Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02237/16.1BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 08/11/2017 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Joaquim Cruzeiro |
Descritores: | INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES LEGITIMIDADE PASSIVA; DELEGADO DE SAÚDE |
Sumário: | I - A legitimidade resulta da utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção pode advir para as partes, tendo em atenção a relação material controvertida tal como é configurada pelo A. II - Integrando-se os Delegados de Saúde na dependência hierárquica do Ministério da Saúde, será esta a entidade que detém a legitimidade passiva para os processos em que esteja em causa uma acção ou omissão praticados por estas autoridades de saúde, nos termos do n.º 2 do artigo 10º e artigo 105º n.º 1 do CPTA.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | MJFES |
Recorrido 1: | Ministério da Saúde |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acorda o colectivo no Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO MJFES vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 16 de Fevereiro de 2017, e que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva do requerido, Ministério da Saúde, no âmbito da intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, e onde era requerido: “…a intimação do Ministério da Saúde, nos termos do disposto nos artigos 104.º e ss do CPTA, para transmitir à Requerente a informação e os documentos por ela solicitados pelo seu Requerimento de 24 de Outubro findo”. Em alegações a recorrente concluiu assim: 1.A sentença sob recurso fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 3º, nºs 2 e 5 do Decreto-lei nº 82/2009, que colocam os delegados de saúde, como as demais autoridades de saúde, na dependência hierárquica do ministro da Saúde. 2. E fez errada interpretação do disposto na Base XIX da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei nº 48/90, que assim sai violada. 3. Fez igualmente a douta sentença errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 8º, nº 1 do Decreto-lei nº 82/2009, ao pressupor que pelo facto de os delegados de saúde estarem “sediados” nos ACES correspondentes à sua área de actuação aquelas autoridades de saúde se encontram integradas na ARS respectiva, sendo em consequência os actos ou omissões imputáveis a estes autoridades de saúde imputáveis à pessoa colectiva ARS, e não ao Estado. 4. Fazendo assim a douta decisão, em consequência de tal entendimento, errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 12º, al. c) da Lei orgânica do Ministério da Saúde, aprovada pelo Decreto-lei nº 124/2011. 5. Bem como errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1º do Decreto-lei nº 22/2012, que aprovou a orgânica das Administrações Regionais de Saúde, I.P.. 6. Ao ter considerado ser o Ministério da Saúde parte ilegítima no presente processo de intimação, quando estava em causa uma omissão imputável a uma entidade integrada na estrutura hierárquica daquele ministério, fez a douta sentença errada interpretação e aplicação à situação em apreço do disposto no artigo 105º nº 1 do CPTA. 7. Ao julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Requerido Ministério da Saúde, e absolvido o Requerido da instância, violou igualmente a douta sentença o disposto no artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. e) do CPTA. 8. Ao ter condenado a Requerente nas custas do processo, a douta decisão incorreu ainda na violação do disposto no artigo 527º, nº 1 do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA. 9. E em matéria de custas viola ainda o nº 5 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais que só admite a condenação em custas quando se conclua “... pela manifesta improcedência do pedido”. 10. O que obviamente não sucede no caso vertente e tão pouco é invocado na decisão impugnada. 11. Pelo que a douta sentença é manifestamente ilegal, e como tal deve ser revogada, e substituída por outra que julgue o Réu Ministério da Saúde parte legítima. O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões: a) A Recorrente pede o provimento do recurso e a anulação da decisão recorrida alegando que a mesma é ilegal. b) Mas sem razão, como se demonstrou. c) A douta sentença recorrida apreciou a exceção suscitada pelo R. respeitante à ilegitimidade passiva do Ministério da Saúde e deu-lhe razão. d) Aplica-se aos processos judiciais administrativos, em matéria de legitimidade passiva, o artigo 10.º do CPTA. e) O n.º 2 do preceito citado dispõe que nos processos intentados contra entidades públicas, “parte demandada é a pessoa coletiva de direito público” “a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.” f) A intimação “deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão” (cfr. o artigo 105.º, n.º 1, do CPTA). g) A Recorrente pretende que o Ministério da Saúde seja intimado a prestar informações e documentos “que se encontram na posse do Senhor Delegado de Saúde de Braga, com domicílio profissional no ACES Cavado 1-Braga”. h) Aliás, a Recorrente, alega que o “autor do ato” é o Senhor Delegado de Saúde de Braga. i) O Senhor Delegado de Saúde de Braga exerce funções no ACES Cavado 1-Braga, o que significa que as informações e os documentos que a Recorrente pretende se encontram na posse do referido Delegado de Saúde que “labora no ACES Cavado 1-Braga”. j) Os ACES-Agrupamentos de Centros de Saúde, “são serviços desconcentrados da respetiva Administração Regional de Saúde, I.P., (ARS, I.P.), estando sujeitos ao seu poder e direção”, (cfr. o artigo 2.º n.º 3 do decreto-lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, com a última redação dada pelo decreto-lei n.º 237/2015 de 7 de outubro). k) Os ACES não têm personalidade jurídica nem judiciária, não tendo, por isso, a possibilidade de serem parte (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º e 2.