT):
“(…) Assim, a douta decisão recorrida ao considerar o despacho reclamado suficientemente fundamentado, violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 74.º, n.° 1, 75° e 77.º, n.°s 1 e 2, todos da LGT, e ao previsto nos artigos 152.º, n.º 1 e 153°, n.°s 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo consequentemente nula, nulidade essa que expressamente se invoca.
A douta sentença não teve em conta que, em sede de fundamentação dos actos tributários, a lei impõe, quer a chamada fundamentação substancial (pressupostos reais e motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legitima de findo), quer a fundamentação formal do acto administrativo, pelo que a mesma é, salvo o devido respeito, nula por não ter especificado os seus fundamentos de facto e de direito, de acordo com o disposto no artigo 125° do CPPT. (…)”
Uma sentença tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
Nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Como explicava já o Prof. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, no seu volume V, na página 140, «(…) por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º»
No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário.
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto e de direito da sentença do Tribunal “a quo”, é este fundamento do recurso manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Nestes termos, e independentemente da questão de saber se a fundamentação ínsita na sentença é ou não convincente, se está certa ou errada ou, ainda, se está incompleta por não ter apreciado o vício de falta de fundamentação em sentido amplo, ou seja, nas suas duas vertentes – fundamentação substancial e fundamentação formal do acto administrativo (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não pode dizer-se que ocorre a invocada nulidade.
Aliás, não podemos deixar de frisar que a Recorrente nem sequer invocou o vício de falta de fundamentação na petição inicial, pelo que, não se tratando de questão de conhecimento oficioso, não tinha o tribunal recorrido que apreciar tal questão, como não o efectuou.
Concluindo, improcedem as conclusões do recurso incidentes sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida.

Constitui, ainda, objecto do presente recurso a sentença proferida pelo TAF de Coimbra que manteve na ordem jurídica o despacho reclamado, que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia efectuado pela aqui Recorrente.
Tendo a sentença a quo julgado improcedentes a totalidade das questões invocadas na petição inicial, veio, nesta sede recursiva, a Recorrente invocar que o tribunal recorrido errou no julgamento de facto e de direito ao considerar que não foram violados os direitos de audição prévia e de fundamentação do despacho reclamado e, além do mais, que andou bem o Chefe do serviço de finanças quando considerou não estarem preenchidos os pressupostos para a dispensa da garantia. Para tanto, a Recorrente utiliza os fundamentos constantes das alegações e condensados nas conclusões de recurso supra transcritas.
Posto isto, vejamos, começando pela preterição de formalidades essenciais, nomeadamente a falta de audição prévia antes de ser proferido o despacho reclamado.
A Recorrente mantém aqui o entendimento que já havia defendido em 1.ª instância, ou seja, que, previamente ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado, a Administração Tributária (AT) estava obrigada a assegurar o exercício do direito de audição, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT).
A sentença recorrida rejeitou este entendimento, estribando-se, para tanto, em jurisprudência do STA que invocou.
A questão jurídica que é colocada no presente recurso foi já apreciada em julgamento ampliado, pelo STA, efectuado ao abrigo do artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conforme consta do acórdão n.º 5/2012, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 244, de 22/10/2012 (a que corresponde, na Secção Tributária do STA, o processo n.º 708/12), nele se tendo decidido que «independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) - acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (artigo 60.º da LGT) […]».
Ora, como se retira das declarações de voto apostas no referido Acórdão e se confirma pela leitura de outros acórdãos do STA (como são disso exemplo, os acórdãos de 23 de Fevereiro de 2012 (proc. n.º 59/12), de 12 de Abril de 2012 (proc. n.º 247/12), de 9 de Maio de 2012 (proc. n.º 446/12), 23 de Maio de 2012 (proc. n.º 489/12), de 7 de Março, 11 de Julho e de 8 de Agosto de 2012 (proc. n.º 185/12, 665/12 e 803/12, respectivamente) e de 12 de Setembro de 2012 (proc. n.º 864/12).), a divergência verificada entre os Senhores Conselheiros é relativa unicamente ao discurso argumentativo que fundamenta a inaplicabilidade da norma contida no artigoº 60º da LGT, pois que a orientação por todos assumida é unânime no sentido dessa inaplicabilidade.
