Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:01/30/2007
Processo:01542/06
Nº Processo/TAF:256/04.0BEALM
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:SEGUNDA AVALIAÇÃO DE UM TERRENO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – A EXCELENTÍSSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional do douta sentença de fls. 75 a 81, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação deduzida por H ….. e J ……. do acto da segunda avaliação que fixou o valor de € 28 710,00 ao lote de terreno para construção urbana, inscrito na matriz sob o artigo 15530, correspondente ao lote 14 da Urbanização da Carrasqueira, Rua dos Girassóis, sito na freguesia do Castelo, em Sesimbra.

Após alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:


“1ª – A 2ª avaliação não enferma dos vícios que lhe são apontados;

2ª – A 2ª avaliação teve por base a área indicada na declaração modelo 129;

3ª – Quer a 1ª quer a 2ª avaliação tiveram por base a declaração modelo 129, preenchida e entregue pelo impugnante;

4ª - O impugnante só entregou uma única declaração modelo 129;

5ª Da única declaração modelo 129 entregue pelo impugnante constava como área do prédio, os 957m2 que serviram de base quer à 1ª quer à 2ª avaliação;

6ª O impugnante nunca entregou qualquer outra declaração modelo 129, declarando área diferente para aquele prédio;

7ª A comissão de avaliação não dispunha, ao tempo quer da 1ª, quer da 2ª avaliação, de nenhum documento oficial que sustentasse a alteração pretendida pelo impugnante.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vs. Exas. Se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, com todas as consequências legais”.

2 - Lendo e relendo as alegações e as conclusões do recurso não encontramos uma única norma jurídica que a recorrente entenda ter sido violada pela douta sentença recorrida.
Diz o Ac. deste TCA, de 27/04/00, Proc. nº 1490/98, que passamos a citar:

”I – É imperativo processual a apresentação na peça alegatória de recurso jurisdicional das conclusões, isto é, de uma síntese dos fundamentos por que o recorrente pede a alteração ou a anulação da sentença impugnada.
II – Tais conclusões, que funcionam como condição da actividade do tribunal de recurso, servem para o recorrente expor com boa ordem, método, disciplina e de uma forma concisa as razões jurídicas que entende assistirem-lhe para obter o provimento do recurso.
III – (…).
IV – Por isso, se nas conclusões nenhum reparo ou juízo critico for feito à sentença recorrida através da menção das normas jurídicas por ela violadas, esta deve ter-se por transitada em julgado e o tribunal "ad quem" não tem que conhecer do recurso”.

(Ainda no mesmo sentido cf., entre outros, Ac. STA, de 15/03/01, Recurso 32607; Ac. STA, de 04/06/97, Pleno, Recurso 31245; Ac. TCA, de 20/06/02, Recurso 4583/00; de 15.10.98, Recurso 1400/98).

Não se imputando à sentença recorrida quaisquer vícios e erros de julgamento, não deve tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso jurisdicional.

3 - Ainda que assim se não entenda, a sentença recorrida não merece, a nosso ver, qualquer censura, dado ter feito uma correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade que, com pertinência, vem fixada.

Para julgar procedente a impugnação, a douta sentença recorrida entendeu “que o acto impugnado carece de fundamentação o que constitui fundamento de anulação do acto de fixação do valor patrimonial impugnado”. E isto porque resulta do probatório que o termo de 2ª avaliação apenas refere que “A comissão de avaliação, atendendo à localização, à envolvente do lote e às infra-estruturas existentes deliberou por unanimidade manter o valor patrimonial de € 28 710,00 atribuído pela 1ª comissão de avaliação”.
E, continuando, acrescenta a sentença:
Desde logo, não se precisa concretamente quais as infra-estruturas existentes, não se caracteriza a envolvente do lote, nem sequer faz referência à área do lote, facto que motivou o pedido de segunda avaliação”.
Na verdade, é patente que a fundamentação constante do Termo de 2ª Avaliação é genérica, e insuficiente, não concretizando as razões que levaram à prática do acto, e nem sequer faz referência aos elementos caracterizadores do lote, como a área”.
“Ora, havendo um pedido de segunda avaliação onde concretamente foi colocado em causa a área do lote de terreno com base no qual foi obtido o valor fixado na 1ª avaliação (repare-se que nesta 1ª avaliação o valor do lote foi obtido pela mera operação aritmética de multiplicar os metros quadrados do terreno que constava da modelo 129 apresentada pelo impugnante por € 30), a fundamentação da segunda avaliação tem de ser clara de forma a que um destinatário normal compreenda o porquê de se manter o valor da 1ª avaliação, o que manifestamente não sucede no caso em apreço, onde se faz tábua rasa do alegado pelo impugnante no seu requerimento de 2ª avaliação, e, por outro lado, no próprio termo de avaliação não se menciona sequer a área do lote, não se tomando posição sobre tal facto controvertido”.