º al. e) do CPTA). l) Os ACES não têm capacidade para agir em juízo. m) Todavia, os ACES integram as Administrações Regionais de Saúde, I.P., que são institutos públicos “integrados na administração indireta do Estado, sendo dotados de autonomia administrativa, financeira e património próprio” (cfr. o artigo 1.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 22/2012, de 30 de janeiro). n) As ARS, I.P., e, entre elas, a ARS do Norte, I.P., são pessoas coletivas de direito público (cfr. artigos 2.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, da lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, 15.ª versão dada pelo decreto-lei n.º 96/2015, de 29 de maio). o) Sendo pessoas coletivas de direito público, as ARS, I.P., detêm personalidade jurídica própria, “distinta e autónoma da pessoa jurídica Estado, pelo que constituem verdadeiros centros de imputação jurídica de direitos e deveres” (cfr. a douta sentença recorrida. p) Dado que possuem personalidade jurídica própria, “as ARS, I.P., detêm personalidade e capacidade judiciárias próprias” (art.º 8.º-A, n.º 1 e 2 do CPTA; sentença recorrida). q) Terão de ser as ARS, I.P., as “entidades demandadas em Tribunal quando sejam postos em causa atos praticados por membros/funcionários dos «ACES-Agrupamentos de Centros de Saúde» ”, em virtude do regime legal estabelecido no decreto-lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, na redação dada pelo decreto-lei n.º 239/2015, de 7 de outubro, como bem referiu a douta sentença recorrida. r) Porém, não foi isso que aconteceu nos autos. s) A ora Recorrente pretende com a presente intimação, obter documentos e informações “que estão na posse do Senhor Delegado de Saúde de Braga, a exercer funções na ACES Cavado 1-Braga”. t) Pelo que a douta sentença recorrida bem entendeu que “Sendo este o ato que constitui objeto deste processo, teria a Requerente de demandar a entidade «ARS do Norte, I.P.» e não o Ministério da Saúde.” u) Devido que antecede, a douta sentença recorrida julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva do R. e absolveu o Ministério da Saúde da instância. v) Pelos mesmos fundamentos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e o R. Ministério da Saúde absolvido da presente instância. As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar: Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA. A decisão recorrida não autonomiza matéria de facto. Assim sendo, optamos por proceder à sua transcrição da decisão de onde decorre a matéria de facto considerada relevante para apreciação da questão em apreço. Refere a decisão recorrida: Refere o artigo 2º n.º 1 deste Decreto-Lei, com a epígrafe, definição, que: Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por autoridade de saúde a entidade à qual compete a decisão de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, na prevenção da doença e na promoção e proteção da saúde, bem como no controlo dos fatores de risco e das situações suscetíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde dos cidadãos ou dos aglomerados populacionais. Por seu lado são autoridades de Saúde: Por seu lado refere o seu artigo 3º que: 1 - As autoridades de saúde exercem poderes no âmbito territorial correspondente às áreas geográficas e administrativas de nível nacional, regional e local, definidas conforme a Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS) em vigor, funcionando em sistema de rede integrada de informação. 2 - As autoridades de saúde dependem hierarquicamente do membro do Governo responsável pela área da saúde, através do diretor-geral da Saúde. 3 - A autoridade de saúde de âmbito nacional é o diretor-geral da Saúde. 5 - As autoridades de saúde de âmbito local são denominadas delegados de saúde coordenadores e delegados de saúde. Ainda e de acordo com o artigo 4º: 1 - As funções inerentes ao exercício do poder de autoridade de saúde são exercidas com autonomia técnica e são independentes das de natureza operativa dos serviços de saúde. 2 - As autoridades de saúde, no exercício do seu poder e competências, dispõem de apoio, a nível técnico, jurídico, de recursos humanos e logístico, que é assegurado pelos departamentos de saúde pública das administrações regionais de saúde ou pelas unidades de saúde pública dos agrupamentos de centros de saúde ou das unidades locais de saúde das respetivas áreas de intervenção, ou ainda, por outras unidades orgânicas integradas na administração regional de saúde territorialmente competente. Verifica-se do exposto que os delegados de saúde, a entidade a quem foi pedida, nos autos, que prestasse a informação solicitada, integram as denominadas autoridades de saúde, que se encontram dependentes hierarquicamente do membro do Governo responsável pela área da saúde, através do Director-Geral da Saúde. São nomeados pelo Director-Geral de Saúde, ainda que por proposta do conselho directivo da respectiva Administração Regional de Saúde. Assim sendo, integrando-se os Delegados de Saúde na dependência hierárquica do Ministério da Saúde, será esta a entidade que detém a legitimidade passiva para os processos em que esteja em causa uma acção ou omissão praticados por estas autoridades de saúde, nos termos do n.º 2 do artigo 10º e artigo 105º n.º 1 do CPTA. Pelo exposto, conclui-se que não se pode manter a decisão recorrida que deverá assim ser revogada, devendo os autos baixar à 1ª instância para aí prosseguirem se a tal nada mais obstar. No que se refere às custas, os processo para intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões estão sujeitos às regras gerais de custas, ao contrário do referido pelo recorrente. Apenas as intimações para protecção direitos liberdades e garantias estão isentos de custas, nos termos do nº 2 alínea b) do artigo 4º do RCP. Assim sendo, vai o recorrido condenado nas custas. 3. DECISÃO Porto, 11 de Agosto de 2017 |