Vale a pena, pois, até por ser aqui inteiramente aplicável, ter presente o que, em parte, ficou dito no citado acórdão proferido no processo n.º 708/12, de 26/09/2012, cuja fundamentação merece a nossa inteira concordância. Aí se deixou consignado, além do mais, que:
“Da aplicação do direito de audiência no procedimento de dispensa de prestação de garantia.
3.1. O art. 60° da LGT dispõe, sob a epígrafe «Princípio da participação»:
«1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) ...
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; (...).»
3.2. A questão da aplicabilidade deste preceito face a pedido de dispensa de prestação de garantia não tem tido uma resposta uniforme da jurisprudência, como dá nota a decisão recorrida.
É que, embora se aceite, sem discrepância, a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à AT para a prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal (sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer actos praticados pela mesma AT (…) já, no que tange à natureza do acto aqui em questão (indeferimento do pedido de isenção de garantia - arts. 170º do CPPT e 52º nº 4 da LGT), não tem havido unanimidade (Esta divergência jurisprudencial não será alheia à particular natureza do processo de execução fiscal. Veja-se que, por exemplo, Casalta Nabais aponta que «muito embora a LGT, no seu art. 103°, disponha que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, o certo é que estamos perante um processo que é judicial só em certos casos e, mesmo nesses casos, apenas em parte, já que um tal processo só será judicial se e na medida em que tenha de ser praticado algum dos mencionados actos de natureza judicial.» (cfr. Direito Fiscal, 5ª ed., Almedina, 2009, p. 341).) de posições: sustenta-se, por um lado, que estamos perante a prática de um acto predominantemente processual e relativamente ao qual, por isso, não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a regra constante do art. 60º da LGT (cf. o ac. de 7/3/2012, rec. 185/12) e, em contrário, argumenta-se, por outro lado, que esse acto se configura como acto administrativo praticado por órgãos da AT no âmbito do processo de execução fiscal (como sucederá, por exemplo, também com as decisões de suspender um processo de execução fiscal (art. 169º) e/ou de apreciar pedidos de pagamento em prestações (art. 196º) ou dação em pagamento (art. 201º, todos do CPPT). De acordo com este último entendimento, tais actos poderão ser definidos como actos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projectam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. art. 120º do CPA, e na jurisprudência, os acs. deste STA, de 14/12/2011, rec. nº 1072/11, de 2/2/2011, rec. nº 8/11).
E, a nosso ver, é de aceitar esta posição, pois que, confrontada a natureza dos actos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, nomeadamente o pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulação habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação, é inquestionável que tais actos haverão de ser qualificados como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite. (Neste sentido parece apontar, igualmente, Casalta Nabais, quando refere que, nos termos do art. 151° do CPPT, cabe aos Tribunais Tributários «decidir os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação dos créditos, a anulação da venda e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da administração tributária em sede da execução fiscal» (ob. cit. p. 253, bem como pp. 340/341).
Também a justificar a natureza administrativa (acto administrativo em matéria tributária), alguma doutrina (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Editora Encontro de escrita, p. 429, anotação 11 ao art. 52º) pondera que “O texto do nº 4 do art. 52º da LGT, na parte em que se refere que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia…», utiliza a fórmula habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação. Por outro lado, é claro por aquele texto que se trata de um poder que é atribuído à administração tributária, enquanto tal, pelo que não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a actividade deste de resumir-se à verificação de ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação dos valores que se integram nessa margem”.
3.3. Todavia e não obstante esta conclusão, a mais recente jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário do STA tem também vindo a acentuar, de forma dominante, que não há lugar, neste caso, ao exercício do direito de audiência previamente à decisão do pedido de prestação de garantia, porque a isso obsta a natureza urgente que o legislador atribuiu ao respectivo procedimento – nº 4 do art. 170º do CPPT (cfr. os citados acs. de 20/6/2012, rec. nº 625/12, de 9/5/2012, rec. nº 446/12, de 23/5/2012, rec. nº 489/12 e de 23/2/2102, rec. nº 59/12). (O ora relator subscreveu, aliás, o acórdão de 23/5/2012, no recurso nº 489/12, apondo declaração de voto no sentido de revisão da primitiva posição sufragada no anterior acórdão de 14/12/11, rec. nº 1072/11 (que é referenciado pelo recorrente para apoiar a sua alegação – cfr. Conclusões XXI a XXIX) quanto à aplicação do regime do art. 103º do CPA, ou seja, no sentido de que, face à urgência objectiva de prolação da respectiva decisão, revelada pelo art. 170º do CPPT, deve apelar-se ao regime contido no CPA, cujo art. 103º, nº 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no art. 2º, al. c), da LGT.)