Na esteira do Ac. deste TCA de 08/05/03, Processo 05089/00, que passamos a citar “o recurso jurisdicional destina - se a rever as decisões recorridas, dentro dos fundamentos por que se recorreu, face ao princípio do dispositivo das partes, que opõem ao julgado as razões de facto e de direito da sua dissidência, sintetizando - as nas conclusões da alegação e assim determinando o objecto de cognição do Tribunal “ad quem” (cfr. Ac. do STA (P) de 18/2/2000, Rec. nº 36594).
(...)
Assim, nos recursos jurisdicionais, o “thema decidendum”é fixado pelas conclusões formuladas nas alegações respectivas, pelo que aqueles só abrangem as questões nestas contidas.
Por isso, a não impugnação, nas conclusões da alegação do recorrente, dos fundamentos da decisão recorrida implica o trânsito em julgado desta, impedindo o Tribunal de recurso de conhecer do objecto do recurso jurisdicional.
E o mesmo sucederá por restrição tácita do objecto inicial do recurso, nos termos do nº 3 do art. 684º do C.P.Civil, se a não impugnação nas referidas conclusões se reporta a uma das decisões contidas na sentença recorrida cuja manutenção é suficiente para justificar o decidido na parte dispositiva de tal sentença”.

Nas conclusões do presente recurso jurisdicional, a recorrente apenas faz reparo à douta sentença no que se refere à área do lote de terreno e não aos restantes motivos por que foi entendido que o acto impugnado carecia de fundamentação.
Assim, poder - se - á considerar que tais conclusões contêm implícita a sua dissidência apenas quanto a esta questão, mas já não no que respeita aos restantes fundamentos de anulação do acto impugnado.
Ora, esses fundamentos (não se precisar concretamente no Termo da segunda avaliação quais as infra-estruturas existentes nem se caracterizar a envolvente do lote) já eram por si só suficientes para que o acto impugnado fosse anulado por ausência de fundamentação e, consequentemente, fosse mantida a sentença recorrida.

Com efeito, no que concerne à fundamentação, dispunha o artigo 21º do CPT, sob a epígrafe “direito à fundamentação”, que “as decisões em matéria tributária, que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos, de facto e de direito”.
Tal direito constituía garantia expressa dos contribuintes, nos termos do artigo 19º, al. b), do mesmo diploma.
Aliás, o referido direito, com relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional (artigo 268º, nº 3 da CRP).
Por força do disposto no nº 1 do artigo 77º da LGT, a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Conforme decorre suficientemente dos autos, não se precisando concretamente no Termo da segunda avaliação quais as infra-estruturas existentes nem se caracterizando a envolvente do lote, nenhum destinatário normal ficaria a conhecer o iter lógico pelo qual a comissão fixou o valor de € 30 por m2 e não outro.

Ainda que assim não fosse,

4 – A discordância da recorrente quanto à questão da área não pode aceitar-se.
Segundo ela, a comissão de avaliação não tinha que se pronunciar sobre a área do lote (assim como não se pronunciou, omitindo qual a área respectiva, ao referir no respectivo termo de avaliação: “Trata-se de um lote de terreno para construção urbana com a área de sito na rua dos Girassóis, lote 14 (…) (cfr. termo de fls. 56 do processo administrativo).
Isto apesar de a respectiva área ter sido certificada através de levantamento topográfico efectuado pela Câmara Municipal de Sesimbra (cfr. alínea f) da matéria de facto dada como provada e da certidão passada por aquela autarquia (junta a fls. 37), que refere: “Face ao levantamento topográfico apresentado e após análise deste verifica-se que, de facto, a propriedade possui a área descrita em levantamento – 616,60 m2 – contra os 957,00 m2 registados. Existe, assim, um diferencial de 340,40 m2, o qual pressupõe terem sido absorvidos pelo aluimento junto à ribeira que confronta com o referido lote”.
Apesar disso, a recorrente entende que a área do lote é a que consta da declaração modelo 129, apesar de saber que essa área não era de 957m2, mas sim de 616,60m2.
Ou seja, para a recorrente pouco interessa que o nº 2 do artigo 5º da Lei Geral Tributária (LGT) estabeleça que “A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material” (sublinhado nosso).
Para ela não importa que se esteja a tributar 340, 40m2, mais de metade (957m2 – 616,60), de um terreno que não existe fisicamente. Se existir na declaração modelo 129 é quanto basta.

Tal critério não encontra na lei qualquer apoio.

6 – Em conclusão, entendendo que sentença recorrida não merece qualquer censura, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.