E, na verdade, a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no art. 170º do CPPT é de configurar como circunstância que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 103º do CPA (aplicável por força da al. c) do art. 2º da LGT), sendo que tal situação de urgência (determinante da não audiência dos interessados) ocorre quando haja de se prosseguir determinada finalidade pública em que o factor tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais.
Ora, sendo certo «que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correcta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objectivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de carácter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103º, nº 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário» (citado ac. de 23/2/2012, rec. nº 59/12).
A prescrição de um prazo imperativo tão curto, associado à preocupação do legislador em estabelecer que do pedido devem constar as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e que o mesmo deve ser instruído com a prova documental pertinente, apontam no sentido de a AT ser chamada a decidir apenas com base nos elementos que lhe forem aportados pelo executado, recaindo sobre ele o ónus de instruir o procedimento com todos os elementos necessários à formação da decisão pela AT. Ou seja, é de concluir que o legislador, tendo em conta a forma como regula os elementos que devem constar do requerimento e o prazo exíguo para a resposta da AT, não quis deliberadamente assegurar o direito de audiência.
Neste sentido, Diogo Leite de Campos, et all., anotam que o prazo de decisão extremamente curto previsto no nº 4 do art. 170º do CPPT impõe a conclusão que não é legalmente assegurado o direito de audiência prévia nos casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia: “A inviabilidade prática de assegurar o direito de audição do requerente da prestação de garantia nos termos previstos na LGT reconduz-se a que se esteja perante mais um caso em que, implicitamente, se estabelece que não há direito de audição, caso este que, aliás, até se enquadra sem esforço apreciável na alínea a) do nº 1 do art. 103º do CPA, em que se afasta o direito de audição prévia «quando a decisão seja urgente»: no caso em apreço, o facto de se estabelecer um prazo imperativo de 10 dias para decisão, é uma manifestação explícita de que, na perspectiva legislativa, se está perante uma situação em que se impõe uma decisão urgente, pelo menos suficientemente urgente para justificar o afastamento da audição prévia, como resulta da inviabilidade de o assegurar nos termos previstos na lei”. (Loc. cit., pp. 429/430, anotação 12 ao art. 52º, pp. 429/430 e anotação 12 ao art. 60º, pp. 512/513.)
Em suma, no caso vertente, a exclusão de audiência do requerente no âmbito do procedimento aqui em causa, encontra fundamentos objectivos de justificação na própria urgência da prolação da decisão, atendendo, desde logo, à natureza e características da execução (celeridade e simplicidade, que interessam, normalmente, ao credor que promove a execução), sendo que a premência do credor ganha aqui especial acuidade com a circunstância de o requerimento de isenção de prestação da garantia poder redundar em efeito suspensivo sobre a execução, aumentando o risco de poderem ser dissipados bens que o credor pretende executar.
E cabendo ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão [incluindo os necessários à demonstração do prejuízo irreparável, concretizando-o e indicando «as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ele não for dispensado da prestação de garantia» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 4 a) ao art. 170º, p. 232). No mesmo sentido cfr. o citado ac. desta Secção do STA, de 23/2/2012, proc. nº 59/2012. )] ele mesmo contribui para a definição do objecto do procedimento, atenuando a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça, o que também acentua o sentido da diminuição da relevância deste direito nestes casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia.
3.4. Por outro lado e de todo o modo, a entender-se que estamos perante mero acto predominantemente processual, também não haverá lugar a direito de audiência prévia, já que à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do art. 60º da LGT (cfr. o citado ac. de 7/3/2012, rec. nº 185/12).
3.5. Em suma, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) – acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou acto predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (art. 60º da LGT) falecendo, pois, a argumentação do recorrente e sendo de confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida, na parte em que assim decidiu”.
Ora, o douto acórdão acabado de transcrever responde na íntegra aos argumentos avançados pela Recorrente nesta sede, razão pela qual o mesmo se mostra aqui inteiramente aplicável e, assim sendo, determinante da improcedência das conclusões 2 a 8 da alegação de recurso, atinentes à preterição do direito de audição.
Importa não esquecer, para manter o discurso aderente à realidade resultante dos elementos juntos aos autos, que o indeferimento objecto de reclamação tem na sua base o entendimento da AT segundo o qual, em face do teor do requerimento, não foram alegados e, consequentemente, provados factos demonstrativos da verificação dos pressupostos da isenção. Daí que não se alcance a pertinência da alusão a supostos novos elementos ou, também, à junção de elementos que a AT reputava necessários. (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 09593/16 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30/04/2015, proferido no âmbito do processo n.º 00224/14.3BEVIS).

Avancemos para a questão da falta de fundamentação do despacho reclamado.
Alegou, também, a Recorrente nas suas conclusões de recurso que o douto despacho reclamado padece de falta de fundamentação. Que tal despacho de indeferimento de dispensa de prestação de garantia não passa de um despacho-modelo copiado de muitos outros processos, elaborado em termos gerais e abstractos de forma a abranger um leque de casos, sem atender especificamente às circunstâncias de cada caso, designadamente às do caso sub judice. Acrescentou que inexiste qualquer fundamento que sustente o despacho reclamado e que num Estado de Direito, como é o nosso, a fundamentação é um elemento estrutural do acto administrativo que, sem ela não é válido, juridicamente. Logo, tem de consistir numa declaração formal expressa, explícita e contextual que traduza a representação externa de um procedimento anterior volitivo e intelectivo da responsabilidade do órgão competente para a decisão e reflicta a sua história racional.
Concluiu que a douta decisão recorrida, ao entender que o despacho se encontrava suficientemente fundamentado, violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 74.°, n.° 1, 75° e 77.°, n.°s 1 e 2, todos da LGT, e ao previsto nos artigos 152.°, n.° 1 e 153.°, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) [cfr. conclusões 10 a 15].
Sucede que a sentença recorrida não se pronunciou expressamente sobre esta questão, não tendo tomado posição acerca da mesma, dado que tal não foi invocado pela reclamante.
Lida a petição inicial, constata-se, efectivamente, que esta questão só agora foi suscitada, porquanto, naquele articulado, a Recorrente se limitou a invocar a violação do direito de audição prévia e a concluir que estão verificados e provados os pressupostos previstos para a dispensa de prestação de garantia. O seu fito direccionou-se para o requisito da insuficiência económica, dado que a decisão reclamada realçou o facto de no pedido de dispensa não se mostrar alegado nem provado este pressupostos. A Recorrente salienta que foi por ter escassez de recursos económicos, por não dispor de meios económicos para prestar garantia que requereu a dispensa de prestação da mesma. Colocando a tónica na afirmação de que os factos que justificam e provam a manifesta falta de meios económicos estão na posse da AT, por serem elementos contabilísticos. No fundo, o cerne da alegação reside na circunstância de os elementos que provam a manifesta insuficiência de meios serem de conhecimento oficioso da AT.
Assim, conforme foi efectuado na decisão recorrida, a factualidade invocada subsume-se a eventual erro nos pressupostos de facto de que enfermará a decisão reclamada e quanto à repartição do ónus da prova.
Pelo exposto, o vício de falta de fundamentação que agora a Recorrente invoca constitui, em rigor, uma questão nova, uma vez que não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Ora, como se extrai da norma do artigo 676.º, n.º 1 do CPC, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas – cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume II, 2007, página 786.
Como agora referido, os recursos jurisdicionais, salvo o dever de conhecimento oficioso, visam apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação - Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 28/05.
E a verdade é que a reclamante nada alegou a respeito do vício de fundamentação nestes autos, podendo, eventualmente, existir um aproveitamento/decalque dos fundamentos do recurso interposto no âmbito do processo n.º 653/17.0BECBR, onde a questão foi colocada na petição inicial, sendo os mesmos os intervenientes processuais em ambos os processos; pelo que, não existindo, aqui, qualquer questão controvertida sobre essa matéria, não tinha o tribunal recorrido que emitir qualquer pronúncia, de facto, sobre a mesma.
Deste modo, este tribunal de recurso não pode conhecer da questão suscitada nas conclusões 10 a 15 das alegações de recurso - cfr. artigo 684.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redacção em vigor à data da interposição do recurso).

Finalmente importa analisar o invocado erro de julgamento quanto aos pressupostos para a dispensa de garantia, tendo em conta que a Recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada na decisão a quo. A este propósito invoca a Recorrente que a decisão de indeferimento da dispensa de prestação de garantia fez uma errada interpretação dos factos e do direito, quando decidiu pela ilegalidade do acto reclamado, violando o disposto nos artigos 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º, n.º 3 do CPPT.
Pela sua pertinência e para melhor compreensão, vejamos o teor da decisão reclamada (cfr. ponto 4 do probatório), que aderiu a informação anterior (cfr. ponto 3 do probatório), no sentido de que a executada deveria demonstrar quais os concretos prejuízos, que em termos de causalidade adequada, provavelmente lhe advirão com a prestação de garantia, e que, simultaneamente, sejam susceptíveis de serem qualificados como irreparáveis.
Quanto ao segundo requisito alternativo da dispensa da prestação de garantia, importa analisar a alegada manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o tratamento da divida exequenda e acrescido, também não fica (também) demonstrado, porque, não obstante, no requerimento apresentado pela reclamante resulta que a mesma começa por alegar... " não dispõe de meios económicos para prestar a garantia ... ". Sendo que o argumento elencado não preenche por si o pressuposto em causa:
«(…) A- PRESSUPOSTOS DE CUJA VERIFICAÇÃO DEPENDE A DISPENSA DE GARANTIA
1 - A prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado; ou
2 - A prestação da garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescidos;
3- Face à nova redacção dada ao n.º 4 do art. 52.º da LGT, dada pelo art. 225.º da Lei nº 42/2016 de 28 de dezembro, salvo melhor interpretação quer se baseie no pressuposto 1., quer no pressuposto 2., será sempre de deferir caso o interessado o requeira e desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Nestes termos, os pressupostos referidos em 1. e 2. são alternativos, ou seja, basta que se verifique um ou outro, enquanto que o pressuposto referido em 3. é sempre de verificação necessária.
O ónus da prova da verificação dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1 da LGT, art. 342.º do Código Civil), neste caso sobre o contribuinte executado.
B- VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Na sequência da análise ao pedido, verifica-se que não se mostra suficientemente fundamentada uma sequer que seja das duas condições essenciais que alicerçam o pedido de dispensa e já anteriormente referidas e cujos fundamentos e provas são ónus do requerente:
1 - A que a prestação de garantia deve ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado, ou
2 - A prestação de garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da divida exequenda e acrescido,
A AT desconhece a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, facto também ele condicional da dispensa da prestação de garantia.
Pelo exposto, tendo em conta as omissões de fundamentação da petição e da falta de junção de qualquer meio de prova por parte da requerente, e por todo o exposto, deve o pedido de dispensa de prestação de garantia ser INDEFERIDO. (…)»
Efectivamente, na decisão reclamada considerou-se que a ora Recorrente não havia alegado e fundamentado suficientemente, nem a existência de prejuízo irreparável, nem a manifesta falta de meios económicos para a prestação da garantia, mais tendo aduzido «a falta de junção de qualquer meio de prova» que comprovasse os pressupostos da dispensa de prestação de garantia, mais fazendo referência aos concretos normativos legais aplicáveis.
Nesta conformidade, a decisão reclamada alude ao quadro normativo aplicável à situação, fazendo expressa menção aos artigos 170.º do CPPT e 52.º, n.º 4, da LGT, bem como também faz referência expressa aos artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º do Código Civil, a respeito do ónus probatório que impende sobre a Executada, ora Recorrente, na situação em apreço.
Vejamos, analisando, antes de mais, a normas aqui em causa.
Nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 4 da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro,
“4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”
Por seu turno estabelece o artigo 170.º, n.º 3 do CPPT que:
o pedido a dirigir ao órgão de execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.”
Sobre o regime da dispensa de garantia pronunciou-se a jurisprudência mais recente nos seguintes termos:
O Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 07795/14, acórdão de 10/07/2014:
“A isenção/dispensa da prestação de garantia em sede do processo de execução fiscal, tem lugar a requerimento do executado, desde que a sua prestação lhe possa causar prejuízo irreparável ou perante a manifesta falta de meios económicos para a prestar, desde que, em ambos os casos, a insuficiência ou a manifesta falta de meios não seja da responsabilidade do executado.”
O Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 77/14, por acórdão de 27/06/2014:
“ (…) a prestação de garantia, com vista à suspensão do processo de execução fiscal, não se esgota na eventual penhora dos bens do activo imobilizado, sendo que existem várias garantias possíveis e legalmente admissíveis, que não implicam necessariamente uma paralisação da actividade da reclamante, além de que a reclamante alega laconicamente que não tem meios financeiros, nem económicos para prestar garantia, no entanto, não concretiza em que medida a prestação de garantia lhe causa um prejuízo irreparável. Ora, impunha-se, pois que a reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia, o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez.”
O STA (do Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 17/10/2012, Processo n.º 414/12:
“(…) é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. (…)”
É esta, também, a posição seguida na doutrina, nomeadamente por Jorge Lopes de Sousa, Diogo Leite Campos e Benjamim Rodrigues, in Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, págs. 427 e 428.
Posto isto, e nunca esquecendo o que Jurisprudência citada definiu relativamente ao regime da dispensa de garantia, mais concretamente relativa à prova da insuficiência ou a manifesta falta de meios, importa apreciar e decidir:
No caso dos autos, a Reclamante fundou o seu pedido de dispensa da prestação de garantia, nos seguintes termos que constam do ponto 2 do probatório: “Sucede que, a requerente padece de escassos recursos económicos, 4º Na verdade, a requerente não consegue fazer face às elevadas despesas que enfrenta, 5º Que são inúmeras, 6º Contando que os créditos também constituem despesas. 7º A verdade é que a requerente tem de fazer face a diversas despesas, 8º Considerando a sua situação económico-financeira, a requerente não dispõe de meios económicos para prestar a garantia exigida por lei. 9º Não obstante estar a canalizar todos os esforços económicos para cumprir pontualmente as suas obrigações. 10º A requerente não dispõe de meios económicos para prestar a referida garantia. 11º Pelo que, vê-se totalmente impossibilitada de prestar a garantia exigida por lei para suspender os presentes autos. 12º E, mesmo que, por remota hipótese, que apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, pudesse prestar tal garantia, sempre isso implicaria um prejuízo irreparável à mesma. 13º De facto, no caso presente, verifica-se uma situação de manifesta falta de meios de garantia. 14º Pois, a prestação de tal garantia geraria uma situação de carência económica do executado, de tal modo que este deixaria de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das suas necessidades básicas.”
No entanto, esta alegação não permite concluir no sentido pretendido pela Recorrente, nem permite o exercício de subsunção da situação fáctica aos pressupostos legais já enunciados anteriormente no artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária para a concessão da dispensa de prestação de garantia, considerando que o pedido deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (cf. decorre do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT).
Com efeito, se a Recorrente pretende a isenção de prestação da garantia, alegando tal direito, é sobre ela que recai a obrigação de provar que se mostram preenchidas todas as condições de que depende tal isenção, pois que daquilo que se trata é de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
Como é evidente, a Recorrente não indica que meios económicos possui e qual a sua situação patrimonial, bastando-se com a arguição de que tem escassos recursos económicos. Depois, alega possuir inúmeras despesas, mas não indica quais, e que valores importam, nem a existência de um qualquer défice entre os débitos e os créditos. Por outro lado, colocando a hipótese de prestar a garantia, limita-se, de modo conclusivo, a referir que tal prestação levaria a uma situação em que deixaria de ter os meios financeiros necessários à satisfação das necessidades básicas, mais uma vez sem especificar a razão por que tal aconteceria, atendendo aos vários modos de prestar garantia que, como é evidente, não implicam o dispêndio do valor monetário correspondente ao valor da garantia a prestar (como é o caso da hipoteca, por exemplo).
Sendo certo que, no que diz respeito ao prejuízo irreparável, «o interessado deverá indicar em que é que ele se concretiza e indicar as razões que levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se não for dispensado da prestação da garantia» o que não realizou manifestamente.
Finalmente, não juntou um qualquer documento ou sugeriu qualquer meio de prova em ordem a demonstrar factualidade concreta da qual se pudesse concluir pela manifesta falta de meios económicos ou o prejuízo irreparável.
E o mesmo sucede na petição inicial da presente Reclamação, em que a Reclamante volta a não especificar, de modo concreto e factual, os pressupostos de que depende a dispensa de garantia, bastando-se com afirmações conclusivas e, quanto a prova, limitou-se a juntar documento interno retirado presumivelmente da sua contabilidade, atinente ao balancete geral, não do ano transacto, mas de há dois anos (cfr. facto provado sob o ponto 6), sem sequer fazer um esforço argumentativo e sustentado da factualidade que se pode retirar de tal documento. Aliás, nada diz quanto à factualidade que porventura se pode extrair da análise de tal documento interno, permanecendo numa situação de non liquet.
Ora, considerando que a Reclamante não alegou factos concretos sobre os rendimentos e despesas que tem, nem sobre os bens móveis ou imóveis que possui, não tendo assim feito a mínima alegação e prova da sua concreta situação económica, nem apresentou ou requereu a produção de qualquer prova, sempre nos leva a concluir pela legalidade da decisão reclamada. (cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão deste TCAN, de 22/03/2018, proferido no âmbito do processo n.º 653/17.0BECBR).
É por este motivo que se mostra destituído de sentido afirmar que a AT tinha a obrigação de proceder à investigação oficiosa, solicitando, eventualmente, os esclarecimentos que entendesse pertinentes, ao abrigo do princípio do inquisitório e da investigação e do dever de colaboração e de cooperação recíproca, e carrear para os autos os elementos concretos de prova que a Recorrente afirmou estarem na sua posse [cfr. conclusões 23 e 24 das alegações de recurso].
Como se observa do teor do requerimento vertido parcialmente no ponto 3 do probatório, a alegação dos factos é efectuada de forma vaga e genérica, existindo apenas uma aparência de a Recorrente estar disposta a comprovar concretamente a sua insuficiência económica e os prejuízos que lhe adviriam da prestação de garantia. Por isso, o apelo ao princípio do inquisitório não pode funcionar cabalmente, precisamente por desconhecimento por parte da AT dos factos concretos indispensáveis para o aplicar.
Ora, tudo foi alegado genericamente, como referimos, impedindo accionar-se o princípio do inquisitório, pois na sua base estarão sempre factos invocados pela parte, aqui Recorrente. Se não foram invocados factos simples, pertinentes, então, não existe susceptibilidade de instrução e prova.
Assim, não se verifica o invocado défice instrutório ou ausência de colaboração por parte da AT, mas antes uma omissão de invocação de factualidade concreta (simples) e consequente falha de produção de prova por parte de quem tinha esse ónus, a Recorrente.
Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos da executada, é sobre a Requerente, ora Recorrente, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores – cfr. Acórdão do TCAN, de 28/04/2016, proferido no âmbito do processo n.º 2303/15.0BEPRT.
Do que vimos dizendo se conclui que a sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe vêm imputados, improcedendo, pois, o presente recurso.

Conclusões/Sumário

I - O pedido de dispensa de prestação de garantia reveste por lei natureza urgente - cfr. artigo 170.º, n.º 4 do CPPT.
II - Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia para obter a suspensão do processo de execução fiscal - como acto materialmente administrativo praticado no processo executivo ou como acto predominantemente processual - é de concluir que não há, nesse caso, lugar ao direito de audiência previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária – cfr. Acórdão do STA, n.º 5/2012, publicado no Diário da República n.º 204/2012, Série I, de 22/10/2012.
III - No primeiro caso, porque a urgência da tramitação - dez dias após a sua apresentação – cfr. artigo 170.º, n.º 4 do CPPT, é incompatível com o prazo entre oito e quinze dias, previsto no artigo 60.º, n.º 8 da LGT, para o exercício daquele direito, que dilataria, anormalmente, o prazo de decisão.
IV - No segundo caso, entende-se não haver lugar ao exercício do direito de audição, porque, sendo um acto predominantemente processual, não se lhe aplicam as regras próprias do procedimento, onde se inclui aquele.
V - O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia, deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (cfr. artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT); sendo sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os factos que preencham os respectivos pressupostos, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
VI - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos que se mostrem controvertidos.
VII - Revelando o requerimento de dispensa de prestação de garantia total omissão de factos integradores dos respectivos pressupostos, não se verifica défice instrutório, por impossibilidade de instrução.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 12 de Abril de